Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MENDES COELHO | ||
Descritores: | CONFISSÃO DE DÍVIDA ÓNUS DA PROVA PRESUNÇÃO LEGAL | ||
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Nº do Documento: | RP20230925255/21.7T8VNG.P1 | ||
Data do Acordão: | 09/25/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | RECURSO PARCIALMENTE PROCEDENTE; DECISÃO ALTERADA | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – Visando a ampliação do objeto do recurso factualidade atinente a quantia pecuniária peticionada que foi julgada improcedente, e não tendo a recorrida, por si, interposto recurso, ainda que subordinado, é de concluir que tal factualidade diz respeito a matéria cuja decisão, na parte a ela atinente, transitou em julgado, não havendo por isso que a apreciar. II – Ainda que o credor beneficiário de confissão/reconhecimento de dívida, por via do disposto no art. 458º nº1 do C. Civil, esteja dispensado de provar a relação fundamental, o mesmo não está dispensado de a alegar, enquanto causa de pedir, na petição inicial da ação. III – Alegando-se que tal relação fundamental ou causal foi o empréstimo de diversas quantias em dinheiro é de considerar cumprido aquele ónus de alegação; IV – Tendo a autora confissão de dívida a seu favor e alegado aquela relação causal ou fundamental do crédito que ali lhe é reconhecido, beneficia a mesma da presunção legal da existência de tal relação prevista no art. 458º nº1 do C. Civil e teriam os réus, para se eximirem à responsabilidade pelo pagamento da dívida, como ali previsto e como previsto também no art. 350º nº2 do mesmo diploma, que fazer prova em contrário da existência daquela relação; isto é, os réus teriam que fazer prova positiva de que a autora não emprestou ou nunca emprestou as quantias em dinheiro que perfazem a quantia referida naquela confissão de dívida. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº255/21.7T8VNG.P1 (Comarca do Porto – Juízo Local Cível do Porto – Juiz 2) Relator: António Mendes Coelho 1º Adjunto: Joaquim Moura 2º Adjunto: Ana Paula Amorim Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I – Relatório AA propôs acção declarativa comum contra BB, viúva, por si e na qualidade de herdeira de CC, DD, EE e Herança aberta por óbito de CC, da qual são representantes como herdeiros aquela ré e aqueles réus, pedindo o seguinte: - a condenação da Ré BB a devolver/pagar à Autora quantias mutuadas no valor de 19.178,86 € (3.491,58 € + 10.787,28 € + 950 €+ 3.950 €); a pagar-lhe juros de mora vencidos desde janeiro de 2015, os quais na data reportada à propositura da acção ascendem à quantia de 4.626,05 €, bem como nos juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento; a pagar à Autora todas e quaisquer despesas derivadas da cobrança dos créditos da Autora, incluindo os honorários de advogado (conforme cláusula sexta de confissão de dívida datada de 16/06/2005), honorários que ascendem já à quantia de 1.615 €, bem como nos demais a calcular em execução de sentença; - a condenação da herança aberta por óbito de CC, representada pelos demais réus seus herdeiros: a devolver/pagar à Autora quantias mutuadas na importância de 19.178,86 € (3.491,58 € + 10.787,28 € + 950 €+ 3.950 €); pagar-lhe os juros de mora vencidos desde janeiro de 2015, os quais na data reportada à propositura da acção ascendem à quantia de 4.626,05 €, bem como nos juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento; a pagar à Autora todas e quaisquer despesas derivadas da cobrança dos créditos da Autora, incluindo os honorários de advogado (conforme cláusula sexta de confissão de dívida datada de 16/06/2005), honorários que ascendem já à quantia de 1.615 €, bem como os demais a calcular oportunamente e ou em execução de sentença; - a condenação da herança aberta por óbito de CC, representada pelos demais réus seus herdeiros, a pagar à Autora a quantia de 3.710,83 €, referente à soma das quantias pagas pela Autora a pedido do falecido CC, como se indica: 366,00 € de despesas com óbito, funeral e diversos; 5,73 € de despesas com contribuições; 586,80 € de despesas com a mãe FF; 928,48 € de despesas com inventário, avaliações, descriminação e processo; e 1.900 €, referente a 19 mensalidades a 100 € cada, devidas pela quota parte do sustento do CC à mãe e adiantadas pela Autora, tudo na quantia de 3.787,01 €, sendo deduzida a tais importâncias a quota parte da receita da segurança social no valor de 76,18€, acrescida dos juros de mora vencidos, pelo menos, desde janeiro de 2015, que na presente data ascendem a 891,41 €, acrescida ainda dos juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento. Caso assim se não entenda, - a condenação da Ré BB a devolver/pagar à Autora, a título de enriquecimento sem causa, a quantia de 22.889,69 €, acrescida dos juros de mora vencidos desde janeiro de 2015, que na data reportada à propositura da acção ascendem a 5.517,46 €, acrescida dos juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento; - a condenação da herança aberta por óbito de CC, representada pelos demais réus seus herdeiros, a pagar à Autora, a título de enriquecimento sem causa, a quantia de 22.889,69 €, acrescida dos juros de mora vencidos desde janeiro de 2015, que na data reportada à propositura da acção ascendem a 5.517,46 €, acrescida dos juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento. Alegou para tal ter emprestado ao falecido CC, que era seu irmão, e à ré BB, sua esposa, as quantias supra referidas como mutuadas no pedido formulado, que os mesmos utilizaram para fazer face aos encargos da vida familiar, e uma confissão de dívida