Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
20186/24.8T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
CONFISSÃO DA DÍVIDA
NEGÓCIO CAUSAL
Nº do Documento: RP2025093020186/24.8T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 09/30/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Embora a relação causal não tenha que constar da declaração unilateral de reconhecimento de dívida, emitida nos termos do art. 458º, nº 1 do Cód. Civil, tal não significa que o credor fique desonerado do ónus de alegação da relação fundamental, que servirá de causa de pedir.
II - Isto porque neste preceito apenas se consagra uma inversão do ónus da prova da existência da relação fundamental, que se presume até prova em contrário.
III – Se a lei permite a elisão dessa presunção, o efetivo exercício do princípio do contraditório pelo devedor, refletido na arguição das exceções que entenda adequadas, impõe que, no requerimento executivo, sejam alegados factos que consubstanciem aquela relação fundamental.
IV – Todavia, mesmo que alegada a causa subjacente à confissão de dívida dada à execução pelo exequente, tal não é suficiente para que a quantia confessada como estando em dívida seja considerada como imediatamente exigível.
V - Para que tal se verifique será imprescindível que da causa alegada e provada, traduzida necessariamente em factos, resulte a constituição de alguma obrigação jurídica do executado que seja, do ponto de vista legal, exigível.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 20186/24.8T8PRT-A.P1

Comarca do Porto – Juízo de Execução do Porto – Juiz 7

Apelação

Recorrente: AA

Recorrido: BB

Relator: Eduardo Rodrigues Pires

Adjuntos: Desembargadores Rui Moreira e Lina Castro Baptista

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO[1]

O exequente AA deduziu execução para pagamento de quantia certa, a que foi atribuído o n.º 20186/24.8T8PRT, contra BB, peticionando o pagamento da quantia de 35.000,00€, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 30.10.2010, sendo os vencidos no valor de 19.661,37€, tendo por base, como título executivo, uma confissão de dívida.

O exequente, como causa da dívida confessada pelo executado, alega o seguinte:

“Em Dezembro de 2009, CC era o proprietário da fração autónoma designada pela letra “D” correspondente a uma habitação no 1º. Andar direito do prédio urbano sito na Avenida ... nesta cidade, descrita na 2ª CRP Porto sob o nº ... e inscrita na respetiva matriz sob o artigo ....

Por motivos económico/financeiros do dito CC, em 29 de Dezembro de 2009 outorgou com o aqui Exequente documento que denominaram como “Declaração de compromisso” por via do que este se obrigou a pagar todas as dívidas em mora referentes ao referido imóvel bem como a pagar-lhe mensalmente a quantia de € 450,00 e, por outro lado, o aqui Exequente passou a dispor do mesmo imóvel, podendo negociá-lo ou passar a ser o seu proprietário.

Poderia o dito CC continuar a receber a quantia mensal de €450,00 a título de renda vitalícia sem que tivesse de restituir ao aqui Exequente as quantias por si expendidas, ficando o produto do negócio celebrado sobre o imóvel na livre disposição deste. – Doc. 1.

No seguimento do previsto no contrato de 29 de Dezembro de 2009, em 16 de Julho de 2010 o aqui Exequente e o dito CC celebraram novo contrato ao qual deram o nome de “Declaração Conjunta” por via do que acordaram que o CC receberia a renda a título vitalício prevista no primeiro contrato e o aqui Exequente dispunha do identificado imóvel como se de sua propriedade fosse. – Doc. 2.

Entre a outorga dos dois contratos outorgados entre o Exequente e o CC, sucede que o Executado, no sentido de resolver uma questão de partilhas de familiares da sua mulher, incluindo os seus filhos, necessitava de um imóvel que tivesse valor patrimonial elevado, pelo que se propôs adquirir o imóvel já identificado pelo valor de €110.000,00.- Doc. 3.

Para o efeito, o Executado preencheu, assinou e entregou ao Exequente o cheque nº ... da conta por si titulada do Banco 1... com o nº ..., no montante de €75.000,00, em nome do Exequente, que o depositou na sua conta do Banco 2... nº .... – Docs. 4 e 5.

Sendo que o remanescente do preço acordado, no montante de €35.000,00, seria pago pelo Executado ao Exequente quando a questão das partilhas referidas estivesse resolvida, tendo para o efeito Exequente e Executado definido a data-limite de 30 de Outubro de 2010.

À data de hoje o proprietário inscrito do imóvel em apreço é um filho do Executado, DD.

