Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
9882/21.1T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO VENADE
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
INCUMPRIMENTO CONTRATUAL
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
IMPOSSIBILIDADE DO CUMPRIMENTO
Nº do Documento: RP202303099882/21.1T8PRT.P1
Data do Acordão: 03/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O teor de uma cláusula, aposta em contrato promessa de compra e venda, em que o promitente vendedor se obriga a entregar ao promitente comprador toda a documentação necessária à instrução da compra e venda, incluindo declaração do condomínio comprovando que não existe nenhum problema identificado no prédio/fração que venha a originar alguma despesa inesperada nos próximos tempos, deve ser entendida como um meio de facultar ao promitente comprador a segurança de que vai adquirir um bem sem patologias conhecidas e que impliquem despesas relevantes.
II - Não tendo sido junta declaração com teor de onde ressalte a inexistência de tais problemas no edifício onde se integra a fração autónoma, incumpre o promitente vendedor uma obrigação de conduta.
II.1 - Tal declaração deve ser considerada impossível de obter em tempo útil quando, no momento da data de realização da escritura, já está em análise a intervenção a ocorrer no edifício.
III - A violação daquela obrigação, porque era essencial para o promitente comprador obter aquela segurança com a emissão da declaração e porque estavam a ser estudadas obras no edifício no valor de mais de oitocentos mil euros, permite ao promitente comprador resolver o contrato por impossibilidade parcial da concretização do negócio – aquisição de fração com emissão daquela declaração do condomínio -.
III.1 - Resolvido o contrato, assiste direito ao promitente comprador em ver restituído, em singelo, o sinal que prestou.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 9882/21.1T8PRT.P1

Sumário.
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1). Relatório.
AA, residente na Rua ..., Guarda,
propôs contra
BB, residente na Rua ..., n.º ..., 2.º centro esquerdo, poente, Porto, com domicílio profissional na Clínica ..., Av. ...,
Ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pedindo:
. a título principal:
. se veja resolvido contrato-promessa celebrado em 21/10/2020 por incumprimento definitivo e culposo, imputável ao Réu, tendo dado;
. consequentemente, seja condenado a restituir ao Autor o valor entregue, a título de sinal, de 15.000 EUR, acrescido de igual montante a título de indemnização legal, no total de 30.000 EUR, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde 19/04/2021;
Subsidiariamente:
. declarar-se anulado o contrato promessa por erro quanto ao objeto e motivos determinantes da vontade do Autor;
. o Réu seja condenado a restituir a quantia de 15.000 EUR, acrescida de juros à taxa legal desde 21/10/2020.
O sustento de tais pedidos consiste, quanto ao principal, o incumprimento definitivo pelo Réu de contrato promessa celebrado em 21/10/2020 por não se ter cumprido a condição da fração, objeto do contrato, não ter defeitos ou, se assim não se entender, que o contrato seja anulado por erro por o Autor estar convencido que a fração não padecia das patologias graves que se vem a demonstrar que tinha.
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Contestou o Réu, negando a argumentação do Autor, pedindo a improcedência da ação.
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Foi elaborado despacho saneador, onde se elencou como
. Objeto do litígio:
«Cumpre apreciar a existência de fundamento para a resolução do contrato-promessa celebrado entre o A. e o R., por incumprimento definitivo imputável a este último, bem como a atribuição ao A. da indemnização daí decorrente referente ao dobro do sinal.
Mais importa apreciar, subsidiariamente, a anulabilidade do contrato-promessa com base em erro sobre o objecto do negócio e em erro sobre os motivos; em ambos os casos, cumpre apurar a consequências daí decorrentes para o R..».
E como temas de prova:
«1 - Saber se o A. só celebrou o contrato-promessa na condição de não ser necessária a realização de obras estruturantes na fracção e no prédio onde esta se situa;
2 - Saber se é necessária a realização de obras de reabilitação no prédio;
3 - Apurar se a situação económica do condomínio era deficitária em 55.000 €, tendo sido deliberada em assembleia de condóminos uma quota extraordinária para fazer face a tal situação;
4 - Apurar se o R. tinha conhecimento das circunstâncias referidas em 2 e 3;
5 - Saber se o A. só celebrou o contrato-promessa na convicção de que a fracção e o edifício onde a mesma se insere não padeciam de problemas;
6 - Apurar se o R. se disponibilizou a pagar, a expensas próprias, quaisquer despesas relacionadas com obras nas partes comuns durante os 5 anos subsequentes à celebração do contrato
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Procedeu-se à realização de audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença onde se decidiu julgar a ação parcialmente procedente e, consequentemente, declarar a anulabilidade do contrato promessa de compra e venda que teve como objeto o imóvel descrito no facto provado n.º 2, celebrado entre Autor e Réu, condenando-se este a pagar àquele 15.000 EUR, acrescido de juros, à taxa legal civil, vencidos desde a data da citação e dos vincendos até integral pagamento, absolvendo o Réu do restante peticionado.
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Inconformados, recorrem o Réu e o Autor (recurso subordinado), formulando as seguintes conclusões:
Recurso do Réu.
«1. O Recorrente não se conforma com a douta sentença de fls. ..., que considera o pedido do Autor parcialmente procedente por provado, nomeadamente a anulabilidade do contrato com base no erro sobre o objecto e, consequentemente, na condenação ali aplicada.
2. Assim, no que respeita ao pedido subsidiário do Autor, a matéria de facto provada foi incorrectamente julgada e não se encontra devidamente fundamentada, e não existiu correcta aplicação do Direito.
3. O Autor não logrou cumprir o ónus que lhe competia, de provar os elementos integradores da figura jurídica do erro vício quanto ao objecto, designadamente: a essencialidade, para o Autor, do elemento sobre que recaiu o erro; e o conhecimento desse essencialidade, pelo Réu, ou o dever de a conhecer.
4. Daqui resulta imperiosa a necessidade de impugnar a sentença a quo, com vista à sua revogação.
5. Ora quanto ao ponto 9.º factos provados, salvo melhor opinião, foi erradamente julgado.
6. O Autor nenhuma prova fez à suposta representação inexacta acerca do objecto do negócio, sem a qual a sua declaração negocial não teria sido emitida nos precisos moldes em que o foi.
7. Em primeiro lugar, o Autor admite que nunca transmitiu a alegada circunstância essencial/determinante ao Réu, e que as conversas que antecederam à outorgada do contrato promessa foram sempre com a Imobiliária, ora com a Dr.ª CC, ora com a D.ª DD.
8. Também não demonstrou que essas conversas fossem transmitidas ao Recorrente, já que a Imobiliária não representa aquele.
9. O Réu também confirmou que nunca falou com o Recorrido sobre a tal “condição essencial”, mas apenas e tão só sobre a correcção dos danos na casa de banho e que sobre o recheio do imóvel.
10. Tanto mais que não localizamos qualquer facto atinente com a cognoscibilidade do Recorrente relativamente à suposta condição essencial.
11. A ser verdade que só celebrou o CPCV por estar convicto da desnecessidade de obras no prédio, era expectável, segundo as regras da experiência comum, que o Autor exigisse que essa condição constasse do contrato de forma clara e inequívoca, o que não aconteceu.
12. O Recorrido solicitou que fosse incluída a menção constante do n.º 2 da Cláusula 4.ª do CPCV, a qual é bastante genérica e contém conceitos indeterminados que nem o próprio Recorrido foi capaz de esclarecer.
13. Segundo o Tribunal a quo: “Face ao carácter vago da estipulação prevista no contrato-promessa (recorde-se: a apresentação de declaração comprovativa de que “não existe nenhum problema identificado no prédio/fracção”) (…)”
14. O Autor não soube definir os conceitos constantes de tal estipulação, sendo que ora falava em obras, como despesas, como transtornos com as mesmas, chegando a assumir que nem o próprio conseguia definir.
15. À excepção do Autor e da sua namorada, nenhuma outra testemunha afirmou que a declaração constante do n.º 2 da Cláusula 4.ª do CPCV teria o sentido e o alcance em que o Recorrido insiste agora.
16. Ou seja, ninguém tinha conhecimento que se existissem obras, o Autor não realizaria o contrato.
17. Para além do Autor e namorada, ninguém confirmou o constante do facto 9.º da matéria provada.
18. Tinham sim conhecimento, porque essa preocupação foi passada, de que não queria ter mais despesas/custos para além do preço do negócio, sendo certo que daí não é possível retirar a ilação de que então a ausência de obras era essencial.
19. No caso em apreço, apesar da total falta de prova, o Tribunal a quo deu por provado que o Autor não teria realizado o contrato-promessa caso soubesse da necessidade de realização de obras, desconsiderando completamente e todos os meios de ora indicados, e que permitiam decisão diversa.