datada de 16/06/2005, subscrita por si e pelo falecido, e ainda ter pago por ele, a seu pedido, as quantias que o mesmo, a par dos seus restantes irmãos, se obrigou a pagar para alimentação e demais despesas da mãe de ambos, FF, e ainda as que lhe cabia pagar na sequência do falecimento desta e que se mostram também referidas no pedido formulado, quantias estas que aquele se comprometeu a pagar-lhe. Os réus deduziram contestação, impugnando os factos alegados pela autora no sentido de lhe serem devidas pelos réus as quantias peticionadas, e invocaram ainda a prescrição relativamente ao enriquecimento sem causa por aquela invocado. A final, defendem a improcedência da acção e pedem que a autora seja condenada como litigante de má fé, em multa e indemnização, incluindo honorários de Advogado, em montante não inferior a €1.500,00. Proferido despacho a notificar a autora para se pronunciar sobre a excepção de prescrição invocada na contestação, veio esta a pronunciar-se no sentido da improcedência da mesma. Teve lugar audiência prévia, em sede da qual foi proferido despacho saneador e subsequente despacho de identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova. Procedeu-se a julgamento, tendo na sua sequência sido proferida sentença em que se decidiu nos seguintes termos: “Pelo exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e em consequência, condeno os Réus BB, DD e EE, na qualidade de herdeiros de CC, a restituir à Autora AA a quantia de € 10.787,28, acrescida de juros de mora vencidos, à taxa legal, desde janeiro de 2015 e vincendos até efetivo e integral pagamento e da quantia de 1.615 €. Julgo improcedente o pedido de condenação como litigante de má-fé. Custas por Autora e Réus na proporção do decaimento.” De tal sentença vieram os réus interpor recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: “1. O presente Recurso pretende que este Venerando Tribunal da Relação do Porto reaprecia a matéria de facto dada como provada e venha aditar um facto provado. 2. Pois, salvo o devido respeito, não foi produzida prova suficiente para condenar os Recorrentes a restituir à A. AA a quantia de €10.787,28, acrescida de juros de mora vencidos, à taxa legal, desde janeiro de 2015 e vincendos até efetivo e integral pagamento e da quantia de €1.615,00. 3. Os recorrentes consideram que deve o ponto 7º ser alterado para NÃO PROVADO. Já o art. 40º da CONTESTAÇÃO deverá ser aditado aos factos provados, observando-se o previsto no artigo 662.º do CPC. 4. Tem vindo a ser defendido pela doutrina “para que se possa inverter o ónus de prova, fazendo recair sobre o devedor o ónus de provar que, a relação fundamental que está por detrás do reconhecimento da dívida, não existe, necessário será que tal relação fundamental seja devidamente alegada pelo credor que se pretenda fazer valer de tal declaração confessória de dívida nos termos previstos no artigo 458º.” 5. A Recorrida alega que desconhece a finalidade do empréstimo – isto é, nem alega. 6. Mais adiante alega que se “destinavam a fazer face aos encargos ou dívidas normais e por vezes elevadas do agregado familiar, ou seja, para satisfazer as necessidades da própria sociedade familiar”. 7. O que mais não é do que um conjunto de conceitos jurídicos e/ ou meras conclusões, sem qualquer suporte factual. 8. O que torna impossível a defesa dos Recorrentes na Contestação. 9. O Tribunal já considerou esses conceitos não provados. 10. Mas também considerou que os Recorrentes não provaram a inexistência do negócio causal. 11. Pelo contrário, o doc. 2 (caderneta predial urbana do prédio da Recorrente), doc. 3 e 4 (IRS da Recorrente e marido) provam que não careciam de empréstimos de terceiros, já que viviam em propriedade privada e auferiam rendimentos do trabalho dependente e/ ou empresarial. 12. As testemunhas GG e HH, declararam, de modo isento e credível, que a Recorrida e seu falecido marido tinham bens imóveis e que auferiam rendimentos (concretas passagens identificadas). 13. Ao não decidir como propugnado, o Tribunal violou o disposto nos art.s 423º do CPC e art. 458º do CC, interpretados no sentido em que cabe à A. alegar a causa do dito empréstimo e, não o fazendo, também os RR. provaram que não carecem de empréstimos da Recorrida. Prova feita através de documentos e testemunhas. 14. Mesmo que procedesse a condenação dos Recorrentes na quantia de €10.787,28, a condenação em juros apenas poderia operar após citação. 15. Pois não ficou provado que os RR. foram interpelados em janeiro de 2015 (nem em outubro de 2019). 16. Só a interpelação (judicial ou extrajudicial) do devedor pelo credor releva para efeitos de contagem dos juros moratórios. 17. Ao não decidir como propugnado, o Tribunal violou o disposto nos artigos 559.º, 804.º, 805.º/1, e 806.º todos do CC e Portaria 291/2003, 8 Abril, devendo este normativo ser interpretado no sentido de que apenas são exigíveis juros desde a citação. 18. Mesmo que procedesse a condenação dos Recorrentes na quantia de €10.787,28, não são exigíveis os honorários de advogado, no montante de €1.615. 19. Os doc.s 20 e 21 pretendem demonstrar que a A. terá despendido a quantia de €1.615,00 referente ao P. 62/20. 20. O dito Processo n.º 62/20.4T8CNF, Juízo Comp. Genérica Cinfães dizem respeito a uma providência cautelar de arresto que foi julgada improcedente. 21. Tal valor não se refere à cobrança de créditos pela A., pelo que este valor não é exigível. 