E foi assim que no dia 23 de Abril de 2010, Exequente e Executado outorgaram entre si o documento particular que aqui se junta, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais (Doc. 6).

O executado assumiu-se devedor, para com o Exequente da quantia de 35.000,00€, a qual deveria ter sido paga até 30 de Outubro de 2010, o que não sucedeu, apesar das várias interpelações por parte do exequente para o efeito.”.

O executado veio deduzir embargos de executado, opondo-se à execução, suscitando, em síntese:

1º - A inexigibilidade/(subsidiariamente) O pagamento

O embargante alega que o exequente omite contornos da causa da assinatura da confissão de dívida, sendo que, na verdade, inexiste qualquer dívida do executado para com o exequente.

Explica o que esteve na base da assinatura da confissão de dívida e os contornos relativos ao imóvel referido pelo exequente e à atual propriedade do mesmo a favor do filho do executado, de onde não resulta qualquer dívida para com o exequente.

Subsidiariamente, alega que, mesmo que fosse exigível o pagamento do valor a que respeita a confissão de dívida, este estaria pago com o negócio efetuado em 2017, através do qual o filho do embargante adquiriu o imóvel referido pelo exequente, pagando €45.000,00, a acrescer ao antes liquidado.

2º - A prescrição dos juros anteriores a 11.11.2019

O embargante alega que prescreveram os juros vencidos há mais de 5 anos, face à data da presente execução, por se aplicar aos juros o prazo de prescrição de 5 anos.

Peticiona ainda a condenação do exequente como litigante de má fé.

O exequente contestou, alegando, em síntese, que a causa da dívida decorre dos exatos termos expostos no requerimento executivo, sendo que não se prende com a alegada (pelo embargante) escritura de permuta e doação 2010 que foi anulada, mas antes surge na sequência de acordo celebrado entre o exequente e o então proprietário do imóvel referido, mediante o qual o exequente se obrigou a pagar uma renda ao dito proprietário, ficando, em contrapartida, com o direito de negociar o imóvel e/ou de adquirir a propriedade do mesmo para si.

O exequente peticiona também a condenação do embargante como litigante de má fé, pedido que foi contraditado por este.

Realizou-se audiência prévia, na qual o Mmº Juiz “a quo” comunicou às partes estarem reunidos os pressupostos para ser imediatamente proferida decisão de mérito da causa.

Seguidamente, foi proferida sentença que julgou os embargos procedentes, absolvendo o executado do pedido executivo, com a inerente extinção da execução e simultaneamente julgou improcedentes os pedidos de condenação da contraparte como litigante de má fé.

Inconformado com o decidido, o embargado/exequente interpôs recurso, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:

I - Na sentença sob recurso deram-se por provados os factos tendo por base o acordo das partes decorrente dos articulados e dos documentos com força probatória plena.

II - Todos os factos constantes dos documentos com força probatória plena juntos aos articulados deverão também ser dados por provados, porque importantes para a boa decisão da causa, concretamente todos os factos ínsitos nas escrituras notariais e documentos autenticados que se encontram juntos aos articulados deverão ser considerados por este Tribunal Superior para uma decisão justa!

III - Com efeito, instruída a presente causa, resultaram provados nos autos os seguintes factos (transcrição):

“(…)

“Em dezembro de 2009, CC era o proprietário da fração autónoma designada pela letra “D” correspondente a uma habitação no 1º. Andar direito do prédio urbano sito na Avenida ... nesta cidade, descrita na 2ª CRP Porto sob o nº ... e inscrita na respetiva matriz sob o artigo ....

Por motivos económico/financeiros do dito CC, em 29 de dezembro de 2009 outorgou com o aqui Exequente documento que denominaram como “Declaração de compromisso” por via do que este se obrigou a pagar todas as dividas em mora referentes ao referido imóvel bem como a pagar-lhe mensalmente a quantia de €450,00 e, por outro lado, o aqui Exequente passou a dispor do mesmo imóvel, podendo negociá-lo ou passar a ser o seu proprietário. Poderia o dito CC continuar a receber a quantia mensal de €450,00 a título de renda vitalícia sem que tivesse de restituir ao aqui Exequente as quantias por si expendidas, ficando o produto do negócio celebrado sobre o imóvel na livre disposição deste. – Doc. 1.

