Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | ISABEL FERREIRA | ||
| Descritores: | DESCRIÇÃO DE IMÓVEL REGISTO PREDIAL VALOR PROBATÓRIO PRESUNÇÃO RESULTANTE DO REGISTO POSSE PRESUNÇÃO DE PROPRIEDADE | ||
| Nº do Documento: | RP202502209256/22.7T8PRT.P1 | ||
| Data do Acordão: | 02/20/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA PARCIALMENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 3. ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I – A presunção de propriedade resultante do registo (artigo 7º do Código do Registo Predial) abarca unicamente a titularidade do prédio descrito, nos termos em que o direito aí esteja definido, não abrangendo os elementos de identificação constantes da descrição, tais como área, confrontações, estremas e precisa localização. II – Nas situações de separação de um prédio único em dois distintos, a preocupação das partes é atribuir uma descrição ao imóvel destacado, para que o mesmo possa ter existência legal autónoma e ser inscrito no registo predial e na matriz, podendo esta não corresponder exactamente à realidade que exista no local, quer ao nível de confrontações, quer de limites e áreas. III – Para beneficiar da presunção de propriedade decorrente do artigo 1268º, nº 1, do Código Civil, é necessário alegar e provar ser-se possuidor da parcela em litígio, alegando os factos constitutivos da posse nos termos em que a mesma se encontra definida no artigo 1251º do mesmo Código. IV – Tendo os réus provado ser possuidores da parcela em litígio, os mesmos gozam da referida presunção de propriedade, pelo que estão dispensados da prova da propriedade, cabendo ao A. provar que tal parcela não pertence àqueles. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 9256/22.7T8PRT.P1 * Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I – Município ... intentou acção declarativa, com processo comum, contra AA e mulher, BB, a correr termos no Juízo Central Cível ... do Tribunal Judicial da Comarca ..., pedindo: a) seja o A. reconhecido como dono e legítimo proprietário do prédio urbano sito Rua ..., ..., descrito na Conservatória do Registro Predial ... sob a ficha n.º ...2/20090623 e inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias ... e ... sob os artigos n.ºs ...28 e ...29 correspondente à descrição em livro sob o n.º ...71; b) sejam os RR. condenados “a desocuparem e a entregarem ao aqui Autor o referido imóvel, livre de pessoas e bens, com as legais consequências daí decorrentes”. Alegou para tal que é proprietário, por o ter adquirido por compra em 1968, do prédio identificado no art. 1º da petição inicial, prédio esse registado na respectiva Conservatória em nome do A., e que os RR., que “são proprietários do prédio confinante a sul com a propriedade municipal”, ocupam aquele prédio, sem qualquer autorização, tendo sido notificados para o desocuparem por ofício de 28/07/2009, o que não fizeram, alegando que havia um erro na limitação “da parcela em causa” e que esta lhes pertencia por fazer parte do seu prédio. O A., depois de indagar na Conservatória que não havia alteração da situação do prédio relativa a áreas e confrontações, voltou a notificar os RR. para desocuparem a parcela, por ofício de 26/07/2011, o que estes não fizeram, reiterando que aquela lhes pertence. Os RR. contestaram, aduzindo que não põem em causa a titularidade pelo A. do prédio referido no art. 1º da petição inicial e que não estão a ocupar o mesmo, impugnando os factos alegados pelo A. para fundamentar a sua pretensão, e alegando que nada mais ocupam para além da sua casa de habitação e respectivo quintal, prédio que adquiriram por compra em 2001, sendo que, pela interpretação que fazem dos documentos juntos pelo A. (pois este não alega as áreas dos seus prédios, nem identifica o que considera abusivamente ocupado pelos RR.), parece que este se pretende referir à parcela de terreno que corresponde ao jardim de habitação dos RR., a qual tem cerca de 170 m2 de área e confronta com o prédio referido no art. 1º da petição inicial de norte e poente, do qual está separada por muros que já existiam aquando da compra pelos RR. e cujo acesso apenas se faz através da habitação dos RR., por escadas com degraus de pedra que também já existiam naquela ocasião. Com base nestes factos e alegando igualmente que, após o início das obras de alteração da habitação, deram início à limpeza e arranjo da área descoberta dela fazendo o jardim da casa, à vista de todas as pessoas, sem oposição de quem quer que seja, de forma ininterrupta, na intenção e convicção de que tal área lhes pertence, pagando os respectivos impostos, pelo que sempre adquiriram a referida parcela por usucapião, que invocam, os RR. deduziram ainda reconvenção, pedindo que se declare a propriedade dos RR. sobre a parcela de terreno com a área de 170m2 a confrontar do nascente com a viela do ..., a norte e poente com o Município ... e do sul com os réus que faz parte da área descoberta do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... na ficha ...7/20060314, freguesia .... O A. replicou, mantendo a posição assumida na petição inicial e impugnando os factos alegados pelos RR., alegando ainda que o prédio descrito no art. 1º da petição inicial e o prédio adquirido pelos RR. constituíam um único prédio, do qual o A. adquiriu a área de 612 m2, identificada na planta do processo de aquisição, em 1968, sendo que à data da aquisição existia um muro de vedação entre o prédio adquirido pelo A. e a parte restante, pertença agora dos RR.. Foi dispensada a realização da audiência prévia, foi elaborado despacho saneador, fixou-se o objecto do litígio e enunciaram-se os temas da prova. Procedeu-se seguidamente a julgamento. Após, foi proferida sentença, na qual se decidiu julgar a acção procedente e a reconvenção improcedente e, em consequência: A - declarar o A. como dono e legítimo proprietário do prédio urbano sito Rua ..., ..., descrito na Conservatória do Registro Predial ... sob a ficha n.º ...2/20090623 e inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias ... e ... sob os artigos n.ºs ...28 e ...29 correspondente à descrição em livro sob o n.º ...71; B - condenar os RR. a desocuparem e a entregarem ao A. a parcela de 170 m2 que ocupam do referido imóvel, livre de pessoas e bens; C - absolver o A. do pedido reconvencional formulado pelos RR.. De tal sentença vieram os RR. interpor recurso, tendo, na sequência da respectiva motivação, apresentado as seguintes conclusões, que se transcrevem: «I – Salvo melhor opinião, a decisão do Mmº juiz na sentença proferida não reflete o discutido nos presentes autos. II – Para além de não considerar factos, que no entender dos recorrentes, deveriam ser considerados provados, em contrapartida considerou factos como não provados, que mais uma vez, no entender dos recorrentes deveriam ser considerados provados. III- Desde logo, face às declarações de parte do réu, aos depoimentos das testemunhas CC e DD, bem como dos documentos juntos aos autos, deveria considerar como provado: - A área ocupada pelos réus encontrava-se devidamente separada dos prédios do autor por muros que já existiam aquando da compra dos réus e que delimitava as propriedades, sendo apenas [a]cessível através da habitação dos réus por escadas com degraus em pedra que já existiam quando os réus adquiriram o prédio. IV – Também dos factos não provado, deveria ter resultado como provado: Que os réus não ocupam o imóvel do autor acima identificado - Que a área ocupada pelos réus se encontra devidamente separada dos prédios do autor por muros que já existiam aquando da compra dos réus e que delimitam as propriedades, apenas acessível através da habitação dos réus por escadas de em pedra que já existiam quando os réus adquiriram o terreno. V- No essencial a motivação o Mmº juiz assenta nos documentos juntos, nomeadamente certidões públicas e demais documentação. VI- Porém, tal documentação, nomeadamente as certidões públicas, parecem ter sido fundamentais para a pretensão do autor, porém não foram suficientes para fazer prova da área total do prédio dos réus, designadamente no que respeita ao jardim de 170m2. É que das certidões prediais e inscrição matricial do prédio dos réus, em todas elas, aparece como sendo sua a tal área de 170m2, incluindo no averbamento nº 5 da ap. ..2/270289. VII – Em momento algum se discutiu a configuração, a área e os limites do prédio do Município. VIII – O alegado pelo autor foi a propriedade do prédio situado na Rua ..., ..., no …e a sua desocupação, o que nunca foi posto em causa, já que tal prédio não está, nem nunca foi ocupado pelos réus, estando a ser utilizado por inquilinos do Município, o que é reconhecido por este no doc. º 5 junto com a petição inicial. IX – Entende a jurisprudência que a presunção que resulta do