Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1/23.0TSIMA.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DIAS DA SILVA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
ASSÉDIO NO ARRENDAMENTO
Nº do Documento: RP202406201/23.0TSIMA.P1
Data do Acordão: 06/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIAL
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Os artigos 13.º-A e 13.º-B da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro (NRAU), foram aditados ao Novo Regime do Arrendamento Urbano pela Lei 12/2019, de 12 de fevereiro, constituindo uma secção também aditada com a designação “Assédio no Arrendamento”.
II - De acordo com os preceitos em causa passou a ser expressamente proibido qualquer comportamento ilegítimo do senhorio com o objectivo de provocar a desocupação do locado, que perturbe, constranja ou afecte a dignidade do arrendatário, o sujeite a um ambiente intimidativo, hostil, degradante, perigoso, humilhante ou que impeça gravemente a fruição do locado.
III - Perante tais comportamentos o arrendatário pode, além do mais, intimar o senhorio a tomar as providências adequadas a corrigir situações de facto que impeçam a fruição do locado, incluindo o acesso à rede de água.
IV - E caso o senhorio não responda ao arrendatário ou não lhe comunique a realização das diligências necessárias à normalização da fruição do locado no prazo de trinta dias e se mantenha injustificadamente por corrigir o constrangimento denunciado pode o arrendatário, além do mais, requerer uma injunção contra o senhorio, destinada a corrigir a situação exposta na intimação, e exigir ao senhorio o pagamento de uma sanção pecuniária de valor (base) de vinte euros por cada dia a partir do final do prazo até que o senhorio lhe demonstre o cumprimento da intimação ou, em caso de incumprimento, até que seja decretada a injunção que for requerida em montante agravado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação - 3ª Secção
ECLI:PT:TRP:2024:1/23.0TSIMA.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
A presente acção especial, para efectivação de direitos do arrendatário, ao abrigo do disposto nos artigos 13.º-B, n.ºs 1, alínea c) e 3, e 15.º T. n.º 1, alínea e) do Novo Regime do Arrendamento Urbano (N.R.A.U.), em que é requerente AA, residente na Rua ..., ..., Vila Nova de Gaia, e é requerida A..., Lda., com sede na Rua ..., ..., Vila Nova de Gaia, é decorrente de injunção em matéria de arrendamento apresentada pela requerente, titulada por intimação dirigida à requerida por forma a compeli-la, enquanto senhoria, à correcção de impedimentos de fruição do locado, consubstanciados na ausência de ligação do locado à rede pública de saneamento.
*
Em sede de injunção, a requerente pediu que a requerida fosse condenada a assegurar a ligação do locado aos serviços de saneamento.
Pediu, ainda, que a requerida fosse condenada ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, à razão de € 30,00/dia, atendendo à idade da Requerente, desde o dia 27 de dezembro de 2023 até à data de decretamento da injunção, passando nesta última data a ser de € 75,00/dia o valor da sanção pecuniária compulsória.
*
Notificada, veio a Apelada deduzir oposição ao requerimento de injunção, invocando, em síntese, a ausência de requisitos formais de que depende o recurso à injunção em matéria de arrendamento, a inexistência de qualquer impedimento de fruição do locado dos autos que legitimasse a Apelante a recorrer à mencionada injunção em matéria de arrendamento, bem como a existência de impedimentos contratuais para proceder à ligação do locado à rede pública de saneamento e, ainda, a circunstância de não ser possível efectuar a aludida ligação do locado à rede pública de saneamento, por indisponibilidade da mesma no local em apreço.
*
O Tribunal a quo proferiu decisão que condenou a requerida a efectuar tudo o que for necessário à efectiva ligação do locado ao colector público do saneamento, no prazo de trinta dias.
Condenou, ainda, a requerida na obrigação de pagamento à requerente de sanção pecuniária compulsória no valor de quarenta euros por cada dia, uma vez decorridos os trinta, sem cabal e efectiva execução da ligação, absolvendo a requerida do demais peticionado.
