Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1203/24.8T8OAZ-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NÉLSON FERNANDES
Descritores: DESPEDIMENTO POR CAUSAS OBJETIVAS QUE INVIABILIZEM A MANUTENÇÃO DA RELAÇÃO LABORAL
EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO
CONTROLO PELO CONTROLO DA VERACIDADE DOS MOTIVOS INVOCADOS PARA O DESPEDIMENTO E EXISTÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE
Nº do Documento: RP202411051203/24.8T8OAZ-A.P1
Data do Acordão: 11/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO SOCIAL
Área Temática: .
Sumário: I - O princípio da segurança no emprego estabelecido no art.º 53.º da CRP, integrando a categoria dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, está sujeito ao regime que decorre do artigo 18.º da Constituição, sendo que, constituindo uma das restrições a tal princípio precisamente a do despedimento por causas objetivas que inviabilizem a manutenção da relação laboral, o legislador impôs na lei ordinária alguma rigidez no procedimento para essa forma de cessação da relação laboral e sobre os requisitos substanciais e formais da sua fundamentação, assim nos artigos 367.º a 371.º, 381.º, 384.º e 387.º do CT/2009.
II - Incumbe nestes casos ao trabalhador alegar e provar a relação laboral e o despedimento, recaindo por sua vez sobre a entidade empregadora o ónus de alegar e provar os factos justificativos desse despedimento que se consideram suscetíveis de determinar a impossibilidade da subsistência da relação de trabalho.
III- Sendo nestas situações a ilicitude do despedimento necessariamente declarada por tribunal judicial em ação intentada pelo trabalhador, nesta ação “o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador” (artigo 387.º n.º s 1 e 3, do CT), razão pela qual, para efeito de apreciação dos fundamentos da alegada extinção do posto de trabalho, o Tribunal está adstrito aos factos que foram invocados pelo empregador no procedimento como motivadores da extinção de posto de trabalhador.
IV- Não cumprindo ao tribunal desrespeitar os critérios de gestão da empresa, na medida em que sejam razoáveis e consequentes, já é sua competência efetuar quer o controlo da veracidade dos motivos invocados para o despedimento, quer a verificação sobre a existência de nexo de causalidade entre esses motivos e o despedimento, de modo a que se possa concluir, segundo juízos de razoabilidade, se esses (motivos) se mostram adequados a justificar a decisão de despedimento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação / processo n.º 1203/24.8T8OAZ-A.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Oliveira de Azeméis

Autora: AA

Ré: A..., Unipessoal, Lda.

_______

Nélson Fernandes (relator)

António Luís Carvalhão

Rita Romeira

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório

1. AA intentou ação especial de impugnação da licitude e regularidade do despedimento contra A..., Unipessoal, Lda., pedindo, em sede de reconvenção, no que releva para o presente recurso, que deve o seu despedimento ser julgado ilícito, com as consequências legais que refere.

Para tanto alegou, em síntese, que o despedimento é ilícito por quatro motivos:

(1) A decisão de despedimento não passa de um conjunto de vaguidades e generalidades e juízos conclusivos, falsos, que não logram justificar, sequer na mera alegação, qualquer despedimento por extinção do posto de trabalho;

(2) É proibido o recurso à terceirização de serviços (artº 338º-A do CT);

(3) A Ré não pôs à disposição da Autora, até ao termo do prazo de aviso prévio, a compensação pelo despedimento e os créditos vencidos ou exigíveis em virtude da cessação do contrato de trabalho: só o fez, e parcialmente, como confessa (não pagou trabalho suplementar reconhecidamente em dívida nem as férias proporcionais a 2024), no dia 22.3.2024, apesar de o contrato ter cessado a 16.3.2024; e

(4) A Ré não fez a comunicação da decisão ao serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral (artº 371º, nº 3, do CT) - e por isso não consta o documento comprovativo dessa formalidade, o que obriga, desde já, à declaração de ilicitude do despedimento [artº 98º-J, nº 3, do CPT].

Pronunciando-se a Ré pela licitude do despedimento, aquando do saneamento dos autos, foi proferida decisão de cujo dispositivo se fez constar o seguinte:

“Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a ação e, em consequência, declaro ilícito o despedimento da autora e, em consequência, condeno a ré a reintegrar a autor ou a pagar a quantia corresponde à indemnização substitutiva da reintegração, consoante a sua escolha em audiência de julgamento e a pagar as retribuições que esta deixou de auferir desde os 30 dias anteriores à data em que for proposta a ação até ao trânsito em julgado desta decisão, a liquidar na sentença final.

Custas, nesta parte, pela ré de acordo com a decisão a fixar a final.

Registe e notifique.”

2. Não se conformando com o assim decidido, a Ré interpôs recurso de apelação, concluindo as suas alegações com as conclusões seguidamente transcritas:

“A) - Em sede de despacho saneador, veio o Tribunal a quo apreciar parcialmente o objeto da presente ação, tendo declarado ilícito o despedimento da Autora e condenado a ora Recorrente a reintegrar a autora ou a pagar a quantia correspondente à indemnização substitutiva da reintegração.

B) - Mal andou o Tribunal a quo ao decidir nos termos em que o fez, sendo que não existe fundamento para julgar o despedimento da Autora como ilícito, com as consequências legais.

C) - O Tribunal a quo decidiu no sentido supra alegado sem qualquer produção de prova, tendo entendido que dispunha já de elementos necessários a uma decisão de mérito, mas, na verdade, o estado dos autos não permitia, para já, uma decisão de mérito sobre a causa.

D) – O Tribunal a quo entendeu que a forma como a Recorrente fundamentou a decisão de extinção do posto de trabalho da Autora não permitiu a esta o exercício do direito de defesa, o que tem como consequência a invalidade do procedimento.