artigo 7º do Código do Registo Predial não abarca os elementos da descrição registral, mas sim o que resulta do facto jurídico tal como foi registado, isto é a inscrição predial e não os elementos da descrição. X – A presunção de que o Município é proprietário do prédio situado na Rua ..., ..., no…, e que identifica no pedido, nunca foi colocada em causa. XI – Da mesma forma não foi colocada em causa a propriedade por parte dos réus do prédio situado na Rua ..., ..., no…, contiguo ao do autor. XII – O que nunca foi alegado, provado e pedido pelo autor é de que dos 612m2 da área descoberta do seu prédio, parte estava a ser ocupada pelos réus. XIII- Pelo contrário, os réus alegaram e provaram de que o seu prédio tem e sempre teve a configuração actual, o que foi confirmado pelo autor na aprovação do projecto. Sempre teve muros a delimitá-lo da propriedade do autor. XIV - O autor objectivamente invocou como causa de pedir a ocupação de um prédio, pedindo a desocupação do prédio situado na Rua ..., ..., prédio esse, que como resultou de tudo o alegado e provado e mesmo por confissão do autor, nunca foi ocupado pelo[s] réus, estando ocupado pelos seus inquilinos. XV – Mesmo não tendo resultado provado a ocupação ilegítima de qualquer parcela de terreno por parte dos réus, não existe qualquer elemento junto aos autos ou outro tipo de prova que consiga alicerçar a sentença. XVI – O Mmº juiz ao condenar os réus a desocuparem e entregarem ao autor, a parcela de 170m2, condenou naquilo que nunca lhe foi pedido, numa violação do definido no artigo 3º, nº 1 do CPC. XVII – Mas mesmo que assim não fosse, sempre deveria proceder o pedido reconvencional dos réus, já que, somando a sua posse à posse do anterior proprietário, pelo menos desde 1989, conforme prova produzida nas declarações de parte, depoimento de testemunha e ainda de certidão predial na qual consta o averbamento de 27.02.1989, sempre estaria ultrapassado o lapso de tempo necessário como forma de aquisição originária. Normas violadas: Artigos 3º, nº 1, 615, nº 1, al. e), ambos do Código do Processo Civil, 1294º e 1288º, ambos do Código Civil, artigo 7º do Código do Registo Predial TERMOS EM QUE, Deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente; A) considerar-se nula a sentença por violação do definido no artigo 615º, nº 1, al. e) do CPC, caso assim não se entenda; B) Revogar-se a decisão recorrida, substituindo-a por decisão que considere improcedente o pedido do autor; C) Considerar procedente o pedido reconvencional dos réus, fazendo-se assim inteira JUSTIÇA.». O A. apresentou contra-alegações, defendendo a rejeição do recurso quanto à impugnação da matéria de facto, por não terem sido especificados os concretos pontos de facto que os recorrentes consideram incorrectamente julgados e qual a decisão que, no seu entender, deve ser proferida, e, no mais, que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida. No despacho de admissão do recurso decidiu-se: “Em nosso entender, a decisão recorrida não enferma das nulidades invocadas pelos recorrentes ou quaisquer outras, o que se declara para efeitos do disposto no art. 641 nº 1 do Código de Processo Civil. Com efeito, cremos que, na sentença sob recurso, sucinta mas suficientemente, cumprimos o dever de fundamentação imposto pelo art. 607 do Código de Processo Civil, com recurso quer a documentos juntos aos autos e factos instrumentais quer em prova testemunhal, em que expusemos as nossas conclusões relativamente à análise da prova, bem como o percurso lógico que levou à convicção deste tribunal e respectiva fundamentação jurídica.”. * Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. *** II - Considerando que o objecto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (cfr. arts. 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do C.P.C.), são as seguintes as questões a tratar, por ordem lógica de precedência: a) admissibilidade do recurso; b) nulidade da sentença; c) impugnação da matéria de facto; d) reivindicação da parcela de terreno de 170 m2 ocupada pelos recorrentes. ** Apreciemos a primeira questão. Nos termos do disposto no art. 639º, nº 1, do C.P.C., o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. “Cumpre ao recorrente enunciar os fundamentos da sua pretensão no sentido da alteração, anulação ou revogação da decisão, rematando com as conclusões que representarão a síntese das questões que integram o objecto do recurso”, sendo “claramente errada a reprodução no segmento das conclusões do teor da motivação” (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 2022, 7ª edição actualizada, págs. 182 e 187, nota 321). Tendo o recurso como objecto a impugnação da decisão sobre a matéria de facto e a reapreciação da prova gravada (cfr. art. 638º, nº 7, e 640º do C.P.C.), o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição (nº 1 do art. 640º): a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. No que respeita à alínea b) do nº 1, e de acordo com o previsto na alínea a) do nº 2 da mesma norma, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes. Uma vez que a impugnação da decisão de facto não se destina a que o tribunal de recurso reaprecie global e genericamente a prova valorada em primeira instância, a lei impõe ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação. Ora, quanto à concreta questão levantada pelo recorrido, verifica-se que, nas conclusões, os recorrentes expressamente indicam quais os dois pontos dos factos não provados (de dois se trata, posto que a matéria indicada na conclusão 3ª é exactamente a mesma do segundo ponto indicado na conclusão 4ª) que pretendem ver alterados e qual a decisão que pretendem seja proferida: que os mesmos sejam considerados provados. Logo, verifica-se que os recorrentes, ao contrário do defendido pelo recorrido, especificaram a concreta factualidade que põem em causa e indicaram a alteração pretendida. Porém, quanto à exigência de indicar as razões da discordância, nomeadamente por referência aos meios de prova que, em seu entender, sustentam a solução que propugnam, indicado as passagens da gravação que consideram relevantes no caso da prova gravada, ocorre o seguinte: - os recorrentes cumpriram com essa exigência, explicitando tais elementos na alegação, no que concerne ao facto indicado na conclusão 3ª e em segundo lugar na conclusão 4ª; - os recorrentes não cumpriram com essa exigência relativamente ao facto indicado em primeiro lugar na conclusão 4ª (“os réus não ocupam o imóvel do autor acima identificado”). Com efeito, visto o requerimento de recurso, constata-se que em lugar algum do mesmo, seja na alegação, seja nas conclusões, se indicam as razões pelas quais os recorrentes entendem que o facto deve ser considerado provado, nada sendo dito quanto aos elementos de prova que fundamentam a pretendida alteração. Conclui-se, portanto, que os recorrentes não cumprem com o especial ónus de alegação que lhes incumbia quanto à matéria prevista no art. 640º, nº 1, al. b), e nº 2, al. a), do C.P.C., no que concerne ao facto indicado em primeiro lugar na conclusão 4ª, apenas o cumprindo quanto ao outro facto que impugnam. A consequência do incumprimento das especificações previstas no art. 640º, nº 1, al. b), e nº 2, al. a), do C.P.C. é a rejeição do recurso na parte respectiva. Assim, em conformidade com o disposto nesta disposição legal, rejeita-se o recurso no que respeita à impugnação da matéria de facto relativa ao facto indicado em primeiro lugar na conclusão 4ª, incluído no elenco dos factos não provados da sentença recorrida, por incumprimento dos recorrentes do exigido no art. 640º, nº 1, al. b), e nº 2, al. a), do C.P.C., sendo admissível na parte restante. Anote-se, de todo o modo, que sempre este facto seria irrelevante para o mérito do recurso, na medida em que a ocupação do terreno do A. é um facto constitutivo do direito deste a reivindicar o mesmo, pelo que a este incumbe provar que os RR. ocuparam o seu terreno, de acordo com as regras do ónus da prova constantes do art. 342º, nº 1, do Código Civil, não tendo os RR. qualquer ónus de provar que não ocupam terreno dos AA.. * Vejamos a segunda questão. As causas de nulidade da sentença são as que estão taxativamente previstas no art. 615º, nº 1, do C.P.C., não se incluindo entre as nulidades da sentença “o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário” (Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed. revista e actualizada, 1985, pág. 686). No caso, está invocada a nulidade da decisão recorrida nos termos da alínea e) do nº 1 do art. 615º do C.P.C., por na sentença se terem condenado os RR. a desocuparem e entregarem ao A. a parcela de 170m2, o que não foi pedido ao tribunal. Na aludida alínea e) prevê-se a nulidade da sentença quando o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido. Trata-se