*
Não se conformando com a decisão proferida na parte que fixa o valor diário da sanção pecuniária compulsória, bem como a data para o início da sua aplicação, a recorrente BB veio interpor o presente recurso de apelação, em cujas alegações conclui da seguinte forma:

I.O caso sub judice teve origem numa injunção em matéria de arrendamento apresentado pela Apelante, titulado por intimação dirigida pela Apelante à Apelada, enquanto meio processual destinado à efetivação dos seus direitos enquanto arrendatária, por forma a compelir a Apelada, enquanto senhoria, à correção de impedimentos de fruição do locado, consubstanciados na ausência de ligação do locado à rede pública de saneamento;

II. Da sentença recorrida resultaram provados factos que demonstram a verificação dos requisitos de que depende a apresentação do requerimento injuntivo em matéria de arrendamento, desde logo, a existência de impedimentos de fruição do locado dos autos, a existência de condições que permitem que a Apelada efetue a ligação do locado dos autos à rede pública de saneamento e, bem assim, a obrigatoriedade da Apelada senhoria em proceder em conformidade (cf. factos provados E, F, G, H, I, J, K);

III. Não obstante, decidiu o Tribunal a quo adequada a fixação à Apelada do prazo de 30 dias para efetuar a ligação do locado ao saneamento público, findo o qual ficaria a cargo da Apelada a obrigação de pagamento de sanção pecuniária compulsória no valor de 40,00€ por cada dia sem cabal, mais se referindo na douta sentença que a execução da ligação do locado à rede de saneamento por parte da Apelada senhoria só agora revela exigível;

IV. Errou o Tribunal a quo na aplicação das normas do NRAU, designadamente os artigos 13.º-B, n.ºs 4, 5, alínea b) e 6 e 15.º-T, n.ºs 1, alínea e), 3 e 4, ao caso sub judice, determinando erradamente o valor da sanção pecuniária a que é condenada a Apelada por cada dia de ausência de efetiva ligação do locado à rede pública de saneamento, bem como o dies a quo do período a que a Apelada fica sujeita a tal sanção;

V. Com efeito, deverá a Apelada ser condenada no pagamento de sanção pecuniária compulsória no montante de 30€ por cada dia de incumprimento desde o dia 17/12/2022 - data em que perfazem os 30 dias após a última intimação - até ao dia 07/03/2024 - data em que foi decretada a presente injunção - e, após esta última data, no pagamento de sanção pecuniária compulsória no montante de 75€ por cada dia de incumprimento, até efetivo e integral cumprimento da presente injunção.

VI. A sentença em crise violou, para além de outras, as disposições constantes dos artigos 13.º-B, n.ºs 4, 5, alínea b) e 6 e 15.º-T, n.ºs 1, alínea e), 3 e 4 do NRAU.
Nestes termos e nos mais de Direito, deverá a presente apelação ser julgada procedente
e, em consequência, ser a sentença recorrida revogada e substituída por outra que julgue totalmente procedente a injunção em matéria de arrendamento, condenando a Apelada senhoria na obrigação de pagamento à Apelante de sanção pecuniária compulsória no valor de
30€ por cada dia de incumprimento, desde o dia 17/12/2022 até ao dia 07/03/2024, bem como ao pagamento de sanção pecuniária compulsória no valor de 75€ por dia a partir do decretamento da presente injunção até à verificação do seu integral cumprimento.
*
Não se conformando com a referida decisão também A..., Lda. veio interpor recurso de apelação, o qual não foi admitido por ter sido interposto extemporaneamente.
*
2. Factos
O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
1. A requerente, nascida a ../../1945, é a arrendatária de uma casa, destinada a habitação, sita na Rua ..., ..., dada de arrendamento pela requerida.
2. Essa casa é constituída por 2 pisos, com acesso direito do arruamento principal (n.º ... da Rua ...), que antecede zona de logradouro de um edificado, em que se inclui a habitação ....
