Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | PEDRO DAMIÃO E CUNHA | ||
Descritores: | ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO FORMA ESCRITA NULIDADE POR FALTA DE FORMA LEGAL APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO | ||
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Nº do Documento: | RP2021100424466/18.3T8PRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 10/04/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | ALTERADA | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O artigo 1069.º, nº 2, do CC, aditado pela Lei 13/2019, de 12 de Fevereiro, que passou a permitir, verificados os respectivos requisitos, a prova da existência de um contrato de arrendamento urbano verbal, aplica-se aos arrendamentos existentes à data da entrada em vigor desta Lei, por força da norma transitória prevista no nº 2 do art. 14º da citada Lei; II - Isto significa que o legislador pretendeu expressamente contemplar as situações de arrendamento constituídas anteriormente em que as partes não tenham dado obediência às exigências formais (contratos que seriam nulos), permitindo que as mesmas pudessem beneficiar do novo regime jurídico (não se conseguem atingir, aliás, outras situações com aplicação potencial, pois que se os contratos tivessem sido celebrados por escrito a aplicação do nº 2 do art. 1069º do CC não teria campo de aplicação). III - Nestas circunstâncias, a Ré podia, como lhe passou a ser permitido pelo citado nº 2 do artigo 1069.º do CC, fazer a prova da existência do contrato de arrendamento que tinha celebrado verbalmente com a Autora, por qualquer forma admitida em direito – uma vez que a forma do contrato tem agora natureza inequivocamente ad probationem -, demonstrando a sua utilização do locado sem oposição do senhorio e o pagamento mensal da respectiva renda por um período de seis meses. IV - A essa conclusão também não pode constituir objecção, pelas mesmas razões, o facto de, naquela data da entrada em vigor da alteração legislativa, se mostrar pendente a acção judicial fundada na referida alegada nulidade do contrato de arrendamento, por falta de forma, pois que essa pendência não impede o preenchimento do requisito legal do reconhecimento da existência de uma “situação jurídica constituída antes da entrada em vigor da lei” no sentido exposto; V - O legislador ordinário não está impedido, em termos constitucionais, de elaborar um preceito legal como o previsto no nº 2 do art. 14º da Lei 13/2019, estabelecendo a retroactividade da alteração legislativa introduzida no nº 2 do art. 1069º do CC e determinando a sua aplicando às situações jurídicas anteriormente constituídas, não violando tal solução legal (e a interpretação efectuada pelo tribunal) os “princípios constitucionais autónomos” (princípios da igualdade, segurança e da confiança jurídicas, pela frustração das expectativas legais existentes à data da Instauração da acção) invocados pela recorrente. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | APELAÇÃO Nº 24466/18.3T8PRT.P1 * Sumário (elaborado pelo Relator- art. 663º, nº 7 do CPC): ……………………………… ……………………………… ……………………………… * Comarca do Porto - Juízo Local Cível do Porto - Juiz 1* Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto.I. RELATÓRIO. Recorrente(s): - B…; Recorrido(a)(s): - C…; * B… intentou acção de condenação, com processo comum contra C…, pedindo a condenação da Ré a:a) reconhecer que a Autora é legítima proprietária e possuidora da fracção autónoma designada pela letra ‘J’, sita na Rua …, .. - 5º Tras., da União de freguesias …, concelho do Porto, descrita na Conservatória do Registo Predial de Valongo sob o nº 342-342 -J e inscrita na matriz sob o artigo 9624º-9624º -J; b) desocupar a dita fracção e a entregá-la à Autora, inteiramente livre e devoluta de pessoas e bens; c) pagar à Autora a título de indemnização por ocupação abusiva, a quantia de € 500,00 por cada mês, ou fracção, desde 6 Set 2018 até à efectiva desocupação e entrega da fracção; * A Ré deduziu, a título subsidiário (para o caso de os pedidos da Autora procederem) pedido reconvencional pedindo a condenação da autora a pagar à Ré a quantia de 37.800,00 €, a título de rendas que lhe entregou. * Respondeu a Autora, por impugnação.* O Tribunal recorrido seleccionou as seguintes “questões a decidir”:- O direito de propriedade relativo à fracção autónoma, designada pela letra ‘J’, correspondente a uma habitação no 5º andar traseiras, com entrada pelo nº .., do prédio constituído em propriedade horizontal sito na Rua …, .. e .., da União de freguesias …, concelho do Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº 342 e inscrito na matriz sob o artigo 9624º, com o valor patrimonial de € 26.680,00; - Contrato de arrendamento celebrado entre a Autora e Ré relativo à fracção autónoma supramencionada; - Nulidade por inobservância da forma legal do contrato de arrendamento; * Na sequência foi proferida a seguinte sentença:“V: Da Decisão: Pelo exposto, julga-se a presente acção improcedente por não provada e absolve-se a Ré do pedido. Custas a cargo da autora. Notifique e registe. * Para os fins tidos por convenientes comunique à Autoridade Tributária a existência deste contrato de arrendamento desde 2008 e respectiva renda.”* É justamente desta decisão que a A./recorrente veio interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma:“Conclusões 1 – Tendo a acção, de reivindicação e restituição de posse, sido instaurada com invocação da nulidade de contrato de Arrendamento por falta de forma, nos termos do art. 1069º do cc em vigor à data da sua propositura, é este regime Legal que lhe é aplicável e não o da lei 13/2019 que, tendo entrado em vigor já na pendência da acção, alterou o referido normativo com efeitos retroactivos aos arrendamentos existentes à data da sua entrada em vigor. 2 – Em primeiro lugar, porque tendo a autora invocado a sua nulidade quando instaurou a acção, o dito arrendamento já ‘não existia’ validamente na data da entrada em vigor da lei. 3 – Em segundo lugar, porque com a invocação da nulidade pela autora já se haviam produzido os efeitos desse facto que a lei nova se destinou a regular e que, nos termos do disposto no art. 12º-1 do CC sempre teriam de ficar ressalvados, mesmo tendo-lhe sido atribuída eficácia retroactiva. 4 - E, mesmo que dúvidas houvesse, que não há, tratando-se, como se trata, de condição de validade formal do contrato, sempre teria de se entender, nos termos do nº 2 do citado artigo, que só visava os factos novos. 5 – Por outro lado, a lei 13/2019 apenas determinou que a alteração ao art. 1069º se aplicava aos contratos existentes à data da sua entrada em vigor, e não, também, às acções pendentes, e o que nesta está em causa é saber se na data da sua instauração a autora tinha ou não o direito que se arrogou, por ser esse o momento relevante para determinar se os factos articulados têm eficácia constitutiva do direito invocado. 6 – Acresce ainda que, tratando-se, como se trata de norma de direito substantivo atinente à forma e validade de um contrato, a sua aplicabilidade a acções pendentes à data do início da sua vigência, sempre se constituiria, para além de uma ilegal aplicação retroactiva da lei nova, como passível de um juízo de inconstitucionalidade, por violação dos Princípios da igualdade, segurança e da confiança jurídicas, pela frustração das expectativas legais existentes à data da Instauração da acção, e nas quais a autora se fundou para a propositura da demanda Sem prescindir, 7 – Ao não conhecer do primeiro pedido formulado, de reconhecimento da propriedade, e julgar toda a acção improcedente e não provada, o tribunal a quo incorreu em omissão de pronúncia e erro de julgamento. 8 - Tendo intentado a acção com base num direito que a lei claramente que conferia e só nela tendo vindo a decair porque, na sua pendência, o legislador entendeu alterar a lei, é apodíctico que a autora não foi quem deu causa às custas, pelo que não pode ser condenada no seu pagamento. 9 – Não tendo sido condenada no pedido reconvencional nem tendo tido qualquer proveito do processo não pode a Autora-reconvinda ser condenada nas custas da reconvenção. 10 - Ao decidir conforme decidiu, o tribunal a quo violou, por erro de interpretação, nomeadamente o disposto nos Arts. 12º-1 e 2, 1311º e 1069º do CC, 14º-3 da lei 13/2019 de 12 dez, 260º, 527º-1 e 2, 608º-2 e 615º-1 d) do NCPC e 12º, 13º da CRP, e ofendeu os princípios constitucionais e gerais da universalidade, da igualdade, da confiança e segurança jurídica e da estabilidade da instância…”. * Foram apresentadas contra-alegações, tendo a recorrida apresentado as seguintes conclusões:“CONCLUSÕES 1ª- Ao contrário do proclamado nas alegações de recurso, a decisão recorrida julgou correctamente o pleito; 2ª- Tendo julgado a aplicabilidade da Lei 13/2019 de 12/02 ao contrato verbal de arrendamento urbano que se discute nos presentes autos; 3ª- Assim decidindo pela retroactividade do disposto naquela Lei que no seu artigo 14º nº 2 refere “aplica-se igualmente a arrendamentos existentes à data da entrada em vigor da mesma”; 4ª- Sendo certo que o contrato verbal existia à data da sua publicação e continua a existir como está demonstrado nos autos; 5ª- Porém, para a mesma hipótese de ser perfilhado o entendimento da Recorrente, torna-se necessário ampliar, a título subsidiário, o Âmbito do recurso, por forma a ser apreciado o abuso do direito e a matéria reconvencional deduzida pela Recorrida; 6ª- Questões que não foram apreciadas na sentença proferida, por desnecessidade, face à aplicação da Lei nº 13/2019 de 12/02; 7ª- Já que a Recorrida, nos artigos 17º a 36º da contestação, alegou factos concretos que apontam indubitavelmente para o abuso do direito praticado pela Recorrente; 8ª- Uma vez que ao longo de mais de 10 anos, aceitou receber as rendas oferecidas pela recorrida e não lhe reduziu a escrito o contrato de arrendamento, como lhe foi requerido; 9ª- Para, através desse reprovável expediente, poder vir a deduzir mais tarde, como deduziu, a nulidade do contrato, por vício de forma; 10ª- Resultando, por isso, “Venire contra factum proprium”, como se alegou na contestação; 11ª- Pelo que, se não for aplicável aos presentes autos o regime jurídico estabelecido pela Lei 13/2019, então também a pretensão da Recorrente não deveria proceder, face ao abuso do direito praticado; 12ª- E o mesmo se diga relativamente à reconvenção deduzida e que não foi apreciada na decisão proferida; 13ª- Justificando-se, assim, a sua apreciação, caso se entenda da inaplicabilidade do regime daquela Lei. * Termos em que deve manter-se a decisão proferida, por aplicação do regime jurídico da Lei nº 13/2019 de 12/02 e, se assim não se entender, devem ser apreciadas em sede de ampliação do âmbito do recurso as questões enunciadas e, consequentemente, as mesmas merecerem provimento (…)”.