Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
974/20.5T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: SENTENÇA
DIFERENTES FUNDAMENTOS PARA A DECISÃO
IMPUGNAÇÃO
TRÂNSITO EM JULGADO
ACIDENTE DE TRABALHO
AGRAVAMENTO DA RESPONSABILIDADE
Nº do Documento: RP20221024974/20.5T8VFR.P1
Data do Acordão: 10/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Tendo a sentença recorrida considerado dois diferentes fundamentos para concluir no sentido de que o acidente de trabalho se encontra abrangido pelo âmbito de cobertura do contrato de seguro [i) actividade no telhado incluir-se no âmbito da actividade objeto do contrato de seguro e ii) ter o contrato de seguro a natureza de contrato a favor de terceiro e, por via disso, ser a Seguradora responsável pela reparação] , mas tendo a Recorrente/Seguradora apenas impugnado, no recurso, o primeiro dos fundamentos invocados, mas não já o segundo, em relação ao qual nada referiu e que, assim, transitou em julgado, fica prejudicado, tornando inútil, o conhecimento pela Relação do primeiro dos fundamentos invocados.
II - Para que o acidente de trabalho recaia sob a alçada do art. 18º da LAT é necessário que: exista a obrigação do cumprimento de determinada norma ou regra de segurança; que essa obrigação não seja cumprida; que esse incumprimento seja, ou deva ser, imputável ao empregador e que ocorra um nexo de causalidade adequada entre o incumprimento e o acidente, nexo esse que comporta uma vertente jurídica e outra naturalística, consistindo esta em saber se o facto concreto (violador da norma de segurança), em termos de fenomenologia real e concreta, deu origem ao dano, havendo, pois, que se provar que o facto integrou o processo causal que conduziu ao dano, ónus da prova esse que compete à Seguradora.
III - Tendo o sinistrado subido a um telhado, com uma altura de 8 metros, e dele vindo a cair para o interior do armazém, desconhecendo-se como e por que razão tal queda ocorreu, não se pode estabelecer o nexo de causalidade entre a inexistência de medidas de proteção (colectiva e/ou individual) e/ou falta de formação profissional e o acidente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 974/20.5TVFR-P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1295)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Jerónimo Freitas

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

Na presente ação declarativa de condenação, com processo especial emergente de acidente de trabalho, intentada pelo Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT), gerido pela Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, contra “X..., Compañia de Seguros Y Reaseguros, S.A., Sucursal em Portugal” e “A..., Unipessoal, Ldª”, pedindo que na procedência da ação:
- se declare o acidente sofrido por AA como de trabalho;
- se condenem as RR. a pagar ao A. a quantia de €37.491,40.
Para tanto, alega em síntese que, em 19 de março de 2020, AA, se encontrava a trabalhar sob as ordens, direção e fiscalização da 2ª R., desempenhando as funções inerentes à profissão de corticeiro, auferindo a retribuição mensal de €795, acrescida de subsídio de alimentação no valor de €124,30.
A responsabilidade infortunística laboral encontrava-se transferida para a 1ª Ré.
Nesse dia, o sinistrado encontrava-se no telhado da fábrica da entidade empregadora, quando a estrutura cedeu e o sinistrado caiu ao solo, o que lhe provocou lesões que vieram a ser causa direta e necessária da sua morte nesse dia.
A vítima faleceu no estado civil de viúvo e não deixou familiares com direito a pensões por morte, pelo que cabe ao FAT uma importância igual ao triplo da retribuição anual da vítima, no caso €37.491,90, nos termos do artigo 63º da Lei nº 98/2009, de 4.09.
Na tentativa de conciliação, a seguradora não aceitou a caracterização do acidente como de trabalho, por o mesmo ter ocorrido no âmbito de uma atividade não garantida pelo contrato de seguro e ainda que se considere que a atividade estivesse transferida, não aceita a responsabilidade pela reparação, por entender que o mesmo ocorreu por atuação culposa da entidade empregadora, nos termos do artigo 18º da LAT.
A entidade patronal aceitou a existência e caracterização do acidente como de trabalho; não aceitou qualquer responsabilidade pelo acidente, por entender que não existiu da sua parte qualquer violação das regras de segurança, pelo que entende que a responsabilidade deve ser assumida pela companhia de seguros.
Como as RR. não lograram fazer prova dessas afirmações, pede a condenação das duas no pagamento da quantia devida.

A 1ª Ré Companhia de Seguros contestou, alegando em síntese que, à data do acidente, o sinistrado se encontrava a desenvolver tarefas que não se encontram abrangidas pelas garantias do contrato de seguro celebrado, em que a natureza dos trabalhos seguros consistia em manobrar máquinas para o fabrico de rolhas/brocagem de rolhas. A não se entender assim, alega que o acidente ocorreu por violação de regras de segurança por parte da entidade patronal, já que o sinistrado foi contratado para executar tarefas correspondentes à categoria profissional de operador de máquinas e equipamento para trabalhar cortiça/broquista de rolhas e à data do acidente encontrava-se a efetuar a manutenção das telhas do armazém da fábrica, sob as ordens da entidade patronal. Ora, essa tarefa que o sinistrado se encontrava a executar, manutenção das telhas do armazém, não se encontrava abrangida pelo âmbito da responsabilidade contratualizada pela Ré empregadora com a Ré seguradora, sendo que o risco da atividade de comércio e fabricação de rolhas é menor do que a manutenção de telhados, que deve ser realizada por profissionais especializados e habituados a trabalhos em altura, o que influencia a taxa a aplicar ao seguro.
Conclui pela inexistência da obrigação de indemnizar por parte da seguradora por inaplicabilidade da responsabilidade contratual regulada na apólice de seguro.
Caso assim se não entenda, alega que não foi ministrada ao sinistrado qualquer formação para realização de tarefas de manutenção do telhado, nem se encontravam implementados equipamentos de segurança no trabalho, coletivos e individuais, designadamente andaimes com instalação de guarda-corpos, bem como linha de vida, arnês e sistemas anti-queda, pelo que se conclui que a entidade empregadora não cuidou de tomar as medidas de forma a assegurar as condições de segurança aos seus trabalhadores, nos termos previstos no artigo 15º da Lei nº102/2009, de 10.09.
Conclui pela improcedência da ação, no que respeita à Ré seguradora.

A 2ª Ré, empregadora, contestou, alegando que, nunca mandou o trabalhador AA exercer quaisquer tarefas sobre a cobertura das instalações fabris, tendo sido um comportamento voluntário e por iniciativa do trabalhador, à revelia da entidade patronal.
Mais refere que a cobertura das instalações fabris nunca foi local de trabalho de nenhum dos trabalhadores da empresa, nem a entidade patronal alguma vez deu ordens aos trabalhadores para irem ao telhado.
É desconhecido de todos o motivo pelo qual o trabalhador AA foi ao telhado naquele dia e só tiveram conhecimento desse facto quando o mesmo já estava tragicamente caído no chão.
Conclui pela absolvição da Ré entidade patronal do pedido.

Foi proferido despacho a fixar o valor da acção em €37.491,90, bem como despacho saneador, indicando-se a matéria facto assente e enunciando-se os temas da prova.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou “a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e em consequência:
A) 1. Condeno as RR. a reconhecerem que o acidente que vitimou AA é um acidente de trabalho,
2. Condeno a 1ª R. Seguradora a pagar ao Fundo de Acidentes de Trabalho a quantia de €37.491,40 (trinta e sete mil, quatrocentos e noventa e um euros e quarenta cêntimos).
3. Absolvo a 2ª Ré entidade patronal do que lhe foi peticionado.
*
Custas da ação pela Ré seguradora, nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2 do CPC.”

