Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | COELHO VIEIRA | ||
Descritores: | CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL CONSTITUCIONALIDADE ORGÂNICA DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP20100908358/09.6GBOAZ.P1 | ||
Data do Acordão: | 09/08/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC. PENAL. | ||
Decisão: | PROVIDO. | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I- Não padece de inconstitucionalidade orgânica a norma ínsita no nº8 do artigo 153º do Código da Estreada, na redacção conferida pelo DL 44/2005 de 23/02. II- Absolvido o arguido na instância recorrida mas concluindo-se na instância de recurso pela comprovação do ilícito por que era acusado, a cominação da respectiva pena competirá, por via da garantia do duplo grau de jurisdição, ao tribunal recorrido. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. Nº 358/09.6GBOAZ.P1 ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO Em processo abreviado, o Exmo. Magistrado do Ministério do Ministério Público junto do TJ de submeteu a julgamento, perante tribunal singular, o arguido: B………., viúvo, filho de C……… e de D………., nascido em 04-07-1969, residente na Rua …., Lote .., …., Oliveira de Azeméis imputando ao arguido a prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelo art. 292º, n.º 1 do Código Penal, conjugado com o art. 69º, nº 1, do Código Penal. O arguido não apresentou contestação escrita nem arrolou testemunhas. Realizou-se a audiência de julgamento com observância do legal formalismo. Continuam a inexistir questões prévias ou incidentais susceptíveis de obstar à apreciação do mérito da causa e que importe conhecer, apresentando-se a instância válida. * Na sequência da audiência de julgamento foi proferida sentença, dela constando a seguinte:-(…) DECISÃO: Perante o exposto, julgo a acusação deduzida pelo Ministério Público improcedente por não provada e, em consequência: 1º- Absolvo o arguido B……… do crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelo art. 292º, n.º 1 do Código Penal, conjugado com o art. 69º, nº 1, do Código Penal, de que vinha acusado, pelos fundamentos supra referdidos. Sem custas criminais. Deposite Oliveira de Azeméis, 2010-01-29. (…) XXX Inconformada com o decidido, a Digna Magistrada do MP veio interpor recurso para esta Relação ( anunciando interposição de recurso – obrigatório – para o Tribunal Constitucional), o qual motivou, aduzindo as seguintes:-CONCLUSÕES: Tribunal Judicial de Oliveira de Azeméis I – O Venerando Tribunal Constitucional no Acórdão nº24/2010, de 13/01/2010, divulgado em www.tribunalconstitucional.pt., entendeu que com a entrada em vigor do Regulamento de Fiscalização da Condução sob a Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas”, aprovado pela Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio, o qual revogou o Decreto -Regulamentar n.º 24/98, de 30 de Outubro, que dispunha sobre a mesma matéria, deixou-se de se colocar a questão da inconstitucionalidade orgânica no que se refere à recolha de sangue para apurar o grau de alcoolemia do condutor; II – O Regulamento supra referido foi aprovado pela Lei nº 18/2007 de 17 de Maio da Assembleia da República; III – Nos termos do artigo 4º, nº 1 do citado diploma: “Quando, após três tentativas sucessivas, o examinando não conseguir expelir ar em quantidade suficiente para a realização do teste em analisador quantitativo, ou quando as condições físicas em que se encontra não lhe permitam a realização daquele teste, é realizada análise ao sangue”. IV – No mesmo diploma é ainda prevista a colheita de sangue em Estabelecimento Público de Saúde devendo tal exame ser solicitado pela autoridade policial que preside à fiscalização; V – Com a aprovação da citada Lei pela Assembleia da República quando o examinando não tiver condições físicas para conseguir expelir ar em quantidade suficiente para a realização do teste em analisador quantitativo, como foi o caso dos autos, é realizada análise ao sangue; VI – Sendo tal recolha de sangue prevista no citado Regulamento, a prova obtida por tal meio não é ilícita, inválida ou nula; VII – A concreta recolha de sangue realizada ao arguido constitui prova legal, válida e eficaz, devendo o mesmo ser condenado pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 291º do Código Penal, conjugado com o disposto no artigo 69º, nº 1, al. a) do mesmo diploma legal. VIII – A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 291º, nº 1 e 69º, nº 1, al. a) do Código Penal, 153º e 156º do Código da Estrada e artigos 4 º a 7º da Lei nº 18/2007, de 17 de Maio. Termos em que deve o presente recurso merecer provimento, revogando-se a sentença recorrida. X O arguido veio deduzir resposta defendendo a bondade do decidido.X Nesta Relação o Ilustre Procurador-Geral Adjunto apôs o seu “visto”.XXX COLHIDOS OS VISTOS LEGAIS CUMPRE DECIDIR:-II - FUNDAMENTOS DE FACTO Os factos provados No dia 20 de Abril de 2009, cerca das 23,15, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matricula ..