No seguimento do previsto no contrato de 29 de dezembro de 2009, em 16 de julho de 2010 o aqui Exequente e o dito CC celebraram novo contrato ao qual deram o nome de “Declaração Conjunta” por via do que acordaram que o CC receberia a renda a título vitalício prevista no primeiro contrato e o aqui Exequente dispunha do identificado imóvel como se de sua propriedade fosse. – Doc. 2.

Entre a outorga dos dois contratos outorgados entre o Exequente e o CC, sucede que o Executado, no sentido de resolver uma questão de partilhas de familiares da sua mulher, incluindo os seus filhos, necessitava de um imóvel que tivesse valor patrimonial elevado, pelo que se propôs adquirir o imóvel já identificado pelo valor de €110.000,00.- Doc. 3.

Para o efeito, o Executado preencheu, assinou e entregou ao Exequente o cheque nº ... da conta por si titulada do Banco 1... com o nº ..., no montante de €75.000,00, em nome do Exequente, que o depositou na sua conta do Banco 2... nº .... – Docs. 4 e 5.

Sendo que o remanescente do preço acordado, no montante de €35.000,00, seria pago pelo Executado ao Exequente quando a questão das partilhas referidas estivesse resolvida, tendo para o efeito Exequente e Executado definido a data-limite de 30 de outubro de 2010.

À data de hoje o proprietário inscrito do imóvel em apreço é um filho do Executado, DD.

E foi assim que no dia 23 de abril de 2010, Exequente e Executado outorgaram entre si o documento particular que aqui se junta, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais (Doc. 6).

O executado assumiu-se devedor, para com o Exequente da quantia de 35.000,00€, a qual deveria ter sido paga até 30 de outubro de 2010, o que não sucedeu, apesar das várias interpelações por parte do exequente para o efeito. (…)”

3. Para o efeito, o exequente apresentou, como título executivo, o documento particular junto como documento 1 do requerimento executivo, datado de 23.04.2010, que aqui se dá por reproduzido, no qual o embargante apôs a sua assinatura, contendo a declaração de ser devedor ao exequente da quantia de €35.000,00.

4. O exequente alegou na contestação o que consta de tal articulado, com o teor que aqui se dá por reproduzido”.

IV – Como se disse, todos os factos constantes dos documentos com força probatória plena juntos aos articulados deverão também ser dados por provados, porque importantes para a boa decisão da causa, concretamente todos os factos ínsitos nas escrituras notariais e documentos autenticados que se encontram juntos aos articulados deverão ser considerados por este Tribunal Superior para uma decisão justa!

V - A análise dos factos e aplicação da Lei vertida na douta sentença vai no sentido de que no caso dos autos, o que se verifica é que a causa subjacente à confissão de dívida que o ora recorrente alegou, seja no requerimento executivo, seja na contestação, não é suscetível de gerar a pretendida obrigação do recorrido para com o exequente recorrente. Ou seja, face ao que resulta alegado pelo recorrente, não se pode considerar, à luz do Direito, a existência de qualquer dívida do executado recorrido para com o exequente recorrente.

O exequente recorrente alegou que o executado se propôs adquirir o imóvel pelo valor de €110.000,00, tendo pago €75.000,00, sendo o remanescente do preço – que se refletiu na confissão de dívida - a pagar quando a questão das partilhas referidas estivesse resolvida, tendo para o efeito Exequente e Executado definido a data-limite de 30 de Outubro de 2010, não se vislumbrando que o facto de o executado se ter proposto a adquirir o imóvel seja suscetível de gerar, sem mais, a obrigação de pagamento do preço acordado.

Por outro lado, diz a sentença em crise que a obrigação do pagamento da quantia de €35.000,00, foi subordinada a condição suspensiva, ou seja, foi condicionada a um evento futuro e incerto, mais concretamente à resolução da questão das partilhas, com os efeitos previstos no art. 270.º e ss. do CC.

Por fim, entendeu o Tribunal a quo que o facto de à data de hoje o proprietário inscrito do imóvel em apreço ser um filho do Executado, DD, este não se confunde com o executado.

VI - Resulta claro e provado que o único interesse do Executado recorrido no negócio que fez com o Recorrente foi a utilização do imóvel identificado, por ter um valor patrimonial elevado, na escritura de permuta e doações de 23 de abril de 2010! – o que fez, dando-o de permuta pelos bens pertencentes ao EE.