E) – Antes da comunicação da decisão final, e em cumprimento das disposições legais aplicáveis, em 19 de janeiro de 2024 a Recorrente comunicou à Autora, através da carta junta aos autos com o articulado de motivação, a intenção de extinguir o seu posto de trabalho, e os fundamentos que justificavam tal intenção, dando-lhe 15 dias para se pronunciar, sendo que a Autora nada disse.

F) – Antes ainda dessa comunicação, houve uma conversa prévia entre esta e o sócio e beneficiário efetivo da Recorrente, BB, na qual este teve oportunidade de, com total transparência, dar conhecimento à Autora de que existia a intenção de proceder ao seu despedimento por extinção do posto de trabalho, bem como das razões que sustentavam tal intenção, sendo que a Autora expressamente demonstrou compreender e aceitar os fundamentos invocados.

G) - Ao contrário do que concluiu o Tribunal a quo, a Autora era profunda conhecedora dos factos concretos que sustentaram a decisão de extinção do posto de trabalho, sendo que de forma alguma foi o seu direito de defesa sequer beliscado, quanto mais prejudicado ao ponto de causar a invalidade do processo e a ilicitude do despedimento.

H) - O facto da Autora desempenhar funções no departamento financeiro é de absoluta relevância e não pode, de forma alguma, ser desconsiderado na apreciação da validade do procedimento, já que, tendo sido invocados motivos de mercado e um desequilíbrio económico-financeiro para motivar a necessidade de extinção do posto de trabalho, a Autora tinha sobre estes motivos um conhecimento direto e profundo em razão do desempenho das suas funções.

I) - Ditam as regras da experiência e normais usos que alguém que, sendo técnica oficial de contas, desempenha funções no departamento financeiro de uma sociedade comercial, conhece os resultados dessa sociedade, os respetivos custos, receitas, projetos, entre outros dados de natureza económico-financeira.

J) Na sua decisão de julgar o despedimento da Autora ilícito, o Tribunal a quo conclui que a Autora não conhecia a situação económico-financeira da Recorrente que esta alega para fundamentar a extinção do posto de trabalho, mas a verdade é que tal conclusão do Tribunal a quo não encontra correspondência com e a realidade desde logo porque o Tribunal a quo, ao concluir como o fez, desconsiderou as concretas funções que a Autora desempenhava ao serviço da Recorrente e a razão de ciência que tal lhe aportava face à natureza dos fundamentos invocados.

K) Não poderá o Tribunal a quo concluir no sentido de ter sido prejudicado o direito de defesa da Autora sem permitir à Recorrente produzir prova sobre as concretas funções exercidas pela Autora, bem como sobre o conteúdo daquela reunião prévia, cuja realização não foi impugnada.

L) - A Recorrente cumpriu o ónus de fundamentação da decisão de extinção do posto de trabalho que sobre si recaia.

M) O juízo sobre se essa fundamentação foi feita de forma a permitir o exercício do direito de defesa tem que ser feito à luz das concretas circunstâncias do caso sub judice, considerando-se aqui necessariamente as funções que a Autora exercia, as informações a que tinha acesso, o conhecimento direto e extensivo que dispunha sobre a situação económico-financeira da Recorrente.

N) Deve ser revogada a decisão do Tribunal a quo de julgar inválido o procedimento de extinção do posto de trabalho e, consequentemente, de julgar ilícito o despedimento da Autora, sendo que, deverá ser incluída nos temas de prova a questão subjacente a se a Autora dispunha de conhecimento e informação suficiente sobre a situação económico-financeira da Recorrente para exercer o seu direito de defesa quanto à decisão de extinção do posto de trabalho.

O) Concluiu ainda o Tribunal a quo que foi violado o disposto no artigo 338.ºA n.º 1 do Código do Trabalho, mas também esta questão deveria ter sido levada a tema de prova, sendo que a Recorrente não aceita, de forma alguma, que tenha violado tal proibição.

P) É verdade, como alegou a Recorrente na decisão de extinção do posto de trabalho, que a Autora é técnica oficial de contas e que exercia funções próprias dessa categoria.

Q) Nunca chegou a assumir o papel de Técnica Oficial de Contas da Recorrente, porquanto não queria assumir a responsabilidade inerente a tais funções, ou seja, nunca a Autora chegou a ser registada junto das entidades competentes, nomeadamente da Autoridade Tributária, como Técnica Oficial de Contas da Recorrente.

R) A Autora desempenhava funções inerentes àquela categoria profissional, nomeadamente trabalho administrativo preparatório, mas não submetia qualquer tipo de declaração porquanto nunca esteve disponível para assumir a responsabilidade, civil e até criminal, subjacente ao exercício do cargo de técnico oficial de contas registado.

S) É absolutamente notório que todas as sociedades comerciais são obrigadas a ter um técnico oficial de contas registado, pelo que, não estando a Autora disponível, a Recorrente teria que recorrer a uma alternativa.

T) Os factos alegados pela Recorrente nos pontos 2 e 8 da decisão de extinção do posto de trabalho corresponde à verdade, sendo que, por si só, não são factos suficientes ou sequer idóneos para concluir que houve uma violação da proibição de recurso à terceirização.

U) O concreto contexto da contratação dos serviços externos de contabilidade deveriam ter sido levados a tema de prova, sendo permitido à Recorrente produzir prova sobre tais factos.

V) Também por este fundamento se impõe uma revogação da decisão recorrida e uma alteração dos temas de prova no sentido de incluir o contexto em que foram contratados pela Recorrente os serviços externos de contabilidade.

W) O valor dos proporcionais das férias do ano da cessação constam do recibo final das contas emitido pela Recorrente e enviado à Autora e junto aos autos com o articulado de motivação do despedimento.

X) Conforme alegado naquele articulado de motivação do despedimento, o valor integral daquele recibo final foi colocado à disposição da Autora, como se encontra devidamente documentado nos autos.