Inconformada, a Ré Seguradora recorreu, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1. A Recorrente não se conforma com a douta sentença de fls. …, que considerou a acção procedente por provada, nem com a fundamentação nela invocada, e consequentemente com a respectiva condenação.
2. Salvo o devido respeito por melhor opinião, por um lado, a matéria de facto provada foi incorrectamente julgada e, por outro, existiu incorrecta aplicação do Direito, conforme se explanará.
3. Quanto à reapreciação da matéria de facto, salvo melhor opinião, o ponto 18.º no segmento "cujo motivo desconhece, totalmente à revelia da entidade patronal" e ponto 19.º ambos dos factos provados e ponto segundo dos factos não provados foram erradamente julgados, segundo o que resultou da prova produzida em audiência de julgamento e da prova documental junta aos autos.
4. O Tribunal a quo limitou-se a valorar a prova testemunhal, ignorando por completo os demais elementos de prova.
5. A convicção do Julgador formou-se unicamente com base na prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento.
6. Sucede que dos depoimentos resulta um discurso bastante semelhante, chegando inclusivamente a repetir certas expressões/frases, como por exemplo que a Entidade Empregadora quando necessitava de levar a cabo alguma intervenção/reparação recorria a "empresas especializadas para o efeito".
7. Os depoimentos das Testemunhas BB, CC e da representante legal da Ré EE denotam a concertação das respostas.
8. Fruto das relações familiares existentes, a Testemunha BB tinha e tem naturalmente interesse directo na causa.
9. Inevitavelmente o seu depoimento teria de ser considerado parcial, tendencioso e não isento, pelo que não poderia com base nele o Tribunal fundamentado a sua convicção, da forma o como o fez.
10. Por outro lado, o referido depoimento contradiz o declarado no Relatório de Exame de Hábito Externo elaborado pelo Senhores Peritos do INML, do qual é possível ler no campo C) "Informação social fornecida por BB (irmão): A vítima era "broquista" (operário da área da cortiça). Sofreu acidente de trabalho em 19.03.2020: estava em cima de uma claraboia do telhado, tendo caído de uma altura de aproximadamente 7 metros. (…) Há duas semana terá viajado para o Alentejo, mas sem queixas de saúde, nomeadamente do foro respiratório nas 2 semana prévias ao evento. (…) Trabalharia em empresa do tipo familiar, terá referido ao colega, antes do evento "vou só ali tratar de uma coisa" (sic) tendo sido observado escadote pelo qual terá subido ao referido telhado. Tê-lo-á feito com objectivo de reparar fuga que o telhado teria por "ameaça de chuva nos dias seguintes" (sic)".
11. Já quanto à Testemunha CC, o mesmo encontrava-se naturalmente uma situação frágil, dando a entender nas suas respostas que estava consciente de que o seu depoimento poderia contribuir para a responsabilização da empresa, com repercussões no seu posto de trabalho.
12. Todos foram peremptórios em afirmar que o Sinistrado não recebeu qualquer instrução directa da sua Entidade Empregadora para subir ao telhado do armazém.
13. Dadas as características da relação de trabalho que existia entre o Sinistrado e Entidade Empregadora não estamos perante uma situação típica de subordinação jurídica do Trabalhador.
14. O Sinistrado era tio da sócia gerente da Ré Entidade Empregadora, irmão do seu pai, ex-trabalhador da mesma.
15. A Ré Entidade Empregadora é uma empresa familiar, de pequena dimensão, na qual os seus poucos funcionários assumem as tarefas necessárias à persecução do seu objecto social, mas que não se limitam às correspondentes à categoria profissional contratada.
16. Dos depoimentos transcritos demonstram que o Sinistrado tinha plena autonomia na organização do seu trabalho, tendo inclusivamente como função, a manutenção dos equipamentos e das instalações, como corroborado pelo seu colega, a Testemunha CC.
17. Mais foi dito pela representante legal da Entidade Empregadora e pelo seu pai, a Testemunha BB, que o Sinistrado tinha poder de tomada de decisão sobre questões relacionadas com a actividade da empresa, na ausência da representante legal da Entidade Empregadora.
18. O Sinistrado não era um mero trabalhador, não estando necessária e exclusivamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pela Entidade Empregadora.
19. OS depoimentos transcritos interpretados conjuntamente com a prova documental, nomeadamente o depoimento escrito da Testemunha CC em sede de averiguação do sinistro realizado pela Recorrente e o relatório de Exame de Hábito Externo elaborado pelo INML, permitem-nos compreender o objectivo do Sinistrado ter subido ao telhado.
20. A acrescer, o telhado nunca tinha sido reparado, nunca tendo sido contratada nenhuma empresa especializada para a manutenção dos telhados, contrariamente ao alegado pela Ré EE.
21. Todos afirmaram, nos seus depoimentos em julgamento, desconhecer a concreta tarefa que o Sinistrado se encontrava a desempenhar no momento da queda.
22. Para todos é consensual que não foi motivado por interesse próprio, mas no interesse e benefício económico da Entidade Empregadora.
23. Assim, atendendo a que o Sinistrado realizaria habitualmente a manutenção do armazém e das máquinas, aliado ao facto do telhado se encontrar sem reparação, fácil é de ver que terá pretendido realizar alguma tarefa relacionada com a manutenção do telhado, nomeadamente a tal "reparação de fuga" que a Testemunha BB terá referido aos Senhores Peritos do INML.
24. A informação social fornecida pela Testemunha BB aos Senhores Peritos do INML é importantíssima.
25. Foi prestada imediatamente após o acidente e o falecimento do Sinistrado, momento em que a referida Testemunha ignorava por completo o efeito das suas declarações, tendo prestado informação de forma espontânea, sem interferências estranhas.
26. Este documento consubstancia prova documento totalmente idónea e isenta, pois que não há dúvidas que os Senhores Peritos transcreveram, em algumas partes ipsis verbis, o que lhe foi transmitido pela Testemunha BB.
27. Do teor do relatório resulta claramente que a Testemunha BB sabia perfeitamente o que o Sinistrado se encontrava a fazer em cima do telhado do armazém.
28. Lamentavelmente o Tribunal a quo não atendeu ao mesmo, não o tendo valorado sequer, qual impunha naturalmente uma resposta diversa aos pontos 18.º e 19.º da matéria de facto provada.
29. A Testemunha CC confirmou em Tribunal o teor do depoimento escrito que realizou no âmbito das diligências de averiguação levadas a cabo pela Seguradora, ou seja, que o Sinistrado tinha também como tarefas, a manutenção dos equipamentos e instalações.
30. O Sinistrado não trabalhava à margem da autoridade, direcção ou fiscalização da Entidade Empregadora, tendo aquela permitido/autorizado a autonomia para desempenhar outras tarefas que não as relacionadas com a sua categoria profissional, como por exemplo, a de manutenção das instalações.
31. Qualquer que fosse a tarefa que o Sinistrado pretendia realizar na cobertura do armazém, é indiscutível que a mesma seria em proveito económico e no interesse da Entidade Empregadora e não em proveito próprio, já que com a execução do serviço de manutenção do telhado, o Empregador deixaria de necessitar de contratar tais serviços a uma entidade externa.
32. Em suma:
(i) A Entidade Empregadora era uma empresa familiar, com poucos funcionários, entre os quais o Sinistrado, tio da sócia gerente;
(ii) O Sinistrado tinha autonomia no desempenho da sua profissão, na gestão do seu trabalho, na definição de prioridades;
(iii) O Sinistrado tinha poder de decisão sobre os assuntos da empresa, na ausência da representante legal da Ré Entidade Empregadora;
(iv) O Sinistrado exercia funções de manutenção dos equipamentos e do armazém, que lhe tinham sido incumbidas pela Entidade Empregadora;
(v) O telhado do armazém da Ré Entidade Empregadora nunca tinha sido alvo de qualquer manutenção, apresentando uma fuga que o Sinistrado pretendia reparar;
(vi) O Sinistrado subiu ao telhado em proveito e no interesse da Ré Entidade Empregadora, apesar de não se ter demonstrado que tal acção decorreu de instrução/ordem directa;
(vii) O Sinistrado não desobedeceu a qualquer ordem/ instrução da Entidade Empregadora;
(viii) O risco associado aos trabalhos em altura é bastante superior ao da actividade de comércio e fabricação de rolhas, não sendo aquela tarefa acessória da referida actividade;
(ix) A Ré Entidade Empregadora não transferiu para a Companhia de Seguros a responsabilidade pelo risco associados a trabalhos em altura;
(x) A Ré Entidade Empregadora não deu formação ao Sinistrado sobre trabalhos em altura, nem implementou qualquer equipamento de segurança, nomeadamente a colocação de plataformas de modo a que a circulação não fosse feita pelas telhas, não forneceu arnês de segurança anti-queda fixado a linha de vida, nem colocou redes anti-queda.
33. O Tribunal a quo violou as regras da experiência, da ciência e da lógia, na formação da sua convicção, espelhada na resposta que deu à factualidade controvertida, a qual se mostra desconforme com os meios probatórios produzidos.
34. Deverá, por isso, o Tribunal da Relação, através do poder que lhe é conferido, formular nova convicção sobre tal factualidade, no sentido de ser alterado o teor do ponto 18.º dos factos provados, passando a ter seguinte redacção:
"18.º - A entidade patronal, no dia do acidente, não mandou o sinistrado exercer quaisquer tarefas sobre a cobertura das instalações fabris, ninguém lhe tendo dado instruções nesse sentido, tendo sido um comportamento voluntário e por iniciativa do trabalhador, com o objectivo de reparar fuga, sendo que o sinistrado dispunha de autonomia e poder de decisão, e estavam-lhe confiadas tarefas de manutenção dos equipamentos e instalações."
35. Mais deverá incluir o ponto 19.º dos factos provados na factualidade não provada, bem como incluir o ponto segundo dos factos não provados nos factos provados.
Quanto à matéria de Direito,
36. A Recorrente não pode concordar com a sentença recorrida no que se refere à interpretação e aplicação do Direito à materialidade factual dada como provada, pois que, é indiscutível que no momento do acidente não se encontrava abrangida pela garantia do contrato de seguro.
37. Resultou provado nos pontos 4.º, 5.º e 6.º dos factos provados, que a actividade da Ré Entidade Empregadora é o comércio e fabrico de cortiça e transferiu para a Ré seguradora a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho da vítima pela actividade de "broquista".
38. Os trabalhos em altura não se encontravam abrangidas pela actividade objecto do contrato de seguro, independentemente do trabalho se encontrar ou não sob “ordens da sua entidade empregadora”.
39. A tarefa que o Sinistrado realizou e que culminou na sua morte, não está de forma alguma relacionada ou conexionada com a sua categoria profissional nem com a actividade de comércio e de fabrico de rolhas.
40. A sentença recorrida faz uma incorrecta subsunção jurídica dos factos provados ao direito aplicável.
41. O Tribunal a quo adoptou uma perspectiva bastante extensiva do âmbito de cobertura do contrato de seguros de acidentes de trabalho e do conceito de polivalência funcional, a qual não obedece aos requisitos previstos na Lei dos Acidentes de Trabalho.
42. Na lógica do decidido, quase poderíamos afirmar todos e quaisquer riscos estão abrangidos pelas garantias do contrato de seguro em causa, o que, com o devido respeito, é totalmente absurdo.
43. Acresce que, dos pontos 10.º e 11.º dos factos provados resulta que nas funções que foram acordadas entre a Ré Entidade Empregadora e o Sinistrado não se encontra incluída a realização de trabalhos no "telhado ou cobertura das instalações fabris".
44. Também não resultou que fosse frequente registarem-se situações de desconformidade entre a categoria profissional do Sinistrado e as tarefas concretamente desempenhadas pelo mesmo.
45. Da matéria de facto provada é possível delimitar o âmbito de protecção conferida pelo contrato de seguro em termos de excluir do mesmo a concreta actividade que o Trabalhador desempenhava no momento do sinistro.
46. Ou seja, a Recorrente cumpriu o ónus de provar quais os riscos que se encontravam inerentes às actividades que tinham sido para si transferidas, bem como a exclusão dos mesmos de qualquer tarefa que implicasse que o trabalhador subisse a um telhado de cerca de 8 metros de altura do solo.
47. O risco de queda em altura a que o Sinistrado foi exposto nunca poderia materializar-se em execução de operações típicas ou complementares da actividade de um operador de máquinas e equipamento para trabalhar cortiça/broquista de rolhas.
48. Mais se encontra provada a diferença de prémio entre aquele que a Recorrente efectivamente cobrava à Ré Entidade Empregadora/Tomadora do seguro e aquele que cobraria se lhe tivesse sido comunicada a actividade desempenhada pelo Sinistrado no momento em que ocorreu o acidente, constante do ponto 14.º da matéria de facto provada, que "o risco (…) é menor (…), o que influencia a taxa a aplicar ao seguro".
49. Posto isto, a actividade realizada pelo Sinistrado no momento do acidente de trabalho e o respectivo risco não se encontravam garantidas pela respectiva apólice.
50. A apólice apesar de válida é totalmente ineficaz.
51. A responsabilidade pela reparação do acidente em causa nos autos cabe à Ré Entidade Empregadora, nos termos do disposto no art. 79.º, n.º 1 da NLAT.
52. Constata-se manifesto erro de julgamento, quer quanto à realidade factual, como quanto à aplicação do direito, devendo ser alterada, nos precisos termos ora invocados.
53. Caso assim não se entenda, o que não se concebe nem concede, sempre se dirá que o erro de julgamento é extensível à questão da invocada responsabilidade agravada da Ré Entidade Empregadora. Vejamos,
54. A Ré Entidade Empregadora violou normas concretas sobre a segurança no trabalho, sendo possível estabelecer um nexo de causalidade entre essa violação e o acidente em causa.
55. Encontra-se preenchido o quadro normativo previsto no n.º 1 do artigo 18.º da LAT.
56. Cabia à Recorrente alegar e provar os factos conducentes a essa conclusão, ónus que se mostra cumprido, nos termos do n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil.
57. O Tribunal decidiu afastar a responsabilidade agravada, considerando que nada se provou acerca da dinâmica do acidente.
58. Como acima já referimos, em face da reapreciação da prova, é bastante claro que o Sinistrado encontrava-se no telhado exterior do armazém com o objectivo de realizar a manutenção das telhas, nomeadamente "reparar uma fuga".
59. Ainda que assim não fosse, o Sinistrado encontrava-se naquele local, no período do seu horário laboral, no interesse e para proveito económico da Ré Entidade Empregadora.
60. Independentemente das tarefas que pretendia levar a cabo, as mesmas não poderão deixar de subsumir a trabalhos a altura, que no caso em concreto, a serem realizadas a uma altura de 8 metros, sempre exigiriam a implementação de medidas especiais de segurança.
61. Dos factos provados, concretamente o ponto 17.º, decorre que a Ré Entidade Empregadora não implementou equipamentos de segurança colectiva e individual adequados a evitar o risco de queda em altura, nomeadamente andaimes com instalação de guarda-corpos, linha de vida, arnês e sistemas anti-queda.
62. O Sinistrado encontrava-se no telhado exterior do armazém sem estar permanentemente seguro ou ancorado a um ponto fixo da estrutura, verificando-se um real perigo de queda em altura.
63. O sinistro em causa seria evitado se o Sinistrado fizesse uso de andaime com instalação de guarda-corpos, ou utilizando tábuas de rojo, e bem assim a linha de vida com o arnês devidamente preso a uma parte sólida da estrutura.
64. Nessa medida, violou a Ré Entidade Empregadora as normas constantes dos artigos 44.º e 45.º do Decreto n.º 41821, de 11 de Agosto.
65. A inobservância das concretas regras de segurança por parte da Ré Entidade Empregadora foi causal em relação ao evento infortunístico, porquanto segundo a experiência comum é lícito dizer que se as mesmas tivessem sido observadas, o acidente não teria ocorrido.
66. Encontram-se demonstrados factos que concretizam suficientemente os pressupostos para a responsabilidade agravada da Ré Entidade Empregadora nos termos previstos no artigo 18.º LAT.
67. Impõe-se, assim, a alteração da decisão recorrida, nos precisos termos ora invocados, a qual apenas poderá culminar na absolvição da ora Recorrente.
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DEVE ABSOLVER-SE A RÉ DOS PEDIDOS FORMULADOS PELA AUTORA, (…)”