20. Quanto muito, os elementos probatórios existentes nos autos permitem concluir que o Recorrido considerava a ausência de obras no prédio, uma circunstância relevante na formalização do negócio, talvez até para negociação do preço, mas de modo algum é possível extrair que a razão do negócio assentou precisamente nessa convicção, ou seja, que, doutra forma, o Recorrido não celebraria o CPCV.
21. Salvo melhor opinião, é exigido ao Tribunal um maior rigor e exigência no exame e valoração das provas.
22. Assim, a sentença deverá conter os elementos que, em razão da experiência ou de critérios lógicos, construíram o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse num determinado sentido, o que in casu não se verifica.
23. Analisados as declarações e depoimento ora transcritos, conjugados com a prova documental junta aos autos, resulta por demais evidente que o Autor não cumpriu o ónus que lhe competia.
24. Assim, deverá o Tribunal ad quem alterar a resposta dada à matéria de facto, uma vez que do confronto dos meios de prova indicados pela ora Recorrente com a globalidade dos elementos que integram os autos, se conclui, de forma inequívoca, que a convicção do Tribunal a quo assentou em flagrante erro, colocando em causa, inclusivamente, a distribuição do ónus da prova, de tal modo que, a decisão da matéria de facto em causa não pode subsistir.
25. Deve, por isso, em face dos meios de prova indicados, retirar-se dos factos dados por provados, o ponto 9., incluindo-o na materialidade não provada.
26. De igual modo, com o devido respeito, os factos 24.º e 27.º dos factos provados não têm qualquer sustentação, porquanto o Tribunal dá por bom um relatório que foi elaborado em data posterior à realização do contrato promessa (facto superveniente), e que pelo depoimento do Gestor do Condomínio e pela ausência de prova documental, não foi sequer aprovado pelos Condomínios, quer no que respeita às suas conclusões, quer quanto às soluções e orçamento.
27. Da corroboração do depoimento do Gestor do Condomínio, ora transcrito, com o documento que o mesmo juntou aos autos denominado “Listagem de E-mails enviados” onde se pode verificar todos as mensagens enviadas pelo Condomínio ao Recorrente, referentes à fracção “S”, não se verifica que, após a data da elaboração do relatório da autoria do Eng. EE, tivesse ocorrido qualquer Assembleia de Condomínio.
28. Nesta senda, os elementos de prova existentes nos autos, apenas permitem admitir a existência de um relatório solicitado para o apuramento das patologias do prédio e fracções.
29. Contudo, para que se possa falar em “montagem de estaleiro e substituição integral do revestimento exterior das fachas”, e “custo de reparação”, é necessário que as patologias tenham sido reconhecidas pelos Condóminos, o mesmo se dizendo quanto às correcções propostas e orçamento. O que não se demonstrou.
30. Inexistindo deliberação dos Condóminos que aprove as conclusões constantes do relatório, bem como as soluções propostas e o respectivo orçamento, salvo melhor opinião, não é permitido ao Tribunal dar por provados os pontos 24.º a 27.º dos factos provados.
31. Deve, por isso, em face dos meios de prova indicados, retirar-se dos factos dados por provados, os pontos 24 a 27, incluindo-os na materialidade não provada.
32. Em virtude de tais alterações decorrerá naturalmente a absolvição do Recorrente do pedido subsidiário julgado procedente.
33. Acresce que, o Tribunal a quo considerou que “o R. não podia ignorar a essencialidade, para o A., do elemento sobre que incidiu o respectivo erro.
Conforme já exposto, é do conhecimento geral que o valor comercial do imóvel é directa e essencialmente influenciado pelo seu estado de conservação; este factor é essencial para a tomada de decisão sobre a compra”.
34. Ora, a demonstração dos factos integradores da essencialidade e respectiva cognoscibilidade, por constituírem requisitos de relevância do erro e fundamento da anulabilidade do negócio, constitui ónus de quem invoca o erro.
35. Verifica-se a ausência cumulativa dos vários pressupostos, um deles nem sequer alegado e nem incluído nos temas da prova, designadamente o indicado na última parte do artigo 247.º do CC, isto é, a prova de que: "o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.”
36. Posto isto, quanto ao requisito supra identificado, com o devido respeito, inverteu o Tribunal a quo o ónus da prova, violando o disposto no n. º 1 do artigo 342.º do CC, já que caberia ao Autor provar os factos demonstrativos desse conhecimento ou dever de não ignorar.
37. Salvo devido respeito, a sentença ora impugnada padece de manifesto erro de julgamento, quer quanto à realidade factual, como quanto à aplicação do direito, devendo ser alterada, nos precisos termos ora invocados.
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Recurso subordinado do Autor:
«9. O Tribunal “a quo” na apreciação e julgamento dos factos não atentou à matéria levada ao probatório, julgando como não provado: “Aquando da celebração do contrato-promessa o Réu tinha conhecimento da necessidade da realização de obras de reabilitação do edifício.”, devendo ser levado ao probatório. Com singeleza,
10. O referido contrato foi firmado pessoalmente pelos Contraentes em 21 de Outubro de 2020, ostentando a ata nº 15 do condomínio da véspera, onde estão elencadas as obras extraordinárias e de manutenção (estas que o próprio Autor em declarações admitiu ter conhecido ao tempo – ut. 12 do probatório e depoimento do A., (transcrito supra – 7m30s do suporte digital), como transcrito e assinalado, é bom de ver que o A. tomou conhecimento imediato da totalidade dessa deliberação, devendo entender-se essa resposta do depoente, seletiva e cirúrgica, quão incongruente, no respeitante às obras: O conhecimento da dívida supõe e faz crer o conhecimento do restante teor da deliberação.
11. Ademais, do depoimento do Administrador (FF) – ut. depoimentos (minuto 9m39s a 15,51s, assinalado na transcrição supra), resulta claro e univocamente que o condómino R./Apelado apesar de não ter estado presente nessa reunião, tomou conhecimento do efeito, disponibilizado na plataforma informática do Condomínio, cujo relatório preliminar até foi alocado anteriormente a 17/09/2020.
Ou seja,
12. Essa informação aparecia de interesse relevante e notório, para os Condóminos e interessados normais (o A. confessa ser ao tempo até residente no prédio do condomínio) chegou ao conhecimento do A. que dela tomou conhecimento, a menos que ostensivamente a tivesse rejeitado – ut. declarações do Administrador (Idem do extratado supra do mesmo depoimento)
13. Face aos elementos probatórios dos autos e a sua compreensão à luz das regras de experiência e da racionalidade é imperioso que essa matéria seja dada por provada.
Por outro lado,
14. Tem para si o ora Apelante que a matéria alegada no item 12 da p.i., sobre que até foi admitido depoimento pessoal do A., deverá ser levada ao probatório, a saber: “Tendo, assim, o A. expressamente aportado no contrato promessa a essencialidade dessa condição – inexistência à data do contrato definitivo de problemas com o prédio e/ou fração – para a outorga do contrato definitivo, a que o R. também se vinculou e aceitou.”
15. Essa factualidade, pese considerada na fundamentação da decisão da questão de facto, aliás transcrita até supra, não foi levada ao probatório, aparecendo como materialidade relevante e a dever ser dada como provada: a exegese literal do clausulado tem esse sentido unívoco; As partes quiseram esse efeito contratualizado (ut. além do mais, os depoimentos quer do A. (1m27s a 7m54s da gravação), quer da própria testemunha que interveio na mediação CC (2m26s a 11m da gravação), depoimento da testemunha DD (7m19s a 11m35s da gravação), e da testemunha GG (2m50s a 5m15s), articulados com o documento nº 2 junto com a petição inicial;
A declaração do condomínio foi gizada, e assim por ambas as partes assumida e aceite, para garantir e comprovar à data da escritura definitiva a boa qualidade do objeto contratual (longe de ser mero documento/formalidade declarativa): Pressuposto e condição essencial determinante desse negócio, a que o R./Apelado falhou e incumpriu.
16. Essa factualidade deverá ser levada ao probatório, sendo modificada a decisão de facto nesse alcance, adentro do cometido poder cognitivo do Tribunal “ad quem”– artigo 662 do Código de Processo Civil.
17. A esta luz e na compreensão da realidade factual dirimida e que os autos ostentam, é bom de ver que o A. ao invés do julgado quanto ao pedido principal, deu causa por culpa a si imputável ao decesso da relação contratual, inadimplentemente:
Sabia e não podia ignorar que a fração objeto do contrato promessa não oferecia ou detinha as condições (essenciais), que então fez crer, aquando da escritura definitiva, pretextando e furtando-se a documentar o real estado que acabou por se confirmar ser excecionalmente degradado – ut. probatório 24 a 27, donde a preocupação em querer tapar o sol com a peneira, apetecendo ao Réu aqui Apelado em recurso que nessa parte a realidade não seja essa.