VII – E por isso se propôs adquirir o imóvel pelo valor de €110.000,00, tendo pago €75.000,00, sendo o remanescente do preço de €35.000,00 refletido na confissão de dívida exequenda. – Tudo conforme consta dos documentos com força probatória plena juntos aos autos.

VIII - E se veio a ser declarada a anulaçâo judicial da escritura de permuta e doação em que o recorrido se fez valer do imóvel em apreço subjacente ao título executivo, em nada contende com a relação negocial entre exequente/recorrente e executado/recorrido – Tudo conforme consta dos documentos com força probatória plena juntos aos autos.

IX - O facto do exequente/recorrente e executado/recorrido terem definido a data-limite de 30 de outubro de 2010 para pagamento do valor constante do título exequendo, é bastante para gerar a obrigação de pagamento do preço acordado!!

X – E o facto do executado/recorrido ter cedido o valor pago ao exequente/recorrente ao seu filho DD para assim possibilitar a outorga de um outro negócio jurídico que, mais uma vez, em nada contende com o havido entre exequente e executado. – Tudo conforme consta dos documentos com força probatória plena juntos aos autos.

XI - Pelo que se demonstra a plena exigibilidade ao executado da quantia exequenda.

Concluindo-se, por isso, que a douta sentença sob recurso violou o disposto no artigo 458º do CC bem assim, o preceituado no artigo 724º do C.P. Civil.

Pretende assim a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que julgue os embargos de executado totalmente improcedentes.

O embargante apresentou contra-alegações, nas quais se pronunciou pela confirmação do decidido.

O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.

Cumpre então apreciar e decidir.


*

FUNDAMENTAÇÃO

O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.


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As questões a decidir são as seguintes:

I – A ampliação da matéria de facto dada como provada;

II – A inexigibilidade da quantia exequenda.


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Com relevo para a apreciação dos embargos, foram dados como provados os seguintes factos, tendo por base o acordo das partes decorrente dos articulados e os documentos com força probatória plena:

1. O exequente deduziu execução em 11.11.2024,

2. alegando o que consta do requerimento executivo, com o teor que aqui se dá por reproduzido, constando a seguinte alegação quanto à causa da dívida exequenda, na parte relevante:

“(…)

“Em Dezembro de 2009, CC era o proprietário da fração autónoma designada pela letra “D” correspondente a uma habitação no 1º. Andar direito do prédio urbano sito na Avenida ... nesta cidade, descrita na 2ª CRP Porto sob o nº ... e inscrita na respetiva matriz sob o artigo ....

Por motivos económico/financeiros do dito CC, em 29 de Dezembro de 2009 outorgou com o aqui Exequente documento que denominaram como “Declaração de compromisso” por via do que este se obrigou a pagar todas as dividas em mora referentes ao referido imóvel bem como a pagar-lhe mensalmente a quantia de € 450,00 e, por outro lado, o aqui Exequente passou a dispor do mesmo imóvel, podendo negociá-lo ou passar a ser o seu proprietário.

Poderia o dito CC continuar a receber a quantia mensal de € 450,00 a título de renda vitalícia sem que tivesse de restituir ao aqui Exequente as quantias por si expendidas, ficando o produto do negócio celebrado sobre o imóvel na livre disposição deste. – Doc. 1.

No seguimento do previsto no contrato de 29 de Dezembro de 2009, em 16 de Julho de 2010 o aqui Exequente e o dito CC celebraram novo contrato ao qual deram o nome de “Declaração Conjunta” por via do que acordaram que o CC receberia a renda a título vitalício prevista no primeiro contrato e o aqui Exequente dispunha do identificado imóvel como se de sua propriedade fosse. – Doc. 2.

Entre a outorga dos dois contratos outorgados entre o Exequente e o CC, sucede que o Executado, no sentido de resolver uma questão de partilhas de familiares da sua mulher, incluindo os seus filhos, necessitava de um imóvel que tivesse valor patrimonial elevado, pelo que se propôs adquirir o imóvel já identificado pelo valor de € 110.000,00.- Doc. 3.

Para o efeito, o Executado preencheu, assinou e entregou ao Exequente o cheque nº ... da conta por si titulada do Banco 1... com o nº ..., no montante de € 75.000,00, em nome do Exequente, que o depositou na sua conta do Banco 2... nº .... – Docs. 4 e 5.

Sendo que o remanescente do preço acordado, no montante de € 35.000,00, seria pago pelo Executado ao Exequente quando a questão das partilhas referidas estivesse resolvida, tendo para o efeito Exequente e Executado definido a data-limite de 30 de Outubro de 2010.

