| Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | NUNO MARCELO NÓBREGA DOS SANTOS DE FREITAS ARAÚJO | ||
| Descritores: | EMPREITADA GARANTIA BANCÁRIA AUTÓNOMA ÓNUS DA PROVA ABUSO DO DIREITO | ||
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| Nº do Documento: | RP202503103254/22.8T8PRT.P1 | ||
| Data do Acordão: | 03/10/2025 | ||
| Votação: | MAIORIA COM 1 VOT VENC | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
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| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMAÇÃO | ||
| Indicações Eventuais: | 5. ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
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| Sumário: | I - Para além dos factos essenciais que às partes compete alegar, é lícito ao tribunal considerar os factos instrumentais que resultem da instrução da causa e os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado de forma conclusiva, resultem da instrução da causa e sobre os quais tenham tido a possibilidade de se pronunciar. II - O dever de reapreciação da prova por parte da Relação apenas existe no caso de o recorrente respeitar os ónus previstos no art. 640.º, n.º 1 do CPC, e se, para além disso, a matéria em causa se afigurar relevante para a decisão final do litígio. III - A garantia bancária autónoma, embora sem definição na nossa legislação, refere-se ao acordo nos termos do qual uma entidade financeira ou bancária se obriga a entregar ao beneficiário certa quantia em dinheiro, na sequência da celebração de um contrato entre o beneficiário e o ordenante, sem poder invocar em seu benefício quaisquer meios de defesa relacionados com esse mesmo contrato. IV - Nesse âmbito, a prática evidencia duas modalidades essenciais: a) de um lado, a designada garantia autónoma simples, na qual as partes limitam-se a prever a autonomia da obrigação do garante em relação à existência, validade ou excepções oponíveis ao crédito, admitindo apenas a oponibilidade de excepções próprias da relação de garantia; b) de outro, a garantia à primeira solicitação ou on first demand, na qual as partes estipulam que o garante não oporá qualquer excepção à exigência da garantia, satisfazendo-a, imediatamente e sem discussão, logo que tal seja solicitado pelo credor. V - No que respeita às relações entre o devedor ordenante e o credor garantido, para a neutralização da garantia autónoma, que pode resultar do incumprimento contratual, do enriquecimento sem causa ou do abuso de direito, é sobre o devedor/ordenante da garantia que recai o ónus da alegação e da prova relativamente aos factos necessários à respectiva verificação. VI - Afastada a existência de incumprimento do contrato por parte do garantido e apurada a existência de defeitos na realização da empreitada, que não foram reparados apesar de tal ter sido solicitado pelo dono de obra, sob a advertência de recurso às garantias contratuais, está presente o fundamento material da execução destas e afastada a possibilidade de ela determinar a obrigação de restituir com base em enriquecimento sem causa. VII - O abuso de direito constitui um instituto de ultima ratio, para situações de clamorosa ou evidente injustiça: não basta, para que se verifique, que o titular do direito exceda os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico daquele, antes sendo necessário que esses limites sejam manifestamente excedidos, i. é, que ofendam de forma ostensiva a consciência ética e jurídica da generalidade dos cidadãos. | ||
| Reclamações: | |||
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| Decisão Texto Integral: | Processo: 3254/22.8T8PRT.P1 
 
 ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO (3.ª SECÇÃO CÍVEL): 
 Relator: Nuno Marcelo Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo 1.º Adjunto: Ana Olívia Esteves Silva Loureiro 2.º Adjunto: Ana Paula Amorim 
 RELATÓRIO. 
 * OBJECTO DO RECURSO. Sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões, as quais, assim, definem e delimitam o objeto do recurso (arts. 635.º/4 e 639.º/1 do CPC). Assim sendo, importa em especial apreciar: a) se a sentença padece de nulidade, por ter consignado na alínea g) que a autora fez reparar as patologias assinaladas na alínea h), com exceção das respeitantes à soldadura do circuito de (água gelada), em sentido inverso ao que resulta da fundamentação (conclusão II); b) se o facto descrito na alínea k) deve ser expurgado da matéria provada, por não ter sido alegada pela ré (conclusão VIII); c) se se foi validamente deduzida, é justificada e procede a impugnação da matéria de facto, quanto às alíneas r) a z) e aa) a an) propostas no recurso, quanto aos parágrafos 2.º, 4.º, 5.º, 6.º e 7.º (até tela líquida) julgados não provados e quanto à citada alínea k), se não for expurgada nos termos requeridos em b. (conclusões IX, XVI a XX, XXX a XXXIV e XXXXVIII); d) se a ré estava ou não legitimada a acionar as garantias bancárias em causa nos autos, tendo presente em especial as regras de distribuição do ónus da prova, a desproporcionalidade entre benefício retirado da execução das garantias e prejuízo justificativo do acionamento das garantias e a conciliação das exigências feitas pela R. com os ditames da boa-fé (conclusões I, III a VII, X a XV, XXI a XXIX, XXXV a XXXXVII); e e) se deverá a R. ser condenada a pagar à A. a quantia de 5.000,00€ para compensação dos danos que lhe causou (conclusão XXXXIX). * FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO. Em sede de factualidade relevante julgada provada em primeira instância, vários pontos foram colocados em crise no recurso, cujo conhecimento por este Tribunal da Relação terá de fazer-se mais adiante. Assim, sem prejuízo da subsequente consideração dessa impugnação, são os seguintes os factos julgados provados na decisão recorrida: a) Representantes da autora e da ré apuseram as suas assinaturas nos escritos datados de 23 de Dezembro de 2015, juntos aos como documento n.º 2 com a petição inicial (fls. 20 e ss), intitulados “Aditamento Contrato de Empreitada” e “Contrato de Empreitada”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta nomeadamente que a autora se obriga a executar todos os trabalhos necessários às obras de ampliação de uma unidade industrial existente na Rua ... na freguesia ..., em Vila do Conde mediante o pagamento pela ré de €1.183.558,88; (alínea a) dos factos assentes) b) Representantes da autora e da ré apuseram as suas assinaturas nos escritos datados de 28 e 23 de Dezembro de 2015, juntos aos como documento n.º 3 com a petição inicial (fls. 41, verso, e ss), intitulados “Aditamento Contrato de Empreitada” e “Contrato de Empreitada”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta nomeadamente que a autora se obriga a executar todos os trabalhos necessários à 2.ª fase das obras de ampliação de uma unidade industrial existente na Rua ... na freguesia ..., em Vila do Conde mediante o pagamento pela ré de €451.558,11; (alínea b) dos factos assentes) c) De ambos os escritos constava ainda nomeadamente, e de forma idêntica: “ARTº 4 – CAUÇÃO O empreiteiro presta caução, através de garantia bancária, incondicional e à primeira solicitação, com a outorga do presente Contrato, no valor de 5% do valor da empreitada, conforme cópia que se junta como Anexo 3, sendo esta libertada após recepção definitiva da obra pelo Dono da Obra. (…) ARTº 10 – FISCALIZAÇÃO DOS TRABALHOS 1. A direcção e fiscalização dos trabalhos serão exercidas pelo Dono da Obra, por intermédio dos delegados nomeados para esse efeito, os quais se designam por “Fiscalização”. (…) 3. Para além das atribuições e competências que lhe foram atribuídas nos demais artigos deste Contrato, a Fiscalização terá competência para: a) Suspender obras e serviços, total ou parcialmente, em qualquer tempo, sempre que essa medida necessária; b) Recusar qualquer serviço ou material que não atenda as especificações do contrato de empreitada e documentos anexos ao mesmo, ou, se aí não estiverem eventualmente especificados, cuja qualidade não apresente atributos compatíveis com a obra a que se destinam; (…) d) Aceitar ou recusar firmas e/ou profissionais contratados pelo Empreiteiro como subempreiteiros, fornecedores, tarefeiros e assalariados. 