22. Ao decidir como propugnado, o Tribunal violou o disposto no art. 423º do CPC e arts. 1144º CC e art. 485º do CC., interpretados no sentido em que os doc. 20 e 21 mostravam-se impugnados pelos RR.na Contestação e tais documentos não dizem respeito à alegada obrigação de cobrança de créditos.” A autora apresentou contra-alegações, em sede das quais requereu a ampliação do objecto do recurso para por via dela serem dados como provados os factos dados como não provados sob as alíneas k) e l) da sentença recorrida, e, relativamente ao recurso interposto, defende a improcedência das alterações à matéria de facto propugnada pelos recorrentes e a manutenção da decisão de direito vertida naquela decisão. Atinentes à ampliação do objecto do recurso, apresenta as seguintes conclusões: “A) Entende a Autora que os pontos k) e l) dos factos dados como não provados deveriam ser dados como provados tendo em conta a documentação junta aos autos e em face da prova testemunhal produzida. Se não vejamos: B) Esta dívida no valor de 3.710,83 € é correspondente à quota-parte devida pelo CC nas despesas do funeral, contribuições, despesas com a mãe, despesas com inventário, avaliações e mensalidades de alimentos para a mãe – FF, cujo montante resultou provado e demonstrado por documento datado de 30/09/1995, assinado pelos cinco filhos da FF, incluindo o falecido CC, que se obrigaram entre si, a depositar, a partir daquela data e mensalmente, na conta bancária aberta em nome da Autora, no Banco 1..., a quantia de 20.000$00 = 99,76 €, quantia que se destinava à alimentação e demais despesas necessárias da mãe daqueles – FF, cfr. resulta do documento denominado “DIREITO DE APANÁGIO DO CÔNJUGE SOBREVIVO”; C) É imoral a alegação dos Réus que o falecido CC não assumiu a obrigação que foi assumida pelos 5 herdeiros (entre os quais, o CC), cujo documento que titula tal obrigação se mostra assinado por aquele e na qualidade de procurador do irmão, o que também deixa ser estranho o Tribunal a quo ter dado como não provado a existência desta divida; D) A existência desta obrigação e desta divida - além de se encontrar provada documentalmente, foi declarada por várias testemunhas desde logo pela FF e II, tendo este presenciado a assinatura de tal documento e de ter explicado exaustivamente os valores em dívida – confirmados pelo de cujus; E) Estas testemunhas declararam conhecer pessoalmente a existência do acordo entre os irmãos quanto às despesas com a sua mãe, declaram conhecer o documento denominado de Direito de Apanágio, declaram conhecer que o mesmo foi assinado por todos os irmãos, declaram conhecer que a Autora pagou essas despesas e que os seus irmãos incluindo o falecido CC declararam ressarcir à Autora do que a mesma havia pago relativo à sua parte, e mais declaram conhecer que o falecido CC não pagou à Autora a sua quota-parte. F) Os Réus não impugnaram a assinatura aposta naquele documento, pese embora tenham alegado que não viram o de cujus a assinar aquele documento; G) A FF, faleceu em 2007, tendo deixado como únicos e universais herdeiros os seus cinco filhos, entre os quais a Autora e o CC. Àqueles cinco herdeiros cabia pagar a sua quota-parte nas despesas do funeral, contribuições, despesas com a mãe, despesas com inventário, avaliações e mensalidades de alimentos (20 contos a cada um) para a mãe – FF. H) A Autora a pedido do irmão CC e do irmão JJ pagou a parte destes, tendo estes assumido o compromisso de, num curto espaço de tempo, de pagar a sua quota-parte à Requerente, o que não aconteceu até à data por parte do CC visto que o JJ pagou com parte de imóveis; I) Refira-se que, a comunicação efetuada ao JJ e a injunção proposta foi junta aos autos somente a título de exemplo e como prova das obrigações assumidas pelos CINCO herdeiros; J) No caso do falecido CC, encontra-se em falta o pagamento das quantias que foram pagas pela Autora: 366,00 € de despesas com óbito, funeral e diversos; 5,73 € de despesas com contribuições; 586,80 € de despesas com a de cuja; 928,48 € de despesas com inventario, avaliações, descriminação e processo e 1.900 € de mensalidades com a mãe; K) Note-se que a única quantia que difere da do irmão JJ é a referente às mensalidades com a de cuja, que em relação ao CC apenas está em divida o valor de 1.900€ correspondente a dezanove meses de mensalidade pois combinaram pagar 100€ mensais (20.00 contos na moeda antiga) a titulo de mensalidade com a de cuja, ora 100€ × 19 ⁼ 1.900€; L) Nem os Réus nem a herança representada pelos seus herdeiros pagou até à data à Autora as quantias referidas no artigo anterior, nem os juros de mora vencidos; M) De pouco ou nada interessa que a já falecida FF tenha tido avultado património imobiliário, porque o património não pagou dividas, a não ser se esses prédios lhe proporcionassem rendimentos, o que claramente não foi o caso, nem tal ficou sequer provado; N) Neste sentido, parece-nos claro que os factos referidos em K) e L) dados como não provados, têm de ser dados como provados tendo em conta tudo o supramencionado que resulta corroborado pelas declarações das testemunhas supra indicadas, com as legais consequências”. Os recorrentes, por requerimento de 8/2/2023, pronunciaram-se no sentido de não ser admitida a ampliação do objecto do recurso. Corridos os vistos legais, cumpre decidir. Considerando que o objecto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), tendo em conta a lógica e necessária precedência das questões de facto relativamente às questões de direito, são as seguintes as questões a tratar: a) – apurar das alterações à decisão da matéria de facto da sentença recorrida propugnadas pelos recorrentes; b) – apurar das alterações à matéria de facto propugnadas pela recorrida em sede de ampliação do objecto do recurso; c) – apurar, com base na eventual alteração da matéria de facto ou independentemente dela, se a decisão recorrida deve ser revogada ou alterada. ** II – FundamentaçãoÉ a seguinte a matéria de facto da sentença recorrida: Factos provados 1. No dia 19/03/2017 faleceu CC, no estado de casado com a Ré BB. 2. O falecido CC deixou como únicos e universais herdeiros, a sua mulher a Ré BB e os seus dois filhos, os Réus DD, casado com GG, no regime da comunhão de adquiridos e EE, casado com HH, no regime da comunhão de adquiridos. 