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual refere o seguinte:
“(…)
Ressalvado o respeito devido por melhor opinião em contrário, consideramos que a sentença em crise merece censura, pois que a convicção e fundamentação subjacente à matéria de facto dada como provada, que não suscita reparo da nossa parte, sempre teria de impor uma decisão em matéria de direito de sinal contrário ao proferido, com a consequente absolvição da recorrente. Tal consubstancia causa de sua nulidade, de conhecimento oficioso, por oposição entre os fundamentos e o “decisum”, a qual expressamente se argui nos termos e para os efeitos do disposto no art. 615º, nº 1, al. c) do CPC - cfr. Ac.s STJ, de 09-02-2017 e de 03-03-2021 Ac. TRGuimarães, 04.10.2018 (in www.dgsi.pt).
Em sede de “convicção”, além do mais e na parte que importa, foi fundamentado que “Não se tendo apurado que o trabalhador falecido exercesse algum tipo de tarefa no telhado das instalações, ou que lhe tivesse sido dada ordem para que fosse realizar qualquer tarefa/atividade nesse local, onde não trabalhava nem nunca antes tinha sido visto, nada justificava que lhe fosse dada formação a esse propósito ou que fossem disponibilizados equipamentos de proteção coletiva/individual para executar essa tarefa em altura.
E o facto de o trabalhador se encontrar no telhado ou ter acedido ao mesmo, não nos permite concluir, sem mais e com o mínimo de segurança, que o mesmo estivesse a realizar algum tipo de trabalho nessa cobertura (nenhuma prova segura se logrou efetuar a este propósito). A prova produzida em audiência não nos permite retirar essa conclusão.”.
Do exposto, ante este juízo absolutamente inconclusivo, nunca poderia ser considerado o acidente como de trabalho e nem tecidas quaisquer considerações acerca da “teoria do risco económico ou de autoridade subjacente ao conceito de acidente de trabalho”.
O objecto social da entidade empregadora do infeliz sinistrado, a desconhecida e não habilitada atividade por este desenvolvida no telhado no momento da queda fatal e o clausulado no contrato de seguro, não podem suportar o decidido na parte que vem recorrida.
Num caso com contornos algo similares, se bem que com causa conhecida de exercício de actividade no telhado por parte de trabalhador não habilitado para o efeito, se pronunciou o Ac. STJ. de 25-09-2019, no qual se sumariou que “V - Constando da proposta de seguro como atividade e risco a segurar “FABRICAÇÃO DE MOBILIÁRIO COZINHA”, “CAE ...” e no item 7 “OBSERVAÇÕES” “Obs: Fabricação e Montagem de Mobiliário”, não está coberto pelo seguro o acidente ocorrido quando o trabalhador se encontrava em cima da cobertura, a cerca de 3,5/4 metros do solo, a receber placas do tipo “sanduiche” para serem colocadas no telhado do anexo de um cliente, e se desequilibrou e caiu ao solo.
Nesse aresto fundamentou-se que “No caso, como já concluímos, o risco coberto pelo seguro, de acordo com a declaração da tomadora consignada na respetiva proposta e que serviu para a seguradora apreciar o risco, estava limitado à atividade de fabricação e montagem de mobiliário de cozinha e, aquando do acidente, as funções exercidas pelo trabalhador sinistrado não se inseriam nesta atividade.” e bem assim que “não estando a atividade desempenhada pelo trabalhador sinistrado aquando do acidente abrangida pelo contrato de seguro, não é a seguradora a responsável pela respetiva reparação, mas a empregadora, nos termos do referido art. 7º da Lei nº 98/2009 de 4/09.”.
No caso em apreço bem teria andado a Mma, Juíza “a quo” caso se tivesse decidido pela absolvição da recorrente, uma vez que o contrato de seguro em causa não cobria risco de actividade diverso para além do que foi expressamente contratado pela entidade patronal da vítima.
No caso em apreço não pode este Tribunal “ad quem” substituir-se ao Tribunal “a quo”, pelo que, por via de declaração de nulidade da sentença recorrida, caberá a este circunscrever os termos adequados à prossecução da tramitação da causa, em ordem a ser proferida nova sentença que supra o apontado vício e que obedeça aos requisitos previstos no artº. 607º. nº. 3 do CPC. para reapreciação da matéria de direito.
Em suma, emite-se parecer no sentido de ser declarada nula a sentença recorrida, com baixa dos autos à 1ª. Instância para reapreciação da matéria de direito.”
Não foram apresentadas respostas ao parecer.

Colheram-se os vistos legais.
***
II. Decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância

É a seguinte a decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância:
“A – Os Factos Provados
1º- No dia 19 de março de 2020, AA, beneficiário da Segurança Social nº..., trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização da 2ª Ré “A..., Unipessoal, Ldª”, nas instalações desta, sitas na Rua ..., ..., .... (alínea A) dos Factos Assentes)
2º- O trabalhador AA tinha a categoria profissional de broquista, auferindo a remuneração base mensal de €795,00, acrescida de subsídio de alimentação no valor de €124,30, o que perfaz uma remuneração anual de €12.497,30 (€795x14+€124,30x11). (alínea B) dos Factos Assentes)
3º- A entidade patronal do A. tinha a responsabilidade emergente de acidente de trabalho completamente transferida para a 1ª R. seguradora X..., Compañia de Seguros Y Reaseguros, SA, Sucursal em Portugal, mediante contrato de seguro titulado pela apólice n.º ....- cfr. condições particulares e especiais da apólice junta a fls. 5/6, que aqui se dá por integralmente reproduzido. (alínea C) dos Factos Assentes)
4º- Na referida apólice consta, nos dados de risco, “Atividade(s) ... – fabricação de rolhas de cortiça”. (alínea D) dos Factos Assentes)
5º- Na proposta de seguro que deu origem à referida apólice, na natureza dos trabalhos a executar e na atividade predominante consta “comércio e fabrico de cortiça”.- cfr. proposta de seguro junta a fls. 189 verso/191, cujo teor se dá aqui por reproduzido. (alínea E) dos Factos Assentes)
6º- O objeto social da R. “A..., Unipessoal, Ldª” é “indústria transformadora de cortiça”, CAE ....- cfr. certidão comercial junta a fls.31, cujo teor se dá aqui por reproduzido. (alínea F) dos Factos Assentes)
7º- No dia 19.03.2020, cerca das 14h50, o trabalhador AA encontrava-se no telhado da fábrica da entidade empregadora, quando a estrutura cedeu e o sinistrado caiu ao solo no interior das instalações. (alínea G) dos Factos Assentes)
8º- Essa queda provocou ao sinistrado lesões que vieram a ser causa direta e necessária da sua morte, no próprio dia do acidente.- cfr. relatório de exame de hábito externo junto a fls. 83/84 (tendo sido dispensada a autópsia como resulta de fls.85) e relatório de aditamento de fls. 91/92. (alínea H) dos Factos Assentes)
9º- O sinistrado faleceu no estado civil de viúvo, sem descendentes nem ascendentes.- cfr. certificado de óbito junto a fls. 16 e auto de declaração de óbito de fls.15 e auto de não conciliação de fls.166 a 168. (alínea I) dos Factos Assentes)
10º- A sinistrado/falecido foi contratado pela Ré empregadora para executar tarefas correspondentes à categoria profissional de operador de máquinas e equipamento para trabalhar cortiça/broquista de rolhas. (alínea J) dos Factos Assentes)
11º- Não faz parte das funções contidas na categoria profissional de broquista ir ao telhado ou cobertura das instalações fabris. (alínea K) dos Factos Assentes)
12º- Realizada tentativa de conciliação, em 21 de abril de 2021, como resulta do auto de fls. 167 a 168, a mesma frustrou-se porque, apesar de o A./Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT) aceitar que o sinistrado teve um acidente nas circunstâncias de tempo, modo e lugar aí descritas, que esse acidente foi de trabalho, que as lesões e sequelas das mesmas aí descritas aí descritas são consequência desse acidente, que a retribuição do sinistrado era a aí discriminada e que a responsabilidade relativa a acidentes de trabalho estava totalmente transferida para a R.seguradora:
a)a Ré seguradora:
aa) não aceitou a caracterização do acidente como de trabalho em virtude de o mesmo ter ocorrido no âmbito de uma atividade não garantida pelo contrato de seguro;
ab) não aceitou a responsabilidade pela reparação do acidente por entender que o mesmo resultou de manifesto incumprimento de normas de segurança por parte da entidade patronal, que não forneceu ao sinistrado a formação dos procedimentos inerentes à execução de trabalhos em altura, nem usava proteção contra tal risco, pelo que não se conciliou;
b)a Ré entidade patronal:
ba) aceitou que o sinistrado teve um acidente nas circunstâncias de tempo, modo e lugar aí descritas, e que foi um acidente de trabalho, uma vez que o mesmo ocorreu nas instalações fabris e no tempo de trabalho do sinistrado, embora nunca lhe tivesse dado ordem para subir à cobertura da fábrica.
bb) [1]
bc) não aceitou a responsabilidade pela reparação do acidente por entender que não houve da sua parte violação de qualquer regra de segurança e que a responsabilidade pelo acidente deve ser assumida pela companhia de seguros, pelo que não se conciliou. (alínea L) dos Factos Assentes)
13º- A manutenção de telhados é uma tarefa muito específica, que só deverá ser executada por profissionais especializados e habituados a trabalhos em altura. (alínea M) dos Factos Assentes)
14º- O risco da atividade de comércio e fabricação de rolhas é menor do que a atividade de construção civil, o que influencia a taxa a aplicar ao seguro. (alínea N) dos Factos Assentes)
15º- A Ré entidade patronal é responsável pela orientação e planificação dos trabalhos dos seus funcionários. (alínea O) dos Factos Assentes)
*
16º- A determinado momento, o sinistrado dirigiu-se para cima do telhado exterior do armazém, que se situa a cerca de 8 metros do solo. (parte do artigo 14º da contestação da Ré seguradora).
17º- A entidade patronal não tinha ministrado qualquer formação sobre os procedimentos de segurança necessários para executar tarefas de manutenção do telhado e não se não se encontravam implementados equipamentos de segurança coletivos e individuais, adequados a evitar o risco de queda em altura, designadamente andaimes com instalação de guarda-corpos, bem como linha de vida, arnês e sistemas anti-queda. (artigos 24º e 29º a 30º da contestação da Ré seguradora)
18º- A entidade patronal, no dia do acidente, não mandou o sinistrado exercer quaisquer tarefas sobre a cobertura das instalações fabris, ninguém lhe tendo dado instruções nesse sentido, tendo sido um comportamento voluntário e por iniciativa do trabalhador, cujo motivo desconhece, totalmente à revelia da entidade patronal e dos restantes trabalhadores da empresa. (artigos 2º e 19º da contestação da Ré entidade patronal)
19º- É desconhecido de todos o motivo pelo qual o trabalhador AA foi ao telhado naquele dia e só tiveram conhecimento desse facto quando o mesmo já estava caído no chão. (artigo 18º da contestação da Ré entidade patronal)
20º- A entidade patronal sempre chamou a atenção dos seus trabalhadores para a tomada de medidas de segurança, higiene e saúde. (artigo 10º da contestação da ré entidade patronal
21º- O telhado nunca foi local de trabalho de nenhum trabalhador da empresa, nem nunca antes um trabalhador da empresa se tinha deslocado ao telhado. (artigo 11º da contestação da Ré entidade patronal)
*
Factos Não Provados[2]:
Não se provaram os restantes factos não incluídos nos acima transcritos, designadamente não se provou que:
- as funções desempenhadas pelo sinistrado, no dia e hora do acidente eram inerentes à categoria profissional de broquista (artigo 2º da p.i.);
- o sinistrado estava a efetuar a manutenção das telhas do armazém da fábrica, sob as ordens da entidade empregadora e no decurso dessa tarefa de manutenção, uma das telhas quebrou provocando-lhe a queda e a morte (artigos 14º a 16º da contestação da Ré seguradora);
- quando é necessária a reparação no telhado, a entidade patronal contrata serviços externos à empresa especializados para o efeito (artigo 6º da contestação da Ré entidade patronal).”
***
III. Fundamentação

1. Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10, alterado, designadamente, pela Lei 107/2019).
Assim, são as seguintes as questões suscitadas pela Recorrente:
- Impugnação da decisão da matéria de facto;
- Se a atividade que o sinistrado se encontrava a executar no momento do acidente não está abrangida pela actividade objeto do contrato de seguro e, por consequência, se não é a Recorrente responsável pela reparação infortunística do mesmo;
- Violação das regras de segurança por parte da Ré empregadora.