* Corridos os vistos legais, cumpre decidir.* II- FUNDAMENTOSO objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC. * No seguimento desta orientação, a recorrente coloca as seguintes questões que importa apreciar:1. Omissão de pronúncia quanto ao primeiro pedido formulado (de reconhecimento da propriedade) – art. 615, nº 1, al. d) do CPC. * 2. saber se no caso concreto o regime aplicável é o previsto no art. 1069º do CC, em vigor à data da propositura da acção e não o da lei 13/2019, como entendeu o tribunal recorrido;3. a manter-se esse entendimento, saber se tal interpretação será inconstitucional por violação dos Princípios da igualdade, segurança e da confiança jurídicas, pela frustração das expectativas legais existentes à data da Instauração da acção (arts. 12º e 13º); * 4. saber se ao julgar toda a acção improcedente e não provada, o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento (quanto ao primeiro pedido formulado).* 5. saber se a condenação em custas deve ser reformulada seja quanto à acção principal, seja quanto à acção reconvencional.* (Questão levantada pela recorrida)A título subsidiário (para o caso de se entender não ser aplicável aos presentes autos o regime jurídico estabelecido pela Lei 13/2019) 6. conhecer da ampliação requerida pelo recorrido, a título subsidiário, do âmbito do recurso, por forma a ser apreciado o abuso do direito e a matéria reconvencional deduzida pelo Recorrido; * A) - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOA sentença proferida em 1ª instância julgou provados os seguintes factos: III: Fundamentação de Facto: Factos Provados: 1 – O direito de propriedade relativo à fracção autónoma, designada pela letra ‘J’, correspondente a uma habitação no 5º andar traseiras, com entrada pelo nº .., do prédio constituído em propriedade horizontal sito na Rua …, .. e .., da União de freguesias …, concelho do Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº 342 e inscrito na matriz sob o artigo 9624º, com o valor patrimonial de € 26.680,00, encontra-se inscrito a favor da autora pela Ap. 21 de 1999/04/08. 2 – Em 2008, por acordo verbal, a Autora cedeu à ré a utilização da fracção autónoma, designada pela letra ‘J’, para habitação, pela renda mensal de € 280,00 e por tempo indeterminado, nunca inferior a um ano. 3. A Autora procedeu a actualizações da renda que, em 2013, passou a € 290,00. 4. A Autora e a Ré estiveram envolvidas em negociações para aquisição da fracção. 5. A autor tem necessidade de vender a fracção. 6. Por meio de carta registada com AR expedida pelo seu mandatário em 4 Set 2018 e recebida pela Ré em 6 Set, a Autora a interpelou para que procedesse à entrega do imóvel, inteiramente devoluto de pessoas e coisas no prazo máximo de oito dias. 7. Até ao momento, a Ré ainda não o entregou. 8. A ré tem pago à A. as rendas mensais. * B) - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITOJá se referiram em cima as questões que importa apreciar e decidir. A primeira questão que o recorrente coloca é a de saber se a sentença é nula, por ter omitido a pronúncia sobre o primeiro pedido formulado pela Autora (art. 615º, nº 1, al. d) do CPC). Esta primeira questão entronca obviamente numa segunda questão - também levantada pela recorrente - que diz respeito ao subsequente erro de julgamento em que teria incorrido o tribunal recorrido ao ter julgado totalmente improcedente a acção (primitiva). Não se torna necessário efectuar aqui a distinção entre as duas situações invocadas (nulidade da sentença e erro de julgamento)[1], tendo em conta a evidência do vício invocado pela recorrente. Com efeito, não há dúvidas que o tribunal recorrido errou ao julgar a acção totalmente improcedente, incluindo nesse seu julgamento o primeiro pedido formulado pela Autora (que nem sequer se mostrava controvertido). Senão vejamos. A Autora, como resulta do relatório elaborado, formulou o seguinte primeiro pedido (que o tribunal recorrido, tendo em conta a decisão final proferida, teria julgado improcedente): a) reconhecer que a Autora é legítima proprietária e possuidora da fracção autónoma designada pela letra ‘J’, identificada na matéria de facto. Sucede que, em face da matéria de facto dada como provada (ponto 1 dos factos provados – cfr. também art. 7º do CRegPredial), não existem dúvidas – nem isso é posto em causa pela Ré - que a Autora é proprietária da fracção autónoma identificada (cfr. arts. 1302 e ss. do CC). Nesta conformidade, sendo a Autora legítima proprietária da aludida fracção autónoma, fácil será de concluir que, no exercício dos poderes inerentes a essa sua qualidade de proprietária, poderia reivindicar da Ré a referida fracção, livre de pessoas e coisas, a não ser que esta, como iremos ver, lograsse invocar qualquer causa que justificasse a sua permanência na fracção de que é proprietária a Autora. Julga-se que o tribunal recorrido ao elaborar a parte decisória terá tido em consideração que o primeiro pedido formulado não foi sequer contestado pela Ré e, nesse sentido, quando julgou a acção totalmente improcedente se estava a referir apenas aos pedidos controvertidos[2]. No entanto, salvo o devido respeito pela decisão proferida, julga-se efectivamente que, em face de matéria de facto considerada provada, tem o primeiro pedido que ser julgado procedente, não sendo necessárias, para o efeito, mais alongadas considerações. Como decorre desta fundamentação (e da posição das partes ao longo do processo) tem, assim, a decisão proferida que ser alterada quanto ao reconhecimento do primeiro dos pedidos formulados, ainda que tal reconhecimento não constitua uma alteração substantiva e processual relevante (inclusivamente para efeitos de custas) no que concerne à acção primitiva, tendo em conta o objecto do litígio (os pedidos controvertidos eram os formulados nas als. b) e c) do petitório (e os formulados em termos subsidiários na acção reconvencional). Procede esta parte do recurso (ainda que com as assinaladas consequências). * Ultrapassadas estas questões processuais, importa que o presente tribunal entre na apreciação dos fundamentos do recurso apresentados pela recorrente mais substantivos, digamos assim.Para tanto importa ter em atenção ainda o seguinte considerando prévio. Conforme resulta das posições da recorrente e da recorrida, a matéria de facto considerada como provada pelo Tribunal Recorrido não foi impugnada pelo mecanismo processualmente próprio, pelo que o presente Tribunal terá de se pronunciar sobre as identificadas questões tendo em consideração apenas aquela factualidade. Na verdade, a recorrente e a recorrida não chegam a deduzir a pertinente Impugnação da matéria de facto, com obediência ao disposto no art. 640º do CPC, conformando-se, assim, com a decisão sobre a matéria de facto produzida pelo Tribunal Recorrido. Nessa medida, não tendo sido deduzida Impugnação da matéria de facto, e não sendo caso do presente Tribunal proceder à alteração oficiosa da matéria de facto (cfr. nº 1 do art. 662º do CPC)[3], deverá a factualidade dada como provada manter-se nos exactos termos que se mostram vertidos na Decisão Recorrida. * Aqui chegados, e dentro destes pressupostos fácticos, importa, pois, que o presente Tribunal se pronuncie sobre a argumentação da recorrente que contende, como vimos, com as seguintes questões:- saber se no caso concreto o regime aplicável é o previsto no art. 1069º do CC, em vigor à data da propositura da acção e não o regime jurídico da lei 13/2019, como entendeu o tribunal recorrido; - a manter-se esse entendimento, saber se tal interpretação será inconstitucional por violação dos Princípios da igualdade, segurança e da confiança jurídicas, pela frustração das expectativas legais existentes à data da Instauração da acção (arts. 12 e 13º da CRP). Importa, pois, verificar se, atendendo aos fundamentos de recurso invocados, se deve manter a apreciação de mérito efectuada pela Decisão Recorrida, em face da matéria de facto dada como provada. Ora, salvo o devido respeito pela opinião contrária, julga-se que a sentença recorrida não merece as criticas que lhe são efectuadas pela recorrente. Senão vejamos. Nos termos do art. 1311º do CC, o proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição daquilo que lhe pertence. Ora, encontrando-se validamente inscrito a favor da Autora o direito de propriedade sobre a fracção autónoma aqui em discussão, nos termos do art. 7 do Código de Registo Predial, tal facto constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito nos precisos termos em que o registo o define. Pelo que, consequentemente, atentos os factos considerados provados (ponto 1 da matéria de facto provada), se tem de considerar a Autora como titular de um direito de propriedade sobre a fracção autónoma identificada nos autos (direito de propriedade, aliás, expressamente não posto em causa pela Ré). Ora, dispõe o art. 1311º do CC que, assumindo tal qualidade: "... 