Y) Deverá ser revogada a decisão de julgar inválido o procedimento de extinção do posto de trabalho da Autora e a consequente ilicitude do despedimento, sendo alterados os temas de prova em conformidade.”

Conclui pela procedência do recurso.

2.1. Por requerimento, a Autora renunciou ao direito de apresentar contra-alegações.

2.2. Fixado o valor da causa em €16.853,76, o recurso foi admitido em 1.ª instância, como de apelação, com subida imediata, em separado e efeito devolutivo.

3. Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, no seu parecer, sustenta a improcedência do recurso.


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Corridos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir:

II – Questões a resolver

Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do NCPC – aplicável “ex vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: Saber se os autos, na fase em que foi proferida a decisão recorrida, continham os elementos necessários para o efeito e, sendo esse o caso, se tal decisão errou na aplicação do direito.


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III – Fundamentação

A) De facto

O tribunal a quo, pronunciando-se em sede de matéria de facto, fez constar que se encontram provados os factos seguintes:

“1. A autora foi admitida pela ré em 22 de novembro de 2021, para exercer funções de técnica oficial de contas.

2. Por decisão de 14 de fevereiro de 2024, para produzir efeitos 30 dias após o recebimento da comunicação, a ré comunicou à autora o seu despedimento por extinção do posto de trabalho fundamentando esse despedimento nos seguintes motivos:

A ré, bem como outras sociedades pertencentes ao mesmo grupo, tem vindo a acumular resultados negativos, os custos fixos têm vindo a ultrapassar as receitas geradas, situação que se agravou em resultado da crise que resultou da Pandemia Covid-19;

Em consequência desta crise foram suspensos ou cancelados muitos dos contratos vigentes e projetos que estavam em fase de lançamento, ligados ao setor de espetáculos, eventos e desporto, sendo que alguns que estavam em fase de adjudicação não avançaram e os principais eventos foram cancelados;

Embora as restrições impostas pela pandemia estarem a ser ultrapassadas, a recuperação económica é lenta e tem sido prejudicada pelo contexto internacional, o que causa incerteza e instabilidade à economia; e

Torna-se necessário atuar sobre os custos fixos, cuja maior fatia é a dos custos com pessoal, tendo sido decidido, por razões de eficiência e racionalidade económicas, contratar serviços de contabilidade externos à própria empresa.

3. A ré procedeu ao pagamento à autora da quantia líquida de €4.239,15, não incluindo qualquer valor relativo a trabalho suplementar, nem a férias proporcionais de 2024.”


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B) Discussão

1. O Direito

Em face do que resulta das conclusões, que como o dissemos (sem prejuízo de questões de conhecimento oficioso) delimitam o objeto do recurso, invoca a Recorrente designadamente, como argumentos, que:

- Tendo o Tribunal decidido sem qualquer produção de prova, tendo entendido que dispunha já de elementos necessários a uma decisão de mérito, no entanto, diz, o estado dos autos não permitia, para já, uma decisão de mérito sobre a causa, pois que, acrescenta, tendo o Tribunal entendido que a forma como ela Recorrente fundamentou a decisão de extinção do posto de trabalho da Autora não permitiu a esta o exercício do direito de defesa, o que tem como consequência a invalidade do procedimento, porém, era aquela profunda conhecedora dos factos concretos que sustentaram a decisão de extinção do posto de trabalho, pois que: antes da comunicação da decisão final, e em cumprimento das disposições legais aplicáveis, em 19 de janeiro de 2024 comunicou à Autora, através da carta junta aos autos com o articulado de motivação, a intenção de extinguir o seu posto de trabalho, e os fundamentos que justificavam tal intenção, dando-lhe 15 dias para se pronunciar, sendo que a Autora nada disse; antes ainda dessa comunicação, houve uma conversa prévia entre esta e o sócio e beneficiário efetivo da Recorrente, BB, na qual este teve oportunidade de, com total transparência, dar conhecimento à Autora de que existia a intenção de proceder ao seu despedimento por extinção do posto de trabalho, bem como das razões que sustentavam tal intenção, sendo que a Autora expressamente demonstrou compreender e aceitar os fundamentos invocados; o facto da Autora desempenhar funções no departamento financeiro é de absoluta relevância e não pode, de forma alguma, ser desconsiderado na apreciação da validade do procedimento, já que, tendo sido invocados motivos de mercado e um desequilíbrio económico-financeiro para motivar a necessidade de extinção do posto de trabalho, a Autora tinha sobre estes motivos um conhecimento direto e profundo em razão do desempenho das suas funções, o que o Tribunal desconsiderou (ditam as regras da experiência e normais usos que alguém que, sendo técnica oficial de contas, desempenha funções no departamento financeiro de uma sociedade comercial, conhece os resultados dessa sociedade, os respetivos custos, receitas, projetos, entre outros dados de natureza económico-financeira). Conclui que deve ser revogada a decisão de julgar inválido o procedimento de extinção do posto de trabalho e, consequentemente, de julgar ilícito o despedimento da Autora, devendo ser incluída nos temas de prova a questão subjacente a saber se a Autora dispunha de conhecimento e informação suficiente sobre a situação económico-financeira da Recorrente para exercer o seu direito de defesa quanto à decisão de extinção do posto de trabalho;

- Tendo o Tribunal concluído que foi violado o disposto no artigo 338.ºA n.º 1 do Código do Trabalho, também esta questão deveria ter sido levada a tema de prova, sendo que não aceita, de forma alguma, que tenha violado tal proibição.