-..-II, na via pública - Rua Bento Landureza, em Oliveira de Azeméis. Nesta ocasião, o arguido foi interveniente em acidente de viação/despiste, do qual resultaram ferimentos no mesmo e danos materiais no citado veículo. Em virtude do citado acidente, o arguido foi transportado pelos Bombeiros Voluntários de Oliveira de Azeméis ao Hospital São Sebastião em Santa Maria da Feira, onde foi assistido, conforme consta do relatório de episódio de urgência junto aos autos a fls. 6 . No seguimento do citado acidente, o agente da GNR do Posto de Oliveira de Azeméis, deslocou-se ao local e verificou a existência de tal acidente e acompanhou o processo de desencarceramento, elaborando depois o auto de notícia e a participação de acidente juntos aos autos. Porque o arguido apresentava fractura exposta foi de imediato conduzido ao Hospital, onde o referido agente autuante se deslocou e constatou que o arguido tinha ferimentos e estava a ser observado, encontrando-se consciente e orientado. Nessa sequência e com vista a ser efectuada análise toxicológica de quantificação da taxa de álcool no sangue, conforme requisição da GNR, pelas 02 horas e 00 minutos do citado dia, foi efectuada colheita de sangue ao arguido, a qual foi depois submetida a análise laboratorial na Delegação do Norte do Instituto Nacional de Medicina Legal, acusando uma T.A.S. de 2,24g/l, conforme consta do relatório pericial de fls.6. O arguido conhecia as características da referida viatura e do local onde conduzia, sabendo também que, antes de conduzir, havia ingerido cervejas, querendo, não obstante tal facto, conduzir a citada viatura nessas condições, nada tendo feito para não conduzir sob a influência daquela TAS, ciente que a conduta imputada não lhe era permitida, sendo punida por lei penal. O arguido é casado, vive juntamente com a sua actual esposa, desempregada, em casa própria e exerce a actividade de fiel de Armazém auferindo cerca de €850,00 mensais . O arguido conduz há cerca de 20 anos e é a primeira vez que se encontra numa situação igual à descrita. Os factos não provados Não se provaram outros factos com relevância para a decisão a proferir. Os meios de prova: …………. …………. …………. XXX O RECURSODe acordo com as conclusões da motivação do recurso, consabidamente delimitadoras do respectivo objecto, está em causa aquilatar da bondade, ou não, da decisão recorrida que absolveu o arguido, com base na declaração de inconstitucionalidade orgânica do disposto no nº 8 do art. 153º, do Cod da Estrada, na redacção dada pelo DL nº 44/2005, de 23/02 e na conclusão de que a recolha de sangue ao arguido-recorrido e que serviu de base à análise para apurar o seu grau de alcoolemia, constitui prova ilegal, inválida ou nula que não pode produzir efeitos em juízo. A decisão recorrida alicerçou-se no decidido em douto aresto desta Relação. Assim:- Ac. da RP de 9/12/2009 in www.dgsi.pt:- I – Para o suprimento do direito de o condutor/sinistrado poder livremente recusar a colheita de sangue para efeitos de análise ao grau de alcoolémia do condutor, na medida em que esta alteração legislativa tem um conteúdo inovatório, necessitava o legislador governamental da autorização legislativa, pois que a decisão normativa primária cabia à Assembleia da República, por força da alínea c) do n.º 1 do art. 165º da CRP. II - Assim, a colheita de sangue para aqueles fins, ao abrigo dos actuais artigos 152º, n.º 3, 153º, n.º 8 e 156º, n.