Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ERNESTO NASCIMENTO | ||
Descritores: | FURTO QUALIFICADO ESTABELECIMENTO DE ENSINO ESCALAMENTO | ||
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Nº do Documento: | RP20150526436/12.4GBVNG.P1 | ||
Data do Acordão: | 05/26/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | Os furtos praticados através da introdução por escalamento no interior de um estabelecimento de ensino, integram-se na previsão dos artºs 202º d), 203º1, e 204º 2 e) CP. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo comum colectivo 436/12.4GBVNG da Comarca do Porto, Vila Nova de Gaia, Instância Central, 3.ª Secção Criminal, J2 Relator - Ernesto Nascimento Adjunto – Artur Oliveira Acordam, em conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório I. 1. Efectuado o julgamento foi o arguido B… condenado, por 6 crimes de furto qualificado, pp. e pp. pelas disposições conjugadas dos artigos 203.º/1 e 204.º/2 alínea e) C Penal – um deles ainda, que desqualificado, nos termos do n.º 4 - na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão. I. 2. Inconformado, recorreu o arguido, pugnando por que, in casu, a subtracção de objectos de uma escola, ainda que totalmente vedada, não sendo nem uma casa, nem um espaço fechado dela dependente, não é susceptível de integrar o tipo legal pelo qual vem condenado, antes e tão só, o tipo legal de furto qualificado, em primeiro grau, p. e p. pelo artigo 204.º/1 alínea f) C Penal - o que desde logo, conduziria a aplicação de penas menos graves e, de qualquer forma, a redução da pena, para valor nunca superior ao mínimo legal e ainda assim, pela suspensão da sua execução. I. 3. Respondeu o Magistrado do MP., pugnando pela manutenção do decidido. II. Subidos os autos a este Tribunal o Exmo. Sr. Procurador Geral Adjunto, no seu parecer, veio defender, da mesma forma, o não provimento do recurso. No exame preliminar o relator deixou exarado o entendimento de que o recurso foi admitido com o efeito adequado e que nada obstava ao seu conhecimento. Seguiram-se os vistos legais. Foram os autos submetidos à conferência e dos correspondentes trabalhos resultou o presente acórdão. III. Fundamentação III. 1. Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas - a não ser que sejam de conhecimento oficioso - que neles se apreciam questões e não razões e que não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, as questões suscitadas no presente prendem-se, tão só, com a questão, da qualificação jurídico-penal dos factos e, da medida e espécie da pena. III. 2. Apreciando. III. 2. 1. A subsunção dos factos ao Direito III. 2. 1. 1. As razões do arguido. Todos os furtos ocorreram no interior de estabelecimentos de ensino, a cujo interior o arguido acedeu depois de subir e saltar a vedação que circunda totalmente o recinto de cada uma delas. Na sequência da qualificação jurídica dada aos factos na acusação, na sentença veio a ser condenado pela prática de 6 crime de furto qualificado, pp. e pp. pelas disposições conjugadas dos artigos 203.º/1 e 204.º/2 alínea e) C Penal. Contra esta qualificação jurídica insurge-se o arguido pugnando pelo entendimento de que espaço fechado tem o sentido de lugar fechado dependente de casa, onde não se integra a vedação que circunda, totalmente, o recinto da escola, pugnando assim por que os factos serão susceptíveis, tão só, de integrar o tipo legal de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º/1 e 204.º/1 alínea f) C Penal. III. 2. 1. 2. Atentemos. III. 2. 1. 2. 1. A propósito do crime de furto, dispõe o artigo 203.º/1 C Penal, no que se pode considerar como o tipo-base, que, “quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com multa”. Prevê depois, o artigo 204.º, no seu n.º 2 e no seu n.º 2, respectivamente, 2 tipos de furto qualificados – em 1.º e em 2.º graus, a que correspondem, consoante a maior ou menor gravidade das circunstâncias, modificativas agravantes, dois escalões ou níveis de qualificação. As circunstâncias qualificadoras do tipo legal de furto – ao contrário do que acontece quanto ao crime de homicídio - são elementos do tipo legal, são taxativas e de funcionamento automático, o que, desde logo, como assinala o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, tem importantes implicações: “por um lado, o tribunal não pode alargar o âmbito de uma circunstância legal, subsumindo-lhe uma situação da vida análoga e, por outro, não pode rejeitar a subsunção ao tipo qualificado de uma situação da vida formalmente cabível nalguma das alíneas dos n.ºs 1 e 2 do artigo 204.º, mas que não revela um especial desvalor de acção ou de resultado”, cfr. Acórdão deste tribunal de 20.11.2013, in site da dgsi. A enunciada diferença de gravidade está bem reflectida no caso dos autos. Enquanto que a decisão recorrida integrou as diversas condutas do arguido na previsão da alínea e) do n.º 2, este defende, agora, que o deveriam ter sido tão só, na previsão da alínea f) do n.º 1. Assim. Quer na alínea f) do n.º 1, quer na alínea e) do n.º 2 está prevista como circunstância qualificativa a introdução/penetração ilegítima ou ilegal em habitação, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado. A diferença entre uma previsão e a outra está nos meios através dos quais a introdução tem lugar. Se para o preenchimento do tipo de furto qualificado da alínea e) do n.° 2 do artigo 204.° não basta que o agente pratique o furto após penetrar em algum dos espaços ali referidos, exigindo-se ainda que a penetração se tenha processado por algum dos meios específicos que o legislador define, a saber: arrombamento, escalamento ou chaves falsas, já o mesmo não acontece na previsão da alínea f) do n.