1. o proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence. 2. Havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei". Face a este condicionalismo legal pode-se, assim, afirmar que sobre o reivindicante recai o ónus de provar que é 1) proprietário da coisa e 2) que o réu a detém ou possui - e, ainda, a identidade da coisa que se reclama com a que é possuída pelo demandado[4]. Assim, julgado procedente o pedido de reconhecimento do direito de propriedade da autora, deve ser julgado no mesmo sentido o pedido de restituição da coisa e só poderá ser recusado nos casos previstos na lei (nº 2 do art. 1311º do CC). No caso concreto, como decorre do exposto, face inclusivamente à própria posição assumida pela Ré, não se torna necessário que nos alonguemos sobre o reconhecimento do direito de propriedade da Autora sobre a fracção autónoma ocupada pela Ré. Na verdade, além da confissão por parte da Ré, a Autora logrou ainda alegar e provar que adquiriu de uma forma derivada a propriedade do prédio e que o mesmo se encontra registado a seu favor. Assim, afirmado e decidido o direito de propriedade, o possuidor ou detentor, que não se arroga proprietário da coisa reivindicada, só poderia evitar a restituição se provasse que: a) tem sobre a coisa outro qualquer direito real que justifique a sua posse ou b) que a detém por virtude de direito pessoal bastante[5]. Poderia, assim, a Ré contestar a obrigação de entrega com base em qualquer relação (obrigacional ou real) que lhe conferisse a posse ou detenção da coisa, ou com alguma das situações especiais previstas na lei, nos termos do artigo 1311º, nº 2, do CC, cabendo-lhe o ónus da prova do motivo que legitima a recusa da restituição da coisa, ou seja, deveria alegar e provar que a sua detenção é legítima e é oponível à reivindicante. Assim, entre outras situações previstas na lei, a Ré poderiam “... contestar o seu dever de entrega, sem negar o direito de propriedade do(a) Autor(a), com base em qualquer relação (obrigacional ou real) que lhe confira a posse ou a detenção da coisa (a titulo de usufrutuário, locatário, credor pignoratício, etc. ... )”[6] . No caso concreto, a Ré invocou justamente uma dessas hipóteses, uma vez que alegou (e o tribunal recorrido assim também considerou) que ocupa a fracção autónoma mediante um contrato de arrendamento[7]. A questão que se discute é justamente a de saber se assim é, ou seja, se a Ré ocupa o locado mediante um contrato de arrendamento. Ora, essa questão teria que ser resolvida em função da discussão estabelecida entre as partes sobre a celebração do contrato de arrendamento e a obediência à forma legal, tendo em conta a seguinte factualidade dada como provada: - 2 – Em 2008, por acordo verbal, a Autora cedeu à ré a utilização da fracção autónoma, designada pela letra ‘J’, para habitação, pela renda mensal de € 280,00 e por tempo indeterminado, nunca inferior a um ano. 3. A Autora procedeu a actualizações da renda que, em 2013, passou a € 290,00. 6. Por meio de carta registada com AR expedida pelo seu mandatário em 4 Set 2018 e recebida pela Ré em 6 Set, a Autora a interpelou para que procedesse à entrega do imóvel, inteiramente devoluto de pessoas e coisas no prazo máximo de oito dias. 7. Até ao momento, a Ré ainda não o entregou. 8. A ré tem pago à A. as rendas mensais. Em face desta matéria de facto, o tribunal recorrido, aplicando o novo regime jurídico estabelecido no nº 2 do art. 1069º do CC (com a redacção introduzida pela Lei 13/2019- que só entrou em vigor na pendência da presente acção), concluiu que o contrato de arrendamento celebrado entre as partes era válido, uma vez que o legislador, com aquela alteração legislativa, passou a considerar a exigência da redução a escrito como uma mera formalidade ad probationem, que não tem como consequência a nulidade do contrato. Nessa sequência, considerou que o pedido de desocupação do locado formulado pela Autora teria que ser julgado improcedente, uma vez que a Ré logrou alegar e provar que a sua detenção era legítima (porque fundada num contrato de arrendamento para habitação válido) e, por isso, era oponível à reivindicante nos termos expostos. A recorrente insurge-se contra esta aplicação retroactiva da aludida alteração legislativa, alegando, em síntese, que: - invocou a nulidade do contrato de arrendamento com anterioridade à entrada em vigor da lei, pelo que os efeitos produzidos por essa invocação, sempre teriam de ficar ressalvados, mesmo tendo sido atribuída eficácia retroactiva à alteração legislativa – cfr. o disposto no art. 12º, nº 1 do CC; – a lei nº 13/2019 apenas determinou que a alteração ao art. 1069º se aplicava aos contratos existentes à data da sua entrada em vigor, e não, também, às acções pendentes; - tratando-se, como se trata de norma de direito substantivo atinente à forma e validade de um contrato, a sua aplicabilidade a acções pendentes à data do início da sua vigência, para além de constituir uma ilegal aplicação retroactiva da lei nova, sempre seria susceptível de merecer um juízo de inconstitucionalidade, por violação dos princípios da igualdade, segurança e da confiança jurídicas, pela frustração das expectativas legais existentes à data da Instauração da acção, e nas quais a autora se fundou para a propositura da demanda. Vejamos, então, se a decisão recorrida se deve manter na ordem jurídica, tendo em conta os fundamentos invocados pela recorrente. Estabelece o artigo 1069.º do CC (na redacção introduzida pela Lei 13/2019 de 12/02) sob a epígrafe “Forma” que: “1 - O contrato de arrendamento urbano deve ser celebrado por escrito. 2 - Na falta de redução a escrito do contrato de arrendamento que não seja imputável ao arrendatário, este pode provar a existência de título por qualquer forma admitida em direito, demonstrando a utilização do locado pelo arrendatário sem oposição do senhorio e o pagamento mensal da respectiva renda por um período de seis meses”. Não há dúvidas de que, por força do nº 2 do artigo 12.º do CC, as condições de validade substancial ou formal de um contrato se aferem, em geral, pela lei vigente ao tempo em que foi celebrado. Ora, à data da celebração do contrato (2008), para a validade do contrato, o citado artigo 1069º, do CC, com a redacção introduzida pelo NRAU, exigia a forma escrita, aliás, desse inciso até a alteração introduzida pela Lei 13/2019, constava apenas o seu corpo (agora nº 1) cuja redacção inicial foi ainda alterada pela Lei 31/2012 de 14/08 que suprimiu a referência à duração do contrato[8]. Sucede que é inequívoco que o legislador, no artigo 14º, nº 2 da lei 13/2019 (Norma transitória), impôs que “o disposto no nº 2 do artigo 1069º do CC, com as alterações introduzidas pela presente lei, se aplica igualmente a arrendamentos existentes à data de entrada em vigor da mesma”. O legislador com esta norma transitória quis estabelecer que: “No que respeita à aplicação da lei no tempo, tais alterações aplicam-se não só aos contratos futuros, mas também aos contratos em curso, como decorre da regra geral do artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil. Acresce que o legislador esclareceu expressamente que algumas alterações têm aplicação mesmo a situações constituídas antes da entrada em vigor da presente lei (artigo 14.º). Assim acontece quanto à forma do contrato, prevista no n.º 2 do artigo 1069.º, e quanto ao disposto no artigo 1041.º”[9]. Assim, “o n.º 2 do art. 14.º prevê que a regra nova do art. 1069º, n.º 2 (permite ao arrendatário preservar a validade do contrato, provando a sua execução) seja aplicável a arrendamentos existentes à data da entrada em vigor da lei. Apesar de se tratar de uma prescrição sobre forma, caso em que as regras de aplicação da lei no tempo definem a aplicação da lei vigente no momento da celebração do contrato (art. 12.º, n.º 2 do CC), não se trata de requisitos de validade formal que as partes devessem ter observado aquando da celebração do contrato, pelo que não se compromete a regra geral de que a lei só dispõe para o futuro e fica assim resolvida a dúvida que se pudesse suscitar sobre a aplicação da regra nova (Nota 46: Conforme esclarece Pinto Furtado, op. cit., p. 312, às modificações ao contrato de arrendamento anteriormente celebrado aplica-se a nova regra e não a disposição vigente no momento da sua celebração)”[10]. Com efeito, “mantendo-se inalterada a obrigação de celebração por escrito dos contratos de arrendamento, é aditado ao preceito o nº 2 que, na ausência de contrato escrito, vem permitir ao arrendatário a demonstração da existência do vinculo contratual estabelecido por qualquer forma admitida em direito, demonstrando que utiliza o locado sem a oposição do senhorio e que efectuou o pagamento da respectiva renda mensal por um período de sei meses, abrangendo, a referida alteração, não apenas os contratos celebrados após a entrada em vigor da Lei nº 13/2019, mas também os arrendamentos existentes anteriormente a essa data, nos termos do nº 2 do art. 14º deste último diploma”[11]. As razões que terão levado o legislador a alterar estas exigências formais decorrerão do facto de “na prática, existir ainda um número significativo de arrendamentos em que, por diversas razões, as partes optam por não reduzir a escrito o vinculo contratual, contribuindo assim para uma maior vulnerabilidade dos arrendatários visados que dificilmente teriam como demonstrar a existência do mesmo”[12]. “Nestes casos, a sanção para a falta de forma não será assim a nulidade, mas a invalidade mista. Para além (de que) poderá ainda ocorrer uma inalegabilidade formal, no caso de a invocação da nulidade por falta de forma se apresentar como contrária à boa-fé, por haver abuso de direito na sua invocação”[13]. Isto dito, não há dúvidas que a Ré podia, como lhe passou a ser permitido pelo nº 2 do artigo 1069.º atrás transcrito, fazer a prova da existência do contrato de arrendamento que tinha celebrado verbalmente com a Autora, por qualquer forma admitida em direito – uma vez que a forma do contrato tem agora natureza inequivocamente ad probationem -, demonstrando a sua utilização do locado sem oposição do senhorio e o pagamento mensal da respectiva renda por um período de seis meses. Ora, conforme resulta da matéria de facto provada, não há dúvidas que a Ré logrou efectuar a prova destes requisitos legais (nem a recorrente coloca em causa esse preenchimento no presente recurso, entendendo antes que o regime jurídico em causa não é aplicável), tanto mais que a própria Autora reconhece logo na petição inicial a celebração do contrato de arrendamento (ainda que alegue a nulidade do mesmo). Como decorre do exposto, o legislador no art. 14º, nº 2 da citada Lei previu uma norma transitória, onde determinou que o disposto no art. 1069º, nº 2 do CC, se aplicava igualmente a arrendamentos existentes à data de entrada em vigor da mesma (sendo que, por força do art. 16º, nº 1 da Lei 13/2019, se estabeleceu que a entrada em vigor da lei se dava no dia seguinte ao da sua publicação, ou seja, no dia seguinte ao dia 12 de Fevereiro)[14]. Como dissemos, o legislador esclareceu expressamente que, quanto à forma do contrato, a alteração introduzida no nº 2 do art. 1069º do CC tem aplicação mesmo a situações constituídas antes da entrada em vigor da lei (artigo 14.