3. A casa em apreço integra, em consequência de operação de reparcelamento, a parcela n.º ... de entre as 7 que agora compõem o prédio urbano, que tem a área global de 12.673 m2.
4. A operação urbanística de reparcelamento foi efetuada em vista da execução de um contrato de desenvolvimento urbano, outorgado pelo Município ..., pela requerida e pela União de freguesias ... e ..., tendo em vista a requalificação urbana da área, no âmbito do qual o Município se obrigou, numa primeira fase, a requalificar e a infraestruturar o troço da Rua ... e, numa segunda fase, a realojar as famílias que residissem nos prédios, entre elas, a da requerente.
5. No dia 11/10/2022, a requerente enviou carta registada, com aviso de receção, para a sede da requerida na Rua ..., ..., ... Vila Nova de Gaia, com o seguinte teor:
Venho na qualidade de arrendatária da habitação melhor identificada em epigrafe, na sequência da realização de obras de arruamento e urbanização na rua que confronta com o m/locado, solicitar a imediata ligação do m/locado ao serviço de saneamento.
Nos termos do artigo 13.º do «Regulamento dos Sistema Públicos e Prediais de Abastecimento de Água e de Drenagem de Águas Residuais do Município ...», qualquer utilizador cujo local de consumo se insira na área de influência das «B..., E.M., S.A.» tem «direito a dispor de água potável em serviço continuo e nas condições higiénico-sanitárias e de pressão legalmente exigíveis, de drenagem e tratamento das águas residuais geradas», mais se referindo que o serviço de saneamento se considera disponível «desde que o sistema infraestrutural esteja localizado a uma distância igual ou inferior a 20 m do limite da propriedade», o que ocorre no caso concreto.
Ainda, nos termos do artigo 17.º deste mesmo Regulamento, dentro da área abrangida, ou que venha a sê-lo, pelas redes recolha de águas residuais, os proprietários sobre os prédios existente são obrigados a cumprir o seguinte:
«a) Cumprir o disposto no presente Regulamento;
b) Instalar os sistemas prediais internos de abastecimento de água e de drenagem de águas residuais de acordo com as disposições técnicas previstas na legislação em vigor;
c) Ligar os sistemas prediais de abastecimento de água e de drenagem de águas residuais domésticas à rede pública;
d) Conduzir ou ligar as águas pluviais para o exterior, em conformidade com o artigo 68.º
e) Pagar os ramais de ligação e as correspondentes taxas de ligação em conformidade com o disposto no presente regulamento.»
Mais se diga, nos termos do artigo 13.º-B, número 1, alínea c) do NRAU, o arrendatário pode intimar o senhorio a tomar providências ao seu alcance no sentido de «corrigir outras situações que impeçam a fruição do locado, o acesso ao mesmo ou a serviços essenciais como as ligações às redes de água, eletricidade, gás ou esgotos.»
Em face do exposto supra, deverá à A..., Lda., na qualidade de proprietários e no mais breve prazo possível, proceder às obras necessárias para assegurar a ligação do m/locado aos serviços de saneamento, sob pena de recurso aos meios judiciais competentes.
6. A carta veio devolvida com a indicação de “objeto não reclamado”.
7. No dia 17/11/2022, a requerente enviou nova carta registada, com aviso de receção, para a sede da requerida, na Rua ..., ..., ... Vila Nova de Gaia, com o seguinte teor:
Venho na qualidade de arrendatária da habitação melhor identificada em epigrafe, na sequência da realização de obras de arruamento e urbanização na rua que confronta com o m/locado, solicitar a imediata ligação do m/locado ao serviço de saneamento.
Nos termos do artigo 13.º do «Regulamento dos Sistema Públicos e Prediais de Abastecimento de Água e de Drenagem de Águas Residuais do Município ...», qualquer utilizador cujo local de consumo se insira na área de influência das «B..., E.M., S.A.» tem «direito a dispor de água potável em serviço continuo e nas condições higiénico-sanitárias e de pressão legalmente exigíveis, de drenagem e tratamento das águas residuais geradas», mais se referindo que o serviço de saneamento se considera disponível «desde que o sistema infraestrutural esteja localizado a uma distância igual ou inferior a 20 m do limite da propriedade», o que ocorre no caso concreto.