18. Pela compreensão de toda a prova que os autos oferecem e que impõem uma reponderação pelo Tribunal “ad quem” e sua esperada modificação no alcance sobreditamente propugnado, tem para si o A., ora Apelante que é mister a procedência do pedido principal, pelo reconhecimento judicioso do incumprimento culposo e da revogação do contrato com a condenação do ora Apelado/Réu no pagamento do sinal em dobro (€ 30.000,00), acrescido de juros moratórios à taxa legal desde a notificação (19/04/2021) até o efetivo pagamento – artigos 442, nº 2, 805 e 806, do C. Civil.
19. O Tribunal “a quo” ao decidir o pedido principal, julgando-o improcedente, errou de facto e de direito, no alcance aqui subordinadamente propugnado, devendo ser provida a Apelação Subordinada do A./Apelante, nesse alcance com a clamada subsunção legal e decorrentes efeitos.
20. Só não havendo provimento desta apelação subordinada deverá manter-se o julgado do pedido subsidiário do A., que a decisão de 1ª instância encerra e legais efeitos, tudo como de direito.»
Termina pedindo que proceda a sua apelação.
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As questões a decidir são:
. apreciação da matéria de facto referente a aferir se era essencial para o Autor o edifício onde se encontra a fração, objeto da promessa, não necessitar de obras e quando tal produziria efeitos (facto 9) e das obras que o mesmo edifício necessitava (factos 24 a 27).
. natureza da cláusula aposta no contrato de que seria necessária a junção de declaração do condomínio a atestar que o edifício não iria comportar obras.
. consequência contratual de não ter sido emitida a declaração.
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2). Fundamentação.
2.1). Foram julgados provados os seguintes factos:
«1 – No dia 21-10-2020, o A. celebrou com o R. o contrato-promessa junto como doc. nº 3 à petição.
2 – No âmbito desse contrato, o R. declarou ser “proprietário e legítimo possuidor da totalidade da fracção autónoma “S”, composta por habitação, no segundo andar centro esquerdo traseiras, com entrada pelo nº ... da Rua ...; lugar de estacionamento identificado pela letra da fracção, na cave menos um, com entrada pelo nº ... da Rua ...; e arrumos identificados pela letra da fracção, na cave menos três, com entrada pelo nº ... da Rua ..., que integra o prédio urbano afecto ao regime da propriedade horizontal, sito na Avenida ..., nºs ..., ..., ..., Rua ... nºs ... e ..., e Rua ..., ..., na freguesia ..., Porto, descrito na Conservatória de Registo predial sob o nº ... (…) e inscrito na matriz predial urbana sob o art. ....
3 – No âmbito desse contrato, o R. prometeu vender a referida fracção ao A., e este prometeu comprá-la, pelo preço de 147 500 €.
4 – Consta da cláusula 1ª, nº 4, do referido contrato que “O segundo contraente [o A.] conhece perfeitamente o actual estado físico da fracção objecto do contrato, e que por ele não é considerado obstáculo à compra e venda ora prometida, não podendo invocar quaisquer vícios aparentes da mesma para não comparecer no acto de celebração do contrato definitivo de compra e venda.
a) Não obstante o mencionado na alínea anterior, fica desde já acordado entre as partes que o primeiro contraente [o R.] terá que fazer a pintura do WC, antes da escritura definitiva de compra e venda, em virtude de corrigir anomalias de uma infiltração que foi provocada pelo piso superior e que se encontra nesta altura completamente sanada.”
5 - Na data da assinatura do contrato, a título de sinal e princípio de pagamento, o A. entregou ao R., por cheque, a quantia de 15.000 €.
6 – Ficou convencionado que a restante quantia de 132.500 € seria paga no acto de celebração do contrato definitivo de compra e venda.
7 - Ficou convencionado, na cláusula 4ª, nº 1, que o contrato definitivo seria celebrado no prazo de 60 dias a contar da assinatura do contrato-promessa,
8 – Consta da cláusula 4ª, nº 2, que:
“A marcação da celebração do contrato de compra e venda incumbe ao Promitente- Comprador, de cuja data, hora e local deverá notificar o Promitente Comprador, com pelo menos 15 (quinze) dias de antecedência, relativamente à data da celebração do referido acto por carta registada com aviso de recepção, obrigando-se este a entregar ao Promitente Comprador toda a documentação necessária à instrução daquele acto, incluindo declaração do condomínio comprovando que não existe nenhum problema identificado no prédio/fracção que venha a originar alguma despesa inesperada nos próximos tempos.”.
9 – O A. só celebrou o referido contrato promessa por estar convicto que a fracção e o prédio onde esta se situa se encontravam em bom estado de conservação, não sendo necessária a realização de obras estruturantes, quer na fracção, quer no prédio onde esta se situa.
10 –Através do “e-mail” de 16-11-2020, junto como doc. nº 5 à petição, a mediadora imobiliária CC reencaminhou para o A. uma comunicação emitida pela empresa responsável pela Administração do Condomínio, da qual consta, além do mais, que “Reafirmo desconhecer infiltrações identificadas com a fracção” e “Não estão orçamentadas em acta obras no edifício”.
11 – No dia 20-10-2020 ocorreu uma Assembleia Extraordinária de Condóminos do prédio em causa, constando da respectiva acta, junta como doc. 9 à petição, que “Na sequência da aprovação dos saldos iniciais, verificou-se a existência de um défice no montante de 55.487,85 € acumulado até 31 de Julho de 2020”.
12 – Nessa assembleia foi aprovada a constituição de uma quota extraordinária de 55.000 €, a imputar às fracções pela permilagem, com a possibilidade de ser liquidada em 9 prestações mensais iguais e consecutivas, compreendidas entre Novembro de 2020 e Julho de 2021.
13 – Mais consta dessa acta que “(…) foi apresentado um relatório exaustivo sobre as necessidades de reparação dos diversos equipamentos, acompanhado de orçamentos justificativos e preços para as intervenções necessárias (…)”.
14 – O R. não esteve presente nessa assembleia de condóminos, tendo tido conhecimento do seu teor em data ulterior à sua realização.
15 – Por “e-mail” de 23-11-2020, junto como doc. nº 7 à petição, o administrador do condomínio comunicou ao A. que “(…) faremos uma avaliação das patologias do edifício com um relatório e caderno de encargos relativamente a um projecto de reabilitação do edifício com correcção dos eventuais erros de construção e falta de manutenção. Está em curso a revisão da cobertura, correcção das saídas de água e tratamento de juntas de dilatação (…)”.
16 – Por carta de 14-12-2020, junta como doc. nº 16 à petição, o A. informou o R. que a escritura definitiva estava marcada para o dia 31-12-2020, bem como que “deverá estar munido da declaração do condomínio comprovando que não existe nenhum problema identificado no prédio /fracção que venha a originar alguma despesa inesperada nos próximos tempos”.
17 – No dia 31-12-2020, o representante do R. compareceu no acto de celebração da escritura munido de uma declaração, junta como doc. nº 18 à petição, emitida pela administração do condomínio, com os seguintes dizeres:
“(…)
Declara-se, para os devidos efeitos, como solicitado, que se desconhece a existência de patologias na fracção “S”.
Mais se declara que, na presente data, não estão orçamentadas nenhumas obras de reparação do prédio, bem como não o estão aprovadas em acta.
(…)”
18 – Nessa ocasião, o Réu, através do seu representante, disponibilizou-se a pagar, a expensas próprias, quaisquer despesas relacionadas com obras nas partes comuns durante os 5 anos subsequentes à celebração do contrato.
19 – Entendendo que tal declaração não satisfazia o acordado em sede de contrato-promessa, o A. recusou-se a celebrar a escritura definitiva de compra e venda.
20 - Por carta de 21-1-2021, junta como doc. nº 7 à contestação, o Exmo. Sr. Dr. HH, na qualidade de mandatário do R., comunicou ao A. que “No passado dia 18-1-2021, V. Exa. recusou-se, mais uma vez, de forma infundada, a promover a celebração” do contrato definitivo do imóvel, mais concedendo ao A. o prazo de 15 dias para proceder ao agendamento de nova diligência para celebração do contrato definitivo, a ocorrer até ao dia 15-2-2021, com a cominação de, não o fazendo, o R. considerar definitivamente incumprido o contrato-promessa por motivos imputáveis ao A..