- Sendo verdade que alegou na decisão de extinção do posto de trabalho que a Autora é técnica oficial de contas e que exercia funções próprias dessa categoria, no entanto, diz, aquela nunca chegou a assumir o papel de Técnica Oficial de Contas da Recorrente, porquanto não queria assumir a responsabilidade inerente a tais funções, ou seja, nunca a Autora chegou a ser registada junto das entidades competentes, nomeadamente da Autoridade Tributária, como Técnica Oficial de Contas da Recorrente, sendo que aquela apenas desempenhava funções inerentes àquela categoria profissional, nomeadamente trabalho administrativo preparatório, mas não submetia qualquer tipo de declaração porquanto nunca esteve disponível para assumir a responsabilidade, civil e até criminal, subjacente ao exercício do cargo de técnico oficial de contas registado – os factos alegados nos pontos 2 e 8 da decisão de extinção do posto de trabalho corresponde à verdade, sendo que, por si só, não são factos suficientes ou sequer idóneos para concluir que houve uma violação da proibição de recurso à terceirização, sendo que o concreto contexto da contratação dos serviços externos de contabilidade deveriam ter sido levados a tema de prova, sendo permitido à Recorrente produzir prova sobre tais factos. Conclui que também por este fundamento se impõe uma revogação da decisão recorrida e uma alteração dos temas de prova no sentido de incluir o contexto em que foram contratados pela Recorrente os serviços externos de contabilidade.

- O valor dos proporcionais das férias do ano da cessação constam do recibo final das contas emitido pela Recorrente e enviado à Autora e junto aos autos com o articulado de motivação do despedimento e, conforme aí alegado, o valor integral daquele recibo final foi colocado à disposição da Autora, como se encontra devidamente documentado nos autos.

Conclui que deve ser revogada a decisão de julgar inválido o procedimento de extinção do posto de trabalho da Autora e a consequente ilicitude do despedimento, sendo alterados os temas de prova em conformidade.

Não tendo a Autora contra-alegado, o Ministério Público, no parecer emitido, pronuncia-se pela improcedência do recurso.

Cumprindo-nos pronúncia, começaremos por fazer umas breves considerações sobre a questão colocada à nossa apreciação, socorrendo-nos para o efeito do que se escreveu no Acórdão desta Secção de 11 de abril de 2018[1], que aqui seguiremos de muito perto, nos termos que se seguem:

Sendo o despedimento uma declaração de vontade do empregador dirigida ao trabalhador que se destina a fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro[2], podendo essa ser, é certo, expressa ou tácita, deve no entanto ser exteriorizada de tal modo que não suscite dúvidas relevantes ao seu destinatário, o trabalhador, sobre o seu exato significado, sendo que, estando o princípio constitucional da segurança no emprego, estabelecido no art.º 53.º da Constituição da República Portuguesa (CRP)[3], integrado na categoria dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, está sujeito ao regime que decorre do artigo 18.º da Constituição, do que decorre que devem ser reduzidas à regra do mínimo, as restrições ao conteúdo daquele princípio. E, sendo verdade que uma das restrições a tal princípio é precisamente a do despedimento por causas objetivas – nas quais, enquanto tal, o despedimento, não sendo imputável a culpa (do trabalhador ou do empregador), decorre de uma situação que inviabiliza a manutenção da relação laboral, uma impossibilidade prática da subsistência do contrato –, não é menos certo que, embora a lei admita assim como se viu causas de despedimento objetivas, o legislador teve necessidade de impor, precisamente por força do mencionado princípio constitucional da segurança no emprego, alguma rigidez no procedimento para essa forma de cessação da relação laboral e sobre os requisitos substanciais da sua fundamentação[4], o que se aplica, assim, ao caso, pois que a cessação do contrato de trabalho do Autor por extinção do posto de trabalho, objeto da nossa apreciação, insere-se no conceito de justa causa objetiva de despedimento.

Daí que, na lei ordinária, quanto à explicitação dos motivos para fundarem um despedimento por extinção do posto de trabalho, sem esquecermos a noção dada pelo artigo 359.º, n.º 2, do CT (por remissão do artigo 367.º, n.º 2) sobre cada um desses motivos – assim, que se consideram, nomeadamente: “a) Motivos de mercado - redução da actividade da empresa provocada pela diminuição previsível da procura de bens ou serviços ou impossibilidade superveniente, prática ou legal, de colocar esses bens ou serviços no mercado; b) Motivos estruturais - desequilíbrio económico-financeiro, mudança de actividade, reestruturação da organização produtiva ou substituição de produtos dominantes; c) Motivos tecnológicos - alterações nas técnicas ou processos de fabrico, automatização de instrumentos de produção, de controlo ou de movimentação de cargas, bem como informatização de serviços ou automatização de meios de comunicação.” –, se estabeleça também, nos termos do n.º 1 do artigo 368º, que o despedimento com esse fundamento só pode ter lugar desde que (cumulativamente), se verifiquem os seguintes requisitos: “a) Os motivos indicados não sejam devidos a conduta culposa do empregador ou do trabalhador; b) Seja praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho; c) Não existam, na empresa, contratos de trabalho a termo para tarefas correspondentes às do posto de trabalho extinto; d) Não seja aplicável o despedimento colectivo.”. Como importa ainda atender, face ao n.º 2 do mesmo dispositivo legal, que “(h)avendo na secção ou estrutura equivalente uma pluralidade de postos de trabalho de conteúdo funcional idêntico, para determinação do posto de trabalho a extinguir, a decisão do empregador deve observar, por referência aos respetivos titulares, a seguinte ordem de critérios relevantes e não discriminatórios: a) Pior avaliação de desempenho, com parâmetros previamente conhecidos pelo trabalhador; b) Menores habilitações académicas e profissionais; c) Maior onerosidade pela manutenção do vínculo laboral do trabalhador para a empresa; d) Menor experiência na função; e) Menor antiguidade na empresa.” Por último, para além do mais que no caso não impõe expressa referência, como decorre do seu n.º 4, que “(p)ara efeito da alínea b) do n.º 1, uma vez extinto o posto de trabalho, considera-se que a subsistência da relação de trabalho é praticamente impossível quando o empregador não disponha de outro compatível com a categoria profissional do trabalhador.” Está ainda sujeito o despedimento por extinção do posto de trabalho ao procedimento regulado nos artigos 369.º a 371.º do CT, em que se insere, desde logo, a necessidade de cumprimento do n.º 1 do artigo 369.º – “No caso de despedimento por extinção de posto de trabalho, o empregador comunica, por escrito, à comissão de trabalhadores ou, na sua falta, à comissão intersindical ou comissão sindical, ao trabalhador envolvido e ainda, caso este seja representante sindical, à associação sindical respectiva: a) A necessidade de extinguir o posto de trabalho, indicando os motivos justificativos e a secção ou unidade equivalente a que respeita; b) A necessidade de despedir o trabalhador afecto ao posto de trabalho a extinguir e a sua categoria profissional. c) Os critérios para seleção dos trabalhadores a despedir.” –, para efeitos do disposto do seu artigo 370.º[5].