º 2, todos do Código da Estrada, na redacção dada pelo DL 44/2005, de 23 de Fevereiro – sendo este último preceito já desde a redacção dada pelo DL 265-A/2001, de 28 de Setembro – sem possibilitar ao condutor a sua recusa, está ferida de inconstitucionalidade orgânica. III - Nestes termos, a concreta recolha de sangue ao arguido recorrente que serviu de base para apurar o seu grau de alcoolémia, constitui prova ilegal, inválida ou nula, que não pode produzir efeitos em juízo. A Relação alicerçou-se, nuclearmente, na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, designadamente, no Ac. do TC nº 275/2009, de 27/05 – DR 2ª s. nº 129, de 7/07/2009, para concluir pela inconstitucionalidade orgânica dos preceitos do Código da Estrada acima citados. XXX CUMPRE DECIDIR:-É do seguinte teor (na parte que entendemos relevante para o caso “sub-judice” o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 24/2010):- …(…) ACÓRDÃO N.º 24/2010 Processo n.º 618/09 3ª Secção Relator: Conselheiro Vítor Gomes Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional I - Relatório 1. O Ministério Público recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), do despacho judicial proferido no Tribunal da Comarca da Caldas da Rainha que não recebeu a acusação deduzida contra A., pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, pedindo a apreciação da questão de inconstitucionalidade do n.º 6 do artigo 153.º do Código da Estrada cuja aplicação ao caso concreto foi recusada, com fundamento na violação do n.º 1 do artigo 32.º da Constituição. 2. Apenas o Ministério Público apresentou alegações, que concluiu do seguinte modo: “1. A norma do n.º 6 do artigo 153.º do Código da Estrada, enquanto permite que seja considerado o resultado da contraprova, ainda que revele uma taxa de álcool no sangue superior ao exame inicial, não viola o artigo 32.º, n.º 1. 2. A mesma norma, enquanto impõe taxativa e automaticamente que deve ser o resultado da contraprova a prevalecer, viola o princípio da livre apreciação da prova, que se extrai dos artigos 2.º e 202.º da Constituição. 3. Termos em que, ainda que com fundamento diferente, deve negar-se provimento ao recurso”. 3. O relator suscitou a hipótese de o recurso vir a ser decidido mediante a apreciação da inconstitucionalidade orgânica da mesma norma, à semelhança do que sucedeu no acórdão n.º 488/2009, disponível em www.tribunalconstitucional.pt. Quer o Ministério Público, quer o arguido, manifestaram concordância com a doutrina desse acórdão e com a solução do presente recurso em conformidade. II – Fundamentação 4. O artigo 153.º do Código da Estrada dispõe: “Artigo 153.º Fiscalização da condução sob influência de álcool 1 – O exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito. 2 – Se o resultado do exame previsto no número anterior for positivo, a autoridade ou agente de autoridade deve notificar o examinando, por escrito, ou, se tal não for possível, verbalmente, daquele resultado, das sanções legais dele decorrentes, de que pode, de imediato, requerer a realização de contraprova e de que deve suportar todas as despesas originadas por esta contraprova no caso de resultado positivo. 3 – A contraprova referida no número anterior deve ser realizada por um dos seguintes meios, de acordo com a vontade do examinando: a) Novo exame, a efectuar através do aparelho aprovado; b) Análise de sangue. 4 – No caso de opção pelo novo exame previsto na alínea a) do número anterior, o examinando deve ser, de imediato, a ele sujeito e, se necessário, conduzido a local onde o referido exame possa ser efectuado. 5 – Se o examinando preferir a realização de uma análise de sangue, deve ser conduzido, o mais rapidamente possível, a estabelecimento oficial de saúde, a fim de ser colhida a quantidade de sangue necessária para o efeito. 6 – O resultado da contraprova prevalece sobre o resultado do exame inicial. 7 – Quando se suspeite da utilização de meios susceptíveis de alterar momentaneamente o resultado do exame, pode o agente de autoridade mandar submeter o suspeito a exame médico. 8 – Se não for possível a realização de prova por pesquisa de álcool no ar expirado, o examinando deve ser submetido a colheita de sangue para análise ou, se esta não for possível por razões médicas, deve ser realizado exame médico, em estabelecimento oficial de saúde, para diagnosticar o estado de influenciado de álcool.” O n.º 6 deste artigo 153.