Ainda, nos termos do artigo 17.º […]
Mais se diga, nos termos do artigo 13.º-B, número 1, alínea c) do NRAU, o arrendatário pode intimar o senhorio a tomar providências ao seu alcance no sentido de «corrigir outras situações que impeçam a fruição do locado, o acesso ao mesmo ou a serviços essenciais como as ligações às redes de água, eletricidade, gás ou esgotos.»
Em face do exposto supra, deverá à A..., Lda., na qualidade de proprietários e no mais breve prazo possível, proceder às obras necessárias para assegurar a ligação do m/locado aos serviços de saneamento, sob pena de recurso aos meios judiciais competentes.
8. Também esta carta veio devolvida, com a indicação de “objeto não reclamado”.
9. No dia 09/12/2022, a requerente enviou carta registada com aviso de receção para a Câmara Municipal ..., para a respetiva sede na Rua ..., ... Vila Nova de Gaia, tendo a mesma sido rececionada.
10. Nesta carta enviada para o Município ..., foi solicitado, com referência ao contrato de arrendamento existente entre a requerente e requerida, que a Câmara Municipal determinasse a realização de uma vistoria ao locado para efeito de verificação e correção de situação que impede o acesso do locado a serviço essencial de ligação à rede de esgoto, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 13.º-B, n.ºs 1, alínea c) e 3, e 15.º T. n.º 1, alínea e), do NRAU.
11. A B..., Empresa Municipal, S.A., juntou aos autos, a 2023.10.12, documento intitulado de “Auto de Vistoria Técnica” onde informa, entre o mais, que a habitação sita na Rua ..., está a menos de 20 metros do coletor de saneamento.
*
Foram apresentadas contra-alegações.
*
Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.
*
3. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar:
Das conclusões formuladas pela recorrente as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que as questões a resolver no âmbito do presente recurso prendem-se com saber da adequação do montante da sanção pecuniária compulsória fixado, bem como do apuramento do momento temporal em que é devido.
*
4. Conhecendo do mérito do recurso:
No caso vertente, foi condenada a requerida a efectuar tudo o que for necessário à efectiva ligação do locado ao colector público do saneamento no prazo de trinta dias, bem como à obrigação de pagamento à requerente de sanção pecuniária compulsória no valor de quarenta euros por cada dia, uma vez decorridos os trinta, sem cabal e efectiva execução da ligação, absolvendo a requerida do demais peticionado
Dissente, todavia, a Apelante da referida decisão, pugnando que seja julgada totalmente procedente a injunção, sendo condenada a Apelada senhoria na obrigação de pagamento à Apelante de sanção pecuniária compulsória no valor de € 30,00 por cada dia de incumprimento, desde o dia 17/12/2022 até ao dia 07/03/2024, bem como no pagamento de sanção pecuniária compulsória no valor de € 75,00 por dia a partir do decretamento da injunção até à verificação do seu integral cumprimento.
Por sua vez, decorre dos autos que o recurso de apelação interposto pela requerida não foi admitido, pelo que o objecto do recurso apenas se centra na apreciação do pedido de alteração da decisão pugnada pela Apelante. Com efeito, com a prolação de uma sentença ou, por força do disposto no n.º 3 do artigo 613.º do Código do Processo Civil, com a prolação de um despacho, o juiz profere uma decisão sobre uma determinada questão que lhe é suscitada, realizando, dessa forma, o “acto final de cumprimento do seu dever de julgar” (cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 127, e Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, 2.ª edição, pág. 684), ficando, por isso, imediatamente esgotado o seu poder jurisdicional quanto à matéria decidida (artigo 613.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil). Assim, não pode consequentemente o juiz, por sua iniciativa, alterar a decisão (sentença ou despacho) depois de proferida, quer na decisão, quer nos seus fundamentos que a suportam, os quais constituem com ela um todo incindível, na parte em que não foi objecto de recurso.