4. A acção da Fiscalização em nada diminui a responsabilidade do Empreiteiro, no que se refere à boa execução dos trabalhos, salvo naquilo que for expressamente determinado pela mesma Fiscalização e contrariamente ao parecer do Empreiteiro, determinação essa que, para o efeito, só poderá ser invocada quando tenha sido feita por escrito, o que o Empreiteiro poderá, em tal caso, exigir. (…) ARTº 23 – PAGAMENTOS AO EMPREITEIRO (…) 5. O desconto para garantia do contrato, de 5%, será feito em cada um dos pagamentos mensais a que o Empreiteiro tiver direito, podendo tal desconto ser substituído por garantia bancária, em termos semelhantes aos mencionados no anterior n.0 3 do art.0 40, após a recepção provisória, e desde que haja acordo do Dono da Obra. Tratando-se de pagamentos de trabalhos a mais, o desconto para garantia será de 10% do respectivo valor. (…) ARTº 26 - CAUÇÃO DE GARANTIA 1. A caução de garantia é constituída pela garantia bancária prevista no. 40, acrescida das retenções mensais efectuadas nos pagamentos devidos ao Empreiteiro, nos termos do presente Contrato (incluindo as retenções devidas pelos trabalhos a mais), sendo esta libertada aquando da recepção definitiva da obra. (…) ARTº 27 – MULTAS CONTRATUAIS (…) 2. Se o Empreiteiro não concluir obra no prazo contratualmente estabelecido, acrescido das prorrogações concedidas, ser-lhe-á aplicada até à data da recepção provisória ou à resolução do contrato, a seguinte multa contratual diária: a) 1960 (um por mil) do valor de adjudicação, no primeiro período correspondente a um décimo do referido prazo; b) Em cada período subsequente de igual duração, a multa sofrerá um aumento de (zero vírgula cinco por mil), até atingir o máximo de (cinco por mil), sem contudo e na sua globalidade, poder vir a exceder 20% (vinte por cento) do valor da adjudicação. (…) 4. No caso de incumprimento do prazo global da Empreitada, o Empreiteiro, para atém das multas, assume o encargo da Fiscalização, durante todo o período em que for excedido esse prazo. (…) ART. 29º RECEPÇÃO PROVISÓRIA 1. A recepção provisória da obra terá fugar assim que fiquem concluídos todos os trabalhos nela abrangidos, quer os inicialmente previstos, quer os que venham a ser realizados no decorrer da Empreitada, a realização de testes de bom funcionamento de todos os equipamentos e instalações, a entrega dos respectivos manuais técnicos, de todos os certificados legalmente exigidos para a obtenção do alvará de autorização de utilização e efectuada a limpeza total da obra. 2. A recepção provisória será efectuada por intermédio de vistoria, a pedido do Empreiteiro ou por iniciativa do Dono da Obra. A vistoria será levada a cabo por representante do Dono da Obra e pela Fiscalização na presença do Empreiteiro, lavrando-se o respectivo auto que será assinado por todos os presentes. 3. Após a vistoria, o Dono da Obra, pode, segundo o seu exclusivo critério: -Proceder à recepção provisória final, quando, pela vistoria realizada, se verificar estar a obra em condições de ser recebida; ou Proceder à recepção provisória condicionada, se for verificada qualquer deficiência. resultante da imperfeita ou deficiente execução dos trabalhos, ou da qualidade inferior dos materiais utilizados ou fornecimentos efectuados, caso em que será marcado um prazo, concertado com o Empreiteiro, para proceder às necessárias reparações, findo o qual se procederá a nova vistoria para efeitos de recepção provisória final da obra. Se, findo o prazo referido, as reparações não tiverem sido executadas ou não tiverem sido feitas por forma a sanar integralmente as deficjências encontradas, assistirá ao Dono da Obra o direito de as mandar efectuar, por conta de outro empreiteiro, accionando as garantias previstas no contrato ou deduzindo as respectivas quantias nos montantes em divida ao empreiteiro; ou - Determinar ao Empreiteiro que continue a execução da Empreitada, especificando os trabalhos que deve executar antes da emissão de qualquer dos autos referidos nos itens anteriores, caso conclua que a obra não está em condições de ser recebida. Neste caso, o Dono da Obra pode, se assim o entender, fazer a recepção provisória da parte dos trabalhos que estiver em condições de ser recebida desde que o Empreiteiro se obrigue a concluir as restantes partes em prazo pré-fixado, sendo para todos os efeitos contratuais este último tido como data final da recepção provisória. (…) ARTº 31 – - PRAZO DE GARANTIA / REPARAÇÕES 1. O prazo de garantia da Empreitada é de 5 (cinco) anos e será contado a partir da data de Recepção Provisória Final e Total da obra. 2. Durante o prazo de garantia constitui encargo do Empreiteiro a conservação dos trabalhos que realizou, cumprindo-lhe proceder por sua conta à imediata reparação de quaisquer deficiências, erros, omissões ou imperfeiçoes que sejam verificadas. O Empreiteiro é, igualmente, responsável pelos prejuízos que, porventura, resultem dessas deficiências, provenientes da má execução dos trabalhos ou a defeitos de qualidade nos materiais empregues (…). 6. Sem prejuízo de outras penalidades estabelecidas na lei ou no presente Contrato e cumulativamente com as mesmas, o Empreiteiro obriga-se a pagar uma multa diária de 45€ (quarenta e cinco euros), por cada dia de atraso na conclusão da reparação elou substituição mencionadas neste número. 7. Se o Empreiteiro não cumprir a obrigação mencionada no número anterior no prazo que lhe for fixado pelo Dono da Obra, poderá este executar os referidos trabalhos ou substituição de materiais e equipamentos, accionando a caução de garantia prestada nos termos do presente Contrato para obter os valores correspondentes ao custo total, real ou previsto, das reparações elou substituições que mandará executar por conta do Empreiteiro e para obter o pagamento das penalidades que eventualmente lhe forem devidas pelo Empreiteiro, sem perda da garantia total da Obra. (…) ARTº 33 – RECEPÇÃO DEFINITIVA 1. A recepção definitiva da empreitada terá lugar findo o prazo de garantia e por iniciativa do Dono da Obra ou a pedido do Empreiteiro. (…)”; (alíneas a) e b) dos factos assentes) d) Em vista aos estipulado no supra transcrito art. 23.º, n.º 5, Banco 1... S.A. fez emitir, a pedido da autora, o documento n.º 8 junto com a petição inicial (fls. 67), intitulado “Garantia Bancária ...93”, datado de 21 de Junho de 2018, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta nomeadamente: “garantia bancária executável ao primeiro pedido da Beneficiária relativa ao de garantia de 5% (cinco por cento) do valor da "Empreitada Geral de Ampliação da UN2", até ao valor de Eur. 82.931,03 (oitenta e dois mil novecentos e trinta e um euros e três cêntimos), obrigando- -se o Banco, dentro da citada importância, a fazer a entrega à Beneficiaria, nos 3 (três) dias úteis da data de recepção do pedido, de quaisquer quantias que esta lhe venha a solicitar por e sem que esta tenha que justificar ou apresentar quaisquer razões para o efeito”; (alínea c) dos factos assentes) e) Em vista aos estipulado no supra transcrito art. 23.º, n.º 5, Banco 1... S.A. fez emitir, a pedido da autora, o documento n.º 7 junto com a petição inicial (fls. 66, verso), intitulado “Garantia Bancária ...75”, datado de 14 de Maio de 2018, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta nomeadamente: “presta, pelo presente documento, uma garantia bancária a favor de B..., SA, (…) até ao montante de Eur. 85.197,77 (oitenta e cinco mil, cento e noventa e sete euros e setenta e sete cêntimos), representativa do depósito de garantia de 5% do valor da citada empreitada, como se o mesmo tivesse sido feito pela referida adjudicatária, responsabilizando-se pela sua realização, por parte desta, se, por falta de cumprimento do contato, esta incorrer em tal obrigação”; (alínea c) dos factos assentes) f) A autora deu início aos trabalhos a que se reportam as alíneas a) a c) em 15 de Fevereiro de 2016; (alínea d) dos factos assentes) g) Representantes da autora e ré apuseram as suas assinaturas no escrito junto como documento n.º 6 com a petição inicial (fls. 65), intitulado “Auto de Recepção Provisória”, datado de 17 de Agosto de 2016, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta nomeadamente: “A vistoria em causa foi pedida pelo empreiteiro para o efeito de recepção provisória e, tendo-se verificado estar a obra em condições de ser recebida, se aceitou e declarou poder a mesma passar a ser utilizada. Pelo Sr. Eng. FF, como representante da entidade fiscalizadora, foi declarado que nada haveria a opor e que a obra estava em condições de ser entregue para utilização, sob exceção das deficiências constantes na lista abaixo, as quais deverão estar corrigidas até à data descrita em frente a cada deficiência/patologia/correcção. Pelo Sr. AA, como representante do Empreiteiro Adjudicatário, foi declarado que aceitava e reconhecia as deficiências como inteiramente exacto o mencionado e na lista de patologias, podendo o Dono da Obra proceder à sua utilização. Pela Sr.