Agora sobre o juízo de (i)licitude do despedimento, constando do artigo 381.º a menção às causas gerais (aplicáveis pois a todas as causas) geradoras da ilicitude do despedimento – “a) Se for devido a motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, ainda que com invocação de motivo diverso; b) Se o motivo justificativo do despedimento for declarado improcedente; c) Se não for precedido do respetivo procedimento; d) Em caso de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador durante o gozo de licença parental inicial, em qualquer das suas modalidades, se não for solicitado o parecer prévio da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres” –, prevê ainda, o artigo 384.º, que o despedimento por extinção de posto de trabalho é ainda ilícito sempre que o empregador: “a) Não cumprir os requisitos do n.º 1 do artigo 368.º; b) Não respeitar os critérios de concretização de postos de trabalho a extinguir referidos no n.º 2 do artigo 368.º; c) Não tiver feito as comunicações previstas no artigo 369.º; d) Não tiver colocado à disposição do trabalhador despedido, até ao termo do prazo de aviso prévio, a compensação a que se refere o artigo 366.º por remissão do artigo 372.º e os créditos vencidos ou exigíveis em virtude da cessação do contrato de trabalho”.

Dentro do aludido regime, importa acentuar, como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Novembro de 2015[6], citando:
“A jurisprudência tem-se pronunciado no sentido das exigências de concretização dos factos que podem conduzir ao despedimento por causas objectivas e de modo a que esses factos conduzam, necessariamente, à impossibilidade prática daquele (ou daqueles) contrato (s) de trabalho. É que se da análise dos factos concretos que são invocados para o despedimento por causas objetivas, não se concluir que é um determinado posto de trabalho que deve ser extinto (e não outro), os motivos invocados não podem ser tidos em conta para fundamentar um despedimento por causas objetivas por não constituírem “justa causa” em relação ao contrato de trabalho atingido. A entender-se a desnecessidade da correspondência estrita entre os motivos invocados para a cessação do contrato de trabalho por justa causa objetiva e o contrato de trabalho abrangido, violar-se-ia frontalmente o princípio constitucional da segurança no emprego, por permitir despedimentos arbitrários.” (...)
Neste âmbito, importará salientar o dever do tribunal proceder quer ao controlo da veracidade dos motivos invocados para o despedimento, quer à verificação sobre se existe nexo de causalidade entre os motivos invocados pelo empregador e o despedimento, por forma a poder concluir, segundo juízos de razoabilidade, se tais motivos eram adequados a justificar a decisão de redução de pessoal. No que especificamente respeita ao despedimento por extinção do posto de trabalho, o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 01.10.2008 (Recurso n.º 8/08, da 4.ª Secção) perfilhou o entendimento de que, na apreciação da verificação do motivo justificativo da cessação do contrato, as decisões técnico-económicas ou gestionárias a montante da extinção do posto de trabalho estão cobertas pela liberdade de iniciativa dos órgãos dirigentes da empresa. ([1])
Também a doutrina sublinha estas especificidades do controlo judicial dos fundamentos do despedimento coletivo e por extinção do posto de trabalho.
Assim, Bernardo Xavier (no seu estudo "O regime dos despedimentos coletivos e as modificações introduzidas pela Lei n.º 32/99 de 18/05", in Estudos do IDT, vol. I, Almedina, p. 409), reconhecendo que cabe ao juiz controlar a fundamentação da decisão patronal, sustenta que não lhe cabe substituir-se à entidade empregadora, transformar-se em gestor, e impor-lhe a decisão que ele próprio juiz tomaria se estivesse na posição empresarial, seguindo os seus critérios pessoais. Há uma ampla margem de decisão que deve ser consentida ao empresário que decide, assume os riscos e suporta os encargos da sua empresa, desde que se não conclua, de acordo com um juízo de equidade, pela falta de presença de uma motivação clara e, portanto sustentável. Segundo este autor, "apenas nos casos de gestão inteiramente inadmissível ou grosseiramente errónea " poderão ser postos em causa os critérios de gestão observados (como ocorre nas situações de discricionariedade técnica nos tribunais administrativos, que só agem quando denotam erro manifesto de apreciação).
Também Mário Pinto e Furtado Martins (no seu estudo "Despedimentos coletivos: liberdade de empresa e ação administrativa", in RDES, ano XXXV, n.ºs 1-2-3-4, Jan. - Dez. 1993, pp.38 e ss.) sustentam que o juiz deve apenas, em princípio, assegurar-se "da existência dos motivos alegados e da relação entre estes e o despedimento, por forma a evitar a realização de despedimentos patentemente arbitrários ou fundados em motivos manifestamente falsos ou inconsistentes. Mas já não lhe caberá substituir-se ao empresário e determinar a improcedência do despedimento porque, p. ex., entende que existem outras soluções alternativas".
Maria do Rosário Palma Ramalho afirma, igualmente, a propósito do despedimento por extinção do posto de trabalho, que não são sindicáveis os critérios da decisão que levaram à extinção do posto de trabalho (in “Direito do Trabalho”, Parte II – Situações laborais individuais, Coimbra, 2006, p. 884).
Finalmente, também Monteiro Fernandes (in Direito do Trabalho, 15ª edição, p. 628-629) afirma que: “O “momento” decisivo, sob o ponto de vista do regime do despedimento – isto é, da sua motivação relevante – parece localizar-se, não no feixe de ponderações técnico-económicas ou gestionárias a que alude o art. 397.º/2 (e que são cobertas pela liberdade de iniciativa do titular da empresa), mas a jusante daquele, no facto da extinção do posto de trabalho, produto de uma decisão do empregador, e nesse outro facto que é a constatação da inexistência de função alternativa para o trabalhador que o ocupava– constatação essa também suportada, em certa medida, pelo critério organizacional do empregador.
Está-se, pois, perante uma forma de despedimento que culmina numa cadeia de decisões do empregador situadas em diferentes níveis mas casualmente interligadas: esquematicamente, uma decisão gestionária inicial, uma decisão organizativa intermédia (a extinção do posto de trabalho) e uma decisão “contratual” terminal (a do despedimento).”
Mais adiante, prossegue o mesmo Autor: «a apreciação da justa causa reveste-se aqui de importantes particularidades. Ela incidirá [...] no nexo sequencial estabelecido entre a extinção do posto de trabalho e a decisão de extinguir o contrato, tendo de permeio o insucesso de diligências tendentes à recolocação do trabalhador. É em relação a esse nexo e a cada um dos seus elementos que deve fazer-se a verificação dos requisitos fundamentais do artigo 368º/1, em especial a da impossibilidade prática da subsistência da relação de trabalho (…).»
Em suma, não deve o julgador, na apreciação dos factos, desrespeitar os critérios de gestão da empresa (na medida em que sejam razoáveis e consequentes), não lhe competindo substituir-se ao empregador e vir a concluir pela improcedência do despedimento, por entender que deveriam ter sido outras as medidas a tomar perante os motivos económicos invocados.
Tal não ilide, todavia, o dever, acima apontado, que incumbe ao tribunal relativamente quer ao controlo da veracidade dos motivos invocados para o despedimento, quer à verificação quanto à existência de nexo de causalidade entre os motivos invocados pelo empregador e o despedimento, de modo a que se possa concluir, segundo juízos de razoabilidade, que tais motivos são adequados a justificar a decisão de redução de pessoal. (...)” (fim de citação).