Vejamos, então.
Os artigos 13.º-A e 13.º-B da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro (NRAU), foram aditados ao Novo Regime do Arrendamento Urbano pela Lei 12/2019, de 12 de fevereiro, constituindo uma secção então também aditada com a designação “Assédio no Arrendamento”.
De acordo com os preceitos em causa passou a ser expressamente proibido qualquer comportamento ilegítimo do senhorio com o objectivo de provocar a desocupação do locado, que perturbe, constranja ou afecte a dignidade do arrendatário, o sujeite a um ambiente intimidativo, hostil, degradante, perigoso, humilhante ou que impeça gravemente a fruição do locado.
Perante tais comportamentos o arrendatário pode, além do mais, intimar o senhorio a tomar as providências adequadas a corrigir situações de facto que impeçam a fruição do locado, incluindo o acesso à rede de água.
E caso o senhorio não responda ao arrendatário ou não lhe comunique a realização das diligências necessárias à normalização da fruição do locado no prazo de trinta dias e se mantenha injustificadamente por corrigir o constrangimento denunciado pode o arrendatário, além do mais, requerer uma injunção contra o senhorio, destinada a corrigir a situação exposta na intimação, e exigir ao senhorio o pagamento de uma sanção pecuniária de valor (base) de vinte euros por cada dia a partir do final do prazo até que o senhorio lhe demonstre o cumprimento da intimação ou, em caso de incumprimento, até que seja decretada a injunção que for requerida.
Assim, o artigo 15º-T do NRAU, nos pontos indicados, estatui:
1 - A injunção em matéria de arrendamento (IMA) é um meio processual que se destina a efetivar os seguintes direitos do arrendatário:
(…)
e) Correção de impedimento da fruição do locado, quando a injunção seja titulada pela intimação dirigida pelo arrendatário nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 13.º-B acompanhada por auto emitido pela autoridade policial ou equiparada ou pela câmara municipal competente;
Por sua vez, decorre do disposto no artigo 13.º-B do NRAU que:
“1 - Sem prejuízo da responsabilidade civil, criminal ou contraordenacional decorrente dos atos e omissões em que se consubstancie o comportamento previsto no artigo anterior, o arrendatário pode intimar o senhorio a tomar providências ao seu alcance no sentido de:
a) Cessar a produção de ruído fora dos limites legalmente estabelecidos ou de outros atos, praticados por si ou por interposta pessoa, suscetíveis de causar prejuízo para a sua saúde e a das pessoas que com ele residam legitimamente no locado;
b) Corrigir deficiências do locado ou das partes comuns do respetivo edifício que constituam risco grave para a saúde ou segurança de pessoas e bens;
c) Corrigir outras situações que impeçam a fruição do locado, o acesso ao mesmo ou a serviços essenciais como as ligações às redes de água, eletricidade, gás ou esgotos.
2 - A intimação prevista no número anterior é feita nos termos do artigo 9.º e deve conter a exposição dos factos em que se fundamenta.
3 - Independentemente da apresentação da intimação prevista no n.º 1, o arrendatário pode requerer à câmara municipal competente a realização de uma vistoria ao locado para verificação das situações previstas no n.º 1, a qual possui natureza urgente e deve ser realizada no prazo máximo de 20 dias, devendo o respetivo auto ser emitido até 10 dias após a sua realização.
4 - No prazo de 30 dias a contar da receção da intimação prevista nos n.ºs 1 e 2, o senhorio deve, mediante comunicação a enviar ao arrendatário nos mesmos termos, demonstrar a adoção das medidas necessárias para corrigir a situação visada ou expor as razões que justifiquem a não adoção do comportamento pretendido pelo arrendatário.