21 – Por notificação judicial avulsa junta com doc. nº 20 à petição, o A. comunicou ao R., em 19-4-2021, que considerava o contrato-promessa definitivamente incumprido, por culpa do R., mais solicitando o pagamento, em 15 dias, da quantia de 30.000 €, respeitante ao dobro do sinal entregue.
22 - Aquando da celebração do contrato-promessa, o R. tinha conhecimento da situação deficitário do condomínio em 55.000 €.
23 - O R. procedeu ao pagamento da totalidade da quota extraordinário mencionada na acta de 20-10-2020.
24 – O prédio onde se insere a fracção apresenta as seguintes patologias:
- Fissuração exterior;
- Elementos de iluminação da cobertura danificados,
- Lajetas da cobertura soltas e partidas;
- Telas deterioradas;
- Fungos em elementos da cobertura;
- Infiltrações;
- Soleiras deterioradas;
- Fissuração interior;
- Pinturas e reboco danificados;
- Tubos de queda deteriorados;
- Revestimento exterior (capoto) das fachadas deteriorado, com fissuras, deformações e sinais de desgaste;
- Caixilharias mal dimensionadas;
- Juntas de dilatação deterioradas;
- Tectos das varandas opados e com tinta empolada;
- Madeiras deterioradas.
25 – Algumas das fracções apresentam infiltrações e fissuras no seu interior, principalmente junto às caixilharias.
26 – Para reparar tais patologias será necessário, além do mais, a montagem de estaleiro e a substituição integral do revestimento exterior das fachadas.
27 – O custo da reparação de tais patologias ascende a 807.205 €.».
E foi julgado não provado:
«Aquando da celebração do contrato-promessa, o R. tinha conhecimento da necessidade de realização de obras de reabilitação no edifício.».
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2.2). Do recurso.
Recurso do Réu.
A). Impugnação da matéria de facto.
Facto provado 9, o qual tem o seguinte teor:
O Autor só celebrou o referido contrato promessa por estar convicto que a fração e o prédio onde esta se situa se encontravam em bom estado de conservação, não sendo necessária a realização de obras estruturantes, quer na fração, quer no prédio onde esta se situa.
O recorrente pretende que o facto resulte não provado, sustentando essa alternativa com base nos depoimentos das partes, CC (sócia-gerente de imobiliária contratada pelo Réu/recorrente), DD (vendedora da imobiliária), GG (companheira do Autor), no fundo mencionando que não há prova da essencialidade da convicção ali mencionada.
Sobre este ponto, o tribunal recorrido afirmou que:
. ficou demonstrado que o Autor só celebrou o referido contrato-promessa por estar convicto que a fração e o prédio onde esta se situa se encontravam em bom estado de conservação, não sendo necessária a realização de obras estruturantes, quer na fração, quer no prédio onde esta se situa. Com efeito, desde logo se refira que, segundo as regras da normalidade do acontecer, o estado em que o imóvel a adquirir se encontra é um elemento fundamental na decisão de celebração do contrato. Com efeito, tal elemento assume relevância quer quanto aos montantes a despender no futuro em obras de reabilitação, quer quanto aos incómodos decorrentes da realização dessas obras. No caso concreto em análise, a preocupação do Autor com o estado do imóvel resulta, de forma clara, do teor do próprio contrato-promessa. Com efeito, decorre da cláusula 4ª, nº 2, que o Autor exigiu ao Réu a entrega, antes da celebração do contrato definitivo, de “declaração do condomínio comprovando que não existe nenhum problema identificado no prédio/fração que venha a originar alguma despesa inesperada nos próximos tempos.”. No mais, a testemunha DD, funcionária da empresa de mediação imobiliária encarregue da venda e que acompanhou o Autor na visita ao imóvel, deu conta que, logo nessa ocasião, este questionou se estava prevista a realização de obras no prédio.
Do mesmo modo, CC, proprietária da referida empresa de mediação imobiliária, esclareceu que, antes da celebração do contrato-promessa, o Autor revelou-lhe que queria evitar custos supervenientes inesperados, designadamente, com obras, tendo sido este o motivo pelo qual ficou a constar do contrato-promessa a mencionada cláusula 4ª, nº 2.
No mesmo sentido, FF, gerente da empresa administradora do Condomínio onde se situa a fração, revelou que o Autor contactou-o no sentido de apurar a necessidade de realização de obras no prédio.
Igualmente, GG, namorada do Autor, com este vivendo em união de facto, deu conta que o Autor pretendia adquirir um imóvel que não fosse sujeito a obras.
Face a estes elementos probatórios, forçoso foi concluir que o Autor só prometeu comprar o imóvel porque estava convencido da desnecessidade de realização de obras estruturantes, quer na fração, quer no prédio onde esta se situa. Dito de outro modo: tudo aponta que o A., caso soubesse da necessidade de realização dessas obras, não teria celebrado o contrato-promessa.».
Esta análise, completa e corretamente fundamentada (ao invés do que o recorrente alega), obtém a nossa adesão, só divergindo na redação final do facto.
A prova, totalmente ouvida por nós, confirma, na íntegra, o que ali se menciona. E daí que, seja pelo que o próprio Autor menciona em declarações que se afiguraram coerente e sinceras, ao contrário das do recorrente, seja pelo enquadramento da situação e pelo referido pelas testemunhas, o facto deve resultar parcialmente provado, com uma alteração que infra se irá mencionar.
O recorrente procurou demonstrar não só que desconhecia, quando se celebrou o contrato promessa, que no edifício onde se encontrava a fração se iam realizar obras (e em parte conseguiu pois não se provou esse conhecimento) como não o poderia conhecer.
O Réu apresenta justificações sobre o que o Autor possa ter pretendido com a inclusão da cláusula 4.º, n.º 2, que, para nós, não são relevantes pois verdadeiramente quem saberá o que pretendia com a exigência de uma declaração em como o edifício não ia originar custos inesperados será o próprio Autor, a parte senão única, pelo menos a mais interessada na obtenção de tal declaração
O Autor afirmou que não queria adquirir uma fração com problemas nem uma fração integrada num prédio que fosse precisar de obras.
Caberá depois aferir se, desde logo, essa alegação tem sustento no contexto fáctico e se tem apoio na restante prova.
E aqui as palavras do tribunal recorrido traduzem o que entendemos correto: a aquisição de uma fração autónoma, na normalidade, visa a aquisição de um imóvel sem defeitos bem como a sua integração num prédio sem defeitos, não havendo qualquer facto de onde se possa retirar que não seria essa a pretensão do Autor.
E se houvessem dúvidas sobre a importância de tal matéria, ambas as partes as afastaram ao, por acordo, clausularem que tinha de ser apresentada, aquando da celebração do contrato de compra e venda, uma declaração do condomínio a comprovar que não existia nenhum problema identificado no prédio/fração que originasse alguma despesa inesperada nos próximos tempos.
Esta matéria era tão essencial que foi exarada, por escrito, num contrato, no sentido de que tinha de ser junta tal declaração; ora esta certamente não seria somente para ser exibida, não existindo uma razão subjacente à sua emissão. Tal declaração só pode existir por o Autor não querer celebrar o contrato definitivo se não houvesse a comprovação de que tais obras não iriam existir no prédio ou na fração.
Nem cabe aqui analisar se essa cláusula tem por base os custos ou também outras vertentes (ruído de obras, por exemplo); a necessidade de tal declaração mostra desde logo que a ausência de realização de obras no prédio e/ou fração era importante para as partes (ambas celebram o contrato) mas, obviamente, em especial para o Autor já que lhe iria permitir determinar que tipo de futuro poderia esperar em termos de obras no edifício.
Nenhuma das testemunhas afasta esta conclusão, sendo que o que ressalta é que o Réu/recorrente terá procurado obter, junto do condomínio, uma tal declaração que o administrador (FF), para pura e simplesmente não a negar, acaba por lhe entregar uma com um teor totalmente evasivo – desconhecia problemas na fração e não estava, nesse momento, orçamentado o custo de quaisquer obras (documento n.º 18, junto com a petição inicial) -.
Aliás, este administrador disse que os condóminos sabiam que se andava a estudar a realização de obras que o edifício necessitava, no valor de cerca de um milhão de euros e que por isso não podia emitir a declaração que lhe foi pedida pelo Réu e o máximo que podia era emitir o que acabou por declarar.
Agora, como sublinhamos, a declaração tinha que ser junta com a celebração do contrato prometido, sendo importante para esse momento; serve isto para referir que quando o contrato promessa é celebrado, temos de aceitar que o Autor não sabia se o edifício ia ter ou não necessidade de realização de obras que implicassem gastos inesperados. Se o soubesse, não precisava da declaração; se soubesse com pouca convicção e tivesse dúvidas, então acabava por não conhecer essa situação com a mínima segurança, revelando então utilidade aa aposição daquela cláusula.