º 1 – para a qual basta a introdução ilegítima ou a permanência escondido com intenção de furtar. Em ambos os casos - saliente-se – a matriz é comum: habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado. Por sua vez, as noções legais de arrombamento, escalamento ou chaves falsas, estão consagradas no artigo 202.º, respectivamente, nas alíneas d), e) e f). No que ao caso interessa a noção de “escalamento“ é a de “introdução em casa ou em lugar fechado dela dependente, por local não destinado normalmente à entrada, nomeadamente por telhados, portas de terraços ou de varandas, janelas, paredes, aberturas subterrâneas ou por qualquer dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada ou passagem”. Assim, só existe escalamento em relação a casa ou a alugar fechado dela dependente. III. 2. 1. 2. 2. Escalamento que, por não poder, materialmente, acontecer em relação aos veículos automóveis - com o objectivo de fazer equivaler ambas as circunstâncias de escalamento e de arrombamento a bens da mesma natureza - é que na Reforma operada em 1995, se eliminou a referência, que constava na versão primitiva do C Penal de 1982, em relação ao arrombamento - este já materialmente, possível - a referência a “móveis destinados a guardar quaisquer objectos” que constava do artigo 298.º/1 Assim ficou equivalente a aplicação quer do arrombamento, quer do escalamento – apenas a casas ou a lugares fechados delas dependentes. Nesta sequência, de resto, veio o STJ a decidir através do então Assento 7/2000 - a propósito de um furto, com arrombamento em veículo automóvel é certo - que, “não é enquadrável na previsão da alínea e) do n.º 2 do artigo 204.º C Penal a conduta do agente que, em ordem à subtracção de coisa alheia, se introduz em veículo automóvel através do rompimento, fractura ou destruição, no todo ou em parte, de dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada no interior daquele veículo”. Isto porque, a expressão “espaço fechado” que consta da referida norma - e também da alínea f) do n.º 1 - tem, forçosamente, de ser entendida com o restrito sentido de lugar fechado dependente de uma casa, que no entanto, na dimensão que o conceito assume, não é de confinar ou restringir o conceito que se tenha de “casa” ou de mera habitação, pois que nele não só se devem incluir os estabelecimentos comerciais ou industriais - expressamente referidos na alínea e) do n.º 2 do artigo 204.º - como, igualmente, outras realidades que, como “casa”, devam ser consideradas na perspectiva daquela citada alínea, v. g., casas de arrecadação, de abrigo, de recolha de alfaias agrícolas, etc. Conceito que não consente, na ratio da sua amplitude, os veículos automóveis, pois que apresentam, desde logo, uma afectação específica a uma finalidade própria: a de transporte. E logo esta afectação basta para repelir qualquer ponto de contacto, qualquer aproximação ou qualquer sinonimização entre veículos automóveis e o conjunto (diversificado embora) das realidades que podem (ou que possam), sem esforço ou artificial expediente, merecer integração num conceito adequado (ainda que flexível) de “casa”. III. 2. 1. 2. 3. Atentemos desde já no conceito de lugar fechado dependente de casa. No que deve ser entendido como o recinto que dá acesso à casa e que não precisa de ser vedado. É o pátio, o jardim ou o terraço ligado à casa e com passagem para ela. “Aliás, como, lapidar e consequentemente, se enfocou no citado Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 1998 “no conceito de outro espaço fechado”, cabem as “casas” de habitação, de estabelecimento comercial e industrial e ainda as outras casas que não podem incluir-se nessas realidades, bem como os lugares fechados delas dependentes, logo de seguida se pormenorizando que “nestes lugares fechados se incluem, por exemplo, os jardins murados e fechados anexos às “casas”, apud referido Assento 7/2000. Donde, ressalta a ideia, como se referiu, ainda, neste aresto, que, “visível será também que o legislador reservou a qualificativa agravativa decorrente da alínea e) do n.º 2 do artigo 204.º C Penal para os condicionalismos em que é posto em causa o valor jurídico «casa» ou realidades congéneres ou aproximadas (valor que, directa ou indirectamente, se prende ou se liga com ou a ideia de respeito pela privacidade e pela segurança especial que a deve envolver), concedendo-lhes, assim, uma específica coloração rigorizadora da sua violação, diversa, por mais gravosa, da que confere em relação aos veículos automóveis, mesmo que esta categoria de bens se tenha transformado, nos dias de hoje, num factor utilitário importante ou num pretenso índice de afirmação social”. As razões que levaram o legislador a prever o agravamento da moldura penal abstracta é sinal de protecção acrescida ao bem jurídico que se visa tutelar – “casa” ou realidades congéneres ou aproximadas (valor que, directa ou indirectamente, se prende ou se liga com ou a ideia de respeito pela privacidade e pela segurança especial que a deve envolver), concedendo-lhes, assim, uma específica coloração rigorizadora da sua violação, diversa, por mais gravosa. Ora, se o que reclama uma tutela penal reforçada é a habitação e o estabelecimento comercial ou industrial, então é compreensível que os espaços fechados que devem ter a mesma protecção acrescida sejam, apenas, os dependentes da casa, os que lhe são adjacentes e com ela estejam conexionados. Da conjugação das normas contidas nas alíneas e) do n.º 2 do artigo 204.º com a noção de escalamento, contida na alínea e) do artigo 202.º, há que afirmar que o conceito de “outros espaços fechados” consagrado naquela, tem de ser conjugado com a definição dada por esta, pelo que aqueles “outros espaços fechados” correspondem aos lugares fechados dependentes das casas de habitação, de estabelecimento comercial ou industrial. Daí que se venha entendendo que o espaço onde está instalado o estaleiro de uma obra de construção civil ou, mesmo, uma casa em construção, ainda que vedados com rede, não integram o conceito legal de “outro espaço fechado”, por não corresponderem a uma casa nem a um espaço fechado dela dependente. III. 2. 