1.1. Para além do referido acima, o Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto, no seu parecer, invoca a nulidade da sentença recorrida por oposição entre os fundamentos e a decisão (art. 615º, nº 1, al. c), do CPC), concluindo no sentido “de ser declarada nula a sentença recorrida, com baixa dos autos à 1ª. Instância para reapreciação da matéria de direito.”

2. Começaremos pela questão da nulidade da sentença referida em 1.1., suscitada pelo Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto no seu parecer.
Dispõe o 615º, nº 1, al. c), do CPC/2013, que: “1. É nula a sentença quando “(…);c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível; (…)”
Como é sabido, as nulidades podem ser processuais, se derivam de actos ou omissões que foram praticados antes da prolação da sentença; podem também ser da sentença, se derivam de actos ou omissões praticados pelo juiz na sentença.
Como dizem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre in Código de Processo Civil Anotado, Volume 2, 4ª Edição, Almedina, pág.735 Coimbra Editora, pág.669, os casos das alíneas b) a c) do nº 1 respeitam “à estrutura ou aos limites da sentença. Respeitam à estrutura da sentença os fundamentos das alíenas b) (falta de fundamentação) e c) (oposição entre os fundamentos e a decisão). Respeitam aos seus limites os das alíenas d) (omissão e excesso de pronúncia) e e) (pronúncia ultra petitum).
A nulidade invocada – oposição entre os fundamentos e a decisão - reporta-se a uma contradição real entre os fundamentos e a decisão: a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente. Ou, por outras palavras, quando existe uma quebra no raciocínio lógico, não retirando o juiz, das premissas de que parte, a conclusão lógica que se imporia no silogismo judiciário.
De referir que tais vícios, geradores de nulidade de sentença, não se confundem com eventual erro de julgamento, seja na decisão da matéria de facto (erro de facto), seja na aplicação do direito aos factos (erro de direito), em que o juiz, com base em determinada prova [ou falta dela] decide erradamente sobre determinado de facto e/ou em que, com base em determinada factualidade ou falta dela decide erradamente no sentido que juridicamente considera ser o correspondente ao direito aplicável.
No caso, não se verifica o vício de nulidade apontado à sentença recorrida, sendo que a decisão está em consonância com a fundamentação que foi aduzida, tendo o juiz, na decisão, retirado a conclusão que se impunha de acordo com o direito que considerou ser o aplicável.
O que pode porventura ocorrer é erro de julgamento, mas isso prende-se com o mérito da decisão, não com a apontada nulidade de sentença. Aliás, o erro de julgamento (quer na decisão da matéria de facto, quer na aplicação do direito) é o fundamento do recurso interposto pela Recorrente.
Não há que, assim, anular a sentença recorrida conforme preconizado no mencionado parecer.

3. Da impugnação da decisão da matéria de facto

A Recorrente impugna a decisão da matéria de facto quanto aos nºs 18 e 19 dos factos provados e 2º dos factos não provados.
Do nº 18 dos factos provados consta que “18º- A entidade patronal, no dia do acidente, não mandou o sinistrado exercer quaisquer tarefas sobre a cobertura das instalações fabris, ninguém lhe tendo dado instruções nesse sentido, tendo sido um comportamento voluntário e por iniciativa do trabalhador, cujo motivo desconhece, totalmente à revelia da entidade patronal e dos restantes trabalhadores da empresa. (artigos 2º e 19º da contestação da Ré entidade patronal)” pretendendo a Recorrente que seja dado como provado que “18.º - A entidade patronal, no dia do acidente, não mandou o sinistrado exercer quaisquer tarefas sobre a cobertura das instalações fabris, ninguém lhe tendo dado instruções nesse sentido, tendo sido um comportamento voluntário e por iniciativa do trabalhador, com o objectivo de reparar fuga, sendo que o sinistrado dispunha de autonomia e poder de decisão, e estavam-lhe confiadas tarefas de manutenção dos equipamentos e instalações.” [os sublinhados correspondem às alterações pretendidas]
Do nº 19 dos factos provados consta que “19º- É desconhecido de todos o motivo pelo qual o trabalhador AA foi ao telhado naquele dia e só tiveram conhecimento desse facto quando o mesmo já estava caído no chão. (artigo 18º da contestação da Ré entidade patronal)”, pretendendo a Recorrente que seja dado como não provado.
Do nº 2 dos factos não provados consta que “- o sinistrado estava a efetuar a manutenção das telhas do armazém da fábrica, sob as ordens da entidade empregadora e no decurso dessa tarefa de manutenção, uma das telhas quebrou provocando-lhe a queda e a morte (artigos 14º a 16º da contestação da Ré seguradora)”, pretendendo a Recorrente que seja dado como provado.
A sustentar a impugnação e em síntese, alega, pelas razões que invoca (designadamente por se mostrarem concertados e pelo interesse no desfecho da ação, dadas as relações familiares da testemunha BB – irmão do sinistrado, pai da legal representante da Ré empregadora- e CC, por ser trabalhador da Ré empregadora), que deverão ser desconsiderados, em determinados aspectos, os depoimentos das mencionadas testemunhas e, bem assim, do depoimento de parte da legal representante da Ré. Mais sustenta a impugnação no Relatório de Exame de Hábito Externo do INML e, também, em determinados excertos dos mencionados depoimentos que, aliados às regras da experiência, da ciência e da lógica e às considerações que tece, levariam à conclusão, no que releva à impugnação da decisão da matéria de facto, de que:
“(i) A Entidade Empregadora era uma empresa familiar, com poucos funcionários, entre os quais o Sinistrado, tio da sócia gerente;
(ii) O Sinistrado tinha autonomia no desempenho da sua profissão, na gestão do seu trabalho, na definição de prioridades;
(iii) O Sinistrado tinha poder de decisão sobre os assuntos da empresa, na ausência da representante legal da Ré Entidade Empregadora;
(iv) O Sinistrado exercia funções de manutenção dos equipamentos e do armazém, que lhe tinham sido incumbidas pela Entidade Empregadora;
(v) O telhado do armazém da Ré Entidade Empregadora nunca tinha sido alvo de qualquer manutenção, apresentando uma fuga que o Sinistrado pretendia reparar;
(…)”,
e, assim, às alterações pretendidas.
A Recorrente deu cumprimento aos requisitos previstos no art. 640º, nºs 1, als. a), b) e c), e 2, al. a), do CPC/2013, tendo-se procedido à audição integral dos depoimentos de DD, legal representante da Ré empregadora e das testemunhas CC, trabalhador da Ré empregadora, que se encontrava no local aquando do acidente (mas que não o presenciou), BB, que foi (já não o sendo, sócio-gerente da mesma), de EE, inspector da ACT e FF, agente da GNR que se descolocou ao local após o acidente.
É de referir que a testemunha BB é irmão do sinistrado e pai da legal representante da Ré empregadora ou seja, é tio desta.

2.1. Antes de mais, importa dizer o seguinte quanto à pretensão relativa ao nº 18 dos factos provados:
Deste consta que “(…) cujo motivo desconhece, totalmente à revelia da entidade patronal e dos restantes trabalhadores da empresa”, pretendendo a Recorrente que seja substituída por “(…)com o objectivo de reparar fuga, sendo que o sinistrado dispunha de autonomia e poder de decisão, e estavam-lhe confiadas tarefas de manutenção dos equipamentos e instalações.
O que foi dado como provado foi alegado pela Ré empregadora na contestação [artigos 2º e 19º da contestação da Ré entidade patronal], correspondendo à sua versão dos factos. Ora, o que a Recorrente pretende, com a alteração que propõe, é que seja dado como provado facto diferente e que extravasa a matéria desse ponto 18º, aliás é contrário ao que dele consta, o que não é processualmente admissível, não se podendo responder a um facto alegado por uma das partes com facto contrário ao mesmo, o que extravasaria a matéria objecto do facto que estava em causa, tanto mais quando se trate de facto não alegado pela parte que pretende a alteração, sendo que, no caso, a Ré/Recorrente não alegou o que pretende que seja, agora, dado como provado no citado nº 18.
Diga-se que a alteração ora pretendida consubstancia matéria de facto nova, não alegada, tratando-se de facto que seria, pelo menos na defesa da tese da Ré, essencial. Ora, nos termos do art. 72º nºs 1 e 2 do CPT tal não é possível à Relação. Com efeito, tratando-se de facto essencial e não complementar ou instrumental, tal ampliação apenas seria possível à 1ª instância, sendo certo que se imporia ampliar os temas da prova [os quais foram, no caso, indicados no despacho saneador] e conferir às partes a possibilidade de “indicar as respectivas provas” [“a requerer imediatamente ou, no caso de reconhecida impossibilidade, no prazo de cinco dias”], tramitação esta que apenas poderá ter lugar em sede de 1ª instância e não já na Relação.
Assim sendo, e no que toca ao nº 18 dos factos provados, apenas se poderá ter como impugnado, no recurso, o segmento em que se refere “(…) cujo motivo desconhece, totalmente à revelia da entidade patronal e dos restantes trabalhadores da empresa” e, assim, saber se tal deverá ser dado como não provado, mas não mais do que isso.