Daí que, constando a cláusula no contrato, das duas uma: ou desconhecia, de todo, como estava o edifício (como aliás, nas palavras do condómino Réu, também ele desconhecia) ou tinha dúvidas e queria uma segurança quando se atingisse o momento para adquirir a propriedade da fração.
Mas não conseguimos concluir que o contrato promessa foi celebrado na convicção que o edifício não necessitava de obras estruturantes pois o Réu alega que não sabia dessa necessidade e não se apura que o soubesse e também nada consta dos autos que o Autor conhecesse o estado de conservação do edifício.
Depois, com a necessidade de junção da declaração aquando da data da outorga do contrato de compra e venda, nesse momento, consoante o seu teor, é que o promitente comprador iria ficar a saber se tinha garantias (dadas pela administração) de que o prédio não ia sofrer obras.
Por isso, o Autor celebra o contrato promessa na convicção de que a fração se encontrava em bom estado de conservação e que, aquando da celebração do contrato prometido, lhe iria ser fornecida declaração de onde pudesse conhecer qual o estado de conservação do edifício, de modo a poder concluir, nessa altura, que não era necessária a realização de obras estruturantes, quer na fração, quer no edifício onde esta se situa, para celebrar o contrato prometido.
Esta é, para nós, a redação correta desta factualidade, vertendo não tanto o que o Autor alega no artigo 8.º (que liga a essencialidade daquela declaração à celebração do contrato promessa) mas o que alega no 12.º (necessidade de tal declaração para celebrar o contrato definitivo), ambos da petição inicial.
Deste modo, o facto provado 9 passa a ter a seguinte redação:
O Autor celebrou o acima referido contrato promessa na convicção de que a fração se encontrava em bom estado de conservação e que, aquando da celebração do contrato prometido, lhe iria ser fornecida declaração de onde pudesse conhecer qual o estado de conservação do edifício, de modo a poder concluir, nessa altura, que não era necessária a realização de obras estruturantes, quer na fração, quer no edifício onde esta se situa, para celebrar o contrato prometido.
*
Factos provados 24 a 27.
«24. O prédio onde se insere a fração apresenta as seguintes patologias: fissuração exterior, elementos de iluminação da cobertura danificados, lajetas da cobertura soltas e partidas, telas deterioradas, fungos em elementos da cobertura, infiltrações, soleiras deterioradas, fissuração interior, pinturas e reboco danificados, tubos de queda deteriorados, revestimento exterior (capoto) das fachadas deteriorado, com fissuras, deformações e sinais de desgaste, caixilharias mal dimensionadas, juntas de dilatação deterioradas, tectos das varandas opados e com tinta empolada, madeiras deterioradas.
25. Algumas das frações apresentam infiltrações e fissuras no seu interior, principalmente junto às caixilharias.
26 – Para reparar tais patologias será necessário, além do mais, a montagem de estaleiro e a substituição integral do revestimento exterior das fachadas.
27 – O custo da reparação de tais patologias ascende a 807.205 €.».
O recorrente pretende que tais factos sejam dados como não provados e, com o devido respeito, pensamos que não alega motivação minimamente suficiente para que o facto seja alterado.
É preciso notar que os factos referem que o edifício padece de determinadas vicissitudes, ou seja, quando a sentença é emitida, pôde ser dado como provado que atualmente o edifício tem aquelas patologias; daí que é irrelevante estar aqui a aferir se as mesmas existiam antes ou não. Essa apreciação, face ao teor dos factos, poderá ter de ser efetuada em sede de apreciação de direito: se ao tempo em que se estava a diligenciar pela concretização da compra e venda, o edifício já padeceria de tais patologias.
Depois o que está provado é o que sucede com o edifício, não se o condomínio as aceita ou se conhecia o relatório em causa.
Quanto a citar o depoimento do administrador em abono da tese do recorrente, face ao que acima referimos sobre a sua atitude, tal defesa não tem procedência.
Por isso, o relatório em causa, exaustivo, ainda que por amostragem, como mencionado pelo seu subscritor em julgamento (EE), foi devidamente ponderado pelo tribunal, alicerçando o teor dos factos em análise.
Improcede, na totalidade, a argumentação do recorrente.
*
Recurso subordinado do Autor.
Impugnação da matéria de facto.
Facto único não provado, com o seguinte teor:
Aquando da celebração do contrato-promessa, o Réu tinha conhecimento da necessidade de realização de obras de reabilitação no edifício.
Sobre esta matéria, o tribunal mencionou o seguinte:
«Quanto ao “facto não provado” nº 14 (é lapso de escrita a menção a «não»), a não comparência do R. à assembleia de condóminos de 20-10-2020 resulta da análise da lista de presenças anexa à respectiva acta, junta como doc. nº 9 à petição. Dessa lista não consta o nome do R.. De todo o modo, tal como resulta desse “facto provado” nº 14, dúvidas inexistem que o R. veio, ulteriormente, a tomar conhecimento do teor dessa acta; desde logo, ofereceu-se, na diligência de celebração do contrato definitivo, conforme infra se explicitará, para proceder ao pagamento das quotas extraordinárias das obras ali mencionadas. Não obstante, nada nos permite afirmar que o R. tivesse conhecimento da necessidade de realização das obras de reabilitação no prédio aquando da celebração do contrato-promessa. Note-se que este contrato foi celebrado em 21-10-2020, tendo a assembleia (à qual o R. não compareceu) ocorrido no dia anterior. Assim, na ausência de qualquer elemento probatório nesse sentido, foi tal matéria tida como “não provada”.».
O recorrente/Autor sustenta que, apesar de não estar presente na assembleia que se realizou no dia anterior à celebração do contrato promessa tinha de saber e tinha obrigação de saber que havia problemas no edifício.
Ora, desde logo o facto não se reporta ao que o condómino/Réu tinha de saber mas ao que sabia; por outro lado, não vemos que um condómino tenha de saber que há necessidade de realização de obras num edifício. Pode o condómino estar alheado ao que se passa no mesmo condomínio, não sentir qualquer problema na sua fração nos locais por onde passa no edifício e, um dia, ser surpreendido com a necessidade de realização de obras.
Quanto ao depoimento do administrador, que já apontamos no sentido de que nos merece reservas, o mencionar que os condóminos tinham de se aperceber das infiltrações ou que sabiam não significa que o Réu se tenha apercebido: além de ser uma declaração genérica, podem as infiltrações (as que porventura serão mais patentes por causarem danos) não ter sido vistas pelo Réu face ao local onde se encontra a fração, não ter este sentido no interior da fração esse problema, a título de exemplo (note-se que as infiltrações são referidas como problemas que se manifestavam no interior das frações, em especial por causa de caixilharias como se denota do relatório preliminar junto aos autos, mas não em todas, cerca de 10%).
E a conversa entre administrador e Réu para ser emitida a declaração, na nossa perspetiva, deverá ter ocorrido depois da celebração do contrato promessa pois só nessa altura se tornou necessária para apresentar na data da celebração do contrato prometido, mas o certo é que o mesmo administrador não é minimamente convicto sobre qual a data em que conversou com o Réu.
No mais, o poder estar numa plataforma eletrónica o que se teria de fazer no prédio também não é relevante para aferir se o Réu sabia ou não que o prédio ia sofrer ou teria de sofrer uma intervenção pois pode nunca a ter visionado.
Para tal podia ser útil analisar a notificação efetuada aos condóminos para comparecerem na assembleia (e o modo como foi feita) da assembleia de 20/10/2020, certamente com a indicação dos temas a serem apreciados mas, ainda assim, podia ficar-se com a dúvida se o Réu a teria efetivamente lido.
Assim, improcede esta argumentação.
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2.2). Da apreciação jurídica.
Autor e Réu celebraram entre si um contrato promessa de compra e venda em que aquele declarou prometer comprar a este, que por sua vez declarou prometer vender-lhe, uma fração autónoma num edifício constituído em propriedade horizontal – factos provados 1 a 3 -.
Assim, claramente, as partes e o tribunal recorrido qualificaram corretamente o contrato em causa, tal como previsto no artigo 410.º, do C. C..