ª Eng.ª GG, como representante do Dono da Obra, foi declarado que aceitava as conclusões e fazia a recepção provisória nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 217.2, 218.2 e 219.2 do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março, e nos termos do Art.º 29 -- Recepção Provisória, Art.º 27 — Multas Contratuais e Art.º 30 — Resolução do Contrato dos Contratos de Empreitada. Os trabalhos em falta que carecem de correcção ou reposição são os seguintes com a respetiva data máxima de correção: (…) - Justificação porque uma das mangas têxteis da unidade existente, apresenta-se a maior parte das vezes congelada, incluindo a correcção da manga têxtil da mesma à saída do tubo rígido, até 9/dez/16; (…) - Acabar com os remates de serralharia ainda em falta, nomeadamente as pelúcias e remates de acabamento, revisão à estanquicidade das clarabóias e caleiras sendo o prazo máximo correcção até 16/dez/2016; (…) - Substituição e reposição a novo de acordo com o C.E. do tubo com soldaduras reprovadas pelo Instituto de Soldaduras de Portugal, em que fica pendente a sua substituição para altura de paragem de produção, sendo que a A... será informada, por correio electrónico, com o mínimo 15 dias corridos, de antecedência. E não havendo mais nada a tratar, foi efectuada a recepção provisória com as exclusões referidas e lavrado o presente auto que depois de lido em voz alta e julgado conforme, vai ser assinado pelos intervenientes, tendo sido também acordado que em caso de incumprimento por parte do Empreiteiro com as datas assinaladas, este assumia a total responsabilidade das custas inerentes à reposição dos mesmos.”; (alínea d) dos factos assentes e arts. 71.º da petição inicial, e 89.º, 111.º e 112.º da contestação) h) A ré fez remeter à autora, que o recebeu em 8 de Maio de 2020, o escrito junto por cópia como documento n.º 9 com a petição inicial (fls. 67, verso), com menção de assunto “Patologias no Edifício UN 3 (fase 1 e fase 2)”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta nomeadamente o seguinte: “Relativamente à referida empreitada, identificaram-se as patologias que se apresentam devidamente expressas no documento anexo. Como é do vosso conhecimento, a B... contratou o ISQ para avaliar a totalidade da rede das tubagens de água gelada, tendo sido identificadas não conformidades/irregularidades do trabalho da A... nas soldaduras a TIG, situação esta que a A... se comprometeu a reparar posteriormente para não atrasar, ainda mais, a conclusão da obra. (…) Desta forma, a A... deve proceder à substituição das tubagens de água gelada, tendo em conta as exigências técnicas do caderno de encargos. (…) sendo que para esse efeito têm o prazo de 30 dias a contar da receção desta carta. (…) Em face do acima descrito, vimos solicitar a correção dos defeitos supramencionados, pelo que aguardamos que informem das datas disponíveis para a execução dos respetivos trabalhos. (…) Na falta de resposta adequada dentro do prazo solicitado, a B... assumirá, de imediato, a execução da correção das referidas patologias e debitará os custos à A... SA. (…) Patologia 1: Passadiço da cobertura que deveria ser galvanizado com imersão a quente apresenta na sua totalidade diversos pontos de ferrugem, a própria grade do pavimento apresenta abatimentos (por incorreta colocação) e a pintura apresenta em diversas zonas ferrugens a aparecer. (…) Patologia 2: A estrutura metálica da Un3 (fase 1 e fase 2) apresentam em diversos locais, com predominância pelo exterior, pontos de ferrugem, bem como a tinta intumescente a lascar. (…) Patologia 3: Diversas zonas com indício de entrada de água com predominância nas zonas de meia cana, entre o pavimento e as paredes exteriores, bem como junto dos diversos vãos do edifício. (…) Patologia 4: Fissuras no pavimento, essencialmente, nas zonas circundantes dos pilares metálicos. (…) Patologia 5: Existem diversos escorrimentos que advêm das juntas das chapas da fachada, por aplicação incorreta ou por uso de parafusos de ferro, que fazem com que exista "babados" na fachada. (…) Patologia 6: Fissuras nas paredes exteriores, sendo esta patologia a de menor relevância sobre as demais, pois é, essencialmente, junto aos pilares metálicos e portão de acesso ao mezanino. (…) Patologia 7: É obrigatório a substituição integral das caleiras existentes, bem como uma revisão geral aos tubos de queda das águas pluviais. Este é o maior problema dado que sempre que chove entra água, ou por pontos de soldas da caleira (bem visível pela parte inferior da mesma que está a aparecer ferrugem) ou pela ligação entre a caleira e/ou tubo de queda. Esta água que entra está a cair em cima do quadro eléctrico e máquinas de produção o que está a colocar em perigo pessoas e máquinas. Para além do já anteriormente relatado, desde a sua aplicação, a forma como foi "construída" a caleira não deixa a água escoar na sua totalidade; existem também diversos pontos de ferrugem na própria chapa, bem visíveis inclusive pela parte inferior.”; (alínea e) dos factos assentes e arts. 68.º, 69.º e 81.º a 84.º da petição inicial) i) À data da emissão dos documentos descritos em d) e e), a autora executara já os trabalhos carecidos de correcção assinalados no auto de recepção provisória descrito em g), com excepção da revisão da estanquicidade das caleiras e reparação do tubo com soldaduras reprovadas pelo Instituto de Soldaduras de Portugal; (arts. 16.º e 18.º da petição inicial, e 89.º, 111.º e 112.º da contestação) j) Na sequência da comunicação descrita em h) a autora fez deslocar trabalhadores às instalações da ré que procederam à reparação das patologias aí assinaladas, com exceção dos problemas apontados nas caleiras e tubos de queda de águas pluviais e nas soldaduras do circuito de água gelada, que persistiam nos termos descritos em g) e h) após Agosto de 2020, data da última deslocação de trabalhadores da autora à obra; (arts. 20.º, 24.º, 58.º, 59.º, 63.º e 64.º da petição inicial, e 89.º, 111.º e 112.º da contestação) k) A ré fez reparar o circuito de água gelada, nomeadamente com substituição de tubagens, e parte dessa reparação importou no pagamento de €24.801,97, titulado pela factura junta como documento n.º 20 com a petição inicial (fls. 99, verso), que a ré fez remeter a Banco 1..., S.A. para accionamento da garantia referida em e); (art. 44.º da petição inicial) l) Em 1 de Agosto de 2020, no momento em que trabalhadores por conta da autora se preparavam para finalizar a reparação dos pontos de ferrugem na estrutura metálica, descritos na patologia 2 na alínea h) dos factos provados, a entidade encarregada pela ré de fiscalizar a execução da obra questionou a qualidade da tinta que estava a ser usada, recolheu uma amostra, e impediu o prosseguimento destes trabalhos que faltavam; (arts. 25.º a 27.º e 55.º da petição inicial) m) Após trabalhos realizados pela autora em sequência da missiva descrita na alínea h), a ré fez remeter à autora o escrito junto como documento n.º 16 com a petição inicial (fls. 94, verso), datado de 5 de Agosto de 2020, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual declarou aceitar as reparações realizadas pela autora quanto às patologias 1 e 3 a 6, assinaladas na alínea h); (arts. 33.º a 35.º da petição inicial) n) Em Junho de 2021, em referência à declaração descrita em d), a ré solicitou a Banco 1..., S.A., o pagamento de €82.931,03, tendo aquela sociedade bancária efectuado o pagamento de tal montante à ré em Julho de 2021; (arts. 40.º, 41.º e 49.º da petição inicial) o) Em Junho de 2021, em referência à declaração descrita em e), a ré solicitou a Banco 1..., S.A., o pagamento de €24.801,97, remetendo para tanto a factura junta como documento n.º 20 com a petição inicial (fls. 99, verso), mas aquela sociedade bancária não realizou até agora qualquer pagamento a respeito; (art. 40.º da petição inicial) p) Em consequência do pagamento descrito em n), e como a autora não provesse o seu saldo bancário com o valor correspondente até ao final do mês, o Banco 1..., S.A. comunicou a situação de incumprimento à central de risco, cujo registo perdurou cerca de três meses, enquanto a autora negociou o pagamento a Banco 1..., que implica um acréscimo de dificuldade na negociação de crédito junto da banca; (arts. 108.º, 112.º e 114.