1. 2. 4. Abandonando agora a aproximação que fizemos ao tema do recurso, através da análise da questão do espaço dependente de casa, para entrar no de “casa”, propriamente dito. E como casa deve entender-se, que será todo o espaço físico, fechado, destinado a habitação ou a outras actividades de vivência do ser humano - assim incluindo não só as casas de habitação, mas também as casas de utilização comunitária — casas do povo, de saúde, de Justiça, de desporto, de educação, de convívio, da política - e as casas destinadas ao exercício de comércio ou indústria. Quanto à decisiva questão de furto cometido em escola, devemos, desde já, referir que já no longínquo ano de 1988 este Tribunal decidiu pelo Acórdão de 6.1. que “constitui escalamento a introdução numa escola através de uma janela, embora situada a menos de 1 metro de altura do solo”, in CJ, I, 219. Como o STJ através do Acórdão de 9.6.1999, apud Maia Gonçalves, C Penal Português, anotado e comentado, 17.ª edição, decidiu que, na norma contida na alínea e) do n.º 2 do artigo 204.º C Penal, “se está ainda a pensar em espaços físicos que são susceptíveis de penetração, apenas se acrescentando a função que eles desempenham, donde por forma idêntica, a sede de um partido político estará aí contemplada através da expressão “outro espaço fechado”, como local ou “casa” em que se encontra instalada e, consequentemente se encontra abrangida pelas alíneas d) e e) do artigo 202.º”. “O conceito de casa abrange a casa de habitação, mas também qualquer outro espaço físico fechado que possa ter a configuração de uma casa ou que funcione como tal, sendo ou não habitável, mas desde que corresponda e se encontre destinado a domicílio ou então ao exercício de qualquer actividade comercial ou industrial ou mesmo de serviços – ainda que inexplicavelmente esta última referência não se encontre expressamente no descritivo dos crimes de furto qualificado” - entendimento expresso no Acórdão deste Tribunal de 7.11.2012, in site da dgsi, com o qual, e, com a devida vénia, não podemos deixar de concordar. Ou como se disse no Acórdão ainda deste Tribunal de 16.5.2012, in site da dgsi, em que foi relator o Sr. Desembargador aqui adjunto, se “o que verdadeiramente reclama uma tutela penal reforçada é a habitação e o estabelecimento comercial ou industrial, conceitos que, para este efeito, incluem os espaços fechados limítrofes, anexos ou a eles agregados, havendo um reduto de mais-valias ligado ao espaço físico dedicado à habitação e ao estabelecimento comercial ou industrial e suas dependências contíguas e fechadas que o legislador entendeu ser merecedor de uma tutela acrescida do bem jurídico”, então também as designadas casas da Justiça, da saúde, do povo, de educação, de convívio, da política, merecem a mesma tutela. Donde nenhuma censura merece o decidido, pois que, em conclusão, os furtos levados a cabo pelo recorrente, no interior de estabelecimento de ensino, preenche os elementos do tipo legal de crime de furto qualificado, pela circunstância do escalamento, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 202.º alínea d), 203.º/1 e da alínea e) do n.º 2 do artigo 204.º C Penal. III. 2. 2. A medida da pena. Como é sabido a questão da medida da pena não é do conhecimento oficioso por parte do tribunal de recurso. Para o efeito de determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena, o juiz serve-se do critério global contido no artigo 71º C Penal, estando vinculado aos módulos – critérios de escolha da pena constantes do preceito. Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar. O dever jurídico, substantivo e processual de fundamentação visa justamente tornar possível o controlo da decisão sobre a determinação da pena. Acerca da questão da cognoscibilidade, controlabilidade da determinação da pena, no âmbito do recurso, há que dizer que a intervenção do tribunal nesta sede, de concretização da medida da pena e do controle da proporcionalidade no respeitante à sua fixação concreta, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada. Vem-se entendendo que se pode sindicar a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação dos factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro de prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada. As finalidades da pena são, nos termos do artigo 40º C Penal, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Na determinação da pena, o juiz começa por determinar a moldura penal abstracta e, dentro dessa moldura, determina depois a medida concreta da pena que vai aplicar, para, de seguida, escolher a espécie da pena que efectivamente deve ser cumprida. Por sua vez, nos termos do artigo 71º/1 e 2 C Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se, em cada caso concreto, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a seu favor ou contra ele. Diz Figueiredo Dias[1], que “só finalidades relativas de prevenção, geral e especial, não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. (...) Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de reintegração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida”. Mais à frente[2], esclarece que “culpa e prevenção são os dois termos do binómio com o auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena em sentido estrito”. Acrescenta, também, o mesmo Autor[3] que, “tomando como base a ideia de prevenção geral positiva como fundamento de aplicação da pena, a institucionalidade desta reflecte-se ainda na capacidade para abranger, sem contradição, o essencial do pensamento da prevenção especial, maxime da prevenção especial de socialização. Esta (…) não mais pode conceber-se como socialização «forçada», mas tem de surgir como dever estadual de proporcionar ao delinquente as melhores condições possíveis para alcançar voluntariamente a sua própria socialização (ou a sua própria metanoia); o que, de resto, supõe que seja feito o possível para que a pena seja «aceite» pelo seu destinatário - o que, por seu turno, só será viável se a pena for uma pena suportada pela culpa pessoal e, nesta acepção, um pena «justa». (…) A pena orientada pela prevenção geral positiva, se tem como máximo possível o limite determinado pela culpa, tem como mínimo possível o limite comunitariamente indispensável de tutela da ordem jurídica. É dentro destes limites que podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial - nomeadamente de prevenção especial de socialização - os quais, deste modo, acabarão por fornecer, em último termo, a medida da pena. (…) E é ainda, em último termo, uma certa concepção sobre a ordem de legitimação e a função da intervenção penal que torna tudo isto possível: parte-se da função de tutela de bens jurídicos; atinge-se uma pena cuja aplicação é feita em nome da estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada; limita-se em seguida esta função pela culpa pessoal do agente; para se procurar atingir a socialização do delinquente como forma de excelência de realizar eficazmente a protecção dos bens jurídicos”. III. 2. 2. O caso concreto. Passando então à apreciação do recurso, haverá que recordar que a moldura penal abstracta da pena, é de prisão de 2 a 8 anos, em relação a 5 dos crimes e de prisão até 3 anos, ou multa, naquele que é desqualificado pelo valor. III. 2. 2. 1. 1. As razões do arguido. O arguido defendendo que a determinação da medida da pena te que ter em conta a culpa do agente e as exigências de prevenção, alega que na decisão recorrida, apesar de se ter enunciado as circunstâncias que depõem a seu favor – a confissão e o arrependimento, a sua inserção familiar e social e, actual inserção laboral - no entanto não se considerou que a maioria dos objectos foi recuperada – alguns deles já estavam danificados e sem reparação – que o valor deles foi dado com referência à data da sua aquisição, o que faz com que, ainda para mais, tratando-se de material informático, sofra uma desvalorização, não se tendo, ainda atendido ao facto de o arguido à data dos factos estar desempregado, consumir cocaína, heroína e haxixe e que após tratamento no CAT de Vila Nova de Gaia se encontrava abstinente desde 2013, para daqui concluir por que a probabilidade de voltar a cometer crimes contra a propriedade ser reduzida, terminando, ainda por salientar que as anteriores condenações por si só, não serão impeditivas “a priori” de se decretar a suspensão da execução da pena. III. 2. 2. 1. 2. Os fundamentos da decisão recorrida. A propósito da operação de determinação da medida da pena e, para se afirmar como adequadas as penas parcelares de 6 meses, 2 anos e 4 meses, 2 anos e 2 meses e, 2 anos e 6 meses, por 3 vezes e a pena única de 5 anos e 6 meses de prisão, expendeu-se na decisão recorrida da forma seguinte: “em desfavor do arguido e como circunstâncias agravantes da sua conduta importa considerar: o grau de ilicitude mostra-se relevante quanto aos 3 crimes de furto ocorridos em MAI2012, atento o valor dos objectos subtraídos (superior a € 102, um, superior a € 500 outro e, os de MAI, nos valores de € 2.250,00 e 1.500,00 por duas ocasiões); o modo de execução dos crimes de furto ocorridos em 23/24JAN2012 e MAI2012 - o arguido agiu em comum acordo e conjugação de esforços com mais uma pessoa, o que também conduz a uma elevada intensidade da ilicitude; a gravidade das consequências do crime de furto cometido a 16/17JAN2012 - foi partido o vidro de uma porta de um dos pavilhões, no valor de € 71,99; a gravidade das consequências do crime de furto cometido em 4/7MAI2012 - foi parido o vidro de uma janela e de um porta de um dos pavilhões, no valor de € 65,20; a gravidade das consequências do crime de furto cometido em 14/15MAI2012 – foi partido o vidro da porta de um dos pavilhões, no valor de € 50,18; a gravidade das consequências do crime de furto cometido em 18/21MAI2012 – foi partido o vidro de uma janela e de um porta de um dos pavilhões, no valor de € 94,95; a especial intensidade do dolo – o arguido agiu com dolo directo em todos os crimes; a circunstância de à data dos factos já ter sido condenado em Tribunal, por 3 vezes, pela prática de crime de condução ilegal; no que concerne à gravidade das consequências dos furtos cometidos em 23/24JAN, 10/12FEV, 4/7MAI e 18/21MAI cumpre assinalar que foram recuperados alguns objectos mercê da intervenção policial; no que respeita à gravidade das consequências do furto praticado em 14/15MAI, há a salientar que foram recuperados alguns objectos subtraídos por o arguido ter abandonado os mesmos no chão da escola; a favor do arguido e como circunstâncias atenuantes importa salientar: a confissão de quase toda a sua apurada conduta e o seu arrependimento; a sua inserção familiar; a sua inserção social e, a sua actual inserção laboral; as circunstâncias de prevenção especial mostram-se medianas atenta a natureza dos antecedentes criminais do arguido; as circunstâncias de prevenção geral são de elevado relevo atenta a frequência com que crimes dessa natureza vêm sendo praticados entre nós e o alarme social que causam”; e a propósito da pena única – numa moldura de 2 anos e 6 meses a 12 anos e 6 meses, “o conjunto dos factos; a personalidade do arguido vertida nos factos; as suas condições pessoais e o período de tempo que mediou a prática de todos os crimes – não como ali consta, desde 5ABR e durante o mês de MAI – mas, sim, entre JAN e MAI”. Isto depois de se ter julgado como provado, que, “o arguido possui o 6º ano de escolaridade; iniciou a sua vida profissional aos 18 anos de idade na construção civil, tendo trabalhado vários anos em conjunto com alguns familiares em regime eventual e trabalhou ainda alguns meses no sector fabril e na área da panificação; após a sua separação conjugal manteve-se predominantemente inactivo; à data dos factos encontrava-se desempregado, sendo a sua subsistência assegurada pelos pais; actualmente trabalha em festas populares, auferindo cerca de 300 a 400 euros por mês; à data dos factos vivia com os pais, situação que se mantém; à data dos factos consumia cocaína, heroína e haxixe; entretanto submeteu-se a tratamento no CAT de Vila Nova de Gaia, referindo estar abstinente desse 2013; contraiu matrimónio em 2006 do qual tem um filho de 8 anos, a cargo da mãe, tendo-se separado em Janeiro de 2011; foi já anteriormente condenado: em 2000, pelo crime de condução ilegal, em pena de multa; em 2002, pelo mesmo crime, na pena de 4 meses de prisão, suspensa por 2 anos; em 2004, ainda, pelo mesmo crime, na pena de 1 ano de prisão suspensa por 3 anos; em 2012 pelo crime de furto qualificado, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa por igual período, sujeita a regime de prova; em 2013, ainda, por furto qualificado, na pena de 1 ano de prisão suspensa, também pelo mesmo período, e também sujeita a regime de prova; ainda em 2013, pelo crime de violência doméstica, na pena de 3 anos de prisão suspensa pelo mesmo período com sujeição a regras de conduta; e, finalmente, ainda em 2013, pelo crime de furto qualificado, tentado, na pena de 8 meses de prisão, substituída por 240 horas de trabalho a favor da comunidade”. Materialidade esta que agora se tem que ter como definitiva e intangível – dado que o recurso apenas versa sobre matéria de Direito e, não se vislumbra a existência de qualquer dos vícios da decisão previstos no n.º 2 do artigo 410.º C P Penal – de conhecimento oficioso como se sabe. III. 2. 2. 1. 3. Impunha-se ao tribunal fundamentar, de modo concreto, o quantum das penas parcelares, bem como da pena única de 5 anos e 6 meses de prisão. III. 2. 2. 1. 3. 1. As penas parcelares. E fê-lo, tendo em atenção os critérios previstos nos artigos 40.º, 71.º e 77.º C Penal. Desde logo, porque, em relação ao crime de furto – mormente cometidos por toxicodependentes e, para fazer face à sua adição - existem prementes exigências de prevenção geral face à inusitada e assustadora frequência com que acontecem. São assim, elevadas as exigências de prevenção geral (necessidade de restabelecer a confiança na validade da norma violada), tendo em atenção os bens jurídicos tutelados pela norma incriminatória, crime, que, por isso mesmo, deve ser combatido com a maior severidade, embora de forma – naturalmente - proporcional à danosidade e alarme sociais que causam, dada a temeridade e ousadia evidenciadas na sua prática, tendo, naturalmente, em atenção as particulares circunstâncias do caso. Por fim, haverá que ponderar as prementes necessidades de ressocialização, pois que não obstante as apuradas condições de vida, o certo é que, as mesmas propiciaram ou não foram suficientemente dissuasivas, de modo a evitar a manutenção do arguido na via do consumo de estupefacientes e, por essa via na dos atentados contra a propriedade alheia. São, assim, igualmente acentuadas as razões de prevenção especial, atendendo ao que se apurou em relação às condições de vida do arguido, notando-se que ostenta uma personalidade adequada aos factos que cometeu e, avessa ao direito, o que é manifestado, à saciedade, pelo facto de ter já sido condenado, só por furto, por 3 vezes no passado. Por outro lado, ponderou-se, acertadamente, o facto de, ter confessado, de forma livre e sem reservas a generalidade dos factos provados, bem como de ter demonstrado arrependimento; o facto de estar inserido em termos familiares, sociais e, actualmente, em termos laborais; bem, como, o mediano grau de ilicitude dos factos, atinente com o valor do produto dos furtos – naturalmente tendo-se em conta o valor dos objectos furtados – que, por não ter sido impugnado o julgamento, nessa parte, nem em qualquer outra, atinente com a matéria de facto, se tem que ter como definitivamente assente o que vem provado - com o valor dos danos causados com a sua prática e, em 2 crimes, o modo de execução dos crimes, em que o arguido actuou em co-autoria, com mais um indivíduo; os crimes terem tido lugar num período concentrado de tempo, de 5 meses; e, ainda, de em relação a 4 dos furtos, terem sido recuperados alguns objectos, ainda que, mercê da intervenção policial e quanto a outro, foram recuperados alguns objectos subtraídos por o arguido os ter abandonado, ainda no local do crime. Ademais, com carácter decisivo, devemos ter presente a culpa do arguido, que ao actuar com dolo directo e não mitigado por qualquer circunstancialismo, assume normal intensidade para situações do mesmo género, sem qualquer diminuição relevante pois mesmo que existam alguns consumos de substâncias estupefacientes, não se prova que os mesmos sejam de modo a que a vontade do arguido na prática dos factos fosse seriamente diminuída. Embora tendo como limite a medida da sua culpa, a necessidade de prevenir a prática de futuros crimes – mormente, com o constatado problema de adição - é essencial e no caso concreto de gritante premência, dada a repetição ou reiteração, o carácter de constância, permanência, estabilidade e solidificação da vontade, a revelar com clareza e de forma inequívoca, as carências de socialização do arguido. Já quanto à questão dos antecedentes criminais, não se valorou, acertadamente, o facto de ter sido entretanto condenado por 3 crimes de furto, pois que se reportam a factos ocorridos depois dos aqui em apreciação. Isto é, estes são os primeiros furtos praticados pelo arguido, se bem que conduzam, à 4.