º – que contém a norma cuja aplicação foi recusada e agora submetida a apreciação – resultou da alteração ao Código da Estrada efectuada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, publicado no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 53/2004, de 4 de Novembro. Posteriormente, o regime constante deste artigo do Código da Estrada foi complementado pelo denominado “Regulamento de Fiscalização da Condução sob a Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas”, aprovado pela Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio, o qual revogou o Decreto-Regulamentar n.º 24/98, de 30 de Outubro, que dispunha sobre a mesma matéria.( “negrito” nosso) O artigo 1.º do referido Regulamento de 2007 dispõe que: “Artigo 1.º Detecção e quantificação da taxa de álcool 1 – A presença de álcool no sangue é indiciada por meio de teste no ar expirado, efectuado em analisador qualitativo. 2 – A quantificação da taxa de álcool no sangue é feita por teste no ar expirado, efectuado em analisador quantitativo, ou por análise no sangue. 3 – A análise de sangue é efectuada quando não for possível realizar o teste em analisador quantitativo”. De acordo com estas disposições legais, a quantificação da taxa de álcool no sangue do condutor começa por ser realizada através de exame no ar expirado, efectuado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito. Só quando não for possível proceder ao exame através desse método é que o primeiro exame é levado a cabo através de análise de sangue. O condutor pode requerer contra-prova, que consistirá em novo teste em avaliador quantitativo ou em exame ao sangue, conforme prefira. Seja um ou outro o método da contra-prova, o seu resultado prevalece sobre o resultado do exame inicial, quando este tenha consistido em teste no ar expirado. 5. No referido acórdão n.º 488/2009, apreciou-se a constitucionalidade da mesma norma que constitui objecto do presente recurso, nos seguintes termos: “5.2 – Pois bem, a primeira questão que se coloca é a da constitucionalidade orgânica da norma que está em causa, enquanto dispondo sobre o valor das provas atendíveis em julgamento por crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal. A decisão recorrida não equacionou esta questão. Tal não impede, porém, que o Tribunal Constitucional a enfrente e a resolva, dado estar apenas vinculado ao pedido e não, já, aos fundamentos invocados, podendo fazê-lo com base na violação de normas ou princípios constitucionais diversos dos alegados (art.º 79.º-C da LTC). É claro que a norma, nos termos em que se acha enunciada, tanto funciona ou projecta os seus efeitos nas situações em que a condução sob a influência de álcool se queda pela prática de uma contra-ordenação grave [artigo 145.º, n.º 1, alínea l)] ou muito grave [artigo 146.º, alínea j), ambos do Código da Estrada], como quando ela é susceptível de preencher o tipo penal recortado no artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal. Mas tendo a virtualidade de alcançar efeitos a nível penal e sendo este domínio de vigência que está aqui em causa, é quanto a ele que há que resolver a questão. E colocando-nos neste plano, haverá, todavia, que destrinçar as situações em que a contraprova foi efectuada através de análise de sangue ou através de aparelho de pesquisa quantitativa aprovado para o efeito. Na verdade, quanto àquele tipo de contraprova não poderá desconhecer-se o disposto, hoje, no referido n.º 5 do artigo 6.º do mencionado Regulamento e a circunstância de o mesmo haver sido emitido através de Lei da Assembleia da República. Deste modo, a questão da inconstitucionalidade orgânica de tal preceito do n.º 6 do artigo 153.º do Código da Estrada apenas se coloca relativamente aos resultados das contraprovas obtidos através de analisadores quantitativos aprovados para o efeito e no domínio do processo penal, como é o caso. Ora, quer se atribua às normas que dispõem sobre as provas atendíveis em processo criminal e o seu respectivo valor natureza material, quer se lhes reconheça natureza adjectiva, certo é que as disposições que prevêem os tipos de prova admissíveis e o seu valor são normas de processo criminal, dado cumprirem a função instrumental de darem a conhecer “os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis” (cf. Artigo 124.º do Código de Processo Penal – C. P. Penal) cuja determinação é prosseguida pelo processo criminal. Enquanto norma que dispõe sobre o valor da análise da contraprova por confronto com o valor do exame inicial (não importando, aqui, saber se com o valor de prova taxada ou prova legal, como parece ter entendido a decisão recorrida, ou se com valor de prova sujeita a apreciação judicial segundo as regras de experiência e livre convicção do julgador), ela é uma norma processual compreendida no âmbito material do princípio afirmado no artigo 127.