Teremos ainda de ter presente, como aliás o tem afirmado de modo persistente a jurisprudência[7], que incumbe nestes casos ao trabalhador alegar e provar a relação laboral e o despedimento, recaindo por sua vez sobre a entidade empregadora o ónus de alegar e provar os factos justificativos desse despedimento que se consideram suscetíveis de determinar a impossibilidade da subsistência da relação de trabalho, sendo que, do mesmo modo, sendo nestas situações a ilicitude do despedimento necessariamente declarada por tribunal judicial em ação intentada pelo trabalhador, nesta ação “o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador” (artigo 387.º n.º s 1 e 3, do CT). “Daí que, para efeito de apreciação dos fundamentos da alegada extinção do posto de trabalho, “o Tribunal esteja adstrito aos factos que foram invocados pelo empregador no procedimento como motivadores da extinção de posto de trabalho”[8].

Uma última nota se deixa, ainda no âmbito da apreciação da licitude ou ilicitude do despedimento, a propósito dos critérios estabelecidos no n.º 2 do artigo 368.º do CT[9], no sentido de que, como resulta claramente do preceito, «“os critérios de seleção são sucessivos e hierarquizados, “existe uma ordem legal de precedência para o despedimento” ([10]), isto é, só é aplicável o critério seguinte se o anterior não se verificar ou se os trabalhadores visados reunirem os mesmos requisitos relativamente a essa regra.»[11]

Ora, sendo então momento de voltarmos ao caso que nos ocupa, tendo por referência os critérios/princípios que referimos anteriormente, pois que não divergem propriamente do que a propósito se escreveu na sentença recorrida, não encontramos razões para essa não acompanharmos no seu sentido decisório e, para a esse chegar, utilizando a fundamentação seguinte (transcrição):