ª condenação, em termos cronológicos. Assim, tudo ponderado, olhando aos factos apurados e tendo presente o limite máximo consentido pelo grau de culpa do arguido, bem como os princípios político-criminais da necessidade e da proporcionalidade, em face dos factores que nos termos do artigo 71º C Penal devem ser tidos em conta na matéria – sopesados com critério, adequação e moderação na decisão recorrida, de resto - entendemos que as penas parcelares fixada pelo tribunal de 1ª instância, 6 meses numa amplitude de 1 mês a 3 anos e numa amplitude de 2 a 8 anos, 2 anos e 4 meses, 2 anos e 2 meses e, 2 anos e 6 meses, por 3 vezes, se mostram sensíveis à gravidade dos crimes e são aceitáveis, ajustadas e adequadas à medida – ainda que mediana e não mitigada por qualquer circunstancialismo - da sua culpa. Donde, o decidido - de forma assaz criteriosa e em estrita obediência aos parâmetros legais, designadamente os previstos nos artigos 40º e 71º C Penal – não merece, seguramente, a censura que o arguido lhe dirige. A pretendida redução das penas aos mínimos legais, no quadro que vem descrito, mostra-se, absolutamente, desajustada e carecida de fundamento, perante as circunstâncias do caso concreto e comprometeria irremediavelmente a crença da comunidade na validade das normas incriminadoras violadas. III. 2. 2. 1. 3. 2. A pena única. Recorde-se que o ponto de partida e enquadramento geral da tarefa a realizar, na sindicância das penas, quer parcelares, quer da pena única, não pode deixar de ter presente que toda a pena tem como finalidade “a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”, artigo 40º/1 e 2 C Penal. Daqui resulta que a pena assume hoje, entre nós, um cariz utilitário, no sentido de eminentemente preventivo, não lhe cabendo, como finalidade, a retribuição “qua tale” da culpa. Em sede de determinação da pena única, dir-se-á que nos termos do artigo 77°/1 C Penal, na determinação da pena única são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, na busca da imagem global dos factos. A individualização da pena única conjunta move-se numa moldura penal abstracta balizada pela pena parcelar mais grave – patamar mínimo - e pela soma material de todas elas – patamar máximo, n.º 2 do artigo 77º C Penal. O que deixa transparecer, um sistema de pena unitária em que o limite mínimo da moldura atendível é constituído pela mais grave das penas parcelares (numa concessão minimalista ao princípio da exasperação ou agravação – a punição do concurso correrá em função da moldura penal prevista para o crime mais grave, mas devendo a pena concreta ser agravada por força da pluralidade de crimes), sem que possa ultrapassar a soma das penas concretamente que seriam de aplicar aos crimes singulares. A moldura penal do concurso, dentro da qual é encontrada a pena unitária – artigo 77º/2 C Penal - tendo em atenção os factos e a personalidade do agente, no caso concreto, é, então, 2 anos e 6 meses a 12 anos e 6 meses. Fundamental na formação da pena única é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação “desse bocado de vida criminosa com a personalidade”. A pena única deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do agente e das diversas penas parcelares. Para a determinação da dimensão da pena única, decisivo é que, antes do mais, se obtenha uma visão conjunta dos factos - “a relação dos diversos factos entre si em especial o seu contexto; a maior ou menor autonomia; a frequência da comissão dos delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento mas também a receptividade à pena pelo agente deve ser objecto de nova discussão perante o concurso ou seja a sua culpa com referência ao acontecer conjunto da mesma forma que circunstâncias pessoais, como por exemplo uma eventual possível tendência criminosa”. Será, assim, o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização). Um dos critérios fundamentais em sede deste sentido de ilicitude reportada à globalidade dos factos é o da determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido - sendo certo que assume significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados à dimensão pessoal, e ao núcleo de bens essenciais, em relação à ofensa de bens patrimoniais, como sucedeu no caso vertente. Por outro lado, importa determinar os motivos e objectivos do agente no denominador comum dos actos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência. Igualmente deve ser expressa a determinação da tendência para a actividade criminosa revelada pelo número de infracções, pela sua perduração no tempo, pela dependência de vida em relação àquela actividade. Na avaliação da personalidade expressa nos factos é todo um processo de socialização e de inserção, ou de repúdio, pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade que deve ser ponderado. Recorrendo à prevenção, importa verificar relativamente à prevenção geral o significado do conjunto de actos praticados em termos de perturbação da paz e segurança dos cidadãos e, num outro plano, o significado da pena conjunta em termos de ressocialização do delinquente, para o que será preponderante e decisivo, o resultado da ponderação dos seus antecedentes criminais e da sua personalidade expressa no conjunto dos factos. Serão esses factores que necessariamente deverão ser tomados em consideração na determinação da medida da pena única, sendo então o pressuposto de uma adição ao limite mínimo do quantum necessário para se atingir as finalidades da mesma pena mas tendo, também, presente o sentido da proporcionalidade que deve presidir à fixação da pena única. Atentando à matéria de facto provada, não se