3. Os Réus aceitaram a herança do de cujus. 4. A Autora e o falecido CC eram entre si irmãos. 5. A Autora e o seu irmão CC subscreveram o documento, datado de 8 de outubro de 1999, denominado “Contrato de Mútuo” do qual consta: “Que, em 25 de Fevereiro de 1985 emprestou ao segundo outorgante a quantia de 700.000$00 (setecentos mil escudos) por mútuo, que se tem mantido até à presente data pelo seu montante inicial. DECLAROU O SEGUNDO OUTORGANTE Que confirma o seu débito à primeira outorgante no total que lhe pediu, por mútuo, de setecentos mil escudos. Que, logo após a realização da escritura de partilhas que se vai operar por óbito de seu referido pai, KK, fará a favor da primeira outorgante hipoteca dos seus bens imóveis necessários para garantir o seu débito. DECLARARAM OS OUTORGANTES Que este empréstimo vence, a partir de agora, juros anuais à mesma taxa dos Depósitos a Prazo pagos pelas entidades bancárias e nomeadamente pela mesma taxa de juros recebida das entidades bancárias pela primeira outorgante, no caso de esta possuir dinheiro em depósito, ou, no caso de não possuir dinheiro depositado, pela taxa de juros praticada pela Banco 2.... Dado que este documento exprime a vontade dos outorgantes, vai o mesmo ser assinado por ambos, ficando cada um deles com um exemplar deste documento, prescindindo do reconhecimento notarial e aceitando que, em nenhuma circunstância poderá a respectiva falta ser invocada.” 6. CC era motorista de táxi e tinha uma praça de táxis no Porto. 7. No dia 16/06/2005 a Autora e o CC, subscreveram um documento que denominaram “CONFISSÃO DE DÍVIDA” do qual consta: “CLÁUSULA PRIMEIRA O segundo outorgante declara que deve à primeira outorgante a quantia de 10.787,28 € (dez mil setecentos e oitenta e sete euros e vinte e oito cêntimos). CLÁUSULA SEGUNDA Que o segundo outorgante se compromete a solver o seu débito no prazo máximo de dois anos, sendo devidos os juros legais. CLÁUSULA TERCEIRA O pagamento deverá ser efetuado no escritório do Advogado da primeira outorgante, Dr. II, sito na Rua ..., sala ..., ... Paredes, devendo-lhe ser dada quitação, ou directamente à primeira outorgante. CLAÚSULA QUARTA 1.- O não exercício, pela primeira outorgante, de qualquer direito ou faculdade que pela presente Confissão de Divida lhe sejam conferidos, em nenhum caso significará renúncia a tal direito ou faculdade, pelo que os mesmos se manterão válidos e eficazes não obstante o seu não exercício. 2.- A eventual concessão pela primeira outorgante de um prazo adicional para cumprimento de determinada obrigação não constitui precedente susceptível de ser utilizado no futuro. CLÁUSULA QUINTA 1.- A presente Confissão de Divida apenas poderá ser alterada mediante acordo expresso, por escrito, de ambas as partes. CLÁUSULA SEXTA Mais acordam os outorgantes que no caso de incumprimento da Confissão de Divida, o segundo outorgante será responsável solidariamente por todas e quaisquer despesas derivadas da cobrança dos créditos da primeira outorgante, com inclusão de honorários de Advogado. DECLARA O SEGUNDO OUTORGANTE: Que aceitam as condições acima expostas. DECLARAM TODOS OS OUTORGANTES: Que prescindem do reconhecimento das assinaturas, ou de quaisquer outras formalidades, não podendo invocar em caso algum a nulidade pela sua falta. Dado que a presente Confissão de Divida satisfaz a vontade de todos os outorgantes, vai a mesma ser assinada, sendo esta feita em dois exemplares, todos valendo como originais, o que vão ser assinados pelas partes, sendo um exemplar entregue a cada um deles.” 8. CC entregou à Autora um cheque com o nº ..., na quantia de 950€, sacado sobre o Banco 3..., SA. e a Ré BB entregou à Autora um cheque com o nº... no valor de € 3.950,00. 9. A Autora despendeu 1.615 € em honorários de advogado. 10. A mãe da Autora - FF, tinha 5 filhos, a AA, o CC, a LL, o JJ e o MM. 11. Por documento datado de 30/09/1995, aqueles cinco filhos obrigaram-se entre si, a depositar, a partir daquela data e mensalmente, na conta bancária aberta em nome da Autora, no Banco 1... nº ..., Agência de Vila Nova de Gaia, a quantia de 20.000$00 = 99,76 €, quantia que se destinava à alimentação e demais despesas necessárias da mãe daqueles – FF, cfr. resulta do documento denominado “DIREITO DE APANÁGIO DO CÔNJUGE SOBREVIVO”. 