º). Isto significa que o legislador pretendeu contemplar expressamente as situações arrendatícias constituídas anteriormente em que as partes não tenham dado obediência às exigências formais (contratos que seriam nulos), permitindo que as mesmas pudessem beneficiar do novo regime jurídico (não se conseguem atingir, aliás, outras situações com aplicação potencial, pois que se os contratos tivessem sido celebrados por escrito a aplicação do nº 2 do art. 1069º do CC não teria campo de aplicação). Ou seja, com a alteração legislativa introduzida no citado preceito legal, o que o legislador, no fundo, pretendeu, com a aludida norma transitória, foi confirmar expressamente que os actos (formalmente) nulos realizados sob o império da lei antiga, poderiam agora, com a comprovação de determinados requisitos legais, ser considerados como “existentes” e válidos. A questão que se colocava, pois, era a de saber se o contrato de arrendamento aqui em discussão era um “arrendamento existente à data de entrada em vigor da Lei 13/2019”, ou seja, era uma “situação jurídica constituída antes da entrada em vigor da lei”. É que se assim for, como entendeu o tribunal recorrido, a alteração legislativa introduzida por esta Lei aplica-se ao caso concreto. Ora, compulsada a matéria de facto considerada provada, podemos constatar que o contrato de arrendamento celebrado entre a Autora e Ré subsistiu entre as partes, com o pagamento e recebimento de rendas desde 2008, situação que só não se manteve a partir de 2018 (ainda que a Ré continue a pagar as rendas), altura em que a Autora solicitou a entrega do locado, invocando a falta de título legitimo para a Ré permanecer no locado (interpondo, logo de seguida, a presente acção, invocando a nulidade do contrato por falta de forma). Todavia, como decorre do exposto, na pendência da acção tal fundamento invocado pela Autora deixou de ser válido, uma vez que, com antecedência à data em que foi proferida a sentença recorrida, o legislador passou a considerar a exigência da redução a escrito do contrato de arrendamento aqui em discussão uma mera formalidade ad probationem, que não tem como consequência a nulidade do contrato. Ora, salvo o devido respeito pela opinião contrária, tendo em conta os factos considerados provados, não se pode chegar a outra conclusão que não seja a de considerar que o contrato de arrendamento verbal celebrado em 2008 era uma “situação jurídica constituída antes da entrada em vigor da lei” no sentido exposto. Com efeito, apesar de a Autora ter invocado que a Ré “estava a ocupar a habitação sem título legitimo” (na carta registada datada de 4.9.2018 – doc. nº 3 junto com a petição) e ter interposto a presente acção em 20.11.2018 onde invoca que “o acordo verbal firmado … constitui um contrato de arrendamento nulo, por falta de forma, nulidade essa que expressamente invoca para todos os efeitos legais” (item 21 da petição inicial), a verdade é que, face à alteração legislativa (e sendo a mesma aplicável nos termos da norma transitória prevista no art. 14º, nº 2), o tribunal, tendo em conta o regime jurídico aplicável (que, como vimos, é aplicável ao caso concreto), já não podia reconhecer e declarar a nulidade do contrato (com a consequente extinção retroactiva do vinculo contratual). De resto, afigura-se-nos que não basta, para pôr em causa, neste âmbito, a “existência” de um contrato, a mera invocação (unilateral) da nulidade (por falta de forma)[15], tanto mais quando se discute se tal exercício de invocação da nulidade constitui abuso de direito (art. 334º do CC) e quando o próprio legislador determina, através de norma transitória prevista no nº 2 do art. 14º da citada Lei, que o novo regime jurídico do nº 2 do art. 1069º do CC é aplicável a essas situações jurídicas anteriormente constituídas (e que, à luz do regime anterior, seriam nulas por falta de forma). Claro que se viesse a ser reconhecida e declarada pelo tribunal ser-lhe-ia aplicável o regime geral da nulidade (arts. 289º e ss. do CC), o que implicaria que o negócio não produziria, ab initio, os efeitos a que tendia. Tendo o reconhecimento da nulidade efeitos retroactivos, haveria lugar à reposição das coisas no estado anterior ao negócio - o status quo ante - restituindo-se tudo o que tiver sido prestado, ou, se a restituição em espécie não fosse possível, o valor correspondente. Em execução do efeito de repristinação que seria determinado, cumpriria à Ré proceder à restituição do imóvel e do gozo entretanto fruído e à A. a restituição das “rendas” recebidas. Contudo, não sendo possível a restituição, em espécie, do gozo do imóvel, ficaria a Ré obrigada à restituição do valor correspondente ao gozo do imóvel devido até à entrega do imóvel, vista a relação sinalagmática existente entre as duas prestações (art. 290º do CC). Tudo para significar que, ainda que a Ré tivesse logrado provar ter celebrado com a A., em 2008, um contrato de arrendamento, sempre teria que proceder à entrega do imóvel à A., por efeito da nulidade do contrato, a não ser que tivesse arguido - como a aqui Ré efectuou - que a invocação da nulidade do contrato por parte da Autora consubstanciava um exercício abusivo do direito de invocar a nulidade do contrato (art. 334º do CC). De qualquer forma, no caso concreto, conclui-se que, na data em que a referida alteração legislativa entrou em vigor, o contrato de arrendamento, estabelecido entre as partes, era uma situação jurídica constituída antes da sua entrada em vigor, pelo que, nos termos do citado nº 2 do art. 14º da Lei 13/2019, lhe era aplicável o (novo) regime jurídico previsto quanto à forma do contrato no nº 2 do art. 1069º do CC pelas razões expostas. Nesse sentido se decidiu também, em iguais circunstâncias, no ac. da RE de 30.6.2021 (relator: Mário Coelho), in dgsi.pt “(…) apontando que a Recorrente habita no imóvel há bem mais de seis meses – há menos de 18 anos, mas seguramente antes de 2012 … teremos a dizer que a forma escrita para o arrendamento urbano foi imposta por todos os diplomas que abrangeram o mencionado período temporal, i.e., inicialmente o artigo 7.º, n.º 1, do RAU, na redacção que lhe foi introduzida pelo DL 64-A/2000, de 22 de Abril, e depois o artigo 1069.º do Código Civil, nas sucessivas redacções que lhe foram introduzidas pela Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro, pela Lei 31/2012, de 14 de Agosto, e actualmente, pela Lei 13/2019, de 12 de Fevereiro. A redacção introduzida ao art. 1069º do Código Civil por esta última Lei, continuando a impor a celebração por escrito do contrato de arrendamento urbano, introduziu um novo n.º 2, dispondo que: “Na falta de redução a escrito do contrato de arrendamento que não seja imputável ao arrendatário, este pode provar a existência de título por qualquer forma admitida em direito, demonstrando a utilização do locado pelo arrendatário sem oposição do senhorio e o pagamento mensal da respectiva renda por um período de seis meses.” De atentar que, face ao artigo 14.º, n.º 2, da Lei 13/2019, o disposto no novo n.º 2 do artigo 1069.º do Código Civil aplica-se igualmente a arrendamentos existentes à data da sua entrada em vigor. Ponderando a data de entrada da causa em juízo – 08.07.2019 – já poderia a Recorrente ter feito prova da existência de um contrato de arrendamento, demonstrando que a falta de redução a escrito não lhe era imputável e provando a existência do título por qualquer forma admitida em direito, através da utilização do locado sem oposição do senhorio e do pagamento mensal da respectiva renda por um período de seis meses (…)”[16]. A essa conclusão também não pode constituir objecção, pelas mesmas razões, o facto de, naquela data da entrada em vigor da alteração legislativa, se mostrar pendente uma acção judicial fundada na referida alegada nulidade do contrato. Com efeito, como refere o ac. da RL de 4.6.2020 (relator: Pedro Martins), disponível em https://outrosacordaostrp.com/ (onde também foi invocada a nulidade do contrato de arrendamento por falta de forma): “Estando o processo pendente, foi publicada a Lei 13/2019, de 12/02 (que entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, por força do seu art. 16), que aditou um n.º 2 ao art. 1069 do CC, com a seguinte redacção: “Na falta de redução a escrito do contrato de arrendamento que não seja imputável ao arrendatário, este pode provar a existência de título por qualquer forma admitida em direito, demonstrando a utilização do locado pelo arrendatário sem oposição do senhorio e o pagamento mensal da respectiva renda por um período de seis meses.” E aquela mesma Lei tem a seguinte norma de direito transitório: art. 14º/2: O disposto no art. 1069/2 do CC, com as alterações introduzidas pela presente lei, aplica-se igualmente a arrendamentos existentes à data de entrada em vigor da mesma. É assim claro que a Lei quis que o art. 1069/2 do CC fosse aplicável às próprias relações de arrendamento já constituídas, que subsistissem à data da sua entrada em vigor (art. 12/2 do CC) (neste sentido, Maria Olinda Garcia, Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019, Julgar online, Março de 2019, pág. 8). Portanto, também à relação jurídica em causa nestes autos, não obstante a pendência do processo”. É este também o nosso entendimento pelas razões que já foram expostas, uma vez que a pendência da acção não contende com o requisito legal do reconhecimento da existência de uma “situação jurídica constituída antes da entrada em vigor da lei” nos termos expostos. De resto, importa referir que foi também essa a solução legal quando o legislador alterou o nº 3 do art. 1029º do CC (na redacção introduzida pelo DL 67/75 de 19/2) em que se previa um regime jurídico semelhante ao que agora se prevê no nº 2 do art. 1069º do CC[17], pois que aí também se estabeleceu que: “Artigo 2.º do referido DL: “1. O disposto no n.º 3 do artigo 1029.º e nos nºs 2 e 3 do artigo 1051.