À data de hoje o proprietário inscrito do imóvel em apreço é um filho do Executado, DD.

E foi assim que no dia 23 de Abril de 2010, Exequente e Executado outorgaram entre si o documento particular que aqui se junta, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais (Doc. 6).

O executado assumiu-se devedor, para com o Exequente da quantia de 35.000,00 €, a qual deveria ter sido paga até 30 de Outubro de 2010, o que não sucedeu, apesar das várias interpelações por parte do exequente para o efeito.

(…)”

3. Para o efeito, o exequente apresentou, como título executivo, o documento particular junto como documento 1 do requerimento executivo, datado de 23.04.2010, que aqui se dá por reproduzido, no qual o embargante apôs a sua assinatura, contendo a declaração de ser devedor ao exequente da quantia de € 35.000,00.

4. O exequente alegou na contestação o que consta de tal articulado, com o teor que aqui se dá por reproduzido.


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Passemos à apreciação do mérito do recurso.

I – A ampliação da matéria de facto dada como provada

Nas suas alegações de recurso, o embargado/recorrente sustenta que todos os factos constantes dos documentos com força probatória plena juntos aos articulados deverão também ser dados por provados, porque importantes para a boa decisão da causa, mais concretamente todos os factos ínsitos nas escrituras notariais e documentos autenticados juntos.

Sucede, porém, que o recorrente não concretiza, com referência aos documentos que genericamente menciona como juntos aos articulados, quais os factos que, resultando deles, deveriam ser considerados como provados.

Ora, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto deve observar, em qualquer caso, os ónus previstos no art. 640º do Cód. Proc. Civil e tal implica que o recorrente especifique que factos pretende sejam aditados à factualidade dada como assente na sentença recorrida.

O que não se mostra feito.

Para além disso, apelando-se ao art. 662º, nº 2, al. c) do Cód. Proc. Civil, a possibilidade de ampliação da matéria de facto sempre pressupõe que esta se mostre indispensável, essencial, para a resolução do litígio.

E quanto a essa indispensabilidade nada alega o recorrente, sendo que este tribunal de recurso também não a vislumbra.

Assim, rejeita-se o pedido de ampliação da matéria de facto.


*

II – A inexigibilidade da quantia exequenda

1. O embargado/recorrente insurge-se depois contra o decidido em 1ª instância, porque, discordando desta, entende que a causa subjacente à confissão de dívida, tal como a apresentou, é suscetível de gerar a obrigação exequenda, sendo a mesma exigível, entendimento que foi contraditado pelo embargante/recorrido, louvando-se este essencialmente na linha argumentativa seguida na sentença recorrida.

2. Nesta, refere-se que o exequente deu à execução uma declaração confessória de dívida, sendo que a causa da dívida não é a confissão em si mesma ou a falta de pagamento, mas sim a relação fundamental que conduziu à constituição da dívida e ao seu reconhecimento por parte do devedor.

No caso dos autos, do título executivo, muito sucinto, decorre apenas que o ora executado BB se declara devedor ao aqui exequente AA da quantia de 35.000,00€, nada se referindo nessa declaração quanto à causa dessa dívida.

3. Em nota prévia, entendemos ser de referir que com a reforma do processo civil de 2013, os documentos particulares que reconheçam a constituição de obrigações saíram do elenco dos títulos executivos constante agora do art. 703º. Por isso, a simples promessa ou reconhecimento escrito não servem como título para execução, devendo seguir para injunção ou ação declarativa comum.

Contudo, haverá que ter em atenção que o Tribunal Constitucional, no seu Ac. nº 408/2015 declarou, com força obrigatória geral, “a inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei nº 41/2013, de 26 de junho, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis, por força do artigo 46º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil de 1961, constante dos artigos 703º do Código de Processo Civil, e 6º, nº 3 da Lei nº 41/2013, de 26 de junho, por violação do princípio da proteção da confiança (artigo 2º da Constituição).

Deste modo, os reconhecimentos de dívida em documentos particulares exarados em data anterior à entrada em vigor do novo artigo 703º do Cód. de Proc. Civil mantém a força de título executivo, o que se aplica à declaração de confissão de dívida que serve de fundamento à presente execução, datada de 23.4.2010.

4. Prosseguindo.

Dispõe o art. 458º, nº 1 do Cód. Civil que «[s]e alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respetiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário.”