Nesse contrato, foram exaradas, entre outras, as seguintes cláusulas:
. 1.ª, n.º 4: «O segundo contraente conhece perfeitamente o atual estado físico da fração objeto do contrato, e que por ele não é considerado obstáculo à compra e venda ora prometida, não podendo invocar quaisquer vícios aparentes da mesma para não comparecer no ato de celebração do contrato definitivo de compra e venda.
a) Não obstante o mencionado na alínea anterior, fica desde já acordado entre as partes que o primeiro contraente terá que fazer a pintura do WC, antes da escritura definitiva de compra e venda, em virtude de corrigir anomalias de uma infiltração que foi provocada pelo piso superior e que se encontra nesta altura completamente sanada.»;
4.ª, n.º 2: «A marcação da celebração do contrato de compra e venda incumbe ao Promitente- Comprador, de cuja data, hora e local deverá notificar o Promitente Comprador, com pelo menos 15 (quinze) dias de antecedência, relativamente à data da celebração do referido ato por carta registada com aviso de receção, obrigando-se este a entregar ao Promitente Comprador toda a documentação necessária à instrução daquele ato, incluindo declaração do condomínio comprovando que não existe nenhum problema identificado no prédio/fração que venha a originar alguma despesa inesperada nos próximos tempos.” – nosso itálico -.
Temos assim que, por um lado, no que respeita à fração, à partida, teria ficado esclarecido qual o estado aparente da mesma (não padecia de patologias, mesmo na casa de banho que já tinha sido reparada) e que, por isso, o promitente comprador/Autor não poderia invocar vícios aparentes.
Por outro lado, para se celebrar a escritura de compra e venda, ficou acordado que tinha de ser exibida/entregue (a cláusula não é explícita quanto a este ponto) uma declaração do condomínio a comprovar que ou o prédio ou a fração não iriam originar despesas inesperadas nos próximos tempos.
Essa declaração do condomínio, desde logo, ou era emitida pelo administrador em sua representação ou pela assembleia de condóminos, reunida para o efeito, pois são os órgãos com poderes para a representar (artigo 1430.º, n.º 1, do C. C.).
No caso, optou-se por se entregar uma declaração emitida pelo administrador do condomínio (facto provado 17).
Acresce que o administrador só podia emitir uma declaração respeitante ao próprio edifício, ou seja, quanto às partes comuns, pois não lhe assiste legitimidade para declarar se uma fração autónoma poderá vir a representar gastos inesperados para o seu futuro adquirente; tal matéria é da exclusiva responsabilidade do, no caso, promitente vendedor, seu proprietário.
Assim, o administrador teria de emitir a declaração referindo que, certamente do que conhecia, o estado do prédio não perspetivava que tivesse de sofrer intervenções que pudessem representar gastos extras (inesperados na visão do promitente comprador por não lhe terem sido previamente dados a conhecer).
O promitente comprador salvaguardou-se em relação às condições de conservação da fração autónoma (fez-se reparação do vício aparente que se detetou) e terá visionado a fração de modo a que se exarou que, aparentemente, a mesma não padecia de vicissitudes.
E também se quis salvaguardar em relação ao prédio/edifício no sentido de querer celebrar o contrato definitivo com a confirmação, por quem tinha legitimidade para o efeito, de que também o edifício não teria vicissitudes que implicasse a realização de obras que levavam ao pagamento de outras quantias para além da quota mensal (artigo 1424.º, do C. C.).
É este o sentido que retiramos das cláusulas em questão e principalmente daquela que origina a não celebração da compra e venda. No fundo, o promitente comprador fez notar ao promitente vendedor que se aquela declaração não fosse junta ou se soubesse, por outra via, que o edifício tinha patologias que poderiam significar a necessidade de realização de obras, com o consequente acréscimos de despesas para o condomínio, não iria concretizar o negócio.
Discordamos do caráter vago que é atribuído pelo tribunal recorrido à cláusula pois esta enuncia claramente o que tem de ser declarado. Pode, numa visão jurídica (os contraentes não serão juristas, do que nos apercebemos), não ter a redação mais aconselhável (gastos inesperados podia ser alterada para gastos extraordinários, próximos tempos podia ser três meses, um ou dois anos) mas o que se visa é claro: a emissão da declaração que permita ao promitente comprador ficar mais seguro que adquire um imóvel e que não vai ter surpresas com gastos que afinal ou já estavam decididos ou iriam ser perspetivados.
Importa agora interpretar esta cláusula 4, n.º 2, de acordo com o que um declaratário normal, colocado na posição do promitente vendedor, poderia deduzir do comportamento do promitente comprador (artigo 236.º, do C. C.).
Temos duas perspetivas, uma aquela que aponta para o que a cláusula pretendia ser e outra que será aquela que, na nossa opinião, acaba por se revelar.
Na primeira visão, pensamos que o que se quis exarar, em especial pelo promitente comprador, foi que ou aquela declaração era junta e o contrato de compra e venda se celebrava (preenchidos os outros elementos necessários) ou se o não fosse, o contrato não era celebrado por ser essa a vontade do mesmo promitente.
Na realidade, ao exarar-se que é preciso juntar-se toda a documentação necessária à instrução da compra e venda, incluindo a declaração do condomínio, verifica-se que se quis conferir a essa declaração uma importância igual à de outra documentação necessária para se celebrar a escritura de compra e venda, ou seja, a declaração era também necessária para se celebrar o contrato definitivo.
Quanto ao estado da fração autónoma, o que eventualmente fosse aparente, estava resolvido entre as partes no sentido de que não havia vicissitudes; mas quanto ao estado do edifício, a salvaguarda da inexistência de necessidade de obras, ou passava por uma análise ao edifício na totalidade ou por uma declaração, de quem de direito, que tranquilizasse o promitente comprador no sentido de que, previsivelmente, não iriam existir gastos extra/inesperados para o Autor.
Por isso, essa cláusula tinha praticamente todos os elementos necessários para que se pudesse considerar uma condição suspensiva para que o contrato definitivo se pudesse concretizar - (artigo 270.º, do C. C.) -.[1]
E ainda que se pudesse entender que essa declaração se reportava a acontecimentos passados ou presentes (estado do edifício), apesar disso, por estar em causa o conhecimento desse estado do edifício, estar-se-ia perante uma condição já que, para as partes, estando na ignorância, o facto é como se ainda não existisse (Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, II, 4.ª, página 641, menciona que quando está em causa as partes reportarem-se ao conhecimento de uma situação presente ou passada, deve considerar-se que existe uma condição).
Sucede que, do teor da própria cláusula, não se consegue retirar esse condicionalismo, ou seja, não contém qualquer expressão de onde se possa retirar que se a declaração não fosse junta, o contrato prometido não se celebraria (por exemplo, a declaração tem de ser junta, sendo condição essencial para a celebração do contrato prometido ou tem de ser junta sob pena de o contrato prometido não se realizar, entre outras possibilidades).
E a mesma cláusula não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto, conforme artigo 238.º, do C. C., não se conseguindo assim extrair da cláusula, ou da parte restante do contrato, qualquer sinal escrito que permita concluir que foi aposta uma condição suspensiva à celebração do contrato prometido.
Assim sendo, importa então aferir desde logo se foi junta a referida declaração e qual a consequência da sua junção ou falta dela.
Essa declaração, como já se mencionou na análise à impugnação da matéria de facto, no nosso entendimento, não foi junta pois, o que se apresentou, tinha o seguinte teor:
. Declara-se, para os devidos efeitos, como solicitado, que se desconhece a existência de patologias na fração “S”.
Mais se declara que, na presente data, não estão orçamentadas nenhumas obras de reparação do prédio, bem como não o estão aprovadas em ata.
Quanto à primeira parte, já mencionamos que não teria qualquer relevo; quanto à segunda, o que resulta é, para nós, é uma quase não declaração, ou seja, nem se declara que não há obras a serem realizadas, não sofrendo o edifício de patologias nem se refere o que se pedia: não há previsão da necessidade de realização de obras.
E esta previsão já existia - a declaração, sem data, foi apresentada em 31/12/2020 – e o administrador comunicou ao Autor, por mail de 23/11/2020 que se se iria fazer uma avaliação das patologias do edifício com um relatório e caderno de encargos relativamente a um projeto de reabilitação do edifício com correção dos eventuais erros de construção e falta de manutenção e que estava em curso a revisão da cobertura, correção das saídas de água e tratamento de juntas de dilatação – facto provado 15 -.
O Réu tinha de apresentar, porque assim concordou, uma declaração que atestasse que a manutenção do prédio não iria acarretar custos inesperados para o Autor e tal não foi feito; a declaração é evasiva, procurando não se comprometer com o já se saber que há obras a terem de ser realizadas e sendo muito clara com o ainda não estarem orçamentadas e aprovadas que não era o que se pedia.
Para um futuro comprador normal o que releva é o efetivo estado de um prédio e não se, por exemplo, o condomínio o vai deixar degradar-se, não aprovando obras; a aprovação é um ato que demonstrará a saúde do condomínio, mas para o potencial comprador desde logo lhe importa saber se há obras que precisam de ser feitas, como infra se mencionará, de novo.