“(…) O artigo 371.º, do Código do Trabalho, determina o seguinte:
1 - Decorridos cinco dias a contar do termo do prazo previsto no n.º 1 do artigo anterior, ou, sendo caso disso, a contar da recepção do relatório a que se refere o n.º 3 do mesmo artigo ou do termo do prazo para o seu envio, o empregador pode proceder ao despedimento.
2 - A decisão de despedimento é proferida por escrito, dela constando:
a) Motivo da extinção do posto de trabalho;
b) Confirmação dos requisitos previstos no n.º 1 do artigo 368.º;
c) Prova da aplicação dos critérios de determinação do posto de trabalho a extinguir, caso se tenha verificado oposição a esta;
d) Montante, forma, momento e lugar do pagamento da compensação e dos créditos vencidos e dos exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho;
e) Data da cessação do contrato.
3 - O empregador comunica a decisão, por cópia ou transcrição, ao trabalhador, às entidades referidas no n.º 1 do artigo 369.º e, bem assim, ao serviço com competência inspectiva do ministério responsável pela área laboral, com antecedência mínima, relativamente à data da cessação, de:
a) 15 dias, no caso de trabalhador com antiguidade inferior a um ano;
b) 30 dias, no caso de trabalhador com antiguidade igual ou superior a um ano e inferior a cinco anos;
c) 60 dias, no caso de trabalhador com antiguidade igual ou superior a cinco anos e inferior a 10 anos;
d) 75 dias, no caso de trabalhador com antiguidade igual ou superior a 10 anos.
4 - O pagamento da compensação, dos créditos vencidos e dos exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho deve ser efectuado até ao termo do prazo de aviso prévio.
(…).
Por sua vez, o artigo 381.º, do Código do Trabalho, estabelece que:
Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes ou em legislação específica, o despedimento por iniciativa do empregador é ilícito:
a) Se for devido a motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, ainda que com invocação de motivo diverso;
b) Se o motivo justificativo do despedimento for declarado improcedente;
c) Se não for precedido do respectivo procedimento;
d) Em caso de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador durante o gozo de licença parental inicial, em qualquer das suas modalidades, se não for solicitado o parecer prévio da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.
E o artigo 384.º, do Código do Trabalho, dispõe o seguinte:
O despedimento por extinção de posto de trabalho é ainda ilícito se o empregador:
a) Não cumprir os requisitos do n.º 1 do artigo 368.º;
b) Não observar o disposto no n.º 2 do artigo 368.º;
c) Não tiver feito as comunicações previstas no artigo 369.º;
d) Não tiver posto à disposição do trabalhador despedido, até ao termo do prazo de aviso prévio, a compensação por ele devida a que se refere o artigo 366.º, por remissão do artigo 372.º, e os créditos vencidos ou exigíveis em virtude da cessação do contrato de trabalho.
Destas normas, não há dúvida que o despedimento deve ser fundado em motivos não imputáveis ao trabalhador e esses motivos estão taxativamente indicados na lei, embora na sua concretização possam incluir uma multiplicidade de factos subjacentes.
A questão que se coloca é se para indicar os motivos, basta ao empregador invocar de forma genérica a existência de prejuízos, de um desequilíbrio económico e financeiro, uma redução da procura ou a redução da atividade ou se, pelo contrário, tem de ser factual nessa indicação.
O Supremo Tribunal de Justiça, no seu recente acórdão de 6 de dezembro de 2023 – Processo n.º 6652/21.0T8ALM.L1.S1 – considerou e decidiu que «A comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento por iniciativa do empregador deve concretizar os motivos que sustentem a cessação do contrato de trabalho», pelo que «A omissão de tal factualidade determina a ilicitude do despedimento, por invalidade do seu procedimento» (a exigência de factos concretos na motivação do despedimento por extinção do posto de trabalho já tinha sido afirmada noutras decisões, por exemplo nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 04.07.2002, de 07.07.2009 e de 8.06.2014).
Para além disso, naquela decisão é referido mais:
«É imperativo legal que na acção especial de impugnação de despedimento, por iniciativa do empregador, o Tribunal apenas pode conhecer e apreciar os factos e fundamentos da decisão do despedimento que constem da nota de culpa (cfr. artigo 357.º, n.º 4, in fine) ou das comunicações ao trabalhador nos casos de despedimento: (i) colectivo, (ii) por extinção do posto de trabalho, (iii) por inadaptação. E não qualquer outra factualidade, posteriormente, invocada pelo empregador. (…)
Ao não incluir na decisão do despedimento por extinção do posto de trabalho os reais e específicos motivos de ordem financeira e estrutural, mormente, o volume de negócios no antes e no durante “período de recessão económica que se atravessa”, que terão sustentado a extinção do posto de trabalho do Autor, a Ré não só limitou ao Autor o seu direito de defesa na acção de impugnação do despedimento, como, sobretudo, impede o Tribunal de apreciar e decidir sobre o fundamento para o despedimento do Autor: “motivos de ordem financeira e estrutural”, isto é, impede o Tribunal de percepcionar e sindicar o(s) concreto(s) motivo(s) para a extinção do posto de trabalho do Autor.
Ao contrário do alegado pela Ré nas suas conclusões do recurso de revista, era imperioso que o Tribunal tivesse tido acesso a uma decisão de despedimento com a descrição dos reais e específicos “motivos de ordem financeira e estrutural” para afastar qualquer eventual arbitrariedade ou ilegalidade, incompatíveis com princípios estruturais do direito: os princípios da imparcialidade, da certeza e segurança jurídicas. (…)».
Daqui resulta claramente que só a inclusão, na decisão de despedimento, de factos concretos que permitam apurar os resultados negativos, os custos fixos; as receitas geradas; os projetos existentes antes da crise; os que foram suspensos; os que foram cancelados; e quais os custos com pessoal; é que a autora se podia defender e o tribunal apreciar se o fundamento da extinção do posto de trabalho é susceptível de preencher os motivos legais de despedimento.
Se a decisão administrativa não tem factos concretos que permitam aquela defesa e apreciação, então o procedimento é inválido e o despedimento deve ser declarado ilícito.
Para além deste fundamento de ilicitude, não há dúvida que a empregadora invocada como fundamento do despedimento a externalização dos serviços de contabilidade.
O artigo 338.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho, introduzido na última reforma deste diploma em vigor desde 1 de maio de 2023, estabelece que «Não é permitido recorrer à aquisição de serviços externos a entidade terceira para satisfação de necessidades que foram asseguradas por trabalhador cujo contrato tenha cessado nos 12 meses anteriores por despedimento coletivo ou despedimento por extinção de posto de trabalho».
Se nos 12 meses seguintes o empregador não pode proceder à aquisição de serviços externos para substituir o trabalho do trabalhador despedido por extinção do posto de trabalho, então esse fundamento também não pode justificar o despedimento, pois revela que o trabalhador continuava a ser necessário, não havendo motivo para o despedimento, com exceção do eventual menor custo entre o trabalho efetuado internamento e o serviço prestado externamente.
Daqui retiramos que, também por isso, o despedimento seria ilícito, porque agora a ré alega que a autora não executava estas funções, mas dez constar na comunicação do despedimento, em sede de fundamentos, no ponto 2, que a autora era técnica oficial de contas, desempenhando as funções e tarefas próprias dessa categoria e, no ponto 8, que foi decidido contratar serviços externos de contabilidade.
Mais não resulta que os proporcionais das férias do ano de cessação do contrato tenham sido pagos ou o seu montante tenha sido posto à disposição da trabalhadora e, se relativamente ao trabalho suplementar se possa dizer que o seu montante é litigioso, este montante só se vence e é exigível por força da cessação do contrato e o seu montante está determinado.
Em suma, consideramos que o despedimento é ilícito e como tal deve ser desde já declarado, sem prejuízo de a trabalhadora ainda poder optar entre a reintegração e a indemnização substitutiva da reintegração na audiência de julgamento. (…)”