º, ambos do Código Civil, é aplicável aos arrendamentos já existentes, mesmo que haja acção pendente…”. * Finalmente, invoca a recorrente a inconstitucionalidade do nº 2 do art. 1069º do CC, alegando que, “tratando-se, como se trata de norma de direito substantivo atinente à forma e validade de um contrato, a sua aplicabilidade a acções pendentes à data do início da sua vigência, sempre seria susceptível de merecer um juízo de inconstitucionalidade, por violação dos princípios da igualdade, segurança e da confiança jurídicas, pela frustração das expectativas legais existentes à data da instauração da acção, e nas quais a autora se fundou para a propositura da demanda”.Trata-se de uma questão nova que, no entanto, é susceptível de ser conhecida nesta sede recursiva, pois que é de conhecimento oficioso. Em primeiro lugar, importa referir que a recorrente não é muito clara na indicação da norma (ou normas) que pretende declarar inconstitucional ou na indicação de quais são os normativos que, por força da incorrecta interpretação do tribunal recorrido, violou a Constituição da República Portuguesa (designadamente os princípios invocados). Tanto quanto podemos atingir pretenderá a recorrente que seja declarada inconstitucional a interpretação do nº 2 do art. 14º da Lei 13/2019 efectuada pelo tribunal no sentido de abranger, no seu âmbito de aplicação, situações em que já tinha sido intentada acção judicial fundada na vigência da anterior redacção do art. 1069º do CC. Julga-se que esta fundamentação já se mostra rebatida, ao nível da lei, na fundamentação que atrás apresentamos. Ou seja, como aí referimos, o legislador, na alteração legislativa que pretendeu introduzir no regime do arrendamento urbano, pretendeu, pelas razões explicitadas, contemplar expressamente, na alteração introduzida no art. 1069º do CC, as situações constituídas anteriormente em que as partes não tenham dado obediência às exigências formais (contratos que seriam nulos), permitindo que as mesmas pudessem beneficiar do novo regime jurídico. Como dissemos, a norma transitória que impôs a aplicação dessa alteração legislativa às situações jurídicas anteriormente constituídas nem sequer compromete a regra geral do art. 12º do CC de que a lei só dispõe para o futuro, pois que não tem por objecto requisitos de validade formal que as partes devessem ter observado aquando da celebração do contrato. Por outro lado, a pendência da acção não contende com o requisito legal do reconhecimento da existência de uma “situação jurídica constituída antes da entrada em vigor da lei”, pois que o facto de a recorrente ter invocado os seus alegados direitos em juízo não significa que a referida situação jurídica anteriormente constituída se tenha extinguido (ou não se mantenha). Se assim não fosse, poder-se-ia, aliás, perguntar se não se estaria a violar o princípio da igualdade previsto no art. 13º da CRP, pois que teríamos que diferenciar, sem fundamento constitucional bastante, as situações jurídicas anteriormente constituídas a que seria aplicável a nova redacção do nº 2 do art. 1069º do CC, consoante o respectivo contraente tivesse sido mais ou menos rápido na interposição da acção judicial. Nesta conformidade, como se referiu em cima, tudo isto significa que, estando pendente a acção, o arrendatário poderá invocar o novo regime jurídico estabelecido no nº 2 do art. 1069º do CC respeitante à forma do contrato, por força do disposto na norma transitória estabelecida no nº 2 do art. 14º da Lei 13/2019. Ou seja, o legislador ao estabelecer o regime jurídico previsto no citado nº 2 do art. 14º quis que o art. 1069º, nº 2 do CC fosse aplicável às relações de arrendamento já constituídas, que subsistissem à data da sua entrada em vigor e, portanto, também à relação jurídica em causa nestes autos, não obstando a isso a pendência do processo (a exemplo, aliás, da solução legal que já anteriormente havia estabelecido – v. por exemplo o art. 2º do DL 67/75 de 19/2 já citado). Entende, no entanto, a recorrente que esta interpretação violará os princípios da igualdade, segurança e da confiança jurídicas, pela frustração das expectativas legais existentes à data da instauração da acção, e nas quais a autora se fundou para a propositura da demanda (invocando o ac. do STJ de 22.05.2012[18], disponível em Dgsi.pt). Sucede que, como vem sendo defendido pelo Tribunal Constitucional, o legislador ordinário não está impedido de alterar o regime do contrato de arrendamento para habitação (como é óbvio e como tem, aliás, efectuado de uma forma sucessiva). Com efeito, o legislador, como se sublinha no Ac. do Tribunal Constitucional n.º 559/98, citando o Ac. n.º 352/91 do mesmo Tribunal, ambos disponíveis em wwww.tribunalconstitucional.pt, “não está obrigado, em regra, a manter as soluções jurídicas que alguma vez adoptou. Notas típicas da função legislativa são, justamente, entre outras, a liberdade constitutiva e a auto-revisibilidade. Por isso, salvo nos casos em que o legislador tenha que deixar intocados direitos entretanto adquiridos, não está ele obrigado a manter as soluções consagradas na lei a cuja revisão procede. Quando se revê uma lei, em regra, é porque se pretende alterar o regime jurídico até então vigente”. Por outro lado, é certo que não existe uma norma que, a nível constitucional, impeça a retroactividade das leis em geral (o que sucede, apenas, no domínio penal, no domínio fiscal e no das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias). A solução para a questão que aqui é colocada, contrariamente ao decidido no acórdão citado pela recorrente, não pode ser encontrada apenas nas regras gerais de aplicação das leis no tempo previstas no art. 12º do CC – que, como já vimos em cima, até é compatível com a norma transitória estabelecida[19] -, pois que, como decorre do exposto, o legislador constitucional não impede que o legislador ordinário possa elaborar leis retroactivas (excepto nas matérias que a seguir se referirão). Com efeito, “o panorama geral do nosso direito, em matéria de aplicação das leis no tempo é o seguinte: I. Em princípio, as leis não são retroactivas; II. O legislador pode, a título excepcional, elaborar e publicar leis retroactivas, se o entender necessário, salvo em três matérias sensíveis em relação à constituição proíbe explicitamente a retroactividade das leis: “restrição de direitos, liberdades e garantias” (art. 18º, nº 2; “criação de novos tipos de crimes ou de medidas de segurança e agravamento de penas ou medidas de segurança pré-existentes (art. 29º); criação ou agravamento de impostos (art. 103º, nº 3)”[20]. Ora, no caso concreto, devemos ter presente que em causa está, unicamente, uma regra legal respeitante à forma do negócio jurídico, que não se enquadra no âmbito dos direitos, liberdades e garantias tal como se encontra previsto no artigo 17.º da lei fundamental, como se fez notar no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 38/2004: "[...] [Estando] fora, quer do domínio criminal, quer da área fiscal, quer do domínio dos direitos, liberdades e garantias - quanto a este, porque apenas está em causa a previsão de uma determinada exigência de forma legal para a celebração do contrato de arrendamento, que não contende, designadamente, com qualquer dimensão do direito fundamental dos recorrentes (que só poderia ser o direito de propriedade, consagrado no artigo 62.º da Constituição da República) que deva ser considerada de natureza análoga a tais direitos, liberdades e garantias (cfr. o artigo 17.º da Constituição). (...)"Não se prefigura, pois, o disposto no artigo 18.º da Constituição como um parâmetro convocável para a resolução do caso”. Além disso, segundo o Tribunal Constitucional, essa retroactividade não pode violar “princípios constitucionais autónomos”, estando-lhe, pois, nesse enquadramento, vedado pôr em risco de forma inadmissível, arbitrária ou demasiadamente onerosa, direitos ou expectativas legitimamente fundadas dos cidadãos. Num tal caso, com efeito e como salienta a doutrina firmada pelo Tribunal Constitucional “a lei viola aquele mínimo de certeza e segurança que as pessoas devem poder depositar na ordem jurídica de um Estado de Direito, violando o princípio da confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito consagrado no artigo 2º da Constituição da República”[21]. Por conseguinte, apenas uma retroactividade intolerável, que afecte, de forma inadmissível e arbitrária, os direitos ou as expectativas legitimamente fundadas dos cidadãos, viola o princípio da confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito, consagrado no artigo 2º da Constituição da República[22]. O tribunal constitucional tem vindo a entender que só ocorrerá “a violação de uma tal directriz sempre que em cumulação: i. o Estado (os poderes públicos, em geral) tenha efectivamente tomado decisões ou encetado comportamentos, susceptíveis de gerar nos cidadãos expectativas de continuidade; ii. os cidadãos tenham eles próprios tomado decisões – ou feito planos de vida – com fundamento nessas mesmas expectativas; iii. tais expectativas na continuidade da politica estadual sejam legitimas porque fundadas, ou justificadas, por boas razões; iv. a mudança do comportamento dos poderes públicos não seja exigida por um interesse público que, pela sua importância e valor, sobreleve o valor da tutela das expectativas privadas (seguindo-se de perto a síntese ordenadora de M. L. Amaral – Aforma da República. Uma introdução ao estudo do direito constitucional -2005: 183)”[23]. Pergunta-se, então: será que a norma sub iudicio, interpretada como foi, afectou, de forma intolerável, inadmissível ou particularmente onerosa, o direito (ou, ao menos, a expectativa legitimamente fundada) da recorrente? A resposta a esta pergunta não pode deixar de ser negativa. Como decorre do que se acaba de expor, o legislador não está impedido, em termos constitucionais, de elaborar um preceito legal como o previsto no nº 2 do art. 14º da Lei 13/2019, estabelecendo a retroactividade da alteração legislativa introduzida no nº 2 do art. 1069º do CC (e aplicando às situações jurídicas anteriormente constituídas). Ora, julga-se que o comando legal nele inscrito também não viola qualquer um dos “princípios constitucionais autónomos” (designadamente, aqueles que foram invocados pela recorrente), além de que não se