A lei consente assim que, através de ato unilateral, se efetue o reconhecimento de uma dívida, sem que o devedor indique o fim jurídico que o leva a obrigar-se, presumindo-se a existência e a validade da relação fundamental. É consagrada, todavia, uma simples presunção, pelo que a prova em contrário produzirá as consequências próprias da falta, ilicitude ou imoralidade da causa dos negócios jurídicos.[2]

O problema prende-se com a diferença entre negócios causais e negócios abstratos, sendo que este artigo não se reporta aos negócios abstratos, como sejam os títulos de crédito, mas sim a negócios causais, em que apenas se verifica a inversão do ónus da prova.[3]

Ou seja, tratar-se-ão de negócios com causa presumida ou puras presunções de causa.[4]

Pronunciando-se sobre esta norma, escreve PESSOA JORGE[5]:

“Significa este preceito que o credor que disponha de um documento escrito do devedor em que este unilateralmente declara prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, não precisa de provar a causa da obrigação, cuja validade e existência se presume.

Não se está, portanto, em face de um negócio abstracto, mas sim de um acto causal, embora com presunção de causa, presunção que, sendo ilidível, determina a inversão do ónus da prova: não será o credor quem terá de demonstrar a existência e a licitude da causa, mas será sim ao devedor que caberá provar que a prestação que prometeu ou reconheceu não tem causa ou esta é ilícita”.

O que se verifica, pois, é uma situação de inversão do ónus de prova.

Porém, pese embora a relação causal não tenha que constar da declaração unilateral, recognitiva da dívida, emitida nos termos do art. 458º, nº 1 do Cód. Civil, tal não significa que o credor fique desonerado do ónus de alegação da relação fundamental, que servirá de causa de pedir.

Isto porque o referido art. 458º não consagra o princípio do negócio abstrato, mas apenas uma inversão do ónus da prova da existência da relação fundamental, que se presume até prova em contrário.

Depois, porque se a lei permite a elisão dessa presunção, o efetivo exercício do princípio do contraditório pelo devedor, previsto no art. 3º do Cód. Proc. Civil, refletido na arguição das exceções que entenda adequadas, impõe que, no requerimento executivo, sejam alegados factos que consubstanciem aquela relação fundamental.

Ao que acresce ainda prescrever o art. 724º, nº 1, al. e) do Cód. Proc. Civil que o exequente no requerimento executivo exponha sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo.
Neste contexto, em sintonia com a sentença recorrida, entendemos que, apesar de se verificar uma situação de inversão do ónus da prova relativamente aos termos da relação fundamental, o credor não está dispensado de, em complemento do título executivo, alegar, ainda que de forma sucinta, a causa da dívida. Até porque só desta forma poderá o devedor defender-se, ilidindo a presunção decorrente do título – cfr., por ex., Acs. Rel. Porto de 14.5.2013, proc. 180/08.7TBAMT-A.P1 (MARIA JOÃO AREIAS) e de 11.6..2012, p. 1615/10.4TBAMT-A.P1 (MARIA ADELAIDE DOMINGOS), citados na decisão recorrida, e ao nível do STJ, Acs. de 16.2.2023, p. 30218/15.5T8LSB-A.L1.S1 (MARIA DA GRAÇA TRIGO) e de 9.7.2024, p. 1591/17.2T8LOU-A.P1.S1 (JORGE LEAL), todos disponíveis in www.dgsi.pt.

5. Todavia, mesmo que alegada a causa subjacente à confissão de dívida dada à execução pelo exequente, tal não é suficiente para que a quantia confessada como estando em dívida seja considerada como imediatamente exigível.

Com efeito, conforme se afirma na sentença recorrida, para que tal se verifique será imprescindível que da causa alegada e provada, traduzida necessariamente em factos, resulte a constituição de alguma obrigação jurídica do executado que seja, do ponto de vista legal, exigível.

“Ou seja, não basta ao exequente, para poder exigir o pagamento, alegar o que esteve na base da assinatura da confissão de dívida (sendo que, do ponto de vista da realidade, existe sempre uma razão de facto para uma declaração de dívida), mas impõe-se, naturalmente, que daí decorra, à luz do Direito, uma obrigação da pessoa que se confessou devedora compatível com o pedido executivo.”

6. De retorno ao caso dos autos, constata-se que a causa subjacente à confissão de dívida que o exequente alegou, tanto no requerimento executivo, como na contestação aos embargos, não é suscetível de gerar a pretendida obrigação do executado para com o exequente.