2.2. Na fundamentação da decisão da matéria de facto foi referido o seguinte:
“A convicção do tribunal para dar como provados e não provados os factos dos temas de prova, assentou na conjugação da prova documental, testemunhal e por depoimento produzida, que o tribunal valorou de acordo com a sua livre convicção e fazendo apelo às regras da experiência comum e da normalidade.
Da prova produzida em audiência, não se logrou minimamente demonstrar qual a tarefa/atividade que o trabalhador AA estava a realizar no telhado das instalações fabris da arguida, designadamente que estivesse a efetuar a manutenção das telhas e que tenha sido esse o motivo pelo qual decidiu subir ao telhado, como se apurou que fez. Aliás, o que ressalta da prova é que o mesmo nunca antes tinha ido ao telhado, não se tendo apurado o que motivou que, no dia do acidente, se tivesse aí deslocado.
(…)
Do depoimento das testemunhas inquiridas, o irmão do trabalhador falecido e um colega de trabalho deste, ressalta à evidência que os mesmos desconhecem o motivo pelo qual o trabalhador subiu ao telhado, não tendo presenciado que alguém lhe tivesse dado uma ordem nesse sentido, mostrando-se surpreendidos pelo facto de o trabalhador ter caído do telhado, já que não era o seu local de trabalho, nem era costume aí se deslocar (à cobertura) para realizar quaisquer tarefas.
Assim, foi valorado o depoimento da testemunha CC, broquista na empresa arguida há cerca de 6 anos. Estava no seu local de trabalho, a trabalhar à broca, assim como o falecido AA, já da parte da tarde. Entretanto, este desligou a broca dele, e disse-lhe “eu vou lá fora e já venho” e ele continuou a trabalhar normalmente, não lhe tendo perguntado o que ia fazer, nem ele lhe disse. Passado algum tempo, cerca de 15/20 minutos, ouviu um estrondo, olhou para trás e vê-o estendido no meio do chão, em muito mau estado.
Afirmou que o trabalho deles é nas máquinas e nunca antes o sinistrado tinha ido ao telhado fazer o que quer que fosse, designadamente qualquer manutenção do telhado, não sabendo o que o mesmo foi fazer ao telhado naquele dia ou sequer a razão pela qual resolveu subir ao telhado (sendo certo que não se tinha apercebido de qualquer problema no telhado). E nem sequer sabe como é que o mesmo subiu para o telhado.
Foi ainda valorado o depoimento da testemunha BB, irmão do trabalhador falecido e pai da atual gerente da “A...”, que trabalhou na empresa até 2018, mas refere continua a deslocar-se à mesma, com alguma frequência. No dia do acidente, estava a chegar às instalações, e viu que o irmão já tinha caído, encontrando-se no chão, não sabendo o que sucedeu, nem qual a intenção do seu irmão em subir ao telhado. Afirmou que não sabe o motivo pelo qual o irmão foi ao telhado, onde antes, segundo sabe, nunca tinha ido, afirmando que o seu irmão era broquista, trabalhando numa máquina, embora fosse um trabalhador sempre disponível para fazer o que fosse preciso na empresa. Enquanto foi gerente da empresa, o irmão nunca foi ao telhado, sendo certo que ele era broquista, pelo que não tinha de ir ao telhado para realizar as suas funções.
Foi igualmente valorado o depoimento da testemunha FF, militar da GNR. Recorda-se que foi chamado ao local, na sequência do acidente e quando chegou às instalações da empresa já lá se encontrava a ambulância. Falou com o colega de trabalho do sinistrado, que lhe disse que o sinistrado momentos antes do acidente lhe disse que ia lá fora (sem especificar o que ia fazer) e passado algum tempo ouviu um estrondo e vê-o caído. Era visível um buraco no telhado, não tendo visto qualquer instrumento de trabalho ou escada por onde pudesse ter acedido ao telhado. Efetuou um registo fotográfico do local documentado a fls. 90, que anexou ao auto de notícia junto a fls. 88/89, nada mais tendo conseguido apurar.
Por último, do depoimento de parte da legal representante da entidade patronal, DD, apenas resulta com interesse o que consta da assentada lavrada na ata da audiência de julgamento, designadamente que o Sinistrado/Falecido AA, exercia as funções de broquista, o que comunicou à Ré Seguradora, esclarecendo igualmente que a atividade da empresa é apenas a transformação de rolhas; que o referido AA foi contratado como broquista, desconhecendo o motivo pelo qual o Sinistrado subiu ao telhado e o que lá se encontrava a fazer, esclarecendo que não cabe nas funções de broquista (que eram aliás exercidas no interior do armazém), a subida ao telhado.
Já do depoimento do senhor inspetor autuante EE nada foi possível extrair com o mínimo de segurança que permita esclarecer os factos, desde logo quanto ao que motivou a subida do trabalhador ao telhado no dia do acidente ou sequer que concretas funções o mesmo estava nesse momento a realizar. Como o mesmo afirmou só teve conhecimento do acidente cerca de um mês depois da ocorrência do mesmo, sendo certo que nem sequer se deslocou ao local. Além disso, fez referência no seu depoimento a um relatório dos serviços externos de higiene e segurança da entidade patronal, com base no qual teria elaborado o seu relatório, quando não existe qualquer relatório elaborado pela entidade patronal. De facto, o mesmo não recolheu qualquer prova de que o trabalhador em causa estivesse a realizar qualquer tarefa no telhado das instalações e muito menos que alguém lhe tivesse dado uma ordem nesse sentido ou determinado que o fizesse. Veja-se que nem inquiriu quem quer que fosse que pudesse ter confirmado tal realidade. Na verdade, ficamos sem alcançar a razão pela qual fez constar no relatório de fls. 58 a 60, que o trabalhador estava a realizar tarefas no telhado, sob as ordens da arguida, quando nada apurou, rigorosamente nada, que lhe permitisse retirar essa conclusão.
*
Quanto aos factos não provados, não foi produzida qualquer prova que lograsse convencer o tribunal.
Nada da prova produzida nos permite concluir que o trabalhador AA estivesse a desempenhar alguma tarefa no telhado das instalações, que lhe tivesse sido determinada pela sua entidade patronal.
(…)
E o facto de o trabalhador se encontrar no telhado ou ter acedido ao mesmo, não nos permite concluir, sem mais e com o mínimo de segurança, que o mesmo estivesse a realizar algum tipo de trabalho nessa cobertura (nenhuma prova segura se logrou efetuar a este propósito). A prova produzida em audiência não nos permite retirar essa conclusão.”

2.3. Do Relatório de Exame de Hábito Externo elaborado pelo INML, junto aos autos na fase conciliatória do processo e que a Recorrente invoca, consta o seguinte:
<<C) Informação Social fornecida por BB (irmão): A vítima era “broquista” (operário na área da cortiça). Sofreu um acidente de trabalho em 19.03.2020: estava em cima de uma clarabóia do telhado, tendo caído de uma altura aproximadamente de 7 metros. (…). Trabalharia em empresa do tipo familiar, terá referido ao colega, antes do evento “vou só ali tratar de uma coisa” (sic) tendo sido observado escadote pelo qual terá subido ao referido telhado. Tê-lo-á feito com o objectivo de reparar fuga que o telhado teria por “ameaça de chuva nos dias seguintes” (sic).>>
Quanto à prova pessoal prestada em audiência de julgamento, a súmula efetuada pela Mmª Juiz está em consonância com a mesma.
O depoimento da testemunha EE, inspector da ACT, de nada releva pelas razões referidas na fundamentação da decisão da matéria de facto (aliás, nem foi invocado para suportar a impugnação).
No que toca ao depoimento de FF, o mesmo não assistiu ao acidente, apenas tendo chegado ao local após o mesmo (o sinistrado já estava na ambulância), relevando porém que, tendo ele inquirido o trabalhador CC (também testemunha), este lhe referiu que o sinistrado lhe disse, momentos antes da queda, que “vou lá fora” e que depois ouviu o estrondo provocado pela queda do sinistrado; releva também quando refere que, no local por onde o sinistrado caiu, faltava um bocado de amianto, “uma espécie de quadrado”, não tendo visto qualquer instrumento de trabalho que tivesse caído com o sinistrado, não tendo visto também qualquer escada, desconhecendo como o sinistrado subiu e caiu.
CC, trabalhador da Ré empregadora há cerca de cinco ou seis anos, referiu que ele e o sinistrado se encontravam a trabalhar quando este lhe disse “vou lá fora, já venho”, não tendo perguntado o que ele ia fazer, nem sabendo o que seria e, após alguns minutos, ouviu um estrondo, estando o sinistrado caído no chão, não sabendo como ele subiu ao telhado, não havia nenhuma escada, mais dizendo que só vê uma hipótese de subida, qual seja ter o sinistrado subido pelo armazém ao lado e que, por aí, seria fácil subir e passar de um para o outro, não sendo preciso escada. Referiu ainda que o sinistrado também fazia trabalhos de manutenção das máquinas e do armazém, mas que a manutenção do armazém não era a manutenção da estrutura do mesmo. E, bem assim, que nunca tinha, o sinistrado ou a testemunha, subido ao telhado.
BB referiu que não viu o acidente, quando estava a chegar tinha acabado de acontecer. Ninguém sabe o que o sinistrado foi fazer ao telhado, ninguém sabe explicar, nunca ninguém o tinha visto no telhado; não sabe como acedeu ao telhado, que têm um escadote “com três ou quatro degraus que nem a meio chega”. Foi confrontado com o referido no mencionado Relatório de Exame de Hábito Externo, tendo referido que “Isso pode ser ou se puder alguma coisa ele foi fazer, o escadote nós não temos, teria de pedir a alguém, nos não temos lá escadote para isso, de forma alguma, não fui eu possivelmente que disse, mas é assim, a voar ele não foi…"; quanto à ameaça de chuva referiu que “ deviam ter ouvido no rádio que chovia, mas lá dentro não chovia, ninguém pode prever o que ia na cabeça daquele homem”. Mais adiante referiu que de certeza que o sinistrado entendeu ir ao telhado fazer alguma coisa, pois “ele não era maluco, não era alcoólico, não tinha felizmente não tinha vícios, alguma coisa ele entendeu, não sei" e que não sabe o que ele lá foi fazer. Mais disse que o sinistrado “tinha autonomia para qualquer coisa que fosse necessário e se não estivesse lá a gerência, chamarem as pessoas responsáveis para qualquer coisa que acontecesse, qualquer avaria que era preciso, qualquer coisa que era preciso, ele tinha autonomia, não era só ele, o colega também tinha, tiveram sempre autonomia para chamar as pessoas indicadas para esse efeito, agora mais do que isso não posso dizer, ainda hoje continua, qualquer coisa que há são sempre eles que chamam e ao telhado nunca foi preciso chamar ninguém." Disse também que não havia, onde o sinistrado caiu, nenhum instrumento de trabalho, que só viu as botas e as luvas.
Quanto a DD, legal representante da Ré empregadora, referiu que: o sinistrado geria o seu trabalho, sabendo o que tinha de fazer, que ele era o “seu braço direito e esquerdo”; que as suas funções eram dentro do armazém, nas máquinas, não sabendo o que o sinistrado foi fazer ao telhado, não sabe como ele terá subido, até com uma escada é difícil, “só com um empilhador”. Que não deu ordem para o sinistrado subir, que tal ocorreu sem o seu conhecimento, que ninguém havia ido, anteriormente ao acidente, ao telhado, não sabendo o motivo de ele ter subido, não tendo, a Ré, nenhuma ferramenta que pudesse justificar a ida ao telhado; nunca foi necessária nenhuma intervenção no telhado e que o sinistrado tinha a sua autorização para chamar alguém, mesmo que “eu não estivesse”, que não havia nada que indicasse que o telhado estivesse estragado ou que fosse preciso fazer alguma coisa no telhado.
De acordo com todos os referidos depoimentos decorre que ninguém sabe o motivo da subida do sinistrado ao telhado e, muito menos, que estivesse o sinistrado a efectuar a manutenção do telhado e, no âmbito da manutenção, que tarefa estaria ou se proporia executar. Diga-se que não foi referido por ninguém a existência de qualquer ferramenta que o sinistrado tivesse consigo para proceder a essa manutenção, designadamente, e pese embora o referido no ponto 1.1., para “reparar fuga”.
Diga-se também que a tarefa de manutenção do armazém que foi referida pela testemunha CC, não significa ou não determina, muito menos necessária e seguramente, que abrangeria também tarefas de manutenção do telhado [CC ao reportar-se às tarefas de manutenção, referiu que estas não eram da estrutura], nem que a Ré empregadora, mormente a sócia gerente, disso o tivesse encarregado e/ou que a autonomia de que o sinistrado pudesse dispor abrangesse ou se reportasse à possibilidade de ir ao telhado e executar tarefas de manutenção do mesmo.
Entende a Recorrente que os mencionados depoimentos deverão ser descredibilizados designadamente por se mostrarem concertados e pelo interesse dos mesmos no desfecho da ação atenta a relação familiar existente entre a testemunha BB, a sócia gerente da Ré e o sinistrado, por um lado, e face à qualidade de trabalhador da Ré por parte da testemunha CC. Salvo o devido respeito, não se vê razão para tal descredibilização, havendo os depoimentos sido unanimes e consistentes no sentido de que os depoentes desconheciam o que o sinistrado terá ido fazer ao telhado. Apenas CC estava no armazém e este sempre referiu que o sinistrado apenas lhe disse “vou lá fora” e que desconhecia as razões da ida ao telhado. É até natural que, perante o sucedido, o irmão do sinistrado [testemunha BB], a legal representante da Ré e CC hajam falado sobre o assunto [insólito seria que não o tivessem feito] e que este lhes haja dito precisamente o que sempre veio dizendo [que o sinistrado apenas lhe disse “vou lá fora” e que não sabia o que teria ido fazer ao telhado]. É certo que por alguma razão o sinistrado subiu ao telhado, pois que caiu do mesmo. Agora qual a razão, é que não se sabe, nem decorre desses depoimentos, sendo de salientar que não foi feita prova da existência de alguma ferramenta que tivesse sido utilizada pelo sinistrado e, por outro lado, do depoimento da testemunha FF, o agente de autoridade da GNR que acorreu ao local, decorre que, logo ali, lhe foi referido por CC ter sido dito pelo sinistrado apenas que “ia lá fora”, tendo pouco tempo depois ouvido “um estrondo”.
E a isso não obsta o Relatório de Exame de Hábito Externo. Com efeito, embora consubstanciando tal documento o que terá sido dito pela testemunha BB, é de ter em conta que a prova testemunhal deve ser prestada oralmente em audiência de discussão e julgamento, sujeita a juramento e ao contraditório (arts. 500º, 513º, 516º, do CPC) e não por escrito, perante terceiros, ainda que este, terceiro, seja o INML. E, na audiência de julgamento, a testemunha BB referiu não saber a razão do sinistrado ter subido ao telhado. Acresce dizer que do que ficou consignado em tal Relatório, não resulta, pelo menos com segurança, que o sinistrado foi reparar fuga do telhado por ameaça de chuva. Com efeito, nele refere-se que “Tê-lo-á feito com o objectivo de reparar fuga que o telhado teria (…)”. O tempo verbal utilizado, no condicional, indicia que essa seria uma possibilidade, não uma certeza.
De dizer ainda que a Recorrente alude às declarações prestadas pela testemunha CC ao perito que fez a averiguação do sinistro por conta daquela. Desde logo, tais declarações consubstanciam depoimento escrito prestado à parte, ou a alguém por sua conta, não sendo, nos termos das disposições legais acima referidas, admissíveis depoimentos testemunhais escritos, não prestados em audiência de julgamento. De todo o modo, nem a testemunha foi, no julgamento, confrontada com a leitura dessas “declarações”. E, independentemente disso, relativamente à razão da subida do sinistrado ao telhado, desse “escrito” consta que a testemunha referiu desconhecer a razão da subida ao telhado. E se consta, como consta, que a empresa era pequena, tendo três funcionários e que, por isso, o sinistrado fazia também a manutenção do armazém e das máquinas, não consta que essa “manutenção” do armazém incluísse a manutenção do telhado e que, por esta razão, é que o sinistrado a ele teria subido. Aliás, isso mesmo decorre do depoimento dessa testemunha prestado em audiência de julgamento, remetendo-se para o que acima se disse a esse propósito.
Por fim, resta dizer que, sendo embora certo que o sinistrado subiu ao telhado e que o fez por alguma razão, as regras da experiência comum ou da lógica não permitem concluir, a partir apenas daquele facto, que os depoentes soubessem o que o sinistrado foi fazer ao telhado, que o tivesse ido para fazer a sua manutenção (e muito menos para “reparar fuga”) e que o tivesse feito sob as ordens da Ré (como se diz no nº 2 dos factos não provados) ou com o seu conhecimento.
Não se vê, pois, razão para alterar os nºs 18 e 19 dos factos provados e segundo dos factos não provados, os quais têm sustentação na prova produzida, encontrando-se tais respostas corretas, restando dizer que, mesmo que se considerasse ser possível, a esta Relação, conhecer da agora, em sede de recurso, alegada “reparação de fuga”, sempre tal facto deveria ser dado como não provado.
Improcede, assim, a impugnação da decisão da matéria de facto.