aqui das situações de violação do disposto no art. 609º, nº 1, do C.P.C., do princípio do dispositivo, posto que as partes circunscrevem o objecto do processo através do pedido formulado, onde indicam a concreta providência requerida. Esta situação não colide “com a necessidade de proferir decisão que se insira nos limites quantitativos ou mesmo qualitativos da pretensão deduzida”, não se estando perante situações de objecto diverso quando a condenação constitui “um minus relativamente ao pedido” formulado pelo autor (cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil anotado, Vol. I, 3ª ed., Almedina, pág. 784). No caso, o A. pediu a condenação dos RR. a desocuparem e entregarem todo o imóvel descrito no art. 1º da petição inicial, pretensão que foi parcialmente deferida, condenando-se os RR., na sentença a entregar uma parcela que se considerou ser desse imóvel. Portanto, fácil é de concluir que a condenação se contém no pedido, constituindo um menos relativamente a este, posto que se pediu a entrega da totalidade e se decidiu pela entrega de uma parte. Pode-se concordar ou não com a decisão e/ou com os seus fundamentos, pode-se entender que existiu erro de julgamento ou que a decisão não é correcta e é injusta, mas isso não significa a existência de violação dos limites da condenação – a questão de saber se esta parcela pertence mesmo ao prédio do A. não contende com o objecto do pedido, mas com o mérito da acção, sendo de apreciar em sede da quarta questão enunciada. Donde, não se verifica a nulidade invocada pelos recorrentes. * Passemos à terceira questão. Assente (na primeira questão) que os recorrentes cumpriram com as exigências respeitantes à impugnação da matéria de facto no que concerne ao facto não provado “a área ocupada pelos réus encontrava-se devidamente separada dos prédios do autor por muros que já existiam aquando da compra dos réus e que delimitava as propriedades, sendo apenas acessível através da habitação dos réus por escadas com degraus em pedra que já existiam quando os réus adquiriram o prédio”, apreciemos da alteração pretendida. Os recorrentes pretendem que este facto, constante do elenco dos factos não provados seja considerado provado. Ora, no que a esta alteração respeita, a mesma é irrelevante para a apreciação do mérito da causa. Na verdade, para a economia da acção e da reconvenção, relevante é saber a quem pertence a parcela de 170 m2 em litígio, quem sobre ela exerce actos de posse, como melhor se verá no tratamento da quarta questão enunciada, sendo que a factualidade relevante (da que foi alegada) já consta dos factos provados, nenhuma alteração podendo resultar da eventual consideração como provado deste facto. O mesmo, aliás, poderia, como facto instrumental ou mesmo complementar/concretizador, ter interesse para demonstrar a realidade de certos factos essenciais da causa de pedir, no caso, da reconvenção, mas tais factos já constam como provados, designadamente nos pontos 21 a 24 dos factos provados! Portanto, perante o circunstancialismo descrito, e como se disse antes, a factualidade pretendida alterar não tem qualquer utilidade, sendo irrelevante, para a apreciação do mérito da causa e do presente recurso. Sendo irrelevante tal factualidade para a apreciação do mérito da causa, e a fim de não se praticarem actos inúteis no processo (o que até se proíbe no art. 130º do C.P.C.), não há que conhecer da impugnação deduzida nesta parte, quanto a este ponto dos factos não provados (neste sentido cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 2022, 7ª edição actualizada, pág. 334, nota 526, e, entre outros, o Ac. do STJ de 23/1/2020 (proc. 4172/16.4TFNC.L1.S1), C.J.S.T.J., tomo I, pág. 13, e o Ac. da R.P. de 05/11/2018, publicado na Internet, em www.dgsi.pt, com o nº de processo 3737/13.0TBSTS.P1). Donde, em face do que acaba de se analisar, não se conhece da impugnação da matéria de facto apresentada pelos recorrentes na parte que restara admitida. * Não obstante a rejeição da impugnação da matéria de facto, há que conhecer oficiosamente das seguintes questões que se levantam quanto a matéria elencada nos factos provados que decorre de prova documental e a matéria provada por documento que não consta desse elenco, atento o que decorre do art. 607º, nº 4, aplicável aos acórdãos por força do art. 663º, nº 2, ambos do C.P.C.: 1) no ponto 8 dos factos provados [Nessa sequência, foi verificado pelos serviços municipais que o referido prédio se encontra a ser ocupado, sem qualquer tipo de autorização para o efeito, pelos aqui réus, os quais são proprietários do prédio confinante a sul com a propriedade municipal (informação com o n.º I/...08/09/CM...);] alude-se ao teor da Informação com o n.º I/...08/09/CM..., que constitui o documento datado de 11/05/2009 junto com a petição inicial, cujo teor não contempla, de todo, a matéria incluída neste ponto. Para além de que, resulta do acordo das partes nos articulados, designadamente do alegado na contestação e do esclarecido na resposta (perante o que não estava bem explicado na petição inicial, embora já se inferisse do teor dos seus arts. 10º a 12º, 14º e 36º), que o que está em litígio é uma parcela de terreno e não todo o prédio de que o A. invoca ser proprietário, não estando os RR. a ocupar todo este prédio. Assim, há que rectificar em conformidade a redacção deste ponto, de modo a reproduzir, ipsis verbis, o que consta da referida informação na parte que respeita a esta parcela e aos RR., pelo que a mesma passa a ser: Na Informação com o n.º I/...08/09/CM..., datada de 11/05/2009, elaborada pela Divisão Municipal de Cadastro e Gestão do Património da Câmara Municipal ..., consta, além do mais, que “muito embora esteja em uso pelo confrontante a sul, a área em referência será municipal, pelo[s] que se torna necessário promover as diligências que se mostrem necessárias no sentido da libertação de tal área”. 2) no ponto 9 dos factos provados [Assim, por ofício n.º I/...95/09/CM..., datado de 28.07.2009, foram os ocupantes e réus notificados para desocuparem a parcela do terreno do autor correspondente aos artigos matriciais ...28 e ...29, no prazo de 30 dias, sob pena de se instaurar a competente acção de reivindicação da propriedade (informação n.º I/...95/10/CM...);] alude-se ao teor do ofício enviado pela Câmara Municipal ... com data de 28/07/2009, indicando-se como referência desse facto a Informação nº I/...95/10/CM.... Ora, compulsados os documentos juntos aos autos, verifica-se que esta informação, que constitui o documento datado de 15/02/2010 junto com a petição inicial, não contempla no seu teor a matéria incluída neste ponto, apenas aludindo a que aquele ofício foi enviado aos RR., referindo que o documento se encontra em anexo, sendo que os anexos deste documento não foram juntos com o mesmo (aliás, o A. não juntou aos autos quaisquer dos diversos anexos que são referidos nos vários documentos que juntou). E verifica-se ainda que a referida comunicação foi junta, mas pelos RR., na contestação (Doc. 8), constatando-se que o seu teor é completamente diferente do que consta neste ponto. Assim, há que rectificar em conformidade a redacção deste ponto, de modo a reproduzir, ipsis verbis, o que consta da referida comunicação, pelo que a mesma passa a ser: A Direcção Municipal de Finanças e Património da Câmara Municipal ... enviou à R. mulher o ofício n.º I/...95/09/CM..., datado de 28.07.2009, com o seguinte teor: “Na sequência de ocupação indevida, por parte de V. Exa., do terreno municipal sito na Rua ..., fica[ 3) no ponto 12 dos factos provados [Assim, em 26.07.2011, por ofício com o n.º I/...63/11/CM… foram os réus notificados para desocuparem a parcela do terreno do autor, no prazo de 30 dias, sob pena de se instaurar a competente ação de reivindicação da propriedade (ofício n.º I/...63/11/CM…);] alude-se ao teor do ofício enviado pela Câmara Municipal ... com data de 26/07/2011, documento junto quer na petição inicial, quer na contestação (Doc. 9), constatando-se que o mesmo foi dirigido não aos dois RR., mas apenas ao R. marido, sendo o seu teor não exactamente coincidente com o que ficou a constar deste ponto. Assim, há que rectificar em conformidade a redacção deste ponto, de modo a reproduzir, ipsis verbis, o que consta da referida comunicação, pelo que a mesma passa a ser: Assim, a Divisão Municipal de Gestão e Avaliação do Património da Câmara Municipal ... enviou ao R. marido o ofício n.º I/...63/11/CM…, datado de 26.07.2011, com o seguinte teor: “No seguimento de contactos havidos e verificando que se mantém a ocupação indevida, por parte de V. Ex.ª, do terreno municipal sito na Rua ..., fica notificado que deverá proceder à desocupação do mesmo, no prazo de 30 dias, sob pena de instauração da competente acção de reivindicação da propriedade prevista nos termos dos artigos 1311.