º da petição inicial) q) A autora fez reparar as patologias assinaladas na alínea h), com excepção das respeitantes à soldadura do circuito de Por outro lado, a primeira instância declarou não provados os factos seguintes: 1) Que as partes tenham formulado quaisquer declarações adicionais ao descrito em g) dos factos provados para além do aí constante (arts. 9.º a 11.º da petição inicial). 2) Que a ré nunca tenha informado a autora que fizera reparar e custear a reparação do circuito de água gelada e não tenha facturado tais custos à autora (arts. 45.º e 47.º da petição inicial). 3) Que em 2018 tenham ocorrido trabalhos em vista a reforçar as soldaduras da tubagem de água gelada (arts. 89.º, 92.º e 93.º da petição inicial). 4) Que após Junho de 2020 a autora não mais tenha sido informada sobre o estado e necessidade de reparação das tubagens de água gelada (arts. 97.º e 98.º da petição inicial). 5) Que a ré ou a entidade fiscalizadora da obra nunca tivessem feito qualquer reparo sobre a forma como foi construída a caleira (art. 70.º da petição inicial). 6) Que a ré não tivesse feito quaisquer reparos às caleiras aquando da recepção provisória da obra ou tivesse feito outras declarações de conformidade para além das descritas na alínea g) dos factos provados (arts. 71.º e 72.º da petição inicial). 7) Que os problemas respeitantes à estanquicidade das caleiras e tubos de quedas de água referidos em j) resultasse de deficiente manutenção por parte da ré (arts. 73.º, 74.º e 77.º da petição inicial). 8) Que a ré recusasse a proposta da autora em reparar os problemas de estanquicidade apontados nas caleiras através de aplicação de tela líquida, e que tal solução fosse eficaz para resolver tais problemas (art. 75.º da petição inicial). 9) Que a autora tivesse reconhecido perante a ré a sua responsabilidade pela eliminação dos defeitos respeitantes às caleiras e tubos de queda de águas pluviais (arts. 89.º, 111.º e 112.º da contestação). * VÍCIOS DA SENTENÇA Afirma a recorrente que a sentença recorrida padece de nulidade, por ter consignado na alínea g) que a A. reparou as patologias assinaladas na alínea h), com exceção das respeitantes à soldadura do circuito de (água gelada), inversamente ao que resulta da fundamentação. Nas alegações, acrescenta que na motivação da matéria de facto o tribunal assumiu a convicção que foram detetados defeitos na estanquicidade das caleiras logo em 2016, que nunca foram suficientemente reparados. Já a recorrida não vislumbra qualquer contradição entre o facto dado como provado na referida alínea g) e a fundamentação da sentença. Para o tribunal recorrido, na decisão proferida ao abrigo do disposto no art. 617.º do CPC, nas alíneas i) e j) (e não g) e h), como refere a autora) é referido que a autora executou trabalhos de reparação dos vícios assinalados, com excepção dos problemas apontados nas caleiras e no circuito da água gelada, pelo que não há contradição com a fundamentação, quando refere que o tribunal assumiu a convicção que os problemas apontados nas caleiras nunca foram suficientemente reparados. Como resulta da descrição factual antecedente, a alínea g) da matéria provada diz respeito ao teor do auto de recepção provisória, pelo que, apenas por manifesto lapso se compreende a arguição da nulidade por referência a esse segmento dos factos apurados. Na verdade, assiste razão ao tribunal recorrido quando aponta a questão essencial para as alíneas i) e j), nas quais foi apurado que a A. executou os trabalhos carecidos de correcção assinalados no auto de recepção provisória, com excepção da revisão da estanquicidade das caleiras e reparação do tubo com soldaduras reprovadas pelo Instituto de Soldaduras de Portugal. Resultando igualmente da fundamentação, e como coerente respaldo da comprovação de tais factos, que os defeitos sobre a estanquicidade das caleiras e sobre a necessidade de reparação e substituição das tubagens de água gelada com soldadura reprovada pelo ISQ (…) se manterem sem reparação desde a recepção provisória de 17/08/2016. É certo que a alínea q) dos factos provados apenas se refere à soldadura do circuito, mas em atenção aos elementos acima apreciados e à própria redacção da referida alínea, que está manifestamente incompleta, temos por certo que a sua inclusão resultou de simples erro material e que, para além disso, ela não tem a mínima virtualidade de contrariar a comprovação da matéria das alíneas i) e j) . Não é possível vislumbrar, pois, como defende a R., qualquer contradição entre os factos provados e a motivação da decisão de primeira instância em que eles foram fundamentados. Por outro lado, sustenta a recorrente que o Tribunal levou à matéria provada, na alínea k), factualidade de que estava impedido de conhecer, pois não foi alegada pelas partes nos seus articulados, nomeadamente, pela ré, a quem esse facto poderia aproveitar. Já a recorrida recorda a alegação dos arts. 125.º e 131.º da contestação: no primeiro referiu que o montante pecuniário executado pela Ré está em direta e estreita relação com as obrigações que Autora deveria ter cumprido e não cumpriu, e no segundo considerando que a Autora não cumpriu com a sua obrigação, nem suportou a reparação efetuada por terceiro. A referida alínea dos factos provados reza assim: A ré fez reparar o circuito de água gelada, nomeadamente com substituição de tubagens, e parte dessa reparação importou no pagamento de €24.801,97, titulado pela factura junta como documento n.º 20 com a petição inicial (fls. 99, verso), que a ré fez remeter a Banco 1..., S.A. para accionamento da garantia referida em e); (art. 44.º da petição inicial). É certo que o tribunal a quo faz assentar esse facto na resposta ao art. 44 da petição inicial, onde a A. alegou que “quanto ao valor de 24.801,97€, cujo pagamento a ré solicitou ao Banco 1..., por referência à outra garantia bancária, só após ter sido solicitada por esta entidade bancária é que a autora ficou a saber que aquele valor respeitava à fatura n.º FT 1/8920, datada de 07/07/2021, emitida pela D.... – cfr. doc. n.º 21 que se junta, mas cujo teor, por falso, vai expressamente impugnado”. Isso quando, em rigor, tal resposta emerge da conjugação dessa com a alegação dos arts. 125 e 131 da contestação e que, embora imperfeitamente expressa, encerra ainda a alegação do pagamento do valor que a própria A. trouxe ao processo, embora em forma de impugnação antecipada. No mesmo sentido, aliás, a R. alegou na contestação, sobre as tubagens de água gelada, ter advertido a A. de que “na falta de resposta adequada dentro do prazo solicitado, a B... assumirá, de imediato, a execução das referidas patologias e debitará os custos à A... SA.” (art. 69). Pensamos, por isso, que a resposta do tribunal recorrido, na referida alínea, manteve-se dentro do perímetro do objecto da acção fornecido pelas alegações das partes. Em acréscimo, a verdade é que, nos termos do art. 5.º/2, als. a) e b), do CPC, para além dos factos essenciais que às partes compete alegar, sempre é lícito ao tribunal considerar os factos instrumentais que resultem da instrução da causa e os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado, resultem da instrução da causa e sobre os quais tenham tido a possibilidade de se pronunciar. Ora, os factos essenciais dos presentes autos radicam no cumprimento integral, alegado pela A., das suas obrigações relativas à empreitada, incluindo a eliminação dos defeitos existentes, e na correspondente impugnação da R., concretizada na alegação de defeitos que não foram reparados devidamente. E dessa alegação, segundo pensamos, a realização do pagamento em causa, tendo em vista a reparação de um dos apontados defeitos, e no fundo destinada a confirmar a versão da R., sempre assumiria a natureza de facto instrumental, bem assim, como vimos, de simples desenvolvimento ou complemento de uma alegação conclusiva. Sendo certo, ademais, que sobre esse facto a A. teve oportunidade de tomar posição, tanto que foi ela quem fez inicialmente referência à matéria e apresentou o documento a que se reportava. Razões pelas quais, a nosso ver, não estão verificados os vícios apontados pela recorrente à decisão recorrida, com a inerente improcedência das conclusões II e VIII. Todavia, atento o referido erro material de que padece, é justificada a eliminação da alínea q) dos factos provados, o que se decide. * IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO Como se sabe, a admissibilidade do recurso em matéria de facto depende do cumprimento de alguns ónus. De acordo com o