3. Se a actividade exercida pelo sinistrado não se encontra abrangida pelo contrato de seguro e, por consequência, se não é a Recorrente responsável pela reparação infortunística do acidente

Na sentença concluiu-se no sentido da existência de acidente de trabalho, o que não é posto em causa no recurso e que assim se encontra assente.
Mais se concluiu, na mesma, que a actividade exercida pelo sinistrado aquando do acidente de trabalho se encontra abrangida pela actividade da Ré empregadora objecto do contrato de seguro e, por consequência, ser a Recorrente responsável pela reparação infortunística do mesmo, do que esta discorda, referindo que: “37. Resultou provado nos pontos 4.º, 5.º e 6.º dos factos provados, que a actividade da Ré Entidade Empregadora é o comércio e fabrico de cortiça e transferiu para a Ré seguradora a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho da vítima pela actividade de "broquista". 38. Os trabalhos em altura não se encontravam abrangidas pela actividade objecto do contrato de seguro, independentemente do trabalho se encontrar ou não sob “ordens da sua entidade empregadora”. 39. A tarefa que o Sinistrado realizou e que culminou na sua morte, não está de forma alguma relacionada ou conexionada com a sua categoria profissional nem com a actividade de comércio e de fabrico de rolhas. (…). 41. O Tribunal a quo adoptou uma perspectiva bastante extensiva do âmbito de cobertura do contrato de seguros de acidentes de trabalho e do conceito de polivalência funcional, a qual não obedece aos requisitos previstos na Lei dos Acidentes de Trabalho. 42. Na lógica do decidido, quase poderíamos afirmar todos e quaisquer riscos estão abrangidos pelas garantias do contrato de seguro em causa, o que, com o devido respeito, é totalmente absurdo. 43. Acresce que, dos pontos 10.º e 11.º dos factos provados resulta que nas funções que foram acordadas entre a Ré Entidade Empregadora e o Sinistrado não se encontra incluída a realização de trabalhos no "telhado ou cobertura das instalações fabris". 44. Também não resultou que fosse frequente registarem-se situações de desconformidade entre a categoria profissional do Sinistrado e as tarefas concretamente desempenhadas pelo mesmo. 45. Da matéria de facto provada é possível delimitar o âmbito de protecção conferida pelo contrato de seguro em termos de excluir do mesmo a concreta actividade que o Trabalhador desempenhava no momento do sinistro. 46. Ou seja, a Recorrente cumpriu o ónus de provar quais os riscos que se encontravam inerentes às actividades que tinham sido para si transferidas, bem como a exclusão dos mesmos de qualquer tarefa que implicasse que o trabalhador subisse a um telhado de cerca de 8 metros de altura do solo. 47. O risco de queda em altura a que o Sinistrado foi exposto nunca poderia materializar-se em execução de operações típicas ou complementares da actividade de um operador de máquinas e equipamento para trabalhar cortiça/broquista de rolhas. 48. Mais se encontra provada a diferença de prémio entre aquele que a Recorrente efectivamente cobrava à Ré Entidade Empregadora/Tomadora do seguro e aquele que cobraria se lhe tivesse sido comunicada a actividade desempenhada pelo Sinistrado no momento em que ocorreu o acidente, constante do ponto 14.º da matéria de facto provada, que "o risco (…) é menor (…), o que influencia a taxa a aplicar ao seguro". 49. Posto isto, a actividade realizada pelo Sinistrado no momento do acidente de trabalho e o respectivo risco não se encontravam garantidas pela respectiva apólice. .... A apólice apesar de válida é totalmente ineficaz.”.

3.1. No que toca ao âmbito da cobertura do contrato de seguro celebrado entre as RR e consequente determinação da entidade responsável pela sua reparação, foram pela sentença recorrida considerados dois diferentes fundamentos:
i) em síntese, que: embora a ida ao telhado não se inserisse na actividade própria de brocagem, esta a do sinistrado e a da área de actividade da Ré empregadora constante do contrato de seguro, desconhecendo-se a razão da subida ao telhado, não fez a Ré Seguradora prova, que sobre ela impenderia, de que tal não se pudesse tratar de actividade conexa, designadamente pequena reparação ou limpeza, situação esta em que o caso em apreço estaria ainda abrangido na área de actividade coberta pelo contrato de seguro;
ii) o contrato de seguro de acidentes de trabalho consubstancia um contrato a favor de terceiro, pelo que, por esta via, o acidente não se encontra excluído do âmbito de proteção do mesmo, tendo-se, para tanto, referido o seguinte:
“Acresce ainda que, à luz do disposto nos artigos 443º e 449º do Código Civil (contrato a favor de terceiro) e 48º, nº5 do DL nº72/2008, consideramos não serem oponíveis ao aqui A., terceiro em relação ao contrato de seguro, os meios de defesa que advenham de outras relações entre o segurador e o tomador do seguro.
A este propósito, veja-se o que se refere no citado Acórdão TRC de 27.10.2017 “…o contrato de seguro de acidentes de trabalho é obrigatório e reveste a natureza de contrato a favor de terceiro. Como tal, o contrato de seguro está sujeito à disciplina do art. 449º do CC, nos termos do qual “São oponíves a terceiro, por parte do promitente, todos os meios de defesa derivados do contrato, mas não aqueles que advenham de uma relação entre promitente e promissário” - neste sentido, acórdãos do STJ de 30/3/89 (BMJ 385, p. 563), da Relação de Coimbra de 12/2/98 (CJ, tomo I, p. 64), da Relação de Évora, de 9/4/03 (CJ, tomo II, p. 264), e José Vasques, ob. cit., pp. 120 a 123”.
Também o art. 48.º n.º 5 do já citado DL n.º 72/2008, refere que “na falta de disposição legal ou contratual em contrário, são oponíveis ao segurado os meios de defesa derivados do contrato de seguro, mas não aqueles que advenham de outras relações entre o segurador e o tomador do seguro”.
Seguindo o referido Ac.TRC de 25-11-2013, “dada a sua fisionomia de contrato a favor de terceiro, ao celebrar o contrato de seguro de responsabilidade civil o segurador obriga-se, também, para com o lesado a satisfazer a indemnização devida ao segurado, ficando aquele com o direito de demandar directamente a seguradora. As excepções que o segurador tenha contra o segurado são do domínio exclusivo da relação entre eles, só sendo relevantes nas relações imediatas ou internas entre ambos”.
Daí que, mesmo que se considerasse se verificavam exceções que demandassem a anulabilidade do contrato de seguro ou da exclusão do âmbito de proteção do mesmo da atividade desempenhada pelo sinistrado no momento do acidente, elas não podiam ser opostas ao segurado e, consequentemente ao FAT, terceiro relativamente a tal contrato.
Concluímos, pois, por este prisma, que a R. seguradora é responsável perante o aqui A.”
Foram pois dois os fundamentos considerados na sentença recorrida no sentido do direito à reparação não estar excluído do âmbito de cobertura do contrato de seguro celebrado entre as RR.
Acontece porém que a Ré Seguradora, ora Recorrente, no recurso, apenas atacou o primeiro dos mencionados fundamentos, referido em i), e não já o segundo, mencionado em ii), sendo que nas conclusões do recurso ou, até mesmo, do corpo das alegações, nada se diz no que a este fundamento respeita, não o referindo ou impugnando, nem aduzindo qualquer argumento no sentido de não dever o mesmo ser considerado.
Ou seja, a Recorrente, no recurso, não impugnou tal fundamento, o qual não pode ser conhecido por esta Relação, tendo em conta que, como emanação do princípio do dispositivo, compete ao Recorrente a delimitação do objeto do recurso e a necessidade da sua fundamentação (arts. 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC), não sendo à Relação lícito conhecer, sob pena de nulidade de acórdão por excesso de pronúncia (art. 615º, nº 1, al. d), do CPC/2013), de questões não suscitadas no recurso e neste não fundamentadas, como é o caso da questão mencionada em ii). E não consubstancia ela questão que seja de conhecimento oficioso.
O decidido no segmento transcrito em ii) transitou, pois, em julgado, não podendo a Relação dele conhecer.
Ora, assim sendo, torna-se totalmente inútil a apreciação da questão mencionada em i), esta a que é objeto do recurso, pois que, fosse qual fosse o entendimento desta Relação quanto à mesma, ela em nada influiria na sorte do recurso, rectius, na não exclusão da tarefa levada a cabo pelo sinistrado do âmbito de cobertura do contrato de seguro de acidente de trabalho celebrado entre as RR: mesmo que a decisão da questão mencionada em i), esta a que é objeto do recurso, fosse considerada procedente, sempre subsistiria, como fundamento da não exclusão e da manutenção do decidido na sentença, o nesta invocado, referido em ii) e transitado em julgado. E o art. 130º do CPC/2013 proíbe a prática de actos inúteis.
Assim, não se conhece da questão de saber se a actividade exercida pelo sinistrado não se encontra abrangida pelo contrato de seguro, esta a objeto do recurso.