Nos termos expostos, de resto sem necessidade de quaisquer outras considerações da nossa parte, pois que, em face precisamente das razões que foram expressamente indicadas pelo Tribunal recorrido, aliás com expresso suporte também em ajustada jurisprudência que cita, estando, como já dito, em consonância com o que a esse respeito afirmámos anteriormente e que respondem já plenamente aos argumentos que são avançados pela Recorrente no presente recurso – incluindo quando pretende invocar fundamentos não constantes da decisão de despedimento por extinção do posto de trabalho, quando esses não podem ser atendidos, como aliás bem se esclarece na decisão –, sem necessidade de outras considerações, da nossa parte, claudicando os argumentos da Recorrente, incluindo a respeito de os autos conterem, na fase em que foi proferida a decisão recorrida, os elementos necessários para o efeito e, do mesmo modo, diversamente do que aquela defende, tal decisão aplicou adequadamente a lei e o direito.

Improcede, pois, necessariamente o presente recurso.

Quanto a responsabilidade por custas, por decaimento, a mesma impende sobre a Ré/ recorrente (art.º 527.º do CPC).


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Sumário, da exclusiva responsabilidade do relator (artigo 663º, nº 7 do CPC):

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IV - DECISÃO

Acordam os juízes que integram a Secção social do Tribunal da Relação do Porto, declarando totalmente improcedente o recurso, em confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.


Porto, 5 de novembro de 2024

(assinado digitalmente)

Nélson Fernandes (relator)

António Luís Carvalhão

Rita Romeira


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[1] Relatado pelo também aqui relator, in www.dgsi.pt.

[2] Declaração vinculada – porque condicionada à verificação de determinados motivos que a lei considera justificativos da cessação da relação laboral –, constitutiva –  o ato de vontade do empregador tem efeitos por si mesmo – e recipienda – só é eficaz depois de ter sido recebida pelo seu destinatário (cfr. Pedro Romano Martinez, in “Direito do Trabalho”, Vol. I, págs. 511 e ss.).

[3] Que se consubstancia em síntese na proibição de despedimentos arbitrários – sem justa causa, ou por motivos políticos ou ideológicos.

[4] Como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 306/2003 de 25 de Junho – apreciando a constitucionalidade de algumas normas do Código do Trabalho de 2003, entre as garantias a observar no caso de despedimento por causas objetivas – “… estão a de determinação das causas (com suficiente concretização dos conceitos da lei), da controlabilidade das situações de impossibilidade objetiva, e do asseguramento ao trabalhador de uma indemnização”.

[5] “Que estipula o seguinte: “1 - Nos 10 dias posteriores à comunicação prevista no artigo anterior, a estrutura representativa dos trabalhadores, o trabalhador envolvido e ainda, caso este seja representante sindical, a associação sindical respetiva podem transmitir ao empregador o seu parecer fundamentado, nomeadamente sobre os motivos invocados, os requisitos previstos no n.º 1 do artigo 368.º ou os critérios a que se refere o n.º 2 do mesmo artigo, bem como as alternativas que permitam atenuar os efeitos do despedimento. 2 - Qualquer trabalhador envolvido ou entidade referida no número anterior pode, nos três dias úteis posteriores à comunicação do empregador, solicitar ao serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área do emprego a verificação dos requisitos previstos nas alíneas c) e d) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 368.º, informando simultaneamente do facto o empregador. 3 - O serviço a que se refere o número anterior elabora e envia ao requerente e ao empregador relatório sobre a matéria sujeita a verificação, no prazo de sete dias após a recepção do requerimento.”

[6] Disponível em www.dgsi.pt, que se tem seguido de perto.

[7] Assim, entre outros, para além do Acórdão STJ citado, o Ac. do mesmo Tribunal de 31 de Maio de 2016, disponível no mesmo Sítio;

[8] Cfr. Ac. STJ de 31 de Maio de 2016, citado; o mesmo se afirma no Ac. STJ, também já citado, de 19 de Novembro de 2015.

[9] Recorda-se anda que, tendo sido profundamente alterados pela Lei 23/2012 de 25/06 – passando esse n.º 2 do artigo 368º a ter a seguinte redação: “Havendo, na secção ou estrutura equivalente, uma pluralidade de postos de trabalho de conteúdo funcional idêntico, para determinação do posto de trabalho a extinguir, cabe ao empregador definir, por referência aos respetivos titulares, critérios relevantes e não discriminatórios face aos objetivos subjacentes à extinção do posto de trabalho” –, tais alterações foram declaradas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional no seu acórdão n.º 602/2013 de 20/09, em consequência do que a Lei 27/2014 de 8/05 alterou o preceito, passando o nº 2 a ter a seguinte redação, que se mantém, e à luz da qual se apreciará a questão proposta: “2 - Havendo na secção ou estrutura equivalente uma pluralidade de postos de trabalho de conteúdo funcional idêntico, para determinação do posto de trabalho a extinguir, a decisão do empregador deve observar, por referência aos respetivos titulares, a seguinte ordem de critérios relevantes e não discriminatórios: a) Pior avaliação de desempenho, com parâmetros previamente conhecidos pelo trabalhador; b) Menores habilitações académicas e profissionais; c) Maior onerosidade pela manutenção do vínculo laboral do trabalhador para a empresa; d) Menor experiência na função; e) Menor antiguidade na empresa.”

[10] [6] António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 17ª edição, pág. 550.

[11] Cfr. Ac. STJ de 13 de Outubro de 2016, disponível em www.dgsi.pt.