Aliás, depois de 23/11/2020 (dada do referido mail do administrador), já nem haveria, em rigor, necessidade de se tentar juntar a declaração contratualmente acordada pois já não podia ser junta pois já sabia (o condomínio, na pessoa do administrador e o Autor) que ia haver a necessidade de realização de obras e consequentes custos.
De qualquer modo, não vemos óbice a que o Autor tenha marcado dia para realização da escritura de compra e venda pois, face à, ainda que remota, incerteza do que estava em causa, podia ser emitida uma declaração que satisfizesse o Autor.
O Réu tinha que juntar aquela declaração até ao dia da celebração do contrato definitivo e não o fez; se fosse possível a sua junção, então o Réu apenas entraria em mora e o Autor teria de converter esse atraso em incumprimento definitivo, por exemplo, interpelando-o a apresentar a mesma num determinado prazo sob pena de se considerar definitivamente incumprida essa obrigação – artigo 808.º, n.º 1, do C. C. -.
Mas, no caso, o Réu já não conseguia (como não conseguiu) apresentar tal declaração até esse momento (ou outro que se possa considerar tempo útil –para o promitente comprador se daqui a cinco ou dez anos as obras estiverem realizadas, poderia ser emitida a declaração mas, ainda que perspetivando o prazo de sessenta dias para celebração do contrato como não sendo absoluto, aquela declaração teria de ser emitida e entregue num prazo razoável que se pudesse entender que o Autor aceitaria - ou deveria aceitar - aguardar para poder celebrar o contrato definitivo).
Atualmente, não se perspetiva quando possa a vir ser emitida, pelo que temos a certeza que, em tempo útil, a declaração não pode ser emitida pelo facto tal não ser possível: o prédio estava a precisar de obras e estava a ser estudada a aprovação da sua realização, por um valor que, à data do relatório que serviu de base aos factos 24 a 27 (21/04/2021), ascenderia a 807.000 EUR (documento junto em 14/03/2022, referência citius 31646709).
Estando o edifício a necessitar de obras nas partes comuns e no interior das frações (certamente por causa de patologias advindas das mesmas partes comuns), necessidade essa que já existia em 31/12/2020, estimando-se cerca de quatro meses depois desta última data que as obras se aproximam do valor estimado de muito perto de um milhão de euros, pensamos que é lógico concluir que o Réu não iria conseguir apresentar a declaração de que o estado do edifício não ia comportar a realização de gastos extra com obras.
Conclui-se assim que a emissão da declaração provavelmente ainda hoje não é possível pois não consta dos factos sequer que as obras se tenham iniciado, sendo, desse modo, impossível a sua emissão, reconduzindo-se a uma impossibilidade do cumprimento dessa obrigação.
Mas, apesar de se presumir a culpa nessa impossibilidade do Réu, conforme artigo 799.º, n.º 1, do C. C., no caso pensamos que se afasta essa presunção. Na verdade, a emissão da declaração não é impossível por causa do Réu, mas antes porque o edifício necessita de obras e não pode assim declarar-se o que o Autor pretendia.
Nem conseguimos imputar ao Réu qualquer responsabilidade na impossibilidade de emissão da declaração, desde logo porque não se apura que soubesse o que o condomínio tinha apreciado sobre o estado do edifício nem que tenha assumido que a apresentava sabendo que não o podia fazer.
Importa assim determinar se:
. há motivo para se considerar o contrato definitivamente incumprido (como pretende o Autor e agora apresentante de recurso subordinado), por culpa de quem e quais as consequências que daí podem advir ou
. se, não podendo ser considerado definitivamente incumprido, o mesmo pode ser anulado (como decidido pelo tribunal recorrido e pedido, a título subsidiário pelo Autor, ora recorrido) ou;
. se ocorre outra causa de extinção do contrato e, por fim
. se o contrato se tem de se considerar em vigor.
Concluindo-se que não é possível a apresentação da declaração na data da celebração do contrato prometido, desde logo há que classificar em que consistia essa obrigação contratual.
O tribunal recorrido denomina-a de obrigação secundária, em contraposição à obrigação principal: celebração do contrato prometido.
Como se menciona no Ac. da R. C. de 27/02/2018, rel. Maria João Areias, www.dgsi.pt, no contrato promessa vem sendo entendido que, para além da obrigação principal de celebrar o contrato final, poderão emergir várias outras obrigações secundárias, levantando-se a questão de qual o regime a aplicar no caso de incumprimento de alguma delas.
De entre as obrigações secundárias, a doutrina e a jurisprudência costumam distinguir entre:
a) os deveres acessórios da prestação, que se destinam a preparar o cumprimento ou a assegurar a perfeita execução da prestação principal;
b) deveres secundários com obrigação autónoma.
Antunes Varela, in Das obrigações em Geral, I, 6.ª, páginas 124 a 130 traça um quadro sobre estes deveres em que existem os deveres secundários/acidentais e os complementares da prestação principal (por exemplo, a fixação de uma indemnização).
Ao lado destes, distingue uma terceira sub-espécie (como se refere no último Ac. citado), que denomina de deveres de conduta que, não interessando diretamente à prestação principal nem dando origem a qualquer ação autónoma de cumprimento (artigo 817.º, do C. C.), «são todavia essenciais ao correto processamento da relação obrigacional em que a prestação se integra.».
E dá como exemplo a obrigação do locatário em avisar o locador quando tenha conhecimento de vícios da coisa locada (e na nota 4, da página 124, cita um exemplo de um doutrinador estrangeiro que mencionou que este tipo de deveres se destina a proteger o credor de prejuízos que lhe advenham duma defeituosa realização da prestação ou a esclarecê-lo dos perigos da coisa que lhe era devida.
Ora, no caso concreto, claramente que a falta de apresentação de declaração não é a obrigação principal que resulta do contrato; e na nossa opinião não será também uma daquelas obrigações secundárias acima indicadas em a) e b) pois a mesma é irrelevante para a concretização da celebração do contrato prometido – por falta dessa declaração, não há obstáculo à celebração do contrato pois não é legalmente exigível (atualmente é exigida eventualmente uma declaração de ausência de dívidas do condomínio – artigo 1424.º-A, n.º 1, do C. C. -).
A declaração serve unicamente para esclarecer o promitente comprador sobre o estado do edifício e para lhe permitir decidir de acordo com a sua vontade.
Em termos mais simplistas, se da declaração resultar que não existe necessidade de realização de obras, o promitente comprador fica assim esclarecido e porventura quererá celebrar a escritura; se resultar o contrário ou se da mesma nada resultar, pode não ficar esclarecido e terá de decidir se celebra o contrato ou não, sujeitando-se depois à apreciação legal da sua conduta.
Deste modo, ao não ter junto a declaração a que contratualmente se obrigou, o Réu/promitente vendedor violou um dever de conduta pois a mesma era essencial para o promitente comprador.
Mas, aqui como menciona a decisão recorrida, não estando em causa a violação de uma obrigação principal, o contrato promessa à partida não poderia ser resolvido por incumprimento do promitente vendedor (a que acresce que quem o declarou resolver foi o Autor); mas também como ali se refere, citando jurisprudência, a violação de um dever lateral, pela sua importância, pode dar origem à resolução contratual[2] e, para nós, é o que sucede no caso em apreciação.
A omissão do promitente vendedor em, no fundo, informar esclarecidamente da situação do imóvel, serve para se ponderar se a recusa do Autor em celebrar o contrato prometido se revela fundada, ou seja, se havia motivo para o mesmo se desligar da sua obrigação de celebrar o contrato.
E, para nós, o que sucede é que há impossibilidade parcial de celebração do negócio tal como pretendido, tendo a parte não cumprida muito interesse para o Autor.
O artigo 793.º, do C. C., relativo à impossibilidade objetiva, menciona que se a prestação se tornar parcialmente impossível, o devedor exonera-se mediante a prestação do que for possível, devendo, neste caso, ser proporcionalmente reduzida a contraprestação a que a outra parte estiver vinculada (n.º 1) mas, o credor que não tiver, justificadamente, interesse no cumprimento parcial da obrigação pode resolver o negócio (n.º 2).
Ora, uma vez que o Autor considerou essencial para a celebração da compra e venda estar convicto que a fração e o prédio onde esta se situa se encontravam em bom estado de conservação, não sendo necessária a realização de obras estruturantes, quer na fração, quer no prédio onde esta se situa (facto 9), não sabendo que o edifício não apresenta estas características ou até sabendo que não as possui pois conhece que está em curso a futura aprovação de realização de obras muito relevantes, tem motivo para defender que perdeu objetivamente o interesse na celebração do contrato, mormente, no seu cumprimento parcial.