4. Da violação das regras de segurança por parte da Ré empregadora

Na sentença recorrida referiu-se o seguinte:
“A seguradora alega ainda que existiu violação das regras de segurança por parte da Ré entidade patronal, pelo que deve esta responder nos termos do artigo 18º da LAT.
Prescreve o art. 18.º da Lei 98/2009, de 4/9, sob a epígrafe “actuação culposa do empregador”: “n.º 1- Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar da falta de observação, por aqueles, das regras de segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares nos termos gerais.:(…)”.
O agravamento da responsabilidade em virtude da violação de regras de segurança configura uma exceção ao regime de responsabilidade objectiva por acidente de trabalho, cuja reparação assenta não na lesão, perturbação ou doença e no sofrimento que daí decorrem, mas, sobretudo, na redução da capacidade de trabalho ou de ganho resultantes dessa lesão, perturbação ou doença.
Embora o preceito em causa aluda, por um lado, ao acidente “provocado” pela entidade empregadora e, por outro lado, ao que resultar “da falta de observação das regras sobre segurança e saúde no trabalho”, exige-se, nesta última hipótese, quer a constatação da inobservância das regras, quer o nexo de causalidade entre esta inobservância e o acidente.
Com efeito, já ensinava CARLOS ALEGRE a respeito da pretérita Lei 100/97 de 13/9, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ª Edição, pág. 104, “a culpa do agente não existe, apenas, quando actua com dolo, mas também quando não age com o cuidado ou a diligência que as circunstâncias do trabalho exigem, e a que está obrigado e é capaz. Em direito criminal chama-se a este comportamento de negligência, a lei dos acidentes de trabalho chama-o de culpa”.
Assim, para a verificação da estatuição do citado artigo 18º é necessário concluir:
1.º - que sobre a entidade empregadora (ou seu representante ou entidade por si contratada) recaía o dever de observar determinadas regras de comportamento cuja observância, seguramente ou muito provavelmente, teria impedido a consumação do evento danoso, e que a entidade empregadora (ou seu representante ou entidade por si contratada) faltou à observância dessas regras, não tomando por esse motivo o cuidado exigível a um empregador normal;
2.º - que entre essa sua conduta e o acidente intercorre um nexo de causalidade adequada.
O requisito do nexo de causalidade entre a inobservância das regras de segurança no trabalho e ao acidente constitui uma ilação lógica de natureza factual, estabelecendo uma cadeia naturalística de factos relacionados entre si por nexos causais.
Destarte, a apreciação do nexo de causalidade envolve um primeiro patamar de análise, que se prende com a determinação naturalística dos factos, em ordem a determinar a sua causa-efeito, e um segundo patamar, que implica o confronto daquela sequência cronológica com as regras jurídicas que delimitam o conceito de causalidade adequada.
O facto que actua como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude de circunstâncias excecionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercedam no caso concreto.
Vejam-se neste sentido os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, datados de 12.11.2009 e 3.02.2010, proferidos nos processos nº 330/04.2TTABT.S1, e 304/07.1TTSNT.L1.S1, ambos publicados in www.dgsi.pt.
No que concerne o ónus da prova, ensina o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 17-1-2011, proferido no processo nº 817/07.5TTBRG.P1, in www.dgsi.pt: “O ónus de alegar e provar os factos que agravam a responsabilidade da entidade empregadora cabe a quem dela tirar proveito. É à R. seguradora que compete provar a existência do nexo de causalidade entre a violação das regras de segurança que no caso se impunham e o acidente.”
No que concerne à promoção da segurança e saúde no trabalho, prevê o art. 127º, nº 1, h) do CT/2009, quanto aos deveres do empregador, que o empregador deve adoptar, no que se refere a segurança e saúde no trabalho, as medidas que decorram de lei ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
Regulamentando o regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho, estabelece a Lei 102/2009, de 10/9, no seu artigo 5º, nº 1, que “o trabalhador tem direito à prestação de trabalho em condições que respeitem a sua segurança e a sua saúde, asseguradas pelo empregador”.
Mais estabelece o art. 15º do citado diploma legal, as obrigações gerais do empregador:
1 - O empregador deve assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspectos do seu trabalho.
2 - O empregador deve zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da actividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador, tendo em conta os seguintes princípios gerais de prevenção:
a) Evitar os riscos;
b) Planificar a prevenção como um sistema coerente que integre a evolução técnica, a organização do trabalho, as condições de trabalho, as relações sociais e a influência dos factores ambientais;
c) Identificação dos riscos previsíveis em todas as actividades da empresa, estabelecimento ou serviço, na concepção ou construção de instalações, de locais e processos de trabalho, assim como na selecção de equipamentos, substâncias e produtos, com vista à eliminação dos mesmos ou, quando esta seja inviável, à redução dos seus efeitos;
d) Integração da avaliação dos riscos para a segurança e a saúde do trabalhador no conjunto das atividades da empresa, estabelecimento ou serviço, devendo adotar as medidas adequadas de proteção;
e) Combate aos riscos na origem, por forma a eliminar ou reduzir a exposição e aumentar os níveis de protecção;
f) Assegurar, nos locais de trabalho, que as exposições aos agentes químicos, físicos e biológicos e aos factores de risco psicossociais não constituem risco para a segurança e saúde do trabalhador;
g) Adaptação do trabalho ao homem, especialmente no que se refere à concepção dos postos de trabalho, à escolha de equipamentos de trabalho e aos métodos de trabalho e produção, com vista a, nomeadamente, atenuar o trabalho monótono e o trabalho repetitivo e reduzir os riscos psicossociais;
h) Adaptação ao estado de evolução da técnica, bem como a novas formas de organização do trabalho;
i) Substituição do que é perigoso pelo que é isento de perigo ou menos perigoso;
j) Priorização das medidas de proteção coletiva em relação às medidas de proteção individual;
l) Elaboração e divulgação de instruções compreensíveis e adequadas à atividade desenvolvida pelo trabalhador.
3 - Sem prejuízo das demais obrigações do empregador, as medidas de prevenção implementadas devem ser antecedidas e corresponder ao resultado das avaliações dos riscos associados às várias fases do processo produtivo, incluindo as actividades preparatórias, de manutenção e reparação, de modo a obter como resultado níveis eficazes de protecção da segurança e saúde do trabalhador.
4 - Sempre que confiadas tarefas a um trabalhador, devem ser considerados os seus conhecimentos e as suas aptidões em matéria de segurança e de saúde no trabalho, cabendo ao empregador fornecer as informações e a formação necessárias ao desenvolvimento da actividade em condições de segurança e de saúde.
10 - Na aplicação das medidas de prevenção, o empregador deve organizar os serviços adequados, internos ou externos à empresa, estabelecimento ou serviço, mobilizando os meios necessários, nomeadamente nos domínios das actividades técnicas de prevenção, da formação e da informação, bem como o equipamento de protecção que se torne necessário utilizar.
Além dos princípios e obrigações gerais contidos no art. 5º e no art. 15º, respetivamente, da Lei n.º 102/2009, de 10/9, nos termos do art.º 44.º do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, aprovado pelo Decreto n.º 41.281, de 11 de Agosto de 1958, sob a epígrafe “Obras em telhados” prescreve-se que: “No trabalho em cima de telhados que ofereçam perigo pela sua inclinação, natureza ou estado da sua superfície, ou por efeito de condições atmosféricas, tomar-se-ão medidas especiais de segurança, tais como a utilização de guarda - corpos, plataformas de trabalho, escadas de telhador e tábuas de rojo.
§ 1.º As plataformas terão a largura mínima de 0,40 m e serão suportadas com toda a segurança: As escadas de telhador e as tábuas de rojo serão fixadas solidamente. § 2.º Se as soluções indicadas no corpo do artigo não forem praticáveis, os operários utilizarão cintos de segurança providos de cordas que lhe permitam prender-se a um ponto resistente da construção.
Por sua vez, o art.º 11.º da Portaria 101/96, de 3 de Abril estipula, no que concerne a “Quedas em altura”, o seguinte:
“1. Sempre que haja risco de quedas em altura, devem ser tomadas medidas de proteção coletivas adequadas e eficazes ou, na impossibilidade destas, de proteção individual, de acordo com a legislação aplicável, nomeadamente o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil.
2. Quando, por razões técnicas, as medidas de proteção coletiva forem inviáveis ou ineficazes, devem ser adotadas medidas complementares de proteção individual, de acordo com a legislação aplicável.
Do texto do citado art. 44º do Decreto n.º 41.281 resulta que a através da sua aplicação pretende-se prevenir o risco de queda, em razão da “inclinação, natureza ou estado da sua superfície, ou por efeito de condições atmosféricas”, impondo-se então que sejam adotadas “medidas especiais de segurança”, indicando a lei exemplificativamente, como meios que respondem a essa “medidas especiais de segurança”, os “guarda-corpos, plataformas de trabalho, escadas de telhador e tábuas de rojo”.
O que vale por dizer que, o facto de se andar em cima de um telhado, por si só, não basta para que seja sempre necessário recorrer a medidas especiais, nomeadamente as indicadas na lei. Só, nos casos em que se verifiquem as condições e circunstâncias ali referidas, potenciadoras de risco de queda, a aplicação das medidas previstas naquela disposição legal é obrigatória.
Como decorre do já supra exposto, o ónus da prova da existência de condições e circunstâncias referidas no citado art. 44º, potenciadoras de risco de queda, impende, no caso, sobre o autor e ré seguradora.
No que respeita ao estado e condições da cobertura, de onde caiu o sinistrado e às condições metereológicas no dia do acidente, nada resultou provado. Não podendo considerar que este telhado oferecia perigo na execução de trabalhos, não é possível concluir se impusesse a adoção de medidas de segurança, preferencialmente coletiva, como impõe o citado art. 44º do Decreto n.º 41281.
É certo que Ré entidade patronal não providenciou por qualquer formação ao sinistrado sobre trabalhos em altura, como não providenciou por qualquer meio de segurança: - Não colocou plataformas/passadiços de modo a que a circulação não fosse feita diretamente sobre as telhas; - Não forneceu arnês de segurança anti queda, fixado a linha de vida devidamente amarrada; - não providenciou, também, pela colocação de redes anti-queda por debaixo da zona em que o sinistrado estava.
Acontece que não se logrou demonstrar qualquer nexo de causalidade entre as normas violadas e a verificação do sinistro, já que não se provou nada acerca da dinâmica do acidente, a não ser a queda do sinistrado do telhado.
Não se pode afirmar que o acidente, no caso, se tenha ficado a dever, em termos de causalidade adequada, à falta de formação do sinistrado, ou à falta de equipamentos de proteção, não podendo concluir-se pela responsabilidade agravada da entidade empregadora.
Como se refere no Ac. TRL de 23.02.2011, publicado in www.dgsi.pt, com inteira pertinência para a situação dos autos, “É certo que incumbe sobre a entidade empregadora um dever geral de assegurar aos trabalhadores as condições de segurança no trabalho que lhe impõe agir em termos de prevenção, tal como consignado no art. 273 do CT, o que pressupõe um dever geral de formação sobre os cuidados gerais a observar no exercício das funções do seus trabalhadores, contudo, não ficou demonstrado o nexo causal entre o acidente e o incumprimento desse referido dever geral de formação. O requisito do nexo de causalidade entre a inobservância das regras de segurança no trabalho constitui uma ilação lógica de natureza factual, estabelecendo uma cadeia naturalística de factos relacionados entre si por nexos causais. Ora, não se apuraram factos suficientemente caracterizadores de um nexo de causalidade adequada entre a falta do dever geral de formação sobre as condições de segurança e o resultado, ou seja o acidente, pelo que também, por esta via, fica impedida a imputação da responsabilidade subjectiva à empregadora, nos termos do aludido art.º18, da LAT.”
Além disso, não tendo a Ré entidade patronal dado ordens ao sinistrado para subir ao telhado para realizar qualquer tarefa, nem sendo habitual que os trabalhadores subissem ao telhado, não era possível à Ré entidade patronal e, nessa medida não lhe era exigível, prever que o sinistrado o fosse fazer, nas circunstâncias apuradas.
Assim, do que se apurou a este propósito não é possível concluir que o acidente se ficou a dever ao não cumprimento das regras de segurança por parte da ré empregadora.
Desta forma, concluímos não estarem preenchidos os pressupostos a que alude o artigo 18.º n.º 1 da LAT, para a responsabilidade culposa da entidade empregadora, pelo que a responsabilidade pelo acidente recai sobre a Ré seguradora a título principal.
Pelo que a responsabilidade pelo acidente recai sobre a Ré seguradora e apenas sobre esta, considerando que à data do sinistro, o sinistrado se encontrava abrangido pelas garantias do contrato de seguro titulado pela apólice nº ....”