º do C. P. Penal. Assim sendo, o preceito, na medida em que projecta efeitos a nível da valoração da prova em processo criminal, e quando referido a contraprova efectuada mediante analisador quantitativo, apenas poderia ser editado por lei da Assembleia da República ou por decreto-lei do Governo, emitido a coberto de autorização legislativa, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 165.º da Assembleia da República. Anote-se, porém, que, quando referida a contraprova efectuada com recurso a análise ao sangue, há-de entender-se que a mesma foi substituída pelo referido n.º 5 do artigo 6.º do referido Regulamento, deixando-se de colocar a questão da competência para a edição do respectivo critério normativo (“negrito” nosso). 5.3 – O artigo 1.º da Lei n.º 53/2004, de 4 de Novembro, concedeu autorização ao Governo para “proceder à revisão do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio, com as alterações introduzidas pelos Decretos-Leis n.ºs 2/98, de 3 de Janeiro, e 265-A/2001, de 28 de Setembro, e pela Lei n.º 20/2002, de 21 de Agosto, e ainda a criar um regime especial de processo para as contra-ordenações emergentes de infracções ao Código da Estrada, seus regulamentos e legislação complementar”. E, definindo o sentido da autorização, o artigo 2.º da mesma Lei dispõe que a autorização visa “permitir a criação de um regime jurídico em matéria rodoviária em conformidade com os objectivos definidos no Plano Nacional de Prevenção Rodoviária, com as normas constantes de instrumentos internacionais a que Portugal se encontra vinculado e com as recomendações das organizações internacionais especializadas com vista a proporcionar índices elevados de segurança rodoviária para os utentes”. Ora, conquanto possa entender-se que o regime em causa constante do n.º 6 do artigo 153.º do Código da Estrada cabe no objecto e no sentido da lei de autorização, certo é que, analisado o artigo 3.º da mesma Lei e tendo em conta que “a extensão da autorização especifica quais os aspectos da disciplina jurídica da matéria em causa sobre que vão incidir as alterações a introduzir por força do exercício dos poderes delegados” (cf., entre outros, o Acórdão n.º 358/92, disponível em www.tribunalconstitucional.pt), não se vê que o mesmo caiba em qualquer dos que, aí, são enunciados. Assim sendo, a norma em causa padece de inconstitucionalidade orgânica”. É este o entendimento que se perfilha, seja quanto à delimitação do objecto do recurso, seja quanto ao juízo de inconstitucionalidade, ficando prejudicada a apreciação das questões de inconstitucionalidade material versadas na decisão recorrida e nas alegações de recurso. É certo, como salienta o Ministério Público, que no caso dos autos, se for considerado o resultado do primeiro exame o recorrente poderá ter cometido uma contra-ordenação e não um crime. Mas essa especificidade apenas poderá ser relevante para determinação das consequências do juízo de inconstitucionalidade, que não compete ao Tribunal definir no âmbito do presente recurso. III - Decisão Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide a) Julgar organicamente inconstitucional, por violação do disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea c), da Constituição da República Portuguesa, o artigo 153.º, n.º 6, do Código da Estrada, na parte em que a contraprova respeita a crime de condução de veículo em estado de embriaguez e seja consubstanciada em exame de pesquisa de álcool no ar expirado (“negrito” nosso); b) Consequentemente, negar provimento ao recurso, confirmando, ainda que por razões diferentes, a decisão recorrida no que à questão de constitucionalidade respeita. XXX A nosso ver e de acordo com este douto aresto ( que também segue anterior Ac. do TC nº 488/2009 ) conquanto a declaração de inconstitucionalidade apenas diga respeito à norma do nº 6 do art. 153º, do Cod. da Estrada, faz-se luz sobre a questão da invocada inconstitucionalidade orgânica (nº 8 do mesmo preceito legal); aliás já na fundamentação do citado Ac. do TC nº 488/09 o douto Tribunal Constitucional se referira à mesma questão.E a nosso ver, tais doutos arestos apontam no sentido de não inconstitucionalidade como vem