Ou seja, perante o que se mostra alegado pelo exequente, não se pode concluir no sentido da existência de qualquer dívida do executado para com o exequente.

Detalhando esta conclusão, verifica-se que no seu requerimento executivo, transcrito na parte relevante no ponto 2 da matéria de facto, o exequente começou por alegar que havia acordado com o proprietário do imóvel que dele poderia dispor (negociando ou adquirindo a propriedade do mesmo), mediante a contrapartida de uma renda vitalícia.

Como bem se diz na sentença recorrida, nesta parte nenhuma obrigação é imputável ao executado, que nela nem sequer está envolvido.

Seguidamente, o exequente alega que o executado se propôs adquirir o imóvel pelo valor de 110.000,00€, tendo este pago 75.000,00€ e sendo o remanescente do preço – que se refletiu na confissão de dívida - a pagar “quando a questão das partilhas referidas estivesse resolvida, tendo para o efeito Exequente e Executado definido a data-limite de 30 de Outubro de 2010.”

Estando já o executado envolvido no trilho negocial, “não se se vislumbra que o facto de este se ter proposto a adquirir o imóvel seja suscetível de gerar, sem mais a obrigação de pagamento do preço acordado, tanto mais que o exequente não alega que tenha sido efetuado o negócio e, na contestação, até refere que a confissão de dívida em nada se relacionou com o negócio celebrado em 2010 que veio a ser anulado.”

Por outro lado, é de salientar, tal como fez a 1ª Instância, que da alegação do exequente decorre até que a obrigação do pagamento da quantia de 35.000,00€ foi subordinada a condição suspensiva, ou seja, foi condicionada a um evento futuro e incerto, mais concretamente à resolução da questão das partilhas, com os efeitos previstos nos arts. 270.º e segs. do Cód. Civil.

E o exequente não alegou que esta condição se tivesse verificado.

Ora, com base neste segmento da alegação feita no requerimento executivo, também não se vislumbra que seja exigível ao executado o pagamento da quantia exequenda.

Por último, o exequente vem alegar ainda que atualmente o proprietário inscrito do imóvel é um filho do executado, DD e, quanto a este facto, escreve o Mmº Juiz “a quo” que também não se vislumbra que o mesmo seja suscetível de tornar exigível o pagamento da quantia exequenda por parte do executado.

Isto porque, por um lado, um filho do executado não se confunde com o executado, e, por outro lado, se, porventura, o proprietário do imóvel não cumpriu o acordo que estabeleceu com o exequente, negociando diretamente com terceiros a venda do imóvel, tal apenas no quadro da relação entre esse proprietário e o exequente é suscetível de gerar obrigação de indemnizar.

7. Sucede que nas suas alegações de recurso o embargado/recorrente não apresentou argumentação que permitisse afastar o sentido da decisão da 1ª Instância que, como atrás referimos, seguimos de perto e não merece, a nosso ver, qualquer censura.

Com efeito, em síntese, a causa que este alegou não é de molde a constituir o executado, aqui recorrido, na obrigação de pagamento da quantia exequenda, a que se soma a circunstância de aquele ter invocado que a obrigação exequenda estava sujeita a uma condição, cuja verificação não foi alegada, donde resulta a sua inexigibilidade.

Impõe-se, assim, sem necessidade de outros considerandos, a confirmação da decisão de procedência dos embargos e consequente extinção da execução.


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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. Proc. Civil):

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DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo embargado AA e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.

Custas, pelo seu decaimento, a cargo do recorrente.


Porto, 30.9.2025
Rodrigues Pires
Rui Moreira
Lina Baptista
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[1] Seguiu-se o relatório constante da sentença recorrida.
[2] Cfr. ALMEIDA COSTA, “Direito das Obrigações”, 11ª ed., pág. 465.
[3] Cfr. ALMEIDA COSTA, ob. cit., pág. 466 e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed., pág. 439.
[4] Cfr. ALMEIDA COSTA, ob. cit., pág. 466 e CASTRO MENDES, “Teoria Geral do Direito Civil”, vol. II, AAFDL, 1985, págs. 190/191.
[5] In “Lições de Direito das Obrigações”, 1975/76, págs. 219 e 220, citado no Ac. Rel. Porto de 14.5.2013, proc. 180/08.7TBAMT-A.P1 (MARIA JOÃO AREIAS), disponível in www.dgsi.pt.