Do assim decidido discorda a Recorrente alegando que: como referido em sede de reapreciação da prova, o sinistrado encontrava-se no telhado exterior do armazém com o objetivo de realizar a manutenção das telhas, nomeadamente "reparar uma fuga"; ainda que assim não fosse, o Sinistrado encontrava-se naquele local, no período do seu horário laboral, no interesse e para proveito económico da Ré Entidade Empregadora; independentemente das tarefas que pretendia levar a cabo, as mesmas não poderão deixar de subsumir a trabalhos a altura, que no caso em concreto, a serem realizadas a uma altura de 8 metros, sempre exigiriam a implementação de medidas especiais de segurança; do nº 17.º dos factos provados, decorre que a Ré Entidade Empregadora não implementou equipamentos de segurança coletiva e individual adequados a evitar o risco de queda em altura, nomeadamente andaimes com instalação de guarda-corpos, linha de vida, arnês e sistemas anti-queda; o Sinistrado encontrava-se no telhado exterior do armazém sem estar permanentemente seguro ou ancorado a um ponto fixo da estrutura, verificando-se um real perigo de queda em altura; o sinistro em causa seria evitado se o Sinistrado fizesse uso de andaime com instalação de guarda-corpos, ou utilizando tábuas de rojo, e bem assim a linha de vida com o arnês devidamente preso a uma parte sólida da estrutura; nessa medida, violou a Ré Entidade Empregadora as normas constantes dos artigos 44.º e 45.º do Decreto n.º 41821, de 11 de Agosto; encontram-se demonstrados factos que concretizam suficientemente os pressupostos para a responsabilidade agravada da Ré Entidade Empregadora nos termos previstos no artigo 18.º LAT.

4.1. É de começar por salientar que não feita prova de que o sinistrado se encontrava a “reparar uma fuga”, o que não havia sido alegado e mesmo que dele se pudesse conhecer, sempre deveria o mesmo ter-se como não provado por disso não ter sido feita prova, como decorre do referido em sede de reapreciação da decisão da matéria de facto.

4.2. Quanto ao mais, concorda-se com a sentença recorrida, que dá cabal resposta à argumentação da Recorrente.
Ainda assim dir-se-á o seguinte:
Nos termos do citado art. 18º, para que o acidente recaía sob a sua alçada é necessário, como se diz, entre outros, nos Acórdãos do STJ de 09.09.09, 23.09.09 e 21.10.09[3], que, cumulativamente, se verifiquem os seguintes requisitos:
a) que sobre a entidade empregadora (ou seu representante) recaia o dever de observar determinadas regras de comportamento cuja observância, seguramente ou muito provavelmente, teria impedido a consumação do evento danoso e que a entidade empregadora (ou seu representante) faltou à observância dessas regras, não tomando por esse motivo o cuidado exigível a um empregador normal;
b) que entre essa conduta inadimplente e o acidente intercorra um nexo de causalidade adequada.
Ou seja, necessário é que exista: a obrigação do cumprimento de determinada norma ou regra de segurança; que essa obrigação não seja cumprida; que esse incumprimento seja, ou deva ser, imputável ao empregador e que ocorra um nexo de causalidade adequada entre o incumprimento e o acidente, nexo esse que comporta duas vertentes: uma, naturalística, que consiste em saber se esse facto concreto (violador da norma de segurança), em termos de fenomenologia real e concreta, deu origem ao dano, havendo, pois, que se provar que o facto integrou o processo causal que conduziu ao dano; a outra, jurídica, que consiste em apurar se esse facto concreto pode ser havido, em abstracto, como causa idónea do dano ocorrido. E, como é jurisprudência, que julgamos pacífica, no âmbito e para efeitos do art. 18º, e de harmonia com a regra acolhida no art. 563º do Cód. Civil, haverá que se atender à teoria do nexo de causalidade adequada na sua formulação negativa.
Mas, como se diz no Acórdão do STJ de 09.09.2009, Proc. 09S0619, in www.dgsi.pt, é necessário que seja feita a prova do nexo de causalidade, no seu sentido naturalístico, o que compreende a prova de todas as circunstâncias que, numa cadeia relacional de causalidade adequada, integram o processo que conduz ao evento danoso. Para tanto, e como se em entendido, é necessária a prova das causas concretas que desencadearam o acidente ou, dito de outro modo, é necessário o conhecimento do concreto circunstancialismo relativo à dinâmica e às razões que levaram à ocorrência do acidente[4].
Por outro lado, tem a jurisprudência entendido que não é o simples facto de se trabalhar em telhado que determina, só por si ou automaticamente, a necessidade de adoção de medidas de segurança coletiva e/ou individual. Para que tal ocorra, é necessário que o trabalho decorra em telhado que, por via de alguma das circunstâncias referidas nos arts. 44º e 45º do Dec. 41.821, de 11.08.1958 [Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil], determine perigo de queda em altura, a justificar a adoção de tais medidas.
Acresce referir que o juízo de prognose quanto à avaliação desse risco deve ser feito em função das condições existentes a priori, perante o circunstancialismo que se verificava aquando do acidente, e não, a posteriori, perante a constatação do acidente.
Com relevância, veja-se o Acórdão do STJ de 09.12.2010, in www.dgsi.pt, Processo nº 838/06.5TTMTS.P1.S1, no qual se referiu o seguinte:
“(…)
Como se deixou consignado no acórdão da Secção Social deste Supremo, de 21.10.2009, proferido no Proc. n.º 230/09.0YFLSB, sintetizando a posição que vem sendo seguida neste Tribunal, a implementação de medidas de protecção contra quedas em altura, no quadro dos apontados normativos (art.ºs 44º e 45º do citado Regulamento e 11º da Portaria n.º 101/96) só é obrigatória quando esse risco efectivamente existir, face a um juízo de prognose a formular, no quadro do circunstancialismo existente aquando do acidente, circunstancialismo de que o sinistrado tenha conhecimento ou de que se possa aperceber, agindo com a diligência normal do “bonus pater familiae”(2), e não face a um juízo a emitir com base em circunstâncias ou dados que só após o acidente se tornaram conhecidos ou cognoscíveis pelo sinistrado.
Sendo que não basta que tenha ocorrido um acidente de trabalho traduzido em queda em altura para, de imediato e sem mais, se poder afirmar que houve violação das regras de segurança (neste sentido, veja-se, por exemplo, o acórdão desta Secção, de 16.6.2004, www.dgsi.pt, processo n.º 04S339) , não podendo a eclosão do acidente ser o ponto de partida para se ajuizar da necessidade de implementar uma determinada medida de segurança (ver acórdão desta Secção, de 31.10.2007, www.dgsi.pt, processo nº 07S1517). (…)”.
Ora, no caso, nada se provou quanto à dinâmica do acidente, desconhecendo-se de todo em todo como e por que razão o mesmo ocorreu, apenas se sabendo que o sinistrado se encontrava no telhado e que sofreu a queda para o interior do armazém, pelo que não se pode estabelecer o nexo de causalidade entre a inexistência de medidas de proteção e/ou falta de formação profissional e o acidente.
Por outro lado, e pese embora a altura, nada se provou no sentido de permitir concluir que, pela sua inclinação, natureza ou estado da superfície, por efeito de condições atmosféricas ou por a sua estrutura não ser susceptível de suportar o peso do sinistrado, o telhado apresentasse particular perigo de queda que impusesse a adoção de outras medidas de segurança, designadamente de proteção colectiva [arts. 44º e 45º do Dec. 41.821] ou, na impossibilidade destas, de proteção individual [devendo estas ser adotadas, tão-só, se aquelas - de proteção coletiva – não se mostrarem, perante o concreto circunstancialismo do caso aferido em face dos riscos previsíveis em momento anterior ao acidente, adequadas ou suficientes [art. 11º da Portaria 101/96, de 3 de Abril -Regras Técnicas de Segurança na Construção Civil].
Acresce que se provou que a Ré empregadora, no dia do acidente, não mandou o sinistrado exercer quaisquer tarefas sobre a cobertura das instalações fabris, ninguém lhe tendo dado instruções nesse sentido, tendo sido um comportamento voluntário e por iniciativa do trabalhador, cujo motivo se desconhece, tendo sido adotado à revelia da entidade patronal e dos restantes trabalhadores da empresa e nunca tendo ele sido local de trabalho de nenhum trabalhador da empresa, nem nunca antes um trabalhador da empresa se tinha deslocado ao telhado.
Ora, assim sendo, não se vê que tenha sido feita prova de que o acidente em apreço seja imputável à Ré empregadora, não se nos afigurando que lhe fosse, pudesse ou devesse ser previsível que o sinistrado iria subir ao telhado. Acresce referir que o juízo de prognose quanto à avaliação do risco deve ser feito em função das condições existentes a priori, perante o circunstancialismo que se verificava aquando do acidente, e não, a posteriori, perante a constatação do acidente. Cfr. com relevo o Acórdão do STJ de 08.01.2013, Proc. 507/07.9TTVCT.P1.S1, em cujo sumário se refere o seguinte: “I. (…). II - A implementação de medidas de protecção contra quedas em altura só é obrigatória quando esse risco efectivamente existir face a um juízo de prognose - a formular no quadro do circunstancialismo de que o sinistrado tenha conhecimento, ou de que se possa aperceber - e, não, face a um juízo a emitir com base em circunstâncias ou dados que só após o acidente se tornaram conhecidos ou cognoscíveis pelo sinistrado.
III - Não resultando provado que se impusesse à entidade empregadora, em termos de normal previsibilidade dos riscos profissionais, a implementação preventiva de quaisquer medidas de segurança – aquando da deslocação pontual do sinistrado ao telhado, visando apenas a marcação dos pontos de drenagem das águas pluviais – numa altura em que, ao contrário do que seria suposto ou expectável, não estavam afinal fixadas à estrutura (embora colocadas no seu lugar) todas as placas da cobertura, a omissão causal não lhe pode ser imputada, não havendo por isso lugar à sua responsabilização agravada.”
Improcedem, assim, as conclusões do recurso.
***
IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Porto, 24.10.2022
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Jerónimo Freitas
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[1] Da sentença nada consta sob a al. bb).
[2] A numeração dos factos não provados é da nossa autoria.
[3] In www.dgsi.pt, Processos nºs 09S0619, 107/05.8TTLRA.C1 e 129/04.6TTMR.C1.S1.
[4] Cfr. Acórdãos do STJ de 24.10.02, 22.03.07, 14.03.07, 12.09.07, 13.12.07, 12.02.09, todos in www.dgsi.pt, Processos nºs 01S4201, 06S3782, 06S1957, 07S672, 07S2095 e 08S3082.