consegue atingir de que forma tal regra legal possa pôr em risco, de forma inadmissível, arbitrária ou demasiadamente onerosa, os direitos ou expectativas legitimamente fundadas dos cidadãos (e, designadamente, da recorrente). E isso é tanto mais evidente, porque, no caso concreto, o legislador, ao longo dos tempos, tem elaborado diversas soluções legais quanto à forma do contrato de arrendamento (regra da consensualidade; exigência de documento escrito; escritura pública; deixando de exigir documento escrito, bastando-se com a prova da exibição do recibo, etc.), não sendo, aliás, novidade a redacção introduzida no citado nº 2 (não existindo, assim, as assinaladas “expectativas de continuidade” legislativa). As razões que levarão o legislador a optar por cada uma das soluções legais serão circunstanciais, dependendo certamente da percepção que o legislador ordinário deterá, em cada momento, da prática que vem sendo seguida pelos contraentes quanto à forma do contrato de arrendamento. Nesta última alteração legislativa, entendeu-se regressar à regra legal de que o arrendatário “pode provar a existência do arrendamento por qualquer forma admitida em direito”. Ora, como decorre do exposto, não se crê que o regresso a tal regime legal e a sua aplicação retroactiva (ainda que compatível com o art. 12º do CC) a situações juridicamente anteriormente constituídas possa violar qualquer princípio constitucional nos termos expostos. Mas não é só por isso que se entende que não se verifica a violação da Constituição defendida pela recorrente. Como se disse, a previsão legal relativa à forma do contrato de arrendamento não constitui qualquer novidade no âmbito do regime jurídico aplicável, o que não deixa de ser relevante para apreciação das invocadas violações dos princípios constitucionais. Mas como se refere no ac. do Tribunal Constitucional nº 31/2018 de 27 Jun. 2018, Processo 1404/2017 (relator: Teles Pereira) “Outros factores devem pesar na apreciação da hipótese dos presentes autos. Desde logo, releva que a nulidade se refira a um contrato do qual a Recorrente é parte, no qual participou, pois, voluntariamente, dando causa (enquanto sujeito do negócio) à nulidade, pois aceitou o contrato sem a forma que a lei - que podia e devia conhecer - exigia. A análise da necessidade de tutela da sua posição, até mesmo no plano da Constituição, não pode deixar de atender aos comportamentos de sinal contrário inerentes à celebração voluntária de um negócio em desrespeito pelas exigências de forma da lei e posterior pretensão de evitar as consequências ali fixadas. Recorde-se, a este propósito, o que se pode ler no Acórdão n.º 130/2009 (a propósito de um contrato administrativo, mas em termos integralmente transponíveis para a hipótese dos presentes autos): "[...] Como observam Gomes Canotilho e Vital Moreira, o princípio do Estado de direito, a que alude o artigo 2.º da Constituição, «mais do que constitutivo de preceitos jurídicos, é sobretudo conglobador e integrador de um amplo conjunto de regras e princípios dispersos pelo texto constitucional, que densificam a ideia de sujeição do poder a princípios e regras jurídicas, garantindo aos cidadãos liberdade, igualdade e segurança». E, como acrescentam os mesmos autores, não está excluído que dele se possam colher normas que não tenham expressão directa em qualquer dispositivo constitucional, mas que se apresentam «como consequência imediata e irrecusável daquilo que constitui o cerne do Estado de direito democrático, a saber, a protecção dos cidadãos contra a prepotência, o arbítrio e a injustiça (especialmente por parte do Estado)» (ob. cit., págs. 205-206). É assim que se compreende que o princípio da segurança jurídica surja como uma projecção do Estado de direito e se torne invocável, como critério jurídico-constitucional de aferição de uma certa interpretação normativa, a partir do próprio conceito de Estado de direito ínsito no falado artigo 2.º da Constituição. [...] Neste condicionalismo, foi a ré, na sua qualidade de contraente público e entidade adjudicante, que deu azo à outorga dos contratos administrativos feridos de invalidade, ao escolher como co-contratante uma entidade que, pela sua natureza, estava impedida de realizar, nos termos da lei, as prestações que constituíam o objecto da relação contratual. A ré criou motu proprio a situação de ilegalidade que determinou a declaração de nulidade dos contratos, e agiu, por conseguinte, em desconformidade com a lei e, como tal, em claro desrespeito pelo princípio da legalidade, que se encontra constitucionalmente consagrado e constitui uma regra basilar de todo e qualquer procedimento administrativo (cfr. artigos 266.º, n.º 2, da Constituição e 3.º, n.º 2, do Código de Procedimento Administrativo). Transpondo para o caso dos autos os princípios acabados de expor quanto à tutela da confiança, facilmente se constata que não existe qualquer expectativa legítima, por parte da entidade administrativa, relativamente a uma interpretação normativa que não implique a destruição retroactiva do negócio jurídico e a consequente restituição do indevido, quando a declaração de nulidade é decorrente da própria actuação ilícita dessa entidade [...]" Do mesmo modo, ainda que a posição da recorrente seja a inversa, julga-se que, nos presentes autos, também não se verifica qualquer situação em que se verifique a necessidade de protecção da confiança ou expectativa da invalidade do negócio, tendo em conta o contributo que a própria recorrente deu à celebração do contrato sem cumprimento da forma legalmente exigida ao tempo da sua celebração. De resto, como iremos ver, também não se apresentam, no caso concreto, como relevantes outras eventuais projecções do princípio do Estado de direito democrático invocadas pela recorrente. É que não podemos deixar de ponderar mesmo neste âmbito constitucional – a exemplo do que faz o Acórdão que citamos em cima – a violação dos princípios da boa fé e da proibição do abuso do direito (arguida, aliás, pela ré arrendatária). Em suma, também com base nestas considerações, carece de fundamento a invocada violação da Constituição. Nesta conformidade, o tribunal recorrido (e o presente Tribunal) ao aplicar o novo regime jurídico aplicável à forma do contrato de arrendamento não interpretou, no caso concreto, a referida lei de uma forma inconstitucional, pois que se limitou a fazer a subsunção jurídica dos factos alegados no caso concreto, à nova Lei, cumprindo a regra da retroactividade legitimamente imposta pelo legislador ordinário no nº 2 do art. 14º da Lei nº 13/2019, regra (e interpretação) que, como decorre do exposto, não padece da inconstitucionalidade invocada pela recorrente. Improcede este fundamento do recurso. * Antes de concluirmos, importa concretizar a afirmação que, em cima, fizemos, relativamente à violação do princípio da boa-fé e a proibição do abuso de direito – sem prejuízo de, como iremos referir a seguir, a apreciação do recurso subsidiário apresentado pela Ré se mostrar prejudicado na sua apreciação (pelo que esta pronúncia se enquadra ainda na fundamentação desenvolvida em sede do juízo de constitucionalidade)Na verdade, importa referir que, mesmo que se considerasse que o contrato de arrendamento aqui em discussão seria nulo, por falta de forma, por se entender, por exemplo, que a alteração legislativa a que se fez referência não seria aplicável ao caso (seja directamente, seja porque seria inconstitucional a norma legal em causa ou a interpretação que o tribunal efectuasse no sentido de abranger no campo de aplicação do novo regime jurídico previsto no art. 1069º do CC quanto à forma do contrato de arrendamento), a verdade é que sempre a pretensão da recorrente não poderia merecer, a nosso ver, acolhimento, tendo em conta que o exercício do direito de invocar a nulidade do contrato de arrendamento, com fundamento na falta de forma, constituiria, a nosso ver no caso concreto, um exercício manifestamente abusivo desse direito (art. 334º do CC), na modalidade de “venire contra factum proprium”. Como já referimos, a doutrina vem também assinalando essa hipótese, referindo que nestas situações “poderá ainda ocorrer uma inalegabilidade formal, no caso de a invocação da nulidade por falta de forma se apresentar como contrária à boa-fé, por haver abuso de direito na sua invocação”[24]. Importa, pois, verificar se se poderia entender que a Autora incorre em abuso de direito (art. 334º do CC), quando veio invocar a nulidade do contrato de arrendamento por falta de forma, uma vez que a posição da Autora na presente acção traduz uma posição jurídica em completa contradição com o seu comportamento anteriormente exercido e isto porque a Autora entre 2008 e 2018 nunca pôs em causa a existência do contrato de arrendamento, sempre foi recebendo as rendas pagas pela Ré, tendo inclusivamente efectuado aumentos de renda, ou seja, conformou-se a Autora com a situação existente e beneficiou dela, uma vez que recebia as rendas. A figura do abuso do direito está prevista no art. 334º do CC. Existe abuso do direito quando este se exerce em termos clamorosamente ofensivos da justiça ou, quando, com esse exercício, se ofende clamorosamente o sentimento jurídico dominante[25]. Aquele excesso deve ser manifesto, claro, patente, indiscutível, mas sem ser necessário que tenha havido a consciência de se excederem tais limites, visto que o C. Civil vigente consagrou a concepção objectiva do abuso de direito[26]. Como é sabido, o instituto mais claro desta figura do abuso de direito é a chamada conduta contraditória (venire contra factum proprium) em combinação com o princípio da tutela da confiança. Este instituto da proibição do venire contra factum proprium segundo o Prof. Baptista Machado[27], encontra o seu enquadramento legal na parte da formula legal do art. 334º citado "... que considera ilegítimo o exercício de um direito, quando o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé..." (p. 385). O ponto de partida deste instituto é a existência de "... uma anterior conduta de um sujeito jurídico que objectivamente considerada é de molde a despertar noutrem a convicção de que ele também no futuro se comportará coerentemente de determinada maneira ...". Como pressupostos gerais de aplicação deste instituto tem-se apontado que só existe necessidade de tutela da confiança nos casos em que exista uma situação objectiva de confiança, em que exista o investimento da confiança e a boa-fé subjectiva de quem confiou[28]. Isto é, torna-se necessário que alguém tenha criado uma situação objectiva de confiança na contraparte, de tal forma que esta última, com base naquela situação de confiança criada, "chega à convicção justificada de que o direito já não será exercido (e) movida por essa confiança, essa contraparte orientou em conformidade a sua vida, tomou medidas ou adoptou programas de acção na base daquela confiança, pelo que o exercício tardio do direito em causa lhe acarretaria agora uma desvantagem maior do que o seu exercício atempado ..."