disposto no artigo 640º/1 do Código de Processo Civil, é imposto ao recorrente que especifique: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas Enquanto o número 2 prevê que quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes. A análise do recurso demonstra, segundo pensamos, que a recorrente cumpriu as referidas exigências, indicando os concretos factos que, a seu ver, foram incorretamente julgados, os meios probatórios que, na mesma óptica, justificam outra resposta e a decisão que entende ser a adequada. Devendo destacar-se, a respeito da observância do único ónus em que tal poderia ser discutido, acima referido em primeiro lugar, que, não obstante a impugnação em conjunto de vários factos, a matéria impugnada está indissociavelmente ligada entre si e a sua apreciação global tem respaldo nos mesmos meios de prova, o que satisfaz à exigência legal para a admissibilidade da impugnação factual deduzida. Neste sentido, por exemplo, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça que “tendo em conta os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade ínsitos no conceito de processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da CRP), nada obsta a que a impugnação da matéria de facto seja efetuada por “blocos de factos”, quando os pontos integrantes de cada um desses blocos apresentem entre si evidente conexão e, para além disso - tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, nomeadamente, o número de factos impugnados e a extensão e conexão dos meios de prova - o conteúdo da impugnação seja perfeitamente compreensível pela parte contrária e pelo tribunal” (cfr. Acórdão de 1/6/2022, relatado por Mário Belo Morgado, no processo nº1104/18.9T8LMG, e disponível na base de dados acima identificada). No caso dos autos, a recorrente pretende que se julguem provados os seguintes factos, relativamente ao capítulo das tubagens de água gelada: r) As partes acordaram que a reparação das soldaduras das tubagens do circuito de água gelada fosse feita num momento posterior, por forma a não prejudicar o normal funcionamento da unidade industrial da ré, e apenas em caso de rutura; s) Desde a data da sua instalação pelo subcontratado da autora até 2021, o sistema de refrigeração da água gelada manteve-se em pleno e normal funcionamento; t) Em junho e julho de 2020, a ré solicitou à autora a substituição das tubagens, sob pena de mandar executar os trabalhos a outra entidade; u) Porém, em 18 de junho de 2020, por email dirigido à autora, a ré informa que em agosto do corrente ano recorrerá ao ISQ para que este organismo avalie, de novo, o estado da rede das tubagens de água gelada, sendo que, com base no relatório que dai advir será necessário reparar as não conformidades nas soldaduras TIG; v) A ré não mais informou a autora se mandou realizar a nova avaliação, nem lhe deu a conhecer o resultado dessa avaliação; x) A ré não mais interpelou a autora para proceder à reparação das soldaduras das tubagens de sistema de refrigeração das águas geladas; z) A ré decidiu mandar substituir, sem que o tivesse solicitado à autora, as tubagens do sistema de refrigeração das águas geladas e das águas quentes. Defende ainda que se faça menção aos seguintes elementos: Que a ré nunca tenha informado a autora que fizera reparar e custear a reparação do circuito de água gelada e não tenha facturado tais custos à autora (arts. 45.º e 47.º da petição inicial). Que após Junho de 2020 a autora não mais tenha sido informada sobre o estado e necessidade de reparação das tubagens de água gelada (arts. 97.º e 98.º da petição inicial). Que a ré ou a entidade fiscalizadora da obra nunca tivessem feito qualquer reparo sobre a forma como foi construída a caleira (art. 70.º da petição inicial). Que a ré não tivesse feito quaisquer reparos às caleiras aquando da recepção provisória da obra ou tivesse feito outras declarações de conformidade para além das descritas na alínea g) dos factos provados (arts. 71.º e 72.º da petição inicial). *Previamente, cumpre destacar que muitos dos concretos factos cuja inclusão, na matéria provada, a A. defende, constituem, ao cabo de contas, claro reconhecimento de que as reparações em questão – nas tubagens do circuito de água gelada, por um lado e, por outro, nas caleiras – não foram por ela realizadas. Relativamente às tubagens, porquanto, segundo alega, a sua reparação apenas teria de ser feita, por indicação da R., em momento ulterior e em caso de ruptura, e igualmente por a A. ter ficado a aguardar a avaliação do ISQ, de cujo resultado não foi informada pela R., que também não procedeu a mais qualquer interpelação para reparação, visto que, em vez disso, mandou ela própria reparar, sem o ter solicitado à empreiteira. Impondo-se manter inalterado, por isso, que a A. executou os trabalhos carecidos de correcção e assinalados no auto de recepção provisória, com excepção da revisão da estanquicidade das caleiras e reparação do tubo com soldaduras reprovadas pelo ISQ (alínea i. dos factos provados), e que a A. fez deslocar trabalhadores às instalações da R. que procederam à reparação das patologias aí assinaladas, com exceção dos problemas apontados nas caleiras e tubos de queda de águas pluviais e nas soldaduras do circuito de água gelada, que persistiam nos termos descritos no auto após a última deslocação de trabalhadores da A. à obra (alínea j. dos factos provados). Matéria de facto que, sendo a verdadeiramente essencial na configuração da causa de pedir e da causa de contestar da presente acção, a recorrente não enfrentou, certamente por dela não discordar, em face da análise de toda a prova produzida, o que conduziu à sua consolidação. Optando, em lugar disso, pela tentativa de contornar essa factualidade com alegações relativas a excesso de custos e à sua desproporcionalidade face ao orçamento inicial que não indicou inicialmente como causa de pedir e sem idoneidade para afastar a essencialidade da manutenção dos citados defeitos desde o auto de recepção provisória da obra. * FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO No essencial, a tese da recorrente, no plano jurídico, repousa na falta de justificação para a contraparte ter accionado as garantias bancárias previstas no contrato com base nas regras de distribuição do ónus da prova. A isso acrescenta, num plano secundário, a suposta desproporcionalidade entre o benefício obtido com a execução das garantias e o prejuízo que esteve na sua origem, convocando nesse âmbito a figura do abuso de direito, depois de, na petição inicial, ter invocado o enriquecimento sem causa (art. 109). E por isso que, no entendimento da A., “de acordo com as regras da repartição do ónus da prova, incumbia à ré demonstrar e provar os factos impeditivos ou extintivos do direito invocado pela autora, e que, no essencial, pelos fundamentos vertidos na petição inicial, visavam a devolução pela ré do valor pecuniário executado pelo acionamento das garantias”. Concluindo que a R. “não só não alegou como, consequentemente, não fez prova, de que no cumprimento da sua obrigação de reparar os defeitos denunciados houvesse a autora de despender um montante pecuniário equivalente àquele que a ré obteve pelo acionamento das garantias”. Não podemos, porém, acompanhar as conclusões da recorrente. Com efeito, se bem pensamos, a tese da recorrente quanto ao ónus da prova é desconforme à natureza e às finalidades da garantia autónoma a que, ao abrigo da liberdade contratual, as partes lançaram mão. Pode dizer-se que a garantia autónoma, embora sem definição na nossa legislação, refere-se ao acordo nos termos do qual uma entidade financeira ou bancária se obriga a entregar ao beneficiário certa quantia em dinheiro, na sequência da celebração de um contrato entre o beneficiário e o ordenante, sem poder invocar em seu benefício quaisquer meios de defesa relacionados com esse mesmo contrato. Nascida de necessidades de facilitação do comércio jurídico sobretudo no plano internacional, a garantia bancária tem como principal característica a sua autonomia, assim se pretendendo assegurar, como afirma a doutrina, “que as excepções decorrentes da relação de cobertura (garante – garantido) e da relação de valuta (beneficiário – garantido) não atingem a relação de garantia, não sendo invocáveis pelo garante para a recusa lícita do pagamento do montante objecto da garantia” (cfr. Cláudia Trindade, Limites da Autonomia e da automaticidade da garantia autónoma, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. II, p. 47). Deste