Aquela declaração seria o único meio que tinha de poder confiar que ia celebrar uma aquisição de um bem que não continha patologias, interesse esse que resulta patente pela aposição da cláusula, da necessidade de reparação da própria fração, com tudo concordando o promitente vendedor.
O adquirente de um imóvel, por regra, só o quer adquirir quando não seja necessária a realização de obras avultadas[3] e, integrando-se o imóvel num edifício constituído em propriedade horizontal, também por norma não pretende ir viver para um local onde sabe que se vão ter de realizar obras.
É certo que a conclusão também passa pela dimensão das obras – a mudança de uma caleira ou a sua limpeza-, à partida não serão motivo para se poder considerar que o interesse em se adquirir um imóvel se perca; mas se estiverem em causa a pintura de fachadas de considerável dimensão/altura, eliminação de infiltrações, humidades, é sensato que uma pessoa acabe por deixar de ter interesse na celebração do contrato de compra e venda. Além dos custos que lhe advirão por ter de contribuir para o seu pagamento, ficará na incerteza sobre a real extensão das obras pois no decurso da sua realização é expectável que vão surgindo outros problemas, como também terá dúvidas sobre, se a sua fração ainda não foi atingida por problemas estruturantes ou se o poderá vir a ser, além de todos os incómodos que obras desta dimensão provocam – colocação de andaimes, obras a serem realizadas durante o dia, sujidades, … -.
Por isso, para nós, o Autor, sabendo que não conseguia não só ter a certeza de que o prédio não ia necessitar daquele tipo de obras como ficou com a certeza de que afinal havia obras a terem de ser realizadas, pelo menos referentes a revisão da cobertura, correção das saídas de água e tratamento de juntas de dilatação, mesmo sem saber o valor provável dessas obras, tinha motivo para resolver o contrato por perda de interesse na celebração de um contrato de compra e venda em que já sabia que havia a previsão da realização de obras e em que o condomínio não podia garantir que não haveriam despesas com a realização das mesmas.
E, a posteriori, essa perda de interesse sai reforçada (na nossa opinião) pelo valor estimado do custo da realização da intervenção (se porventura se apurasse um valor irrisório de obras ou de extensão da sua realização, então a objetividade poderia não vir a ser considerada); custo esse elevado que releva não tanto só pelo o que o Autor pudesse vir a ter de pagar em excesso à quota mensal ordinária, mas pelas restantes variantes que já referimos.
É certo que a cláusula contratual estipula que a declaração deve mencionar que não vai o Autor de ter de efetuar gastos inesperados mas está claramente subjacente que o que o Autor queria não só não ter esses gastos como queria adquirir um imóvel situado num edifício sem patologias sérias.
Concluímos assim que o Autor perdeu, fundadamente, o interesse na celebração (parcial) do contrato prometido, o que então lhe permite resolver o contrato.
Essa resolução assenta na indicada perda de interesse que, por seu turno, tem na sua base a violação de uma cláusula contratual que não se reporta à obrigação principal, mas a um dever lateral que, no caso, tinha importância fundamental e que não foi cumprida pelo mesmo Réu; no entanto, a junção da declaração tornou-se impossível, por motivo que é alheio ao Réu – estado efetivo do edifício -.
Por isso, não podemos concluir que a não celebração do contrato prometido se deveu a um incumprimento culposo do Réu, a um facto que lhe seja imputável (a título de culpa, presumida ou efetiva), que a existir poderia dar azo à restituição em dobro do valor do sinal, prevista no artigo 442.º, n.º 2, do C. C., mas antes à violação de um dever lateral que se tornou objetivamente impossível de realizar e, por esse motivo, acarreta a impossibilidade parcial de celebração do contrato prometido como pretendido pelo promitente comprador/Autor – aquisição de fração situada em edifício com declaração de condomínio a atestar a inexistência de patologias que acarretem a realização de gastos inesperados -.
Aquela parte da prestação, tornando-se impossível, permite ao credor (promitente comprador) resolver o negócio.[4]
Por isso, a impossibilidade parcial de celebração do acordado, confere o direito de resolução àquele, a qual determinará que o Réu tem de devolver ao Autor o que receber deste a título de sinal – 15.000 EUR – conforme artigos 433.º e 434.º, n.º 1 e 289.º, n.º 1, todos do C. C. -.
Para nós, a restituição em singelo do sinal não se opera pelo instituto do erro, como decidido pelo tribunal recorrido.
O Autor não celebrou o contrato promessa equivocado ou convencido sobre uma determinada realidade que deveria existir sobre o objeto (artigo 251.º, n.º 1, do C. C.) e que no entanto não existia; o mesmo Autor (e porventura o Réu) desconheceria o estado do prédio e, por isso, foi aposta a referida cláusula 4, n.º 2 pois, ao pretender-se a obtenção da sempre referida declaração, queria também saber se estava a adquirir um imóvel que não viria a acarretar aquele tipo de despesas com obras.
Haveria erro se se tivesse assumido que o edifício não tinha qualquer necessidade de realização de obras e depois se viesse a constatar que, nessa data, já havia essa necessidade (por exemplo, veja-se Ac. da R. P. de 15/11/2018, rel. Leonel Serôdio, www.dgsi.pt, quanto ao erro sobre o objeto que, nas palavras de Menezes Cordeiro, obra citada, página 858, abrange as suas qualidades e particularmente o seu valor, bem como as qualidades jurídicas e o conteúdo do negócio.
Conclui-se assim que nem o Réu vê provimento no seu recurso por pugnar pela sua absolvição nem o Autor vê procedência no seu recurso subordinado no sentido de lhe ser restituído, em dobro, o sinal que prestou, mantendo-se assim a decisão.
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3). Decisão.
Pelo exposto, decide-se julgar improcedentes os recursos apresentados pelo Réu (a título principal) e pelo Autor (a título subordinado).
Custas dos recursos a cargo dos respetivos recorrentes.
Registe e notifique.

Porto, 2023/03/09.
João Venade
Paulo Duarte Teixeira
Ana Vieira
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[1] As partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução: no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição; no segundo, resolutiva.
[2] Também Ac. da R. P. de 07/12/2018, desta mesma secção, rel. Aristides Almeida, www.dgsi.pt: V - A violação de obrigações acessórias pode assumir um relevo ou gravidade tais que permitam imputar ao contraente, com fundamento nas regras da boa fé, o incumprimento do contrato.
[3] Situação que poderia suceder numa reabilitação de um imóvel, que não é o caso dos autos.
[4] O Ac. do S. T. J. de 15/02/2005, rel. Alves Velho, www.dgsi.pt afigura-se-nos muito útil na análise desta situação. Desde logo, no sumário escreve-se que: 1. Pressuposto da resolução do contrato-promessa é, em regra, o incumprimento da obrigação principal, a realização do contrato prometido. 2. Quando não esteja em causa o incumprimento dessa obrigação, haverá que averiguar, em concreto, qual a relevância da prestação incumprida na economia do contrato, em termos de proporcionar ao credor os efeitos jurídicos e patrimoniais tidos em vista com a conclusão do contrato, nomeadamente tendo em conta a respetiva repercussão no todo contratado.
E noutro Ac. do mesmo relator, de 27/05/2003, no mesmo sítio, sumaria-se que, quanto a obrigações secundárias: 3. Quando deixem de ser cumpridas obrigações ou deveres dessa natureza não se segue, necessariamente, o direito à resolução do contrato-promessa, apesar de o incumprimento ter sido precedido de interpelação cominatória do credor; 4. Não estando em causa a obrigação principal, há que averiguar, em concreto, qual a relevância da prestação incumprida na economia do contrato (no todo contratado), em termos de proporcionar ao credor os efeitos jurídicos e patrimoniais tidos em vista com a sua conclusão. No corpo da decisão, refere-se que estamos perante um incumprimento parcial do contrato em que o direito à resolução tem de ser aferido à luz da gravidade do incumprimento, segundo um critério objetivo. Relevarão, então, a projeção do concreto incumprimento, quanto à sua natureza e extensão, no interesse do credor, tendo presente o princípio da boa fé - art. 762.º-2 C. Civil. Ainda aqui, o que está em causa na "apreciação valorativa do incumprimento" é a repercussão do inadimplemento parcial no equilíbrio sinalagmático do contrato em ordem a avaliar se este ficou afetado (vd. BRANDÃO PROENÇA, "A Resolução do Contrato no Direito Civil", 138 e ss.).».
Foi o que procuramos realizar no caso em análise, concluindo (ao contrário do que sucedeu na situação concreta deste último Acórdão) que havia motivo para resolver o contrato por incumprimento parcial.