de ser referenciado. XXX Entendemos assim, salvo o devido respeito que a norma cuja inconstitucionalidade orgânica vem declarada na decisão recorrida não padece da invocada inconstitucionalidade.X Daqui resulta que face à factualidade provada relativamente ao o arguido-recorrido, tal implica a sua condenação pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292º nº 1 e em sua conjugação com o art. 69º, nº 1, al. a), ambos do C. Penal.XXX Aqui chegados outra questão relevante se coloca:-O arguido-recorrido foi absolvido na 1ª instância, concluindo agora a 2ª instância pela sua condenação. Assim e quanto às PENAS:- Cabe, agora, determinar as penas concretas. A questão é saber quem é que procede a uma tal operação, neste caso. No caso dos autos lembremos que o arguido foi absolvido e que concluímos, agora, que ele praticou os ilícitos imputados Há que aplicar-lhe as penas (principal e acessória) correspondentes e lembremo-nos que as penas vão ser aplicadas pela primeira vez. Não estamos, contrariamente à regra, perante um caso de revisão dos critérios de fixação da sanção, mas de determinação das penas a aplicar. Neste caso entendemos que as penas terão que ser aplicada pelo tribunal da 1ª instância, em obediência ao disposto no art. 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, que estabelece como uma das garantias de defesa do arguido o direito ao recurso: «o direito ao recurso em matéria penal (duplo grau de jurisdição), inscrito constitucionalmente como uma das garantias de defesa no art. 32º, n.º 1, da CRP, significa e impõe que o sistema processual penal deve prever a organização de um modelo de impugnação das decisões penais que possibilite, de modo efectivo, a reapreciação por uma instância superior das decisões sobre a culpabilidade e a medida da pena …» - S.T.J. 26-9-2007, processo 07P2052. Caso fosse este Tribunal a escolher e determinar a pena concreta sairia preterido o direito ao duplo grau de jurisdição, uma vez que se retirava quer ao arguido, quer ao Ministério Público a possibilidade de ver apreciada em 2ª instância a decisão proferida em tal matéria. Depois, esta é «a solução imposta pelo nosso modelo - processual e substantivo – de determinação da sanção. Por um lado, a relativa autonomização do momento da determinação da sanção (quase cesure), leva a que só depois de decidida positivamente a questão da culpabilidade, o tribunal pondere e decida sobre a necessidade de prova suplementar com vista à determinação da sanção (cfr art. 469º nº2 e 470º, do CPP) e eventual reabertura da audiência (cfr art. 471º do CPP), na qual pode ser necessário, para além do mais, ouvir o próprio arguido». Finalmente, e «como destaca Damião da Cunha, “os direitos de defesa do arguido, no âmbito da determinação da sanção, (…) [assumem] também uma função positiva, dentro das eventuais possibilidades de sancionamento que estejam dependentes da sua livre «vontade»”, como sucede nos casos em que é suposto o consentimento do condenado (v.g. prestação de trabalho a favor da comunidade, sujeição a tratamento médico ou plano individual de readaptação social no âmbito da pena de suspensão da execução da pena de prisão, isto quanto à pena principal). Assim sendo, torna-se claro que, para além da necessidade – decisiva - de cumprir o princípio do duplo grau de jurisdição, também o cabal cumprimento das normas de direito processual e substantivo relativas à escolha e determinação da pena, implica que deva ser o tribunal de 1ª instância a proferir a respectiva decisão, depois de ponderar sobre a eventual necessidade de reabrir a audiência e de ordenar ou levar a cabo quaisquer diligências que entenda serem adequadas» - acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 19-12-2006, processo 1752/06-1. No mesmo sentido vide o acórdão desta Relação do Porto de 28-11-2007, processo 5421/07; ainda da mesma Relação, Acs., de 5/03/08, www.dgsi.pt.. Esta jurisprudência não é pacífica (vejam-se, v.g., o voto de vencido nestes arestos), mas a nosso ver é a que melhor se ajusta ao caso dos autos. XXX Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em:-Conceder provimento ao recurso, nos termos de facto e de direito que vêm de ser expendidos. No entanto, remetem os autos à 1ª instância, a fim de aí serem fixadas as penas. Sem tributação. PORTO, 8/09/2010 José João Teixeira Coelho Vieira Ângelo Augusto Brandão Morais |