º e 1353.º. ambos do Código Civil.”. 4) no ponto 13 dos factos provados [Contudo, não obstante a interpelação do autor nesse sentido, os réus não procederam à entrega voluntária do prédio e voltaram a referir, em resposta de 11.08.2011, que não iriam desocupar a parcela de terreno em causa uma vez que a mesma alegadamente lhes pertenceria (missiva datada de 11.08.2011);] alude-se à resposta que teria sido enviada pelos RR. ao ofício referido no ponto anterior, com data de 11/08/2011, daí resultando também que não teria sido a primeira comunicação enviada, pois que se diz “voltaram a referir”. Compulsados os autos verifica-se que a comunicação de resposta a este ofício foi junta como documento com a petição inicial, constatando-se que a mesma foi enviada unicamente pelo R. marido e que alude a uma outra carta enviada pelo mesmo em 05/08/2009, cuja posição se reitera. Esta comunicação constitui o Doc. 6 da contestação, verificando-se, do seu teor, que a mesma foi enviada em resposta ao ofício referido no ponto 9 dos factos provados, constituindo a resposta que é aludida no ponto 10 dos factos provados [Em resposta ao referido ofício, alegaram os réus que havia um erro na limitação da parcela em causa e que esta lhes pertencia por fazer parte integrante das áreas do prédio a que corresponde o artigo matricial ...30 (informação n.º I/...95/10/CM...);], sendo o seu teor não exactamente coincidente com o que ficou a constar deste ponto, para além de mais abrangente, não traduzindo o ponto 10 de forma completa a resposta do R. marido. Assim, há que rectificar em conformidade a redacção dos pontos 10 e 13 dos factos provados, de modo a traduzir exactamente o que consta das referidas cartas de resposta, pelo que passam a ser: 10 - O R. marido respondeu a tal ofício, por carta datada de 05/08/2009, com o seguinte teor: “Venho por este meio responder á carta enviada pela CM... na qual esta alega a ocupação indevida por minha parte dum terreno municipal sito na Rua .... Relativamente ao assunto em questão, penso tratar-se dum equívoco ou má interpretação da v/parte sobre a alegada ocupação do terreno. O terreno (quintal 295m2) que sempre ocupei até á presente data, consta na certidão da escritura de compra da minha casa sita na Rua .... Esta escritura foi realizada de acordo com a certidão emitida pela 2ª Conservatória do Registo Predial ..., na qual consta que a Matriz nº ...30 é composta por uma casa de 87 m2 e um quintal de 295 m2, area esta que ocupo actualmente como sempre ocupei desde a data da escritura, estando consciente que não ocupo nem pretendendo ocupar, além do meu terreno qualquer outro espaço além deste. Perante estes factos não encontro razão para o teor da v/carta, pelo que continuarei a ocupar o terreno que me pertence por lei segundo consta na escritura de compra e no Registo da Conservatória. A título informativo refiro que o projecto de Reconstrução da minha casa, apresentado e aprovado pelos serviços da CM... teve como base a respectiva Matriz ...30. Sendo a respectiva Licença de Utilização emitida pela CM..., com base nos mesmos pressupostos, nunca esta tendo colocado qualquer objeção aos respectivos 295m2 do quintal. Refiro também que esta Matriz derivou da Matriz ...74, tendo sido requerido aos Serviços da CM... no ano de 1953 o nº de Polícia ...7, sendo o artigo ...30 actualizado em 23 de Novembro de 1978, referindo a respectiva área de quintal. Refiro que estarei disponível para qualquer e[s]clarecimento adicional junto dos vossos serviços no sentido de esclarecer este equívoco.”. 13 - Não obstante a interpelação constante do ofício referido no ponto anterior, os RR. não procederam à requerida entrega, tendo o R. marido respondido a tal ofício, por carta datada de 11/08/2011, com o seguinte teor: “Em resposta ao v/oficio, junto envio cópias da documentação enviada em 05/08/2009 para a Direção Municipal de Finanças e Património no qual solicitavam a desocupação do suposto terreno municipal. A minha posição sobre o assunto mantém-se inalterável pelos motivos referidos no teor da carta enviada como resposta ao ofício dessa Direção com a Ref 1/...95/09/CM..., pelo que não tenho intenção de desocupar o terreno que ocupo legalmente, como proprietário do mesmo.”. 5) Nem todos os factos que resultam das certidões do registo predial e das escrituras públicas de compra e venda constam dos factos provados, designadamente dos pontos 1 a 4, pelo que há que acrescentar os mesmos ao referido elenco, como segue, havendo ainda que rectificar a redacção dos pontos 1, 2 e 4, que contêm incorrecções relativamente ao que efectivamente consta dos documentos que se indica reproduzirem (contendo ainda o ponto 4 repetição de matéria já constante de outros pontos): 1 - Inscrito e descrito na respectiva conservatória predial em nome do autor Município ..., como dono e proprietário do mesmo, encontra-se o prédio misto sito Rua ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a ficha n.º ...42/20080819, da freguesia ..., e inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias ... e ... sob os artigos n.ºs ...28 e ...29, com a área total de 612 m2 e área descoberta de 612 m2, composto por “terreno e construções nele existentes” (doc. nº 1 junto com a petição inicial, que se considera reproduzido). 2 - Inscrito e descrito na respectiva conservatória predial em nome do réu AA, casado com a ré BB no regime de comunhão de adquiridos, encontra-se o prédio urbano, sito na Rua ..., ..., em ..., …, composto de “casa de cave, rés-do-chão e andar com 87,50 m2, duas dependências, uma de 89 m2 e outra de 81 m2 e quintal”, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a ficha nº ...97/20060314, da freguesia ..., que proveio da descrição nº ...74, do Livro ...13, Secção 1, inscrito na respectiva matriz predial sob o art. ...30, com a área total de 553 m2 e área descoberta de 295,5 m2 (doc. nº 4 junto com a petição inicial, que se considera reproduzido). 2-A - Por escritura pública de 18/04/2001, intitulada de “compra e venda e mútuo com hipoteca”, EE e mulher, FF declararam vender ao ora R. marido “o prédio urbano, composto de casa de três pavimentos e quintal, sito na Rua ..., ..., em ..., …, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial ... sob o número ..., do Livro B-cento e treze, (…) inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo ...30” (doc. nº 12 junto com a contestação, que se considera reproduzido). 3-A - Por escritura pública de 17/05/1968, intitulada de “escritura de aquisição que a Câmara Municipal ... faz a GG e outros”, HH, na qualidade de Presidente da Câmara Municipal ... declarou que “a Câmara Municipal ... em sua reunião de dezasseis do mês findo, deliberou adquirir aos segundos outorgantes (…) uma parcela de terreno e construções nela existentes, que constituem os prédios urbanos situados na Rua ... com os números ... a ... e ..., respectivamente, com a área aproximada de 612 m2, delimitada a carmim na planta do processo ..., a confrontar do norte com o prédio número ... da Rua ..., do sul com GG e outros, do nascente com a Viela ... e do poente com a Rua ...”, e que, “em cumprimento do deliberado vem, por esta escritura adquirir aos segundos outorgantes os referidos prédios”. 3-B - Nessa mesma escritura pública, II, na qualidade de segundo outorgante, por si e em representação de GG, JJ, KK, LL, e MM e esposa NN, declarou que “vende, de hoje para sempre à Câmara Municipal ... os prédios urbanos com os números ... a ... e ..., respectivamente, da Rua ..., e os respectivos logradouros”, “os quais fazem parte da descrição constante na Terceira Secção da Segunda Conservatória do Registo Predial ..., no Livro B cento e treze, a folhas quarenta e cinco verso, sob o número ... e tem na matriz urbana de ... os artigos ...”. 3-C - A planta referida no ponto 3-A, que se encontra no processo de aquisição aludido no ponto 3, é aquela cuja cópia se encontra junta, a preto e branco, no documento 1 junto com a réplica, cujo teor se dá aqui como reproduzido. 4 - Com vista ao registo da aquisição em nome da Câmara Municipal ..., o imóvel referido nos pontos 3-A e 3-B foi desanexado da descrição do prédio nº ...74, a fls. 45-v. do Livro ...13 (que comportava inicialmente os artigos matriciais ...28, ...29 e ...30), e passou a estar descrito sob o nº ...71, a fls. 72-v. do Livro ...7, como: “Prédio misto: terreno com a área de 612 m2 e construções nele existentes, que constituem os prédios urbanos sitos na Rua ..., ..., da freguesia .... Confronta do norte com o prédio nº ...5 da Rua ..., do sul com GG e outros, do nascente com a Viela ... e do poente com a Rua .... Tem na matriz os artigos ...28 e ...29 (…). Desanexado do nº ...74 a fls. 45v do Livro ...13”, descrição esta que veio a ser extractada para a ficha aludida no ponto 1 em 19/08/2008. * Cabe agora apreciar a quarta questão. Tendo em conta o resultado do tratamento da questão anterior, a factualidade a ter em conta para apreciação da pretensão do recorrente é a que consta dos factos dados como provados na sentença recorrida, com as alterações acabadas de efectuar, conforme se passa a descrever: 1 - Inscrito e descrito na respectiva conservatória predial em nome do autor Município ..., como dono e proprietário do mesmo, encontra-se o prédio misto sito Rua ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a ficha n.