modo, como refere a jurisprudência, na garantia autónoma estão envolvidas três relações contratuais: (i) o contrato principal, donde decorrem as obrigações garantidas e que é concluído entre o credor garantido e o devedor/ordenante; (ii) o contrato entre o devedor e o garante, em regra, um banco, pelo qual este último se vincula, mediante uma remuneração (comissão), a celebrar com o credor o contrato de garantia autónoma; e (iii) o contrato de garantia autónoma em si, celebrado entre o banco/garante e o credor garantido, do qual decorre a obrigação autónoma” e a sua execução (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/6/2018, tirado no processo 19051/10.0YYLSB, relator: Hélder Almeida, e disponível na base de dados da DGSI em linha). Todavia, em consequência da referida autonomia, fica o credor garantido a salvo da invocação de excepções relativas ao contrato base ou ao devedor, pois o garante não se pode furtar a entregar ao beneficiário a quantia pecuniária fixada alegando, por exemplo, a nulidade daquele contrato por violação de regras imperativas do ordenamento a que pertence o devedor, a impossibilidade de cumprimento do contrato, a compensação invocada face ao credor, o direito de retenção do devedor e mesmo, segundo o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 30/6/2020 (processo 484/12.4TYLSB, relator Manuela Espadeira Lopes, www.dgsp.pt), a insolvência do devedor. Como esclarece a doutrina, “o garante não pode, está impedido de opor ao credor beneficiário qualquer meio de defesa decorrente da relação base donde emerge a obrigação garantida” e “não é possível igualmente ao garante recorrer a um meio de defesa decorrente da relação entre ele e o devedor/ ordenante” (cfr. M. Pestana de Vasconcelos, Direito das Garantias, pp. 128-9). Daqui que, embora a garantia não tenha natureza absoluta, sejam particularmente limitadas as situações que se admite a recusa do garante no cumprimento da sua obrigação: a) quando seja patente ou manifesta a má-fé decorrente com toda a segurança da prova documental em poder do garante; b) quando exista manifesta fraude ou evidente abuso por parte do beneficiário; c) quando o contrato garantido ofenda a ordem pública ou os bons costumes; e d) sempre que exista prova irrefutável de que o contrato-base foi cumprido. Para além disso, e ainda com acentuado relevo quanto à admissibilidade de recusa do cumprimento, a prática tem evidenciado duas modalidades essenciais de garantia estabelecida entre os interessados. De um lado, a garantia autónoma simples, na qual as partes limitam-se a prever a autonomia da obrigação do garante em relação à existência, validade ou excepções oponíveis ao crédito, admitindo apenas a oponibilidade de excepções próprias da relação de garantia. De outro lado, garantia à primeira solicitação ou on first demand, na qual as partes estipulam que o garante não oporá qualquer excepção à exigência da garantia, satisfazendo-a, imediatamente e sem discussão, logo que tal seja solicitado pelo credor. É o que, com o mesmo resultado, a jurisprudência e a doutrina têm abordado através do conceito da automaticidade da garantia. Neste sentido, refere o Supremo Tribunal de Justiça que “a garantia bancária pode ser automática ou não automática. Sendo automática, em regra, à primeira solicitação (mas podendo não revestir esta modalidade), o garante deve pagar, não podendo discutir ou fundamentar a recusa reportando-se ao contrato-base, como (…) discutir se houve ou não incumprimento do contrato-base”. Em consequência, “na garantia à primeira solicitação, o garante bancário está obrigado a pagar, face à autonomia, à potestividade e à automaticidade do contrato”. Diversamente, “na garantia autónoma simples, sendo ela condicionada e não absoluta, compete ao beneficiário a prova do incumprimento por parte do ordenante/devedor” (cfr. Acórdão de 25/11/2014, processo 526/12.3TBPVZ, relator Fonseca Ramos, disponível na citada base de dados). Já a doutrina assinala que “na garantia autónoma simples, a obrigação de garantia apenas se constitui com a verificação do caso material de garantia, isto é, das circunstâncias, acordadas contratualmente, que determinam a cominação da obrigação de pagamento da soma objecto da garantia”. Ao passo que “na garantia autónoma automática, a obrigação de entrega da soma objecto da garantia não depende da ocorrência do caso material de garantia, bastando ao beneficiário interpelar o garante para que este proceda à entrega da referida soma” (cfr. Cláudia Trindade, Ob. cit., pp. 48-9). Curiosamente, o caso dos autos contempla ambas as modalidades de garantia autónoma. Assim, a garantia bancária a que se refere a alínea d) do factos provados, executável ao primeiro pedido da Beneficiária relativa ao de garantia de 5% (cinco por cento) do valor da "Empreitada Geral de Ampliação da UN2", até ao valor de Eur. 82.931,03 (oitenta e dois mil novecentos e trinta e um euros e três cêntimos), e que obriga o garante, dentro da citada importância, a fazer a entrega à Beneficiaria, nos 3 (três) dias úteis da data de recepção do pedido e sem que esta tenha que justificar ou apresentar quaisquer razões para o efeito, integra uma garantia autónoma com a cláusula “on first demand”. Enquanto a garantia bancária até ao montante de Eur. 85.197,77, a que alude a al. e) dos factos provados, implicando responsabilidade do garante somente se, por falta de cumprimento do contato, a A. incorrer em tal obrigação, representa uma garantia autónoma simples, cuja execução está na dependência da verificação do fundamento nela previsto. Em qualquer caso, porém, a garantia autónoma tem por função acautelar e acelerar a satisfação do interesse económico do credor, apenas com a diferença de que “através da cláusula de pagamento à primeira solicitação, as partes alargam os casos em que o beneficiário tem direito à entrega da soma objecto da garantia: aos casos em que se verifica o fundamento material da solicitação, acrescem as situações em que não é certo que não se verifique” (cfr. Cláudia Trindade, Ob. cit., p. 69). Face a todo o exposto, e em coerência com as finalidades da garantia e, igualmente, com as limitações para a recusa de cumprimento por parte do garante, resulta que, no âmbito das relações entre o ordenante da garantia e o credor garantido, as situações que podem justificar a neutralização da respectiva execução também devem estar na dependência da verificação de particulares exigências: a) da prova do incumprimento do contrato principal, por parte do garantido, através da análise das condições ajustadas no instrumento da garantia para a sua execução, com vista a aquilatar da exigibilidade ou não do cumprimento de tal garantia (como se fez nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21/6/2018 e do Tribunal da Relação de Lisboa de 30/6/2020, acima citados, referindo-se expressamente no segundo que é igualmente admissível que, nas relações entre ordenador da garantia e beneficiário, haja lugar à discussão sobre se o contrato base foi, ou não incumprido); b) da demonstração que, não tendo ocorrido fundamento material para a solicitação, a obrigação de entrega da soma monetária não constitui causa legítima para o enriquecimento do beneficiário, nos termos do art. 473.º/1 do Código Civil e, portanto, no âmbito do enriquecimento sem causa, e mesmo que a solicitação tenha respaldo formal no contrato (como defende Cláudia Trindade, Ob. cit., p. 66); ou c) da comprovação de uma situação que, tornando evidente a falta de conformidade com a boa fé e com a função económica e social do direito, leve a concluir por uma actuação do beneficiário qualificável como abusiva, nos termos da válvula de segurança do sistema jurídico consagrada no art. 334.