12. Em 07/10/2019 o mandatário da Autora dirigiu cartas de interpelação aos Réus, constando: “Venho pela presente e na qualidade de mandatário de AA, expor o seguinte: Como certamente se recorda o Sr. CC mantém, pelo menos, 2 dívidas paracom a m/constituinte, a saber: - Confissão de dívida assinada em 16/06/2005 na quantia de 10.787,28 €, acrescida de juros de mora à taxa legal; - A quantia de 11.310,83 € referente à quota parte nas despesas de óbito (da mãe do Sr. CC), funeral, contribuições, despesas com a mãe, despesas de inventário, avaliações, mensalidades de alimentos para mãe —desde 28/11/2007, acrescida de juros de mora à taxa legal. Em face do exposto, agradeço que me informe no prazo de 10 dias, como pretende pagar as aludidas dívidas. Findo tal prazo e sem qualquer aviso adicional, as competentes ações serão instauradas.” Factos não provados a) No dia 25/02/1985 a Autora a pedido do seu irmão CC, casado com a 1ª Ré, emprestou-lhe a quantia de 700.00$00 = 3.491,58 € (três mil quatrocentos e noventa e um euros e cinquenta e oito cêntimos), quantia que ele e a mulher destinaram ao pagamento do preço ou parte do preço da compra de um táxi, adquirido pelo CC e mulher BB. b) O referido em 6. era a única fonte de rendimento do casal. c) O CC e a Ré mulher, sempre alegaram que as quantias se destinavam a fazer face aos encargos ou dívidas normais e por vezes elevadas do seu agregado familiar, ou seja, para satisfazer as necessidades da própria sociedade familiar. d) As necessidades financeiras do CC e da mulher BB eram elevadas e ao invés de pagarem os empréstimos e demais obrigações contraídas, durante os anos de 2012/2013 voltaram a pedir mais dinheiro emprestado a esta. e) Bem sabendo da forte liquidez da Autora, durante o ano de 2012/2013, o CC e a Ré BB, pediram outros dois empréstimos à Autora, nas quantias de 950€ e 3.950€, alegando que tais quantias se destinariam a fazer face aos encargos ou dívidas normais do agregado familiar e também para realizar obras na casa e terrenos da aldeia, ou seja, para satisfazer necessidades da própria sociedade familiar. f) A Autora acedeu ao pedido daqueles e emprestou-lhes as quantias referidas em e), tendo os cheques referidos em 8. sido entregues à Autora para garantia dos empréstimos e). g) O CC e a Ré BB acordaram com a Autora que a devolução das quantias mutadas e tituladas através daqueles dois cheques deveria ocorrer no prazo máximo de um ano. h) CC e a Ré mulher, alegaram sempre que as quantias mutuadas se destinavam a fazer face aos seus encargos ou suas dívidas normais, ou seja, para satisfazer as necessidades da própria sociedade familiar. i) As quantias mutuadas sempre foram feitas a pedido expresso do CC e da Ré BB com o intuito de realizar os interesses dos mesmos, satisfazendo as necessidades da sociedade familiar que alegavam por vezes serem elevadas. j) A mãe da Autora - FF - não tinha rendimentos. k) Ao CC cabia-lhe pagar as seguintes quantias: - 366,00 € de despesas com óbito, funeral e diversos (pagas pela Autora); - 5,73 € de despesas com contribuições (pagas pela Autora); - 586,80 € de despesas com a de cuja (pagas pela Autora); - 928,48 € de despesas com inventario, avaliações, descriminação e processo e - 1.900 € - referente a 19mensalidades a 100 € cada, devidas pela quota parte do sustento do CC à mãe e adiantadas pela Autora, tudo na quantia de 3.787,01 €. l) A Autora a pedido do irmão CC e do irmão JJ pagou a parte destes, tendo estes assumido o compromisso de, num curto espaço de tempo, pagarem a sua quota parte à Autora. * Vamos ao tratamento da questão enunciada sob a alínea a).Os recorrentes defendem que o nº7 dos factos provados deve ser dado como não provado e que deve ser aditada à matéria de facto provada o conteúdo do alegado no artigo 40º da sua contestação, o qual é “De resto, como sobejamente alegado, nesta peça, é bom de ver que o casal CC, já falecido, e mulher BB, levavam uma vida equilibrada, dispunham de património imobiliário bastante e auferiam rendimentos anuais avultados, muito acima da média”. Analisemos. Para a sua pretensão relativa ao nº7 dos factos provados, os recorrentes não indicam qualquer elemento probatório concreto do qual, em seu entender, resulte a não prova de tal factualidade. Referem apenas que não foi junto aos autos o original do documento ali referido. Como se vê dos autos, a autora juntou esse documento, enquanto cópia, com a petição inicial (doc. nº19) e, na sequência de ter sido notificada para apresentar o seu original (despacho proferido em sede de audiência prévia e despacho posterior proferido a 3/11/2021) e de ter dado explicação para a sua não junção deste quando para tal foi solicitada (conforme requerimentos seus de 15/10/2021, 12/11/2021, 10/12/2021 e 24/1/2022), veio depois a 18/2/2022 a juntar esse documento, a par de outros. Os réus, dele notificado, vieram em 28/2/2022 a pronunciar-se sobre ele, e sobre os outros documentos com ele também juntos, dizendo que “os mesmos são incompatíveis com a matéria alegada pelos RR, na sua Contestação e demais articulados - pelo que vão impugnados”, e depois em 9/3/2022 vieram dizer que aquele (e os outros documentos juntos) eram “meras cópias”. Na sequência de tais ocorrências processuais, e relativamente a tais documentos, veio a ser proferido despacho no início da audiência (a 10/3/2022) a dizer que “oportunamente em sede de sentença os mesmos serão apreciados, conjuntamente com a restante prova produzida”. Ainda que o documento junto aos autos possa ser uma cópia (o que nos autos não resulta cabalmente esclarecido), daí, só por si, nada resulta em termos da inidoneidade do mesmo para prova da sua existência e do que nele consta. Por outro lado, como se vê da motivação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida, tal documento e o seu conteúdo foi confirmado pela testemunha Dr. II, advogado perante o qual o mesmo foi elaborado e assinado pela autora e pelo seu irmão CC, e consta até da “Cláusula Terceira” do seu conteúdo, consentaneamente com tal elaboração e assinatura perante tal Sr. Advogado, que o pagamento da quantia que nele o CC declarou dever à autora deveria ser efectuado ou directamente a esta ou no escritório daquele Sr. Advogado. Os recorrentes não aduzem qualquer elemento probatório que contrarie tal depoimento, que foi prestado, como ali também se refere, com concessão (obviamente pela Ordem dos Advogados) de dispensa de sigilo profissional àquele