º ...42/20080819, da freguesia ..., e inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias ... e ... sob os artigos n.ºs ...28 e ...29, com a área total de 612 m 2 e área descoberta de 612 m2, composto por “terreno e construções nele existentes” (doc. nº 1 junto com a petição inicial, que se considera reproduzido). 2 - Inscrito e descrito na respectiva conservatória predial em nome do réu AA, casado com a ré BB no regime de comunhão de adquiridos, encontra-se o prédio urbano, sito na Rua ..., ..., em ..., …, composto de “casa de cave, rés-do-chão e andar com 87,50 m2, duas dependências, uma de 89 m2 e outra de 81 m2 e quintal”, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a ficha nº ...97/20060314, da freguesia ..., que proveio da descrição nº ...74, do Livro ...13, Secção 1, inscrito na respectiva matriz predial sob o art. ...30, com a área total de 553 m2 e área descoberta de 295,5 m2 (doc. nº 4 junto com a petição inicial, que se considera reproduzido). 2-A - Por escritura pública de 18/04/2001, intitulada de “compra e venda e mútuo com hipoteca”, EE e mulher, FF declararam vender ao ora R. marido “o prédio urbano, composto de casa de três pavimentos e quintal, sito na Rua ..., ..., em ..., …, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial ... sob o número ..., do Livro B-cento e treze, (…) inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo ...30 (doc. nº 12 junto com a contestação, que se considera reproduzido). «3- O imóvel acima referido em 1- adveio à titularidade do Município ... através do processo de aquisição .../68, ao qual corresponde o processo de cadastro n.º ...05/2, encontrando-se registado a seu favor desde 28.12.1978;» 3-A - Por escritura pública de 17/05/1968, intitulada de “escritura de aquisição que a Câmara Municipal ... faz a GG e outros”, HH, na qualidade de Presidente da Câmara Municipal ... declarou que “a Câmara Municipal ... em sua reunião de dezasseis do mês findo, deliberou adquirir aos segundos outorgantes (…) uma parcela de terreno e construções nela existentes, que constituem os prédios urbanos situados na Rua ... com os números ... a ... e ..., respectivamente, com a área aproximada de 612 m2, delimitada a carmim na planta do processo ..., a confrontar do norte com o prédio número ... da Rua ..., do sul com GG e outros, do nascente com a Viela ... e do poente com a Rua ...”, e que, “em cumprimento do deliberado vem, por esta escritura adquirir aos segundos outorgantes os referidos prédios”. 3-B - Nessa mesma escritura pública, II, na qualidade de segundo outorgante, por si e em representação de GG, JJ, KK, LL, e MM e esposa NN, declarou que “vende, de hoje para sempre à Câmara Municipal ... os prédios urbanos com os números ... a ... e ..., respectivamente, da Rua ..., e os respectivos logradouros”, “os quais fazem parte da descrição constante na Terceira Secção da Segunda Conservatória do Registo Predial ..., no Livro B cento e treze, a folhas quarenta e cinco verso, sob o número ... e tem na matriz urbana de ... os artigos ...”. 3-C - A planta referida no ponto 3-A, que se encontra no processo de aquisição aludido no ponto 3 é aquela cuja cópia se encontra junta, a preto e branco, no documento 1 junto com a réplica, cujo teor se dá aqui como reproduzido. 4 - Com vista ao registo da aquisição em nome da Câmara Municipal ..., o imóvel referido nos pontos 3-A e 3-B foi desanexado da descrição do prédio nº ...74, a fls. 45-v. do Livro ...13 (que comportava inicialmente os artigos matriciais ...28, ...29 e ...30), e passou a estar descrito sob o nº ...71, a fls. 72-v. do Livro ...7, como: “Prédio misto: terreno com a área de 612 m2 e construções nele existentes, que constituem os prédios urbanos sitos na Rua ..., ..., da freguesia .... Confronta do norte com o prédio nº ...5 da Rua ..., do sul com GG e outros, do nascente com a Viela ... e do poente com a Rua .... Tem na matriz os artigos ...28 e ...29 (…). Desanexado do nº ...74 a fls. 45v do Livro ...13”, descrição esta que veio a ser extractada para a ficha aludida no ponto 1 em 19/08/2008. «5- No decorrer do ano de 2007, iniciou-se o processo administrativo com vista à venda, em hasta pública, de dois lotes de terreno sitos à Rua ..., freguesia ..., cujo destino seria a construção de moradias unifamiliares; 6- Por informação de 22.10.2008, é descrito que havia comparecido nos serviços BB, aqui ré, para apurar da possibilidade da compra de uma parcela de terreno municipal sita na Rua ...; 7- Resulta da informação, o seguinte: “Analisadas as plantas em conjunto, verificou-se que envolvia os processos de cadastro ...05/02 e ...05/3. Foi então que a munícipe referiu que os limites das parcelas municipais não estavam corretos, uma vez que tinha uma área de terreno nas traseiras no terreno municipal, a fazer frente para a Viela ..., pelo que achava que tinha direito de preferência na compra do terreno, uma vez que também era proprietária do prédio a Sul da parcela municipal. Ora as parcelas municipais estão devidamente delimitadas nas plantas de aquisição e as confrontações não dão lugar a dúvidas. Mais se informa que as parcelas envolvidas estão devidamente registadas a favor do Município desde 1978 e 1971. A munícipe informou que a sua aquisição era relativamente recente. Informamos a munícipe que o terreno em causa iria ser vendido em hasta pública. Assim, e dado que o processo se encontra no Urbanismo para ser elaborado um estudo para a totalidade das parcelas municipais aqui envolvidas para posterior avaliação e venda em hasta pública, sugere-se uma análise aos processos a fim de serem sanadas todas as dúvidas” (doc. junto aos autos);» 8 - Na Informação com o n.º I/...08/09/CM..., datada de 11/05/2009, elaborada pela Divisão Municipal de Cadastro e Gestão do Património da Câmara Municipal ..., consta, além do mais, que “muito embora esteja em uso pelo confrontante a sul, a área em referência será municipal, pelo[s] que se torna necessário promover as diligências que se mostrem necessárias no sentido da libertação de tal área”. 9 - A Direcção Municipal de Finanças e Património da Câmara Municipal ... enviou à R. mulher o ofício n.º I/...95/09/CM..., datado de 28.07.2009, com o seguinte teor: “Na sequência de ocupação indevida, por parte de V. Exa., do terreno municipal sito na Rua ..., fica[,] notificada que deverá desocupar o referido terreno, no prazo de dez (10) dias, sob pena de se proceder ao despejo coercivo.”. 10 – O R. marido respondeu a tal ofício, por carta datada de 05/08/2009, com o seguinte teor: “Venho por este meio responder á carta enviada pela CM... na qual esta alega a ocupação indevida por minha parte dum terreno municipal sito na Rua .... Relativamente ao assunto em questão, penso tratar-se dum equívoco ou má interpretação da v/parte sobre a alegada ocupação do terreno. O terreno (quintal 295m2) que sempre ocupei até á presente data, consta na certidão da escritura de compra da minha casa sita na Rua .... Esta escritura foi realizada de acordo com a certidão emitida pela 2ª Conservatória do Registo Predial ..., na qual consta que a Matriz nº ...30 é composta por uma casa de 87 m2 e um quintal de 295 m2, area esta que ocupo actualmente como sempre ocupei desde a data da escritura, estando consciente que não ocupo nem pretendendo ocupar, além do meu terreno qualquer outro espaço além deste. Perante estes factos não encontro razão para o teor da v/carta, pelo que continuarei a ocupar o terreno que me pertence por lei segundo consta na escritura de compra e no Registo da Conservatória. A título informativo refiro que o projecto de Reconstrução da minha casa, apresentado e aprovado pelos serviços da CM... teve como base a respectiva Matriz ...30. Sendo a respectiva Licença de Utilização emitida pela CM..., com base nos mesmos pressupostos, nunca esta tendo colocado qualquer objeção aos respectivos 295m2 do quintal. Refiro também que esta Matriz derivou da Matriz ...74, tendo sido requerido aos Serviços da CM... no ano de 1953 o nº de Polícia ...7, sendo o artigo ...30 actualizado em 23 de Novembro de 1978, referindo a respectiva área de quintal. Refiro que estarei disponível para qualquer e[s]clarecimento adicional junto dos vossos serviços no sentido de esclarecer este equívoco.”