º do CC, merecedora da paralisação do exercício do direito (também defendida por Cláudia Trindade, Ob. cit., p. 73ss). Ora, como resulta da petição inicial e das alegações do recurso, foi precisamente nos institutos do enriquecimento sem causa e, subsidiariamente, do abuso de direito, acima indicados em b) e c), que a A. fundamentou as suas pretensões. Todavia, para documentar qualquer uma das três situações acima descritas, incluindo a do incumprimento contratual, referida em a), é sobre o devedor e garantido que recai o ónus da alegação e da prova relativamente aos factos necessários à sua verificação. Por um lado, o respeito pela função e natureza da garantia autónoma justifica a tendencial identidade na posição jurídica de quem pretende a sua neutralização perante o credor, seja o banco, seja o devedor, pelo que, como natural corolário dessa circunstância, “ao nível do litígio judicial, o garante ou o devedor-ordenante apresentam todos os meios probatórios que permitem demonstrar os factos que sustentam a falta de fundamento material da solicitação” (cfr. Cláudia Trindade, Ob. cit., p. 78). Neste sentido, já se afirmou na jurisprudência, com o apoio da doutrina, a admissibilidade de “nas relações entre ordenador da garantia e beneficiário”, que aquele “intente, em sede judicial, providências cautelares, ou mesmo acções, destinadas a impedir o garante de entregar a quantia pecuniária ao beneficiário ou este de a receber, desde que o mandante apresente prova líquida e inequívoca de fraude manifesta ou de abuso evidente do beneficiário” (cfr. M. Pestana de Vasconcelos, Ob. cit., p. 134, n. 377). Para além disso, é essa distribuição do ónus de alegação e de prova que está conforme à natureza de excepção material de que se revestem as três figuras referidas, como potenciais neutralizadoras da execução da garantia. Algo que, sendo uma evidência, a nosso ver, em sede de incumprimento do contrato e de abuso de direito, impõe-se igualmente no âmbito do enriquecimento sem causa previsto nos arts. 473.º e segs. do Código Civil. Com efeito, por força do art. 473.º do CC, a doutrina e a jurisprudência reconhecem que a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa ou locupletamento à custa alheia pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos: “(i) a existência de um enriquecimento; (ii) a falta de causa que o justifique; (iii) e que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem pretende a restituição” (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, pp. 454ss, e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7/3/2022, tirado no processo nº867/20.6T8GDM e disponível em texto integral na base de dados da Dgsi em linha). Destacando-se que a inexistência de causa justificativa é a condição essencial ou verdadeiramente “caracterizadora da acção de locupletamento, uma vez que pressupõe ter havido um enriquecimento injusto, que se não fosse injusto não seria sem causa” (cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I Vol., 3.ª ed., pp. 381-3). Podendo assim dizer-se que, em geral, quando o enriquecimento criado está de harmonia com a ordenação jurídica dos bens aceita pelo sistema, pode asseverar-se que a deslocação patrimonial tem causa justificativa e quando, pelo contrário, por força dessa ordenação positiva, ele houver de pertencer a outrem, o enriquecimento carece de causa. Por outro lado, como refere a doutrina, a principal finalidade do nº2 do art. 473.º do Cód. Civil é auxiliar o julgador na interpretação do requisito da falta de causa justificativa, mediante “algumas indicações capazes de, como meros subsídios, auxiliarem a sua formulação” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Ob. loc. cit.). Constituindo, pois, uma linha de rumo interpretativa, acompanhada da enumeração exemplificativa de três situações típicas de enriquecimento desprovido de causa: a condictio in debiti, ou de repetição do indevido, a condictio ob causam finitam, ou de enriquecimento emergente de causa que deixou de existir, e a condictio ob causam datorum, ou de locupletamento em virtude da falta do resultado previsto. Ora, à luz destas indicações, tem de concluir-se que a falta de causa justificativa, sendo requisito necessário para o enriquecimento sem causa, tem de ser alegada e comprovada pela parte interessada na sua aplicação e que nesse instituto fundamenta o invocado direito à restituição. Trata-se de um natural corolário das regras relativas à distribuição do ónus da prova, consagradas nos arts. 342.º e seguintes do Código Civil E que, sob a influência da teoria das normas de Rosenberg e do princípio da substanciação, fazem recair sobre quem invoca o direito (no caso, à restituição) o encargo de alegar e comprovar todos os seus factos constitutivos ou, noutra terminologia, os requisitos previstos na norma jurídica de natureza substantiva (aqui, o art. 473.º do CC) indispensáveis para a sua aplicação. Em consequência, a jurisprudência vem decidindo reiteradamente que “na obrigação de indemnizar, com fundamento em enriquecimento sem causa, constitui um ónus do autor alegar e provar a falta de causa da atribuição patrimonial e não bastará para esse efeito, segundo as regras gerais do ónus da prova, que não se prove a existência de uma causa da atribuição”, sendo “preciso convencer o tribunal da falta de causa” (cfr. Acórdãos deste Tribunal da Relação do Porto de 15/12/2021, proferido no processo nº663/20.0T8PNF, relatado por Ana Paula Amorim, e de 3/11/2011, da autoria de Filipe Caroço, tirado no processo nº6557/09.3TBVNG, e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9/3/2021, relator Pedro de Lima Gonçalves, processo nº3424/16.8 T8CSC, todos disponíveis na já citada base de dados em linha). Tal como, identicamente, a doutrina venha sustentando que “é requisito de procedência da acção baseada no enriquecimento sem causa a prova da inexistência de causa para o enriquecimento” (cfr. L. P. Moitinho de Almeida, Enriquecimento Sem Causa, 2.ª ed., p. 77). Em consequência, não releva, a nosso ver, a argumentação da recorrente sobre o facto de a contraparte, a beneficiária da garantia, não ter feito prova de que na reparação dos defeitos denunciados tivesse a A. de despender um montante pecuniário equivalente ao acionamento das garantias bancárias. Desde logo porque, caso fosse isso exigível, a exigência teria por efeito subverter e mesmo anular a finalidade de cobertura de riscos a favor do beneficiário que preside ao acordo de garantia autónoma. Por outro lado, na medida em que, ao invés, face ao enquadramento jurídico acima exposto, é sobre a A., como ordenante, que impende o ónus de demonstrar a falta de motivo idóneo para que as garantias tivessem sido accionadas, seja como pressuposto do incumprimento contratual, seja por enriquecimento sem causa, seja ainda no âmbito do abuso de direito. Todavia, não é possível dar por verificados os requisitos de aplicação de qualquer uma dessas figuras, visto que, para além de as garantias terem sido previstas no contrato, sem que se denuncie qualquer violação do acordado, a recorrente não comprovou que a solicitação de pagamento estivesse ausente de causa justificativa ou que mereça a aplicação do art. 334.º do CC. É o que resulta, em primeiro lugar, da circunstância de ter sido apurada a existência de defeitos na realização da empreitada, nas caleiras e nas tubagens de água gelada, que não foram reparados pela empreiteira, apesar de tal ter sido solicitado pelo dono da obra, sob a advertência de recurso às garantias contratuais, e que constituem o fundamento material de execução destas e, simultaneamente, a causa da transferência patrimonial a favor da R. Na verdade, a garantia à primeira solicitação está prevista contratualmente sem subordinação a qualquer fundamento material. Traduz, pois, um direito ancorado no contrato a favor do beneficiário, em face do qual o accionamento da garantia, por si só, não legitimará a invocação de incumprimento contratual por parte do garantido. Por isso, entendemos que é precisamente para a garantia à primeira solicitação que o enriquecimento sem causa constituirá o único meio (para além do abuso de direito) que poderá servir para a defesa da posição (direito à restituição) do ordenante. Ora, como se viu, doutrina e jurisprudência são unânimes no sentido de que, mesmo sendo um facto negativo, a prova da falta de justificação no enriquecimento sem causa compete a quem pretende a restituição. Razões pelas quais, na garantia on first demand, quem pretende a restituição deve provar o facto negativo da falta de fundamento material da solicitação de pagamento, não cabendo impor ao beneficiário (dono de obra), no confronto com o garantido (empreiteiro), demonstrar que o valor do seu prejuízo (reparação dos defeitos subsistentes na empreitada) coincide com o montante recebido através do accionamento daquela garantia. Neste sentido, não é possível esquecer a concreta causa de pedir da presente ação, e apenas nesse domínio nos podemos mover, que a A. enquadrou na petição inicial no enriquecimento sem causa, com os factos que alegou, embora no recurso, procurando no fundo inverter a distribuição do ónus probatório, tenha passado a sustentar a suposta falta de comprovação da excepção do não cumprimento do contrato que, impropriamente, segundo