5 - Em caso de falta de resposta nos termos previstos no número anterior, ou caso a situação se mantenha injustificadamente por corrigir, sem prejuízo da responsabilidade civil ou criminal que possa resultar dos mesmos factos e da possibilidade de recurso aos demais meios judiciais ou extrajudiciais ao seu dispor, o arrendatário pode:
a) Requerer uma injunção contra o senhorio, destinada a corrigir a situação exposta na intimação; e
b) Exigir ao senhorio o pagamento de sanção pecuniária no valor de 20 (euro) por cada dia a partir do final do prazo previsto no número anterior, até que o senhorio lhe demonstre o cumprimento da intimação nos termos do artigo 9.º ou, em caso de incumprimento, até que seja decretada a injunção prevista na alínea anterior.
6 - A sanção pecuniária prevista na alínea b) do número anterior é elevada em 50 % quando o arrendatário tenha idade igual ou superior a 65 anos ou grau comprovado de deficiência igual ou superior a 60 %.
7 - A intimação prevista nos n.ºs 2 e 3 caduca, extinguindo-se a respetiva sanção pecuniária, se a injunção prevista na alínea a) do n.º 5 não for requerida no prazo de 30 dias a contar do termo do prazo previsto no n.º 4, ou se for indeferida.”
Por fim, o número 3 do artigo 15.º-T do NRAU refere que:
“3 - Com o decretamento das injunções previstas nas alíneas c) a e) do n.º 1, a sanção pecuniária prevista na alínea b) no n.º 5 do artigo 13.º-B, passa a ser, por cada dia de incumprimento a partir dessa data, no valor de 50 euros, podendo ser deduzida pelo arrendatário do pagamento das rendas mensais vincendas a partir dessa data, até que o cumprimento da injunção seja demonstrado pelo senhorio ao arrendatário nos termos do artigo 9.º.”
Assim, está bem patente na lei o principal requisito material para que um inquilino possa lançar mão do processo de injunção em causa: a necessidade de corrigir um impedimento de fruição do locado.
No caso vertente, a Apelante, fazendo uso da prerrogativa prevista na alínea c), do n.º 1, do artigo 13.º-B do NRAU, intimou a Apelada com vista à adopção das medidas necessárias para efectuar a ligação do locado à rede pública de saneamento, mediante duas cartas registadas com aviso de receção enviadas nos dias 11/10/2022 e 17/11/2022, as quais foram devolvidas (cf. factos provados E., F., G. e H.)
O número 4 do referido artigo 13.º-B do NRAU consagra o prazo de 30 dias, a contar da intimação dirigida pela Apelante à Apelada, para que esta ponha termo aos impedimentos de fruição do locado ou para que justifique a não adoção de tal comportamento.
Tendo as mencionadas intimações sido enviadas para a sede da Apelada, as mesmas consideram-se como efectivamente recebidas, não obstante terem sido devolvidas com a indicação objecto não reclamado, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 9.º e 10.º do NRAU.
Em face da inércia da Apelada, a Apelante requereu contra a mesma a injunção em matéria de arrendamento que deu origem à presente acção (artigo 13.º-B, n.º 5, alínea a), do NRAU.
Por sua vez, decorre do disposto no artigo 13.º-B, n.ºs 5, alínea b), e 6, do NRAU, que findo o mencionado prazo de 30 dias, contados desde a data da segunda intimação, a Ré senhoria ficou obrigada a pagar à Autora uma sanção pecuniária compulsória.
Em sede de alegações e em discordância com a decisão em crise, invocou, todavia, a Apelante que «ademais, decorre do disposto no artigo 13º-B, nºs 5, alínea b) e 6, do NRAU, que findo o mencionado prazo de 30 dias, contados desde a data da segunda intimação, a Ré senhoria ficou obrigada a pagar à Autora uma sanção pecuniária compulsória no montante de 30€ por dia, já incluindo o acréscimo de 50% atenta a idade superior a 65 anos da Autora. Ou seja, desde 17/12/2022 e até o decretamento da presente injunção, que a Ré senhoria está obrigada a pagar à Autora uma sanção pecuniária compulsória de 30€ por dia»
Afigura-se-nos, porém, que não pode a Recorrente pretender, por via deste recurso, um pagamento de 30,00€ por dia, desde 17/12/2022 até à decisão da injunção, quando no requerimento inicial de injunção delimitou o seu pedido à “condenação da requerida ao pagamento de uma sanção de 30,00€, desde o dia 27 de dezembro de 2023 até à data de decretamento da injunção”. (vide ponto nº 30 do requerimento inicial).