. «11- Perante isto, o autor indagou junto da Conservatória do Registo Predial se as áreas, limitações e confrontações dos prédios em causa tinham sido alterados por forma a aferir se a parcela em causa continuava a fazer parte integrante do domínio municipal, tendo os serviços camarários, após análise, concluído o seguinte: “No âmbito da informação jurídica I/...49/11/CM..., foram tomadas as diligências necessárias, junto da competente Conservatória do Registo Predial, tendo em vista a recolha dos elementos registrais actualizados relativos aos prédios descritos sob os n.ºs ...74 e ...71, ambos da freguesia ..., cfr. certidões prediais e fotocópias de valor informativo que anexamos. Da respectiva análise documental verificamos que a situação relativa às áreas e confrontações dos mesmos, se mantêm inalterada, quer quanto à área quer quanto às confrontações, designadamente quanto à confrontação a nascente com a Viela ...” (informação com o n.º I/…42/11/CM…);» 12 - Assim, a Divisão Municipal de Gestão e Avaliação do Património da Câmara Municipal ... enviou ao R. marido o ofício n.º I/...63/11/CM…, datado de 26.07.2011, com o seguinte teor: “No seguimento de contactos havidos e verificando que se mantém a ocupação indevida, por parte de V. Ex.ª, do terreno municipal sito na Rua ..., fica notificado que deverá proceder à desocupação do mesmo, no prazo de 30 dias, sob pena de instauração da competente acção de reivindicação da propriedade prevista nos termos dos artigos 1311.º e 1353.º. ambos do Código Civil.”. 13 - Não obstante a interpelação constante do ofício referido no ponto anterior, os RR. não procederam à requerida entrega, tendo o R. marido respondido a tal ofício, por carta datada de 11/08/2011, com o seguinte teor: “Em resposta ao v/oficio, junto envio cópias da documentação enviada em 05/08/2009 para a Direção Municipal de Finanças e Património no qual solicitavam a desocupação do suposto terreno municipal. A minha posição sobre o assunto mantém-se inalterável pelos motivos referidos no teor da carta enviada como resposta ao ofício dessa Direção com a Ref 1/...95/09/CM..., pelo que não tenho intenção de desocupar o terreno que ocupo legalmente, como proprietário do mesmo.”. «14- Com a proposta referida em 6 supra, pretendiam os réus vir a construir uma garagem, por consulta à autora iniciada em 2002 por carta de 21 de Janeiro (doc. junto com a contestação); 15- Quando da aquisição do imóvel por banda dos réus, este era um prédio degradado, inabitável; 16- Com o Logradouro situado a nascente da habitação, completamente coberto de vegetação e inacessível devida a esta vegetação; 17- Concretizada a compra, os réus mandaram elaborar projecto de arquitectura com vista à recuperação e alteração do prédio adquirido; 18- Por alvará de obras nº ...05, processo ...02/03/CM... (NUD), foram aprovadas pelo Município ... as obras de alteração do prédio dos réus, com as seguintes características (doc. junto aos autos): - obras de alteração - área total e construção 303m2 . número de pisos abaixo da cota de soleira: 1; nº de pisos acima da cota da soleira: 3 - prédio de 4 pisos, destinado a habitação, com um total de 1 fogo; 19- Da planta do projecto de arquitectura com a configuração da implantação da construção, consta a totalidade da propriedade dos réus, com a área descoberta de 295m2, correspondendo a 125m2 contíguos à habitação e uma parcela de 170m2 correspondente a jardim; 20- Tal projecto, acompanhado da planta topográfica, foi aprovado pelo Município ... em 30.10.2008 (doc. junto aos autos; 21- Só depois da limpeza da vegetação, os [ 22- Após o início das obras de alteração da habitação, os réus deram início à limpeza e arranjo da área descoberta, dela fazendo jardim; 23- O que fizeram à vista de todas as pessoas, de forma ininterrupta, com a intenção e na convicção de que tal área lhes pertence; 24- Os réus usam o prédio, nele se incluindo a parcela de terreno com a área de 170 m2 que o autor reclama, desde que o adquiriram, passando a fazer dele a sua residência própria e permanente; 25- Para licenciamento de obras de alteração, os serviços municipais apenas avaliam a conformidade urbanística do pedido apresentado, tendo por base os elementos apresentados pelo requerente.». No que interessa à questão ora em apreço, foi o seguinte facto dado como não provado (transcrição): «Que a ocupação dos réus não tenha tido qualquer oposição ao longo dos anos.». Os recorrentes pretendem que o segundo pedido formulado pelo A. deveria ser considerado improcedente e que deveria ser procedente o pedido reconvencional. Vejamos. Efectivamente, da matéria de facto (pontos 3, 3-A e 3-B) resulta que o A. (rectius o seu órgão executivo, a Câmara Municipal) adquiriu, por escritura pública de compra e venda, o prédio identificado no ponto 1 da matéria de facto, o que significa que adquiriu sob a forma derivada o direito de propriedade sobre tal prédio. E de qualquer forma, sempre tal prédio tem a sua aquisição registada a favor do A. (rectius em nome do seu órgão executivo, a Câmara Municipal), conforme referido no ponto 1, gozando aquele, assim, da presunção de titularidade decorrente do art. 7º do C.R.Pr., a qual não foi ilidida. Verifica-se, pois, que o A. é titular do direito de propriedade sobre o prédio em questão, como decidido na alínea A) do dispositivo da sentença recorrida, facto este que os RR. têm de reconhecer (e que estes não põem em causa, como desde logo decorre do teor da contestação), uma vez que o direito de propriedade é um direito com eficácia erga omnes, oponível perante todos os terceiros. Por seu turno, da matéria de facto (pontos 2 e 2-A) resulta também que o R. marido, casado com a R. mulher segundo o regime de comunhão de adquiridos, adquiriu, por escritura pública de compra e venda, o prédio descrito no ponto 2 da matéria de facto. Desta forma, e desde logo, adquiriram os RR. sob a forma derivada o direito de propriedade sobre tal prédio, sendo por contrato no caso do R. marido e em consequência da comunhão conjugal no caso da R. mulher (cfr. arts. 1316º e 1724º, al. b) do C.C.), beneficiando ainda da presunção resultante do art. 7º do C.R.Pr., atento o referido no ponto 2 da matéria de facto, a qual não foi ilidida. Ademais, ficou igualmente demonstrado que os RR. são possuidores deste prédio, como decorre do ponto 24 da matéria de facto, gozando também da presunção de titularidade do prédio resultante do art. 1268º, nº 1, do Código Civil (à qual nos iremos referir de forma mais detalhada infra), a qual não foi ilidida. Verifica-se, pois, que os RR. são titulares do direito de propriedade sobre o prédio identificado no ponto 2 da matéria de facto, o que o A. tem de reconhecer (e que este não põe em causa, como desde logo decorre do teor dos seus articulados), uma vez que, repete-se, o direito de propriedade é um direito com eficácia erga omnes, oponível perante todos os terceiros. Porém, o que verdadeiramente está em causa na acção é uma concreta parcela, relativamente à qual existe litígio, posto que quer A., quer RR. alegam ser seus proprietários, cada um deles invocando que tal parcela integra os seus respectivos prédios, qual seja a parcela aludida nos pontos 21 e 24 da matéria de facto. A propriedade da parcela por parte do A., sendo um facto constitutivo do seu direito, a ele incumbia provar, nos termos do art. 342º, nº 1, do Código Civil, a não ser que beneficiasse de presunção legal a seu favor, caso em que competiria aos RR. provar que o A. não era proprietário (art. 344º, nº 1, do C.C.). No caso, o A. limitou-se a alegar ser proprietário do prédio identificado no ponto 1 da matéria de facto e que a parcela em litígio (que nem sequer identificou correcta e completamente na petição inicial, vindo a complementar tal alegação apenas na resposta na sequência da identificação feita pelos RR. na contestação, ainda que com divergência quanto às áreas por cada um invocadas) pertence a este prédio, baseando-se no facto de a confrontação nascente daquele prédio estar indicada como sendo com a Viela ... (cfr. pontos 3-A e 4 da matéria de facto). Porém, este facto nada permite concluir quanto a essa integração, posto que o prédio do A. e o prédio dos RR. eram inicialmente um único prédio, cujo domínio foi separado aquando da venda de uma parte deste ao A., que passou a ser o prédio identificado no ponto 1, sendo aquele único prédio composto por três artigos matriciais diferentes, dois que passaram a integrar o prédio do A. e o terceiro que ficou no prédio original, agora dos RR., não se sabendo exactamente qual a primitiva configuração do prédio, nem o que constava inscrito na descrição predial originária, nomeadamente ao nível de confrontações (as certidões registrais