Sr. Advogado depoente. Assim, há que manter nos seus precisos termos a matéria de facto dada como provada sob o nº7 dos factos provados. Vamos agora à pretensão dos recorrentes no sentido de ser ampliada a matéria de facto de modo a nela ser incluída como matéria provada o por si alegado no artigo 40º da sua contestação, cujo conteúdo já acima se referiu. Os recorrentes deduzem tal pretensão com base em depoimentos cujos excertos que consideram pertinentes identificam e transcrevem (depoimentos/declarações de parte de BB e de DD e das testemunhas GG e HH) e em documentos que identificam (documentos 2, 3 e 4 por si juntos com a contestação). A matéria em causa, na medida em que nela se traduzem juízos puramente valorativos sobre a situação económica da ré BB e seu falecido marido – “vida equilibrada”, “património imobiliário bastante”, “rendimentos anuais avultados, muito acima da média” – é manifestamente conclusiva e, por isso, contrária à matéria estritamente factual que deve ser seleccionada para a fundamentação de facto, como explicitamente decorre do nº4 do art. 607º do CPC. Aqueles juízos ou raciocínios só são susceptíveis de poderem eventualmente (caso tenham relevo) ser retirados ou considerados pelo tribunal perante concretos factos provados e/ou não provados, mas já em sede de fundamentação de direito e não em sede puramente factual. Como tal, e independentemente da análise de qualquer dos meios probatórios indicados pelos recorrentes, indefere-se a alteração à matéria de facto em análise. * Passemos à questão enunciada sob a alínea b).Em sede de ampliação do objecto do recurso, a recorrida, com base em depoimentos testemunhais que identifica e transcreve e em documentos juntos aos autos que também identifica, defende que os factos dados como não provados sob as alíneas k) e l) (cujo conteúdo consta acima referido) devem ser dados como provados. Como decorre do regime previsto no art. 636º do CPC, não obstante só nos devermos debruçar sobre a ampliação do objecto do recurso no caso de, nesta sede recursiva, se “reconhecer razão aos fundamentos invocados no recurso interposto pela parte vencida”[1] e só podermos assim concluir no âmbito do tratamento da questão supra enunciada sob a alínea c), entendemos desde já pertinente apreciar tal pretensão uma vez que, a nosso ver, ocorre circunstancialismo processual que a inutiliza. Na verdade, ainda que se viesse a considerar como provada a factualidade constante daquelas alíneas k) e l) dos factos não provados, a mesma não tem qualquer relevo para o âmbito do recurso interposto. Tal factualidade, como resulta do decidido na sentença recorrida, é atinente a quantia pecuniária peticionada que foi julgada improcedente, e a recorrida, por si, não interpôs recurso, ainda que subordinado, de tal sentença (quem interpôs recurso foram só os réus). Como refere António Santos Abrantes Geraldes[2], “[s]e o decaimento, em lugar de respeitar a meros fundamentos da acção ou da defesa invocados pela parte vencedora, se reportar a um dos pedidos formulados pelo autor ou ao pedido reconvencional deduzido pelo réu, não será mediante a ampliação do âmbito objectivo do recurso que essa parte promoverá a reapreciação da decisão no segmento em que saiu vencido, mas mediante apresentação de recurso autónomo (quando este seja admissível) ou de recurso subordinado, sob a cominação do caso julgado nessa parte”. Como tal, porque aquela factualidade diz respeito a matéria cuja decisão, na parte a ela atinente, transitou em julgado, não há que a apreciar. Assim, porque inútil, indefere-se a ampliação do objecto do recurso deduzida pela recorrida. * Passemos às questões enunciadas sob a alínea c).Face ao decido na sentença recorrida e aos termos do recurso, está em causa apurar da procedência da acção em relação à quantia de € 10.787,28 e termos de contabilização dos seus juros e em relação à quantia de 1.615 €. Comecemos pela primeira. Relativamente a ela, proveniente do documento de “Confissão de dívida” referido sob o nº7 dos factos provados, os recorrentes defendem a sua improcedência porque, no seu entender, para a autora se poder valer de tal declaração confessória, fazendo recair sobre o devedor o ónus da prova da não existência da respectiva relação fundamental como previsto no art. 458º nº1 do C. Civil, teria que ter alegado tal relação fundamental, e isso, no seu entendimento, não se mostra cumprido, pois, segundo argumentam, ela própria alega que desconhece “a finalidade do empréstimo” (motivação e conclusão 5 do recurso). Analisemos. Aquele documento, como se vê das cláusulas primeira e segunda, integra uma confissão/reconhecimento de dívida de € 10.787,28 do falecido CC para com a autora, a solver no prazo de 2 anos, e de juros legais sobre a mesma. Não se indica em tal documento, sob qualquer das suas cláusulas, qual a causa ou relação fundamental que está na origem do reconhecimento daquela dívida, o que nos coloca perante a previsão do art. 458º nº1 do C. Civil: “Se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respectiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário”. Ainda que o credor, por via de tal preceito, esteja dispensado de provar a relação fundamental, o mesmo não está dispensado de a alegar, enquanto causa de pedir, na petição inicial da acção. Efectivamente, não se consagrando em tal preceito o princípio do negócio abstrato (como o são os títulos de crédito, no domínio do direito comercial) mas apenas a inversão do ónus da prova da existência da relação fundamental, do mesmo não decorre um desvio ao princípio do contrato[3], pois “nenhum dos actos que nele