Com efeito, o nº 5 do artigo 13º-B do NRAU dispõe “(…) o arrendatário pode: (…) b) Exigir ao senhorio o pagamento da sanção pecuniária (…)”
Tal significa que a condenação dependia de pedido da requerente/Apelante, e não resultava automaticamente de disposição da lei.
Ora, se a Apelante apenas peticionou tal sanção a partir de 27/12/2023, não pode em sede de recurso pretender alargar a condenação para além do seu pedido, e invocar que houve erro da sentença nesse particular, pelo que a data do início da sanção deverá manter-se.
Todavia, atenta a anuência manifestado pela Apelante, o valor da sanção pecuniária compulsória deverá ser reduzido ao valor de 30,00€ por cada dia de incumprimento, desde 27/12/2023 até ao dia 07/03/2024 e aumentado para 75,00€ por dia a partir do decretamento da presente injunção até à verificação do seu integral cumprimento.
Com efeito, dispõe o artigo 15.º-T do mesmo diploma legal, no seu número 3, que “Com o decretamento das injunções previstas nas alíneas c) a e) do n.º 1, a sanção pecuniária prevista na alínea b) do n.º 5 do artigo 13.º-B passa a ser, por cada dia de incumprimento a partir dessa data, no valor de 50 euros (...)”, acrescendo o seu n.º 4 que “À sanção pecuniária prevista no número anterior aplica-se o disposto no n.º 6 do artigo 13.º-B.”, isto é, será de 75,00 € caso a Autora tenha uma idade superior a 65 anos, circunstância que se verifica no caso sub judice.
Assim, atento o teor da decisão, dado o objecto do recurso e procedendo à subsunção das normas supramencionadas ao caso sub judice, atenta a circunstância de a Apelada não ter procedido à ligação do locado dos autos à rede pública de saneamento no prazo de 30 dias contados desde a data em que foi intimada para esse efeito e, ainda, em face da idade superior a 65 anos da Apelante, afigura-se-nos que a Apelada deverá ser condenada no pagamento de sanção pecuniária compulsória no montante de 30,00€ - conforme requer em alegações de recurso - por cada dia de incumprimento desde o dia 27/12/2023 - por limitação do princípio do pedido - até ao dia 07/03/2024 - data em que foi decretada a presente injunção - e, após esta data, no pagamento de sanção pecuniária compulsória no montante de 75,00€ por cada dia de incumprimento, até efectivo e integral cumprimento da injunção.
Impõe-se, por isso, o provimento parcial da apelação.
*
Sumariando em jeito de síntese conclusiva:
………………………………
………………………………
………………………………
*
4. Decisão
Nos termos supra expostos, acorda-se em conceder o provimento parcial ao recurso de apelação, condenando a Apelada senhoria na obrigação de pagamento à Apelante de sanção pecuniária compulsória no valor de 30,00€ por cada dia de incumprimento, desde o dia 27/12/2023 até ao dia 07/03/2024, bem como ao pagamento de sanção pecuniária compulsória no valor de 75,00€ por dia a partir do decretamento da injunção até à verificação do seu integral cumprimento, improcedendo o recurso no demais.
*
As custas são a cargo da apelada e da apelante, na proporção de 4/6 e de 2/6 respectivamente.
*
Notifique.

Porto, 20 de Junho de 2024
Paulo Dias da Silva
Paulo Duarte Teixeira
Isoleta de Almeida Costa

(a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas e por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)