que constam dos autos todas elas se referem apenas aos prédios já depois da separação, não constando qualquer histórico das descrições de onde se verificasse o teor original destas), nem o que constava de cada um dos referidos artigos matriciais originariamente (dos autos não constam certidões matriciais dos artigos a que respeita o prédio do A. – as que foram juntas pelo Serviço de Finanças em 20/10/2022, seguramente por lapso, respeitam a prédios diferentes, sitos noutros locais, correspondendo aos actuais arts. ...28 e ...29, quando os arts. ...28 e ...29 do prédio do A. são os artigos antigos, que actualmente corresponderão a outros artigos, como o antigo art. ...30 do prédio dos RR. actualmente é o art. ...57 – e as do prédio do R. respeitam já à actual configuração do prédio, não se sabendo se já era essa a que constava da matriz em 1968, pois mesmo a caderneta predial junta na contestação, ainda referida ao art. ...30, é do ano de 2001). Ora, nestas situações é sabido que a preocupação das partes é atribuir uma descrição ao imóvel destacado, para que o mesmo possa ter existência legal autónoma e ser inscrito no registo predial e na matriz, podendo esta não corresponder exactamente à realidade que exista no local, quer ao nível de confrontações, quer de limites e áreas. Anote-se que, no caso, o imóvel adquirido pelo A. foi uma “parcela de terreno e construções nela existentes”, “com a área aproximada de 612 m2”, não se sabendo a área exacta, nem que construções eram aquelas, que área da totalidade ocupavam, qual a área descoberta sobrante (e desde logo se anota uma incorrecção no registo predial, pois que, se a área total era 612 m2 e se havia construções, uma parte dessa área era área coberta, logo a área descoberta nunca poderia ser de 612 m2, igual à totalidade). Além do mais, conforme consta do processo de aquisição referido no ponto 3 da matéria de facto e da escritura pública de aquisição pelo A. aludida no ponto 3-A, a parcela vendida estava delimitada a carmim na planta junta naquele processo, planta essa cuja cópia a preto e branco é a referida no ponto 3-C da matéria de facto, verificando-se da simples análise da mesma, ainda que a preto e branco, que há vários traços, de diferentes espessuras, ali assinalados, e os que têm maior espessura e são mais visíveis não abrangem a parcela ora em litígio, não permitindo retirar qualquer conclusão nesse sentido. A circunstância de existir um muro entre a parcela em litígio e a viela (e não entre a parte restante do prédio, como foi alegado pelo A. no art. 11º da réplica, mas cujo lapso resulta logo da análise da planta aí inserida, certo que do lado nascente da viela não há qualquer terreno dos RR.), nada permite igualmente concluir, posto que, como decorre desta planta, existe um outro muro do lado poente da parcela em litígio, entre a mesma e o terreno consensualmente do A. (já visível na planta aludida no ponto 3-C, de 1968, juntamente com outros muros assinalados, existentes, portanto, antes da separação do domínio dos prédios), também visível na fotografia junta como documento 10 da contestação, para além de resultar da planta que aquele primeiro muro delimitava todo o prédio único que existia inicialmente da viela, com a qual confrontava não só do lado nascente, mas também do lado sul (verifica-se continuidade desse muro mesmo na parte que actualmente pertence aos RR., em ambas as confrontações). Ora, a presunção resultante do registo (art. 7º do C.R.Pr.) abarca unicamente a titularidade do prédio descrito, nos termos em que o direito aí esteja definido, não abrangendo “os elementos de identificação do prédio constantes da descrição”, tais como área, confrontações, estremas e precisa localização, “que continuam sujeitas a uma eventual rectificação ou actualização e, portanto, dependentes de prova da coincidência entre a realidade física e a descrição registral”, como é jurisprudência pacífica desde há mais de 20 anos (a título de exemplo, cfr. Acs. da R.P. de 18/01/99, com o nº de proc. 9851262, e de 03/02/2003, com o nº de proc. 0151576, este o citado, ambos sumariados em www.dgsi.pt/jtrp, e Acs. da R.C. de 15/12/2016, com o nº de proc. 6358/15.0T8VIS.C1, do S.T.J. de 12/01/2021, com o nº de proc. 2999/08.0TBLLE.E2.S1, da R.L. de 23/03/2023, com o nº de proc. 2029/20.3T8PDL.L1-6, da R.P. de 07/03/2024, com o nº de proc. 856/21.3T8ALB.P1, e da R.P. de 09/01/2025, com o nº de proc. 3633/23.3T8AVR.P1, todos publicados no mesmo sítio da Internet). Como se diz no referido Ac. do S.T.J. de 12/01/2021, “o registo predial não é constitutivo e não tem como finalidade garantir os elementos de identificação do prédio. Por esta razão, a descrição predial de um prédio – assim como as descrições matricial ou notarial – pesem embora constituam elementos enunciativos importantes de identificação, não servem, exclusivamente, para a exata determinação física ou da real situação do prédio, enquanto unidade fundiária contínua”. “A presunção do artigo 7.º do Código do Registo Predial, na parte em que se refere ao objeto, só faz presumir que o facto inscrito incide sobre a coisa identificada na descrição, mas já não as respetivas características. Ou seja, a presunção do registo não se estende à verdade material das confrontações do prédio”. Com efeito, os elementos respeitantes à identificação física do prédio “derivam quase sempre das próprias declarações dos interessados, escapando à confirmação e controle do conservador, apesar da sua intervenção oficiosa. Desta forma, o facto de constar da descrição do prédio, cujo direito de propriedade se acha registada em nome do respectivo titular, que o imóvel tem determinada área e certas confrontações não atesta por si só que a área efectiva ou as confrontações indicadas são as fisicamente reais, até porque estas últimas podem, com o decorrer do tempo, sofrer mutações – basta pensar na hipótese de a propriedade de um dos prédios confinantes mudar de titularidade – não transpostas para o documento em causa” (cfr. Ac. da R.P. de 07/03/2024, referido). Portanto, o A. não beneficia da presunção decorrente do registo predial quanto à propriedade da parcela em litígio. Mas também não beneficia da presunção prevista no art. 1268º, nº 1, do Código Civil, que determina que o possuidor goza da presunção da titularidade do direito excepto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse. Neste caso o facto-base da presunção é o facto da posse da coisa. Provado esse facto, presume-se a propriedade da mesma (facto presumido). Logo, para que o A. pudesse beneficiar desta outra presunção de propriedade, teria que invocar (alegar e provar) ser possuidor da parcela em litígio, alegando os factos constitutivos da posse nos termos em que a mesma se encontra definida no art. 1251º do Código Civil (corpus e animus, sendo que provado o corpus se presume o animus, como resulta do teor das disposições dos arts. 1252º, nº 2 e 1263º, al. a), ambos do C.C.). Todavia, o A. não invocou ser possuidor da parcela em litígio, não tendo alegado a prática de quaisquer actos materiais de posse sobre a mesma, pelo que não pode beneficiar da aludida presunção. Sendo assim, restava-lhe apenas alegar e provar ser o proprietário de tal parcela, o que, tendo em conta que se trata de uma parcela de terreno e não da totalidade, sendo que os prédios de A. e RR. inicialmente constituíam um só prédio, apenas podia lograr invocando a aquisição originária daquela, designadamente por usucapião, o que implicava igualmente alegar (e provar) a prática de actos de posse sobre a mesma. Citando novamente o Ac. do S.T.J. de 12/01/2021, “a prova do direito de propriedade é feita através de factos que demonstrem a aquisição originária do domínio por parte de quem se arroga e que quer ver declarado tal direito ou de qualquer dos seus antepossuidores, nos termos gerais do direito substantivo (artigo 342.