se alude (promessa de uma prestação ou reconhecimento de uma dívida) constitui, com efeito, fonte autónoma de uma obrigação” e antes “criam apenas a presunção da existência de uma relação negocial ou extranegocial (a relação fundamental a que aquele preceito se refere), sendo esta a verdadeira fonte da obrigação”[4]. Por outro lado, e como se refere no Acórdão da Relação de Coimbra de 26/3/2019[5], “cabendo o ónus da prova da inexistência ou da invalidade da relação jurídica subjacente ao devedor e competindo à causa de pedir a individualização da obrigação, não se mostrando esta alegada, “impossível” se torna ao devedor cumprir tal ónus (da inexistência ou da invalidade) adequadamente”. Também no sentido de que o art. 458º do C. Civil apenas dispensa o credor do ónus de provar a relação fundamental subjacente ao negócio aí previsto mas já não o ónus de alegar tal relação pronuncia-se Lebre de Freitas, também citado naquele Acórdão, nos seguintes termos[6]: “Sendo que a inversão do ónus da prova não dispensa do ónus de alegação e que o autor tem de alegar, na petição inicial, a causa de pedir, o credor que, tendo embora em seu poder um documento em que o devedor reconhece uma dívida ou promete cumpri-la sem indicar o facto que a constituiu, contra ele propuser uma acção, deverá alegar o facto constitutivo do direito de crédito – o que é confirmado pela exigência de forma do art. 458º, n.º 2, do CC, que pressupõe o conhecimento da relação fundamental – e daí que a prova da inexistência de relação causal válida, a cargo o devedor/demandado se tenha de fazer apenas relativamente à causa que tiver sido invocada pelo credor, e não a qualquer possível causa constitutiva do direito unilateralmente reconhecido pelo devedor”. Ainda no mesmo sentido, refiram-se também o Acórdão da Relação de Lisboa de 21/1/2021 e o Acórdão desta mesma Relação de 9/1/2023[7]. Em sentido contrário, da dispensa de alegação da relação causal, vide o Acórdão desta mesma Relação de 12/11/2019[8]. No caso vertente, a nosso ver, e em contrário do que defendem os recorrentes, o ónus de alegação da relação fundamental foi cumprido pela autora: como claramente consta alegado nos artigos 16, 19, 45, 46, 48, 49, 50 e 53 da petição inicial, tal relação fundamental ou causal foi o empréstimo de diversas quantias em dinheiro (sendo que, como se considerou na sentença recorrida e não se mostra posto em causa no recurso, a própria quantia constante do documento referido sob o nº5 dos factos provados, que inequivocamente nos remete para um empréstimo de dinheiro, integra-se na quantia constante da confissão de dívida, pois esta, como ali se referiu, integra “um acertar de contas de todas as obrigações” que se encontravam pendentes do falecido perante a autora). O facto de os recorrentes argumentarem que a autora não terá alegado a concreta finalidade dos empréstimos de dinheiro é irrelevante para o efeito: o ónus de alegação restringe-se à causa ou relação fundamental que baseia a declaração confessória, que são os empréstimos de quantias em dinheiro, mas, naturalmente, não abrange o concreto destino dado a tais quantias por parte do seu destinatário (esse destino e a sua prova, tanto quanto nos parece, apenas seria necessário para se averiguar do proveito comum do casal formado pelo falecido CC e esposa, a ré BB, alegado pela autora em vista da responsabilização autónoma desta ré nos artigos 9, 59, 60, 61 e 62 da petição inicial). Assim, tendo a autora a referida confissão de dívida a seu favor e alegado a relação causal ou fundamental do crédito que ali lhe é reconhecido, beneficia a mesma da presunção legal da existência de tal relação prevista naquele art. 458º nº1 do C. Civil e teriam os réus, para se eximirem à responsabilidade pelo seu pagamento, como ali previsto e como previsto também no art. 350º nº2 do mesmo diploma, que fazer prova em contrário da existência daquela relação. Isto é, os réus teriam que fazer prova positiva de que a autora não emprestou ou nunca emprestou ao CC quantias em dinheiro que perfizessem a quantia referida naquela confissão de dívida[9]. Ora, como resulta da factualidade apurada, os réus não fizeram tal prova. Como tal, há que concluir pela procedência a favor da autora do crédito de € 10.787,28 referido naquela confissão de dívida, como decidido na sentença recorrida. Vamos agora aos juros. Como se vê da cláusula segunda daquela confissão de dívida, subscrita pela autora e pelo CC em 16 de Junho de 2005, aquela quantia era para ser paga no prazo de 2 anos, “sendo devidos os juros legais”. De tal cláusula decorre que a partir do dia seguinte àquela data (art. 279º b) do C. Civil), portanto 17/6/2005, são devidos juros legais sobre aquela quantia – como remuneração de capital até que viesse a ser paga no prazo de 2 anos ali previsto e que se transmutam em indemnização por mora a partir do decurso daquele prazo sem ocorrer tal pagamento (arts. 805º nº2 a) e 806º nºs 1 e 2 do C. Civil). Ainda que a autora tenha direito a tais juros desde aquela data, a mesma, como se vê do pedido formulado na petição inicial, apenas os pediu a partir de Janeiro de 2015. O tribunal, como se sabe, não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir (art. 609º nº1 do CPC). Como tal, e como decidido na sentença recorrida, são de fixar tais juros a partir daquela data. Passemos agora a apurar da procedência da acção em relação à quantia de 1.615 €. Sob a cláusula sexta da confissão de dívida prevê-se a responsabilização do devedor por “quaisquer despesas derivadas da cobrança dos créditos” da autora, “com inclusão de honorários de Advogado”, do que