pode deixar de reconhecer que o ilícito global é de mediana gravidade, quer pelo número de infracções em que se corporiza, quer por se tratar da prática de crimes da mesma natureza, no mesmo local e reportados a 5 meses da vida do arguido, ié., localizados, quer no espaço, quer no tempo, que, não obstante, são factor de grande insegurança social e comunitária e, inerentes a um estilo de conduta associado a comportamentos próprios de quem sendo toxicodependente necessita de recursos materiais para satisfazer tal adição. Por via de regra, o STJ, mormente a sua 5ª secção – com o objectivo de evitar disparidades injustificadas - agrava a pena mais grave em concurso com um coeficiente do remanescente das restantes penas parcelares situado segundo as circunstâncias e a personalidade do agente, entre 1/3 e 1/5, cfr. Ac de 11DEZ2008, no processo 08P3707. Donde resulta, a prática de agravação em 1/3 do remanescente das restantes penas, que, no entanto, pode diminuir até 1/5 ou menos, em casos devidamente fundamentados. No caso concreto, com a pena única imposta ao arguido de 5 anos e 6 meses, corresponde a um remanescente das penas menos graves que ultrapassa em 2 meses, 1/3 daquele remanescente - porventura, por não se ter logrado afastar do espírito, do subconsciente, do julgador o limite dos 5 anos, limite a partir do qual já não é admissível a suspensão da execução da pena, de qualquer forma raciocínio inadmissível e intolerável, em face do positivado critério estatuído no artigo 77º/1 C Penal. Donde, se 1/3 corresponderia à pena única de 5 anos e 4 meses de prisão, temos como adequado, justo e equilibrado o fixar-se a pena única nos 5 anos de prisão. III. 2. 3. A espécie da pena. Como é sabido, a suspensão da execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos, artigo 50º/1 C Penal, deve ter lugar sempre que, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, for de concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Finalidades, que nos termos do artigo 40º/1 C Penal, são, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. A suspensão da execução da pena constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores do direito, através da advertência da condenação e da injunção que impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores inscritos nas normas. Esta pena de substituição se acompanhada de medidas e de condições, admitidas na lei, que forem consideradas adequadas a cada situação, permite, além disso, manter as condições de sociabilidade próprias à condução da vida no respeito pelos valores do direito como factores de inclusão, evitando os riscos de fractura familiar, social, laboral e comportamental como factores de exclusão. Não são considerações de culpa que devem ser tomadas em conta, mas juízos prognósticos sobre o desempenho da personalidade do agente perante as condições da sua vida, o seu comportamento e as circunstâncias do facto, que permitam fazer supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas. A decisão da suspensão da execução da pena não depende de um qualquer modelo de discricionariedade, mas, antes, do exercício (também aqui) de um poder-dever vinculado, devendo ser decretada, na modalidade que for considerada mais conveniente, sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos. Para este efeito, é necessário que o julgador, reportando-se ao momento da decisão e não ao da prática dos factos, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição. A suspensão da execução da pena realiza de modo decisivo, um programa de política criminal, que tem como elemento nuclear a não execução de curtas e médias penas de prisão, na medida do possível e, socialmente suportável pelo lado da prevenção geral, relativamente a casos de pequena e mesmo de média criminalidade. E, deste modo, as penas de prisão aplicadas em medida não superior a 5 anos, devem ser, em princípio, suspensas na execução, salvo se o juízo de prognose sobre o comportamento futuro do agente se apresentar claramente desfavorável, e a suspensão for impedida por prementes exigências geral-preventivas, em feição eminentemente utilitarista da prevenção. Terá que ser o arguido a demonstrar, terá que ser o arguido a permitir – mormente, pelo seu comportamento e pela sua postura - que o Tribunal possa concluir por que, em relação a si, se pode, se deve, correr o risco, que sempre teria que ser prudentemente calculado, de afirmar que num juízo de prognose favorável, em face das circunstâncias da sua vida e da sua personalidade, a simples ameaça da prisão e a censura dos factos seria adequada e suficiente para as finalidades da punição. A este propósito, não falta quem sustente que em caso de dúvida, que não possa ser ultrapassada, sobre o carácter favorável da prognose, impor-se-ia fazer funcionar imediatamente o princípio in dubio pro reo e, em função dele, decretar a suspensão da execução da pena. Entendimento que não é de aceitar, pois que não está aqui em causa uma qualquer certeza, mas antes a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda. O Tribunal deve encontrar-se disposto a correr um certo risco – fundado e calculado – sobre a manutenção do agente em liberdade. Havendo, porém, razões sérias para duvidar da capacidade do agente de não repetir crime, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada. Como nota Jescheck, o princípio in dubio pro reo vale só para os factos que estão na base do juízo de probabilidade, mas desta deve o Tribunal estar convencido. [4] Dada a natureza e a dimensão dos factos, afinal 6 crimes de furto, aliado às características da personalidade do agente, que está por detrás, a pena de prisão, apenas em condições excepcionais, deve ser suspensa. Seguramente, quando o arguido confesse a factualidade apurada, se mostre sinceramente