º do Código Civil), sendo que aquele que reivindica invoca, como fonte do seu direito, uma das formas de aquisição derivada, porque não constitutiva, mas meramente translativa do direito, não lhe basta provar este modo aquisitivo para que possa ser considerado titular do direito, terá ainda que alegar e demonstrar que esse direito já existia na titularidade do transmitente e, bem assim, as sucessivas aquisições dos seus antecessores até atingir a aquisição originária em algum deles, tudo isto em razão do princípio nemo plus juris ad alium transfere potest, quam ipse habet (ninguém pode transferir para outrem mais direitos do que aqueles que possui). Assim, não basta que se demonstre a aquisição derivada, devendo também provar-se que o direito já existia no transmitente – aquisição originária – pois, as formas de aquisição derivada, na medida em que o direito adquirido se funda ou filia na existência de um direito na titularidade de outra pessoa, não são suscetíveis de, por si próprias, gerarem qualquer direito real, sendo apenas um meio de transmiti-lo”. Aqui chegados, há que concluir que o A. não provou, como lhe competia, ser o titular do direito de propriedade sobre a parcela em litígio, o que faz soçobrar o segundo pedido por si formulado na petição inicial, de condenação dos RR. a desocuparem e entregarem-lhe a mesma, merecendo acolhimento a pretensão dos recorrentes nesta parte. Mas, verifica-se ainda que, para além de o A. não ter provado (nem alegado) a prática de actos de posse sobre a parcela em litígio, provou-se, por outro lado, que esses actos de posse são exercidos pelos RR.. Como se vem defendendo tradicionalmente e se retira da definição de posse constante do art. 1251º do Código Civil (posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real), para além do “corpus”, a posse pressupõe também a existência de um segundo elemento que é o “animus”, que corresponde à intenção de exercer o direito real correspondente àquele poder de facto e no seu próprio interesse. E, a existência daqueles actos materiais que constituem o “corpus” faz presumir o “animus” na pessoa que pratica tais actos - conforme resulta do teor das disposições dos arts. 1252º, nº 2 e 1263º, al. a), ambos do Código Civil, como já se disse. No caso, resulta dos pontos 21 a 24 da matéria de facto provada que depois da limpeza da vegetação que cobria essa área, os RR. tiveram acesso à parcela de terreno a nascente dos prédios e, após o início das obras de alteração da habitação, deram início à limpeza e arranjo da área descoberta, dela fazendo jardim, o que fizeram à vista de todas as pessoas, de forma ininterrupta, com a intenção e na convicção de que tal área lhes pertence, e que usam o prédio, nele se incluindo a parcela de terreno com a área de 170 m2, desde que o adquiriram [o que sucedeu em 18/04/2001 - cfr. ponto 2-A), passando a fazer dele a sua residência própria e permanente. Ficou, portanto, demonstrado que os RR. são possuidores da parcela em causa, nos termos analisados, gozando da presunção de titularidade da mesma resultante do art. 1268º, nº 1, do Código Civil, já referido, a qual não foi ilidida (como decorre do que já se analisou), sendo a sua posse pública (1262º do C.C.), pacífica (1261º do C.C.) – note-se que a posse pacífica, nos termos do nº 1 deste artigo, é aquela que é adquirida sem violência, não tendo qualquer relevância para o efeito a oposição que mais tarde veio a existir do A. (sendo os únicos actos de oposição provados os que respeitam às interpelações de 2009 – ponto 9 da matéria de facto – e de 2011 – ponto 12 da matéria de facto –, aquela unicamente dirigida à R. mulher e esta apenas dirigida ao R. marido) – e de boa fé (art. 1260º, nºs 1 e 2, do C.C.). Na realidade, aqueles actos que se apurou serem praticados pelos RR. traduzem o exercício de um poder de facto sobre a parcela de terreno em causa correspondente ao direito de propriedade - o que corresponde ao elemento “corpus” da posse - sendo actos próprios e normais de quem tem um direito de propriedade, idóneos a fazer presumir uma posse reportada ao direito em questão. Ademais, provou-se efectivamente que aqueles agiram estando convencidos de que a parcela lhes pertence. Pode assim dizer-se que os RR. são possuidores da parcela de terreno em causa, posse essa adquirida originariamente pela prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito (cfr. art. 1263º, al. a), do C.C.), desde 2001 - os actos aquisitivos praticados foram tendentes “ao estabelecimento de uma relação duradoura com a coisa” (cfr. P. Lima - A. Varela, Código Civil anotado, vol. III, 2ª ed., págs. 25 e 26) [nas alegações de recurso, os RR. vieram aludir à existência de posse do anterior proprietário pelo menos desde 1989 e à necessidade de somar esta posse à sua, porém, trata-se esta de matéria nova, que não alegaram na reconvenção, pelo que não consta dos autos a factualidade necessária para se concluir por tal realidade de facto, nem a mesma pode ser conhecida em sede de recurso]. Note-se que, nos termos do art. 1257º, nº 1, do Código Civil, a posse mantém-se enquanto durar a actuação correspondente ao exercício do direito ou a possibilidade de a continuar. Tal significa que “para que a posse se conserve, não é necessária a continuidade do seu exercício; basta que uma vez principiada a actuação correspondente ao exercício do direito, haja a possibilidade de a continuar” (P. Lima - A. Varela, ob. cit., pág. 15). São, pois, os RR. possuidores da parcela em causa desde pelo menos 2001, data em que, após adquirirem o prédio referido no ponto 2, passaram a utilizar também tal parcela. Quer dizer, no caso dos RR., ao contrário do que vimos suceder com o A., os mesmos lograram provar o facto-base da presunção decorrente do art. 1268º, nº 1, do Código Civil (a posse) e, por isso, beneficiam da presunção de verificação do facto presumido, ou seja a sua propriedade sobre a parcela em litígio, pelo que estão dispensados da prova da propriedade, cabendo ao A. provar que a parcela não lhes pertence, o que não logrou fazer. Ademais, no caso concreto não existe qualquer registo a favor de outrem, nomeadamente do A., que fundamente uma outra presunção de titularidade sobre a parcela em causa (não existe um registo especificamente respeitante à parcela e o que existe quanto ao prédio do A., como se viu, não permite presumir limites e confrontações). Donde, conclui-se que os RR. gozam da presunção de titularidade resultante do art. 1268º, nº 1, do Código Civil, quanto à parcela de terreno em litígio, a qual não foi ilidida. Pelo que, é de concluir pelo direito de propriedade dos RR. quanto à parcela de terreno aludida nos pontos 21 e 24 da matéria de facto, procedendo nesta parte o pedido reconvencional (com excepção da parte em que se identifica a mesma como fazendo parte da área descoberta do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... na ficha ...7/20060314, freguesia ..., pois que nesta parte vale o que já se disse anteriormente a propósito do alcance da presunção decorrente do registo predial). E sendo assim, torna-se desnecessário apreciar da questão da eventual aquisição da propriedade por usucapião, nomeadamente apreciando do decurso ou não do prazo para o efeito (anote-se, de todo o modo, que, sendo a posse de boa fé - ainda que a posse não titulada se presuma de má fé, nos termos do art. 1260º, nº 2, do C.C., os RR. provaram a sua boa fé, como decorre do ponto 23 da matéria de facto -, o prazo normal de aquisição por usucapião é de 15 anos (art. 1296º do C.C.), sendo de 7 anos e 6 meses o acréscimo de metade que na sentença recorrida se considerou ser aplicável ao caso, donde o prazo total em causa nunca poderia ser de 30 anos, como se entendeu naquela decisão), pois a procedência do pedido reconvencional decorrerá do funcionamento da presunção aludida no art. 1268º, nº 1, do Código Civil, nos termos analisados, e não do reconhecimento demonstrado de uma aquisição originária, por usucapião, da propriedade (prova de que os RR. estão dispensados por beneficiarem da presunção). Merece, pois, acolhimento também nesta parte, nos termos expostos, a pretensão dos recorrentes, devendo proceder o pedido reconvencional em conformidade com o decidido supra. * Em face do resultado do tratamento das questões analisadas, é de concluir, para além das alterações oficiosas à matéria de facto conforme referido, pela obtenção de provimento parcial do recurso interposto pelos RR., com a consequente alteração da sentença recorrida no que concerne às alíneas B) e C) do dispositivo, mantendo-se a mesma quanto à alínea A). *** III - Por tudo o exposto, acorda-se em: a) alterar a decisão proferida quanto à matéria de facto, nos termos supra referidos; b) conceder provimento parcial ao recurso e, em consequência: b.1) revogar as alíneas B) e C) do dispositivo da sentença recorrida; b.2) julgar parcialmente procedente a reconvenção, declarando-se que os RR. são proprietários da parcela de terreno referida nos pontos 21 e 24 da matéria de facto, com a área de 170 m2, a confrontar do nascente com a Viela ..., do norte e do poente com o Município ... e do sul com os RR.; c) no mais, negar provimento ao recurso, confirmando-se a restante parte da sentença recorrida. ** Custas da apelação por recorrentes e recorrido na proporção do respectivo decaimento, que se considera ter ocorrido na proporção de 1/5 para os recorrentes e 4/5 para o recorrido (art. 527º, nºs 1 e 2, do C.P.C.). * Notifique. ** Sumário (da exclusiva responsabilidade da relatora - art. 663º, nº 7, do C.P.C.): …………………….. ……………………… ………………………
* datado e assinado electronicamente
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Isabel Ferreira João Venade Manuela Machado |