decorre que o falecido CC se responsabilizou também pelo pagamento de honorários de advogado derivados da cobrança do crédito por si ali reconhecido à autora. Mostra-se dado como provado sob o nº9 dos factos provados que “A Autora despendeu 1.615 € em honorários de advogado”. Com base em tal factualidade, decidiu-se na sentença recorrida condenar os réus BB, DD e EE, na qualidade de herdeiros de CC, a pagar tal quantia à autora. Vejamos. Daquela factualidade – que não se mostra questionada no recurso – não resulta provado que o pagamento daquela quantia tenha ocorrido por causa da cobrança do crédito constante da confissão de dívida, que está a ser efectivada nestes autos. Além disso, dos autos resulta que aquela quantia de 1615 € foi peticionada com base nos documentos nºs 20 e 21 juntos com a petição inicial, cada um integrante de factura-recibo passada pelo Sr. Advogado da autora a esta e comunicada à “AT, autoridade tributária e aduaneira”, uma emitida em 11/3/2020 no montante de 1.000,00 € e outra emitida em 21/10/2020 no montante de 615,00 €, sendo que consta de ambas que a prestação de serviços que as originou foi efectuada no “Proc. nº 62/20.4T8CNF”. Ora, este processo aqui identificado integra um procedimento cautelar de arresto interposto pela autora, o qual, como dele se vê, até veio a ser julgado improcedente. Deste modo, sendo aqueles honorários relativos ao arresto e não havendo uma qualquer dependência obrigatória entre tal providência cautelar e a presente acção, é de concluir que o dispêndio daquela quantia pela autora não deriva da cobrança do crédito referido na confissão de dívida. Assim, há que, nesta parte, julgar procedente o recurso, absolvendo-se os réus do pagamento daquela quantia. As custas da acção e do recurso ficam a cargo de autora e réus na proporção do respectivo decaimento (art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC). * Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663 º nº7 do CPC):……………………… ……………………… ……………………… ** III – DecisãoPor tudo o exposto, acordando-se em julgar parcialmente procedente o recurso, revoga-se parcialmente a sentença recorrida e decide-se: - condenar os réus BB, DD e EE, na qualidade de herdeiros de CC, a pagar à autora a quantia de € 10.787,28 acrescida de juros legais nos termos fixados na sentença recorrida; - absolver esses mesmos réus do restante peticionado. Custas da acção e do recurso a cargo de autora e réus na proporção do respectivo decaimento. *** Porto, 25/9/2023António Mendes Coelho Joaquim Moura Ana Paula Amorim ______________ [1] Neste sentido, António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª edição, Almedina, 2018, pág. 123 (anotação ao art. 636º). [2] Obra citada na nota anterior, páginas 124 e 125, sob a nota de rodapé nº 211. [3] Vide Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Volume I, Coimbra Editora, 4ª edição, onde a págs. 438, por remissão efectuada a págs. 440 para a anotação ao art. 457º, se refere, no sentido da definição/conformação de tal princípio, que “Em regra (…), fora dos casos em que a obrigação nasce directamente da lei (gestão de negócios, enriquecimento sem causa, responsabilidade civil, etc.), para que haja o dever de prestar o correlativo poder de exigir a prestação é necessário o acordo (contrato) entre o devedor e o credor”. [4] Autores e obra citados na nota anterior, pág. 440. [5] Proferido no proc. 1534/18.6T8ACB.C1, relatado pelo então Sr. Desembargador (hoje Conselheiro) Barateiro Martins, disponível em www.dgsi.pt, e onde se defende (nº2 do seu sumário) que “(…) o art. 458º do C. Civil apenas dispensa o credor do ónus de provar a relação fundamental subjacente ao negócio unilateral aí previsto, mas já não do ónus de alegar tal relação (isto é, de alegar os factos constitutivos da relação fundamental e que constitui a verdadeira causa de pedir)”. [6] “A Confissão no Direito Probatório”, pág. 390. [7] O primeiro proferido no proc. nº7830/19.8T8LRS.L1-6 (foi relator o Sr. Desembargador Nuno Lopes Ribeiro) e o segundo proferido no proc. nº114526/20.2YIPRT.P1 (foi relatora a Sra. Desembargadora Eugénia Cunha), ambos disponíveis em www.dgsi.pt. [8] Proferido no proc. nº6667/18.6T8VNG.P1, do qual foi relatora a Sra. Desembargadora Lina Baptista, disponível em www.dgsi.pt, onde se refere que “(…) a promessa de cumprimento e/ou reconhecimento de dívida é um negócio jurídico atípico, a meio caminho entre os negócios causais e os negócios abstractos, em que a causa de pedir é simplesmente a promessa da prestação e/ou o reconhecimento da dívida, como declaração unilateral do devedor, devidamente formalizada” e que “(…) não sendo elemento da causa de pedir, é desnecessária e supérflua a alegação na Petição Inicial da relação causal que esteve na sua origem”. [9] Como refere José Lebre de Freitas, in “Código Civil Anotado”, coord. de Ana Prata, Volume I, 2ª edição, Almedina, 2019, pág. 469 (em anotação da sua autoria ao art. 350º), “Quando é a lei a estabelecer a ilação a tirar do facto conhecido para a verificação do facto desconhecido, a presunção constitui um meio de prova plena (…). Assim sendo, a parte que dela beneficia (…) não tem que provar por outro meio o facto presumido, cabendo à outra parte provar, por qualquer meio, o facto contrário para que o resultado probatório obtido com a presunção seja afastado (art. 347º), dizendo-se então ilidida a presunção legal”. O mesmo autor, naquela mesma obra, a págs. 460, em anotação ao art. 344º, dá exactamente como exemplo de tal figura – da presunção legal que constitui “um meio de prova autónomo” – a previsão do art. 458º nº1 do C. Civil. |