[29]. No caso, tendo o contrato de arrendamento sido executado por tão longo período de tempo, a invocação da nulidade formal do mesmo só pode ter o propósito de a Autora se libertar de um vínculo que, na perspectiva do seu interesse, se tornou indesejável e inconveniente. Todavia, nesse circunstancialismo, essa pretensão colide manifesta e intoleravelmente com a boa fé e os bons costumes, contrariando e defraudando as legítimas expectativas e a confiança da Ré fundada na referida situação. A invocação do vício formal, decorridos mais de 10 anos de cumprimento do contrato, não constitui mais do que mero pretexto, inteiramente desajustado para pôr fim ao contrato. Note-se que não estão já verdadeiramente em causa as razões que subjazem às exigências legais de forma: a liberdade e ponderação na contratação, a comprovação do conteúdo do contrato e a publicidade do acto para o seu conhecimento por terceiros. Como parece evidente, com a referida execução do contrato ficou plenamente assegurada a ponderação das partes e a determinação do conteúdo do contrato, sendo certo que, no caso, não se discutem nem foram postos em causa interesses de terceiros. Por outro lado, essa execução do contrato é susceptível de objectivamente ter criado a convicção fundada de que se tratava de uma situação perfeitamente consolidada, assente numa relação estável e reciprocamente vinculante. A Autora, ao longo daquele período de execução do contrato, nunca pôs em causa a validade deste e criou naturalmente na Ré a confiança, justificada, de que o mesmo continuaria a ser cumprido. Nestas circunstâncias, a invocação da nulidade formal, ditada apenas pelo interesse da Recorrente em se desvincular do contrato, constitui autêntico venire contra factum proprium. O caso reúne, com efeito, todos os pressupostos para tal necessários como decorre do que foi dito. Verifica-se, na verdade, uma situação de confiança: a conduta da Autora, objectivamente considerada, sem nunca pôr em causa a validade formal do contrato, era adequada a criar a convicção e a expectativa de que continuaria a cumpri-lo. Por fim, existe boa fé da Ré: tendo o contrato sido executado normalmente e sem quaisquer dificuldades durante tão largo período de tempo, ela confiou na situação criada, como confiaria uma pessoa normal e razoável, colocada na sua posição. Pode, pois, dizer-se que a Ré confiou legítima e justificadamente na situação criada, de cumprimento contratual durante substancial lapso de tempo; confiança que seria frustrada pelo "venire contra" do réu, ao invocar a nulidade formal de modo "incoerente" com o seu comportamento anterior e apenas para se "libertar de um vínculo que, entretanto, se tornou para si desvantajoso", o que se traduziria numa injustiça causadora de enormes danos para a Ré. Nesta conformidade, independentemente da confirmação da decisão recorrida, sempre ter-se-ia de referir que mesmo que se considerasse que o contrato de arrendamento aqui em discussão seria nulo, por falta de forma, a pretensão da recorrente de exercer o direito de invocar a nulidade do contrato de arrendamento, com fundamento na falta de forma, não poderia merecer, a nosso ver, acolhimento, tendo em conta que o constituiria, a nosso ver no caso concreto, um exercício manifestamente abusivo desse direito (art. 334º do CC), na modalidade de “venire contra factum proprium”. * Por todo o exposto, e como decorre da fundamentação apresentada, a decisão recorrida, no que concerne à acção primitiva, apenas deve ser alterada quanto ao reconhecimento do primeiro dos pedidos formulados - ainda que tal reconhecimento não constitua uma alteração substantiva e processual relevante (inclusivamente para efeitos de custas, como iremos ver), tendo em conta o objecto do litígio.Nessa medida, e porque se concorda, assim, com a fundamentação de direito aduzida pelo Tribunal de Primeira Instância, decide-se manter a decisão proferida, nos termos que resultam da absolvição do pedido decretada pelo Tribunal de Primeira Instância, apenas aditando a já supra-referida alteração (sem efeitos quanto à decisão proferida quanto a custas) Improcede, pois, totalmente o recurso com estes fundamentos. * Mostrando-se totalmente improcedente o Recurso principal, não tem, assim, o Tribunal que se pronunciar sobre o recurso que a Ré deduziu apenas em termos subsidiários, pedindo que a sua apreciação só deveria ser efectuada no caso de procedência do Recurso deduzido pela (no que concerne àqueles fundamentos substantivos).Nesta conformidade, atenta a natureza subsidiária expressamente atribuída ao recurso da Ré, tendo o recurso interposto pela Autora sido julgado improcedente, fica prejudicada a apreciação do Recurso interposto por aquela - o que se decide. * Finalmente, importa que o presente tribunal se pronuncie quanto às questões levantadas relativamente à condenação em custas em sede de primeira instância.Defende a recorrente que a condenação em custas deve ser reformulada seja quanto à acção principal, seja quanto à acção reconvencional. Considera a Recorrente que, tendo em conta os fundamentos porque decaiu na acção primitiva, as custas não lhe podem se imputadas, por não ter sido ela quem deu causa às custas. Por outro lado, entende que não tendo sido condenada no pedido reconvencional nem tendo tido qualquer proveito do processo não pode a Autora-reconvinda ser condenada nas custas da reconvenção. Julga-se que a recorrente tem razão quanto à regra de responsabilização pelas custas. É que não há dúvidas que, no caso concreto, não de pode deixar de ter em atenção as circunstâncias que estiveram na base do decaimento da pretensão da Autora na primeira instância – sendo essas as circunstâncias relevantes para definir o critério de atribuição da responsabilidade pelas custas processuais na sentença recorrida. O tribunal recorrido, julga-se, aplicou a regra geral das custas prevista no art. 527º do CPC que impõe que: “1 - A decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. 2 - Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for (…)”. No entanto, no caso concreto, tendo em conta os fundamentos da decisão recorrida, torna-se aplicável a regra especial estabelecida no art. 536º do CPC que impõe antes a regra da repartição das custas: “1 - Quando a demanda do autor ou requerente ou a oposição do réu ou requerido eram fundadas no momento em que foram intentadas ou deduzidas e deixaram de o ser por circunstâncias supervenientes a estes não imputáveis, as custas são repartidas entre aqueles em partes iguais. 2 - Considera-se que ocorreu uma alteração das circunstâncias não imputável às partes quando: a) A pretensão do autor ou requerido ou oposição do réu ou requerente se houverem fundado em disposição legal entretanto alterada ou revogada; b) Quando ocorra uma reversão de jurisprudência constante em que se haja fundado a pretensão do autor ou requerente ou oposição do réu ou requerido; (…)” Como referem Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Sousa, in “CPC anotado”, Vol. I, pág. 589: “é ainda o princípio da causalidade que subjaz à adopção da solução legal prevista no preceito para casos que envolvem modificações de natureza legal ou jurisprudencial ou outros eventos estranhos à parte, mas que interferem na substância da pretensão que visava ser reconhecida…”. Nesta conformidade, a decisão proferida quanto a custas proferida pelo tribunal recorrido não se pode manter. Por outro lado, relativamente à questão das custas na acção reconvencional, cumpre esclarecer que existindo dependência entre o pedido reconvencional (que foi deduzido a título subsidiário) e o pedido da Autora, o Tribunal não tinha de se pronunciar quanto ao pedido reconvencional, devendo declarar, como fez, tão-somente, a total improcedência da acção. Nos casos em que a reconvenção pode ser deduzida a título eventual, quer dizer, para a hipótese de a acção ser julgada procedente, e lei processual determina que o valor da reconvenção se soma ao valor do pedido ou pedidos do autor (art. 299º, nº 2 do CPC). (a regra prevista para os pedidos subsidiários no art. 297º, nº 3 do CPC só vale para aqueles que tenham sido formulados por uma mesma parte seja ela o autor ou o réu, e não já também para os casos em que a reconvenção é deduzida somente para a eventualidade de o réu reconvinte não ser absolvido do pedido ou de alguns dos pedidos deduzidos pelo autor. Neste caso, há, verdadeiramente, uma cumulação real de pedidos e, portanto, ao contrário do que sucede no caso de dedução de pedidos por uma mesma parte ligados por uma relação de subsidiariedade, pode haver lugar à satisfação cumulativa dos pedidos do autor e do pedido reconvencional do réu: dado que ambos os pedidos podem, do mesmo passo, ser tomados em conta pelo tribunal é inteiramente razoável que a lei mande somar o valor dos dois). Ao contrário do que inculca a recorrente na sua alegação, o pedido subsidiário cujo conhecimento fique prejudicado, dada a eventualidade da sua dedução, não é sinónimo de pedido que tenha cessado. Nestes casos, quando, por virtude da improcedência do pedido relativamente ao qual o pedido do réu se mostrava vinculado por uma relação de eventualidade, o tribunal não chega a apreciar a reconvenção. vale a regra da adição do valor de ambos os pedidos e a da imutabilidade do valor tributário da causa resultante desta soma[30]. Aqui chegados, tendo em conta o exposto e os esclarecimentos que se acabam de expender, cumpre alterar, em obediência ao citado preceito legal, a condenação em custas formulada pelo tribunal recorrido no seguinte sentido: - “Custas em partes iguais pela Autora e Ré (art. 536º, nº 1 e 2, al. a) do CPC)”. * Nesta conformidade, tendo em conta todo o exposto, importa concluir no sentido de julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela recorrente (apenas quanto à decisão de custas).