arrependido, não tenha antecedentes criminais, demonstre uma vontade efectiva de mudar de estilo de vida e reúna as condições pessoais e familiares, que permitam suportar e encorajar tal desiderato, tudo de forma a que o tribunal possa fazer um juízo favorável sobre o seu comportamento futuro. Pois que – como é sabido – o que releva, nesta matéria, é a existência de uma prognose social favorável ao arguido, ou seja a esperança de que sentirá a sua condenação como uma advertência e que de futuro não cometerá nenhum crime. Dito de outra forma, a partir das exigências dos próprios fins das penas e, também numa perspectiva derivada do próprio direito constitucional, no caso, a proibição do excesso, que impõe que se não aplique uma pena detentiva quando exista outra viável de menor gravidade. Se o agente está socialmente integrado bastará uma função de advertência da pena; se o agente não está integrado e apresenta um défice de socialização o indicado é um tratamento ressocializador de forma ambulatória ou estacionária. É certo que, desde logo, constitui realidade substancialmente diversa, suspender a pena de prisão, a quem nunca foi objecto da censura inerente a uma anterior condenação pelo mesmo crime, em relação a alguém que o fora já e, o arguido, como vimos já, antes da prática destes factos não só não tinha ainda sido condenado por furto, como não tinha, sequer, praticado os factos que posteriormente conduziram às 3 condenações por furto – questão que remete para uma situação de concurso superveniente de crimes - como decisivamente, então estava desempregado e actualmente trabalha - em festas populares, auferindo cerca de 300 a 400 euros por mês – e, se à data dos factos consumia cocaína, heroína e haxixe, entretanto submeteu-se a tratamento no CAT de Vila Nova de Gaia, referindo estar abstinente desde 2013. Ora, no caso, decisivamente, da materialidade apurada, da realidade envolvente e da mudança que o arguido terá imprimido à sua vida, cremos poder emitir-se um tal juízo de prognose favorável e de que a simples ameaça da prisão, será suficiente para o afastar da prática de nos crimes. Em resumo: a personalidade revelada pelo arguido, evidenciada na cronologia dos antecedentes criminais e a mudança que imprimiu ao sentido da sua vida, não estará, tão, fortemente carecida de socialização, nem evidencia, um tal défice de valores, que envolva, por isso, exigências de prevenção especial que reclamem a aplicação de pena de prisão efectiva; a evolução evidenciada na vida do arguido sugere, aponta, para o facto de que a sua desejável socialização, se possa verificar com a suspensão da execução da pena; ou, recuperando a posição inicial - de que o tribunal só deve negar a substituição da pena de prisão quando a execução da pena se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que a substituição - a conjugação dos apontados factores permite a afirmação de que o défice de socialização do arguido, no presente, se equaciona com uma função de advertência da pena, podendo-se concluir que a ameaça da pena basta para o afastar da criminalidade. Nem se diga que a obstar a tal entendimento surge o facto de esta pena – já no limite máximo que permite a suspensão da sua execução - poder vir a ser englobada numa pena única, por via do concurso superveniente de crimes. Isto porque, o critério legal para a aplicação de uma pena de substituição – prognose favorável no sentido da socialização em liberdade e a não oposição das exigências de defesa da ordem jurídica – não consentem tal entendimento. Assim se decide, pois, pela suspensão da execução da pena, naturalmente, atento todo o exposto, sujeita a condições – no caso, regras de conduta - e acompanhada do, no caso obrigatório, regime de prova, com a virtualidade de se assumirem, cada uma delas, como conveniente e adequada a promover a reintegração do agente na sociedade, ao traduzirem um reforço do conteúdo reeducativo e pedagógico da pena de substituição - que constitui a suspensão da execução da pena – assumindo uma posição adjuvante, de reforço das finalidades da punição, assim se respondendo às necessidades de tutela dos bens jurídicos e à estabilização contra fáctica das expectativas da comunidade, cfr. artigos 52º/1 alínea c) e 53º/1, 2 e 3 e 54.º C Penal. Assim, se as regras de conduta visam promover a reintegração do agente na sociedade e se a sua adequação deve ser aferida apenas sob a perspectiva das necessidades de prevenção especial da sua socialização - finalidade a que obedece, de resto, também, o regime de prova – então, no caso concreto, bem se evidencia a pertinência de se colocar o acento tónico, por um lado na terapia ocupacional do arguido e, por outro, no tratamento da sua adição. IV. Dispositivo Nestes termos e com os fundamentos mencionados, acordam os Juízes que compõem este Tribunal em conceder, parcial, provimento ao recurso apresentado pelo arguido B…, em função do que, 1. se reduz a pena para 5 anos de prisão e se decreta a sua suspensão por igual período, com a obrigação, 1. 1. das seguintes regras de conduta: 1. 1. 1. continuação de ocupação profissional e, 1. 1. 2. continuação do tratamento à toxicodependência, cuja comprovação deve ser demonstrada nos autos a cada 3 meses; 1.2. bem como a submissão a regime de prova; 2. confirmando-se a decisão recorrida no restante segmento que vem impugnado. Sem tributação. Elaborado em computador. Revisto pelo Relator, o 1º signatário. Porto, 2015.maio.25 Ernesto Nascimento Artur Oliveira __________ [1] Figueiredo Dias, ob. cit., p. 72. [2] Figueiredo Dias, ob. cit., p. 214. [3] Figueiredo Dias, "Sobre o estado actual da doutrina do crime”, RPCC, ano 1º, fasc. 1º (Janeiro-Março de 1991), p. 29. [4] Cfr. Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As consequência jurídicas do crime, 344. |