entendemos, por se tratar afinal da impugnação da falta de fundamento material para a solicitação, a R. mencionou na contestação Acresce que, ao indagar da aplicação do instituto do enriquecimento sem causa no âmbito da garantia autónoma, a jurisprudência já respondeu negativamente, apontando a sua conformidade com o contrato como causa justificativa das transferências patrimoniais a que dê lugar, pois “estando provada a causa para a transferência patrimonial (pagamento de determinada quantia com base nas garantias prestadas), não há enriquecimento sem causa” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/10/2017, relator Sousa Lameira, processo 11403/15.6T8PRT, acessível na citada base de dados). E quanto ao abuso de direito, o mesmo aresto também tomou posição, reforçando as exigências para a sua aplicação em tema de garantia autónoma, visto que constitui “um instituto de ultima ratio, para situações de clamorosa injustiça: não basta, para que se verifique, que o titular do direito exceda os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, antes sendo necessário que esses limites sejam manifestamente excedidos, i.e., que ofendam de forma clamorosa a consciência ética e jurídica da generalidade dos cidadãos”. Trata-se, ademais, de entendimento recorrente dos tribunais superiores neste tema, segundo o qual, “no ajuizamento dos pressupostos exigíveis nos casos de legítima recusa de cumprimento da garantia autónoma, acolhe-se um critério fortemente restritivo na sua delimitação, e em coerência, na evidência do abuso de direito, exige-se uma prova “líquida”, “inequívoca” ou “irrefutável” do abuso do direito, na execução da garantia autónoma”. Para concluir que, “de acordo com estes princípios e a configuração factual do caso em juízo, é de concluir, em segurança, que o exequente actua no exercício de um direito titulado, sendo que nenhuma prova foi feita de que a sua conduta se revele ofensiva da ideia de Justiça do cidadão médio, e de todo, não extrapola, excessivamente, os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do seu direito” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/1/2022, processo 21927/16.2T8LSB, relatado por Isabel Salgado e disponível na citada base de dados). Para além disso, entre as situações habitualmente apontadas na doutrina para a verificação do abuso de direito – o venire contra factum proprium, a inalegabilidade da nulidade de um negócio jurídico, a suppressio pelo não exercício de um direito, o tu quoque, baseado no aproveitamento de prévia actuação ilícita, e o desequilíbrio no exercício das posições jurídicas – apenas esta última poderia aproveitar à pretensão da recorrente. A verdade, porém, é que essa doutrina, mesmo sendo, em geral, menos restritiva do que a jurisprudência, já especificamente quanto ao desequilíbrio como fundamento do abuso de direito, reconduz as hipóteses em que pode verificar-se à situação em “que o titular, exercendo embora um direito formal, fá-lo em moldes que atentam contra vectores fundamentais do sistema, com relevo para a materialidade subjacente” (cfr. A. Menezes Cordeiro, Do abuso do direito: estado das questões e perspectivas, in Revista da Ordem dos Advogados em linha, ano 2005, Vol. II, cap. 13, II). Ora, no caso dos autos, mesmo que todos os factos que a recorrente pretendeu aditar fossem julgados provados, não se manifesta da contraparte, a nosso ver, face à factualidade que está demonstrada sem impugnação, qualquer actuação contrária a vectores fundamentais do sistema ou própria de uma clamorosa injustiça. Diversamente, a matéria provada que não mereceu discussão no recurso demonstra, sem margem para dúvida, que a R. executou as garantias perante a subsistência de defeitos relevantes que há muito havia denunciado e que, para além disso, não estavam reparados a seu contento depois de decorridos mais de quatro anos desde o início dos trabalhos e depois de solicitações para o efeito, mesmo com a advertência de execução das garantias. Acrescendo, por fim, o respeito pelos montantes máximos garantidos, os quais, na verdade, a R. ficou longe de esgotar. Não se vislumbrando, nessa medida, que a recusa da opção de colocar tela líquida nas caleiras, e a concomitante preferência pelo uso de caleiras de zinco, ou que a substituição, sem nova solicitação à empreiteira, das tubagens do sistema de refrigeração das águas geladas, por valor claramente inferior ao da segunda garantia, possam justificar a paralisação do exercício do direito da R. de accionar as garantias prestadas em observância do contrato. E daqui resulta, desde logo por ausência de qualquer facto ilícito imputável à R., a falta de fundamento para o pedido de condenação a pagar à A. a quantia de 5.000,00€ para compensação dos danos causados. Improcedem, pois, todas as restantes conclusões do recurso, com a consequente manutenção da decisão recorrida. * DECISÃO Nos termos e com os fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a decisão recorrida. Custas pela recorrente, atento o seu decaimento e segundo o disposto no art. 527.º do CPC. * SUMÁRIO ………………………………………………………….. ………………………………………………………….. ………………………………………………………….. 
 
 
 (o texto desta decisão não segue o Novo Acordo Ortográfico) 
 
 Porto, d. s. (10/3/2025) 
 Nuno Marcelo Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo Ana Olívia Loureiro- [Voto de vencido: Muito embora se acompanhe a decisão e a respetiva fundamentação quando aos demais pedidos, discordo dso entendimento defendido quanto à distribuição do ónus da prova no que se refere ao factos em que se baseia o pedido de condenação da ré na restituição de 82.931,03€, bem como à afirmação de que não tem relevância para a decisão o apuramento dos custos de reparação dos defeitos não reparados pela autora por não terem “ligação à causa de pedir”. Tendo a autora alegado que a ré fez sua quantia a que não tinha direito (por terem sido reparados todos os defeitos denunciados) e muito embora se conclua que esta tinha fundamento para acionar a garantia autónoma, o pedido de restituição da totalidade do valor, em que cabe, a meu ver, a possibilidade de restituição apenas parcial do mesmo, decorre da relação contratual de empreitada - que foi alegada - e não do contrato de garantia autónoma. A autora alegou, no que releva convocar, que reparou todos os defeitos que lhe foram denunciados pela ré. Provou-se que dos defeitos denunciados apenas dois ficaram por reparar ou foram indevidamente reparados e que para reparação de um deles a ré já pagou a um terceiro um determinado valor. Assim, não obstante a bondade da afirmação de que, no âmbito do contrato de garantia autónoma cabe ao devedor/ordenante o ónus de alegar e provar (perante o garante ou perante o beneficiário) os factos de que dependa a sua pretensão de não acionamento da garantia, tal afirmação já não terá a meu ver cabimento, salvo o devido respeito, no âmbito do contrato base, de empreitada, em que pode basear-se o pedido de restituição do valor que a ré fez seu, valor que apenas se destinava a garantir o seu eventual crédito. O facto de estar garantido o pagamento desse crédito não desonera o credor dessa alegação e prova. Apenas no âmbito da execução do contrato de garantia o mesmo está desonerado de ambas. Uma vez acionada a garantia caberá já ao credor garantido alegar e provar o montante do seu crédito, pois só tem direito de ser pago até ao montante do mesmo. Se assim não for, a garantia autónoma passa a funcionar como uma estipulação contratual da indemnização/cláusula penal e não como mera garantia, que é. Contribuindo para a distinção dos dois conceitos veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 03-04-2014 no processo 5063/11.0TBOER. L1-6. A ré, aliás, fundou sua defesa (também) na afirmação do seu direito de reter todo o montante da garantia que acionou na invocação da exceção de não cumprimento do contrato, alegando que uma vez que a autora não cumpriu com a obrigação de reparar os defeitos da obra tinha o direito de não a reembolsar pelo valor da garantia acionada. Cabia, pois, a meu ver, à ré o ónus de provar o valor do seu crédito decorrente dos defeitos da obra imputáveis à autora e assim o fundamento da exceção perentória que opôs à pretensão da autora. No sentido de que “A garantia bancária não dispensa que, no confronto do devedor e credor (apelante e apelada) se discutam os direitos que assistem à apelada na qualidade de dona da obra” veja-se o acórdão desta relação de 16-05-2017 (processo 1614/13.4JPRT.P1.]. 
 Ana Paula Amorim |