* III-DECISÃOPelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o recurso interposto e, na sequência, decide-se: - manter a decisão recorrida com a seguinte alteração: - condenar a Ré a reconhecer que a Autora é legítima proprietária e possuidora da fracção autónoma identificada no ponto 1 dos factos provados; - não julgar inconstitucional a norma legal prevista no nº 2 do art. 14º da Lei nº 13/2019, (e a interpretação efectuada pelo tribunal recorrido dessa norma legal) que determina que: “o disposto no nº 2 do artigo 1069º do CC, com as alterações introduzidas pela presente lei, se aplica igualmente a arrendamentos existentes à data de entrada em vigor da mesma”. * -No mais,- decide-se alterar a decisão recorrida no que concerne à decisão de custas no seguinte sentido: -“Custas em partes iguais pela Autora e Ré (art. 536º, nº 1 e 2, al. a) do CPC)”. * Custas no presente Recurso:Custas pela recorrente e pela recorrida na proporção de 5/6 e 1/6, respectivamente (artigo 527º, nº 1 do CPC). * Porto, 4 de outubro de 2021Pedro Damião e Cunha Fátima Andrade Eugénia Cunha _____________ [1] Segundo Prof. Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, pg. 686 “…não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário …”. [2] Convém referir que o tribunal recorrido reconhece a posição jurídica da Autora na fundamentação de direito que apresentou: “Na presente acção a titularidade pela autora da fracção autónoma, designada pela letra ‘J’, correspondente a uma habitação no 5º andar traseiras, com entrada pelo nº .., do prédio constituído em propriedade horizontal sito na Rua …, .. e .., da União de freguesias …, concelho do Porto é aceite pela Ré. Além do mais, a Autora beneficia da presunção contida no artº 7º, do Código do Registo Predial (O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define), razão pela qual se torna desnecessário tecer mais considerações sobre esta questão”. [3] Sobre os casos em que tal alteração oficiosa pode ocorrer, v. Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo CPC”, págs. 241 e ss., explicitando o Autor os seguintes exemplos: “… quando o Tribunal recorrido tenha desrespeitado a força plena de determinado meio de prova…” (por ex. um documento com valor probatório pleno); “quando tenha sido desatendida determinada declaração confessória constante de documento ou resultante do processo (art. 358º do CC e arts. 484º, nº1 e 463º do CPC) ou tenha sido desconsiderado algum acordo estabelecido entre as partes nos articulados quanto a determinado facto (art. 574º, nº 2 do CPC)”; “ou ainda nos casos em que tenha sido considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente” (por ex. presunção judicial ou depoimento testemunhal nos termos dos arts. 351 e 393º do CC); “Em qualquer destes casos, a Relação, limitando-se a aplicar regras vinculativas extraídas do direito probatório material deve integrar na decisão o facto que a primeira instância considerou provado ou retirar dela o facto que ilegitimamente foi considerado provado (sem prejuízo da sustentação noutros meios de prova), alteração que nem sequer depende da iniciativa da parte… “; finalmente, acrescenta este autor que “também não oferece dúvidas a possibilidade… de se modificar a decisão sobre a matéria de facto quando for apresentada pelo Recorrente documento superveniente que imponha decisão”- tudo situações que não se verificam no caso concreto. [4] Cfr. Ac. do STJ 11.4.91, in dgsi.pt; [5] Cfr. Menezes Cordeiro, in “Direitos Reais”, 1979, 848; Menezes leitão, in “Direitos Reais “, págs. 256 e 257. [6] Antunes Varela e Pires de Lima, in “CC anotado”, vol. III, pág. 116; cfr. ac. do STJ de 4.7.80, in BMJ 299, pág. 320. [7] Além disso, alegou que, mesmo que se considerasse o contrato formalmente inválido, sempre a invocação da nulidade do contrato, por parte da Autora, traduzir-se-ia numa situação de abuso de direito – art. 334º do CC. [8] Sobre a evolução das exigências legais de forma no âmbito do contrato de arrendamento, v. por ex. Pinto Furtado, in “Comentário ao Regime do arrendamento urbano”, págs. 299/300. [9] Maria Olinda Garcia, in “Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019”, - Julgar online, Março de 2019, pág. 8. [10] Ana Isabel Afonso, in “Sobre as mais recentes alterações legislativas ao regime do arrendamento urbano” (Estudos de Arrendamento urbano, Vol. I), UCP Porto, Maio de 2020, pág. 37. [11] Edgar Valente, in “Arrendamento urbano- Comentário às alterações legislativas introduzidas ao regime vigente”, págs. 23/4. [12] Edgar Valente, in “Arrendamento urbano- Comentário às alterações legislativas introduzidas ao regime vigente”, pág. 23. [13] Menezes leitão, in “Arrendamento urbano” (9ª edição), pág. 59 [14] Refira-se que esta situação, como iremos ver à frente, mostra-se inclusivamente reconhecida pelo legislador processual, em sede de custas, quando prevê, como regra especial, a repartição de custas, quando a demanda do autor era fundada no momento em que foi intentada e deixou de o ser por circunstâncias supervenientes, como sucede no caso de tal demanda se ter fundado “em disposição legal entretanto alterada ou revogada” – art. 536º, nº 1 e 2, al. a) do CPC [15] Importa, no entanto, atender a que “enquanto a decisão que reconhece a nulidade tem carácter meramente declarativo, limitando-se a verificar uma situação jurídica que já existe; a decisão judicial que decreta a anulação tem natureza constitutiva, uma vez que o acto até então válido passa a ser inválido” Pessoa Jorge, Obrigações, 390 citado por Abílio Neto, in “CC anotado” - 19ª edição, pág. 216. [16] V. também, o ac. da RE de 13.2.2020 (relator: Florbela Lança), onde se concluiu pela não aplicação do nº 2 do art. 1069º do CC pelas seguintes razões: “Na pendência da presente acção entrou em vigor a Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro que alterou o art.º 1069.º do CC. Contudo o n.º 2 de tal normativo, na redacção introduzida por aquela Lei, aplica-se, para além, obviamente, dos contratos celebrados após a entrada em vigor desta lei – contratos futuros -, apenas e só a arrendamentos existentes à data de entrada em vigor da mesma (cfr. n.º 2 do art.º 14.º da referida Lei e n.º 2 do art.º 12.º do CC), sendo manifesto que o arrendamento em apreço caducou por morte da mãe da R., em 2016, em data muito anterior à data da entrada em vigor da presente lei”. [17] Era o seguinte o texto da lei: “3. No caso da alínea b) do n.º 1.º, a falta de escritura pública é sempre imputável ao locador e a respectiva nulidade só é invocável pelo locatário, que poderá fazer a prova do contrato por qualquer meio”. [18] Com o seguinte sumário (na parte que interessa): “I - Perante a sucessão no tempo dos regimes jurídicos locatícios decorrentes do RAU e no NRAU, estando em causa, na presente acção, normas de direito substantivo atinentes à extinção de um contrato de arrendamento, com fundamento na ocorrência de factos integrativos da sua resolução, ter-se-á de considerar, perante o princípio da estabilidade da instância, o regime em vigor à data da propositura da acção, no caso, o regime decorrente do RAU. II - A aplicação do art. 59.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2006, de 27/02, como fundamento para a aplicabilidade do regime jurídico instituído pelo NRAU a acções pendentes à data do início da sua vigência, sempre se constituiria, para além de uma ilegal aplicação retroactiva da lei nova, como passível de um juízo de inconstitucionalidade, por violação dos princípios da segurança e da confiança jurídicas, pela frustração das expectativas legais existentes à data da instauração da acção, e nas quais o demandante se fundou para a propositura da demanda (…)”. [19] A que acresce que, citando Maria João Fernandes, em anotação do “Comentário ao CC- parte geral”, pág. 61, se possa referir ainda o seguinte: “Estatuindo o art. 12º, nº 2 , primeira parte, que as leis dispondo sobre os requisitos de validade substancial ou formal de um facto são aplicáveis aos factos ocorridos após o seu início de vigência, depreende-se daí, linearmente, ser desprovida de relevância, quanto ao valor daqueles factos, a circunstância de a lei nova ser menos exigente do que a lei antiga (assim por exemplo aligeirando formalidades, dispensando pressupostos ou eliminando impedimentos). Não é assim, todavia, se a lei nova expressamente confirmar actos nulos ou anuláveis realizados sob o império da lei antiga; é que em tais casos, ocorrerá, afinal, a edição de uma solução particular de direito transitório que, desembocando em retroactividade in mitius, afasta a regra da primeira parte do nº 2”. [20] In “CC anotado” (Coord. Ana Prata), Vol. I, pág. 32 (Anotação de Diogo Freitas do Amaral).. [21] Vide, neste sentido, por todos, além dos já citados, AC TC n.º 786/96, AC TC n.º 287/90, AC TC n.º 634/2015 e AC TC n.º 568/2016, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt. [22] Ac. do Tribunal Constitucional nº 559/98, disponível no respectivo sitio da internet.. [23] Como nos informa Maria João Fernandes, em anotação do “Comentário ao CC- parte geral”, pág. 60. [24] Menezes leitão, in “Arrendamento urbano” (9ª edição), pág. 59. Na jurisprudência, v. por ex. os acs. da RG de 22.2.2011 (relatora: Rosa Tching) e do STJ de 9.7.2015 (relator: Pinto Almeida), 17.3.2016 (relator: Lopes do Rego) e de 7.3.2019 (relatora: Rosa Tching) [25] v. por ex. Ac. STJ, de 8/11/84, in BMJ, 341º,418. [26] P. Lima-A. Varela, in “CC Anotado”, Vol. I, pág. 298; Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, 7ª.ed., pág. 67 e segs.). [27] in Obra dispersa , vol I, págs. 384 e ss [28] v. ac. do Stj de 28 de setembro de 1995 , in Cj , t.III , págs. 31 -36 ; anotado na Rlj Ano 129 , pág. 19 e ss pelo Prof. M. J. Almeida Costa ) [29] in Ac do Stj de 7 de Maio de 1990 , in Bmj 397 , pág, 456 [30] V. sobre este ponto, de uma forma mais desenvolvida, o ac. da RP 8.4.2013 (Fonte Ramos), in dgsi.pt. |