Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00042770 | ||
Relator: | JOAQUIM GOMES | ||
Descritores: | PROVA PROIBIDA MEDIDAS DE COACÇÃO REQUISITOS GERAIS | ||
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Nº do Documento: | RP20090701451/09.5JAPRT-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 07/01/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC. PENAL. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO - LIVRO 585 - FLS. 119. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I- As “informações de serviço” só por si e desde que não sejam obtidas mediante métodos ofensivos da dignidade humana, tal como decorre do art. 25º da CRP e se precisa no art. 126º do CPP, não se podem considerar um método proibido de prova. Aliás, tais informações de serviço nem se podem considerar um meio de prova, já que não visam a demonstração de factos criminalmente relevantes (art. 124º), correspondendo antes ao tratamento policial de notícias de crime que normalmente se situam numa fase propedêutica da investigação policial. II- O pressuposto da “perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas”, constante da al. c) do art. 204º do CPP, deve ser insuflado ou estar relacionado com o direito à liberdade e à segurança, instituído pelo art. 5º da C.E.D.H. E isto não apenas na perspectiva do arguido, mas também dos cidadãos que possam ser potenciais vítimas da conduta criminosa por ele praticada e que se encontra indiciada. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Recurso n.º 451/09.5JAPRT-A1 Relator: Joaquim Correia Gomes; Adjunto: Paula Guerreiro. Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação do Porto. I.- RELATÓRIO 1.- No Inquérito n.º 451/09.5JAPRT-A1 oriundo do Tribunal da Maia, em que são: Recorrentes/arguidos: B……………. Recorrido: Ministério Público. por despacho de 2009/Mar./25, a fls. 65 e ss. deste apenso, foi decretada a prisão preventiva do referido arguido. 2.- Este arguido insurgiu-se contra esta decisão, tendo interposto recurso da mesma em 2009/Abr./16, pugnando pela sua revogação e a substituição de tal medida de coacção, pela obrigação de permanência na habitação, concluindo, em suma, que: 1.º) As informações de serviço de fls. 36 a 39, que foram provas essenciais na fundamentação da decisão, não são provas válidas para formar a convicção do tribunal e aplicar a medida de coacção tão gravosa quanto a prisão preventiva; 2.º) Tratam-se de métodos proibidos de prova, que estão feridas de nulidade nos termos dos art. 120.º, 122.º, 124.º, 125.º, 127.º, que aqui se invoca e deve ser declarada nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), todos do C. P. Penal; 3.º) A aplicação de medida de coacção mais gravosa está dependente da existência de fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos e condicionada aos princípios da legalidade, adequação, subsidiariedade, proporcionalidade, necessidade, pedido, audição prévia, unidade do prazo e presunção da inocência, enunciados nos art. 27.º, 28.º, do C. Rep., 202.º, n.º 1, al. a) e 193.º, do C. P. Penal, bem como dos perigos constantes no art. 204.º, do C. P. Penal; 4.º) No caso concreto, embora existam “fortes indícios” do recorrente ter praticado os factos ilícitos, o mesmo confessou-os e está muito arrependido da sua prática, tendo colaborado activamente com a autoridade policial, identificando o co-arguido e indicando a sua residência, o que levou à busca domiciliária e consequente apreensão de 172,71 gr de heroína; 5.º) A convicção do tribunal resultou essencialmente da confissão do recorrente, que colaborou na investigação, não revelando a decisão recorrida o facto do arguido ser um “correio de droga”, o que de alguma forma atenua a ilicitude, e de ter aceite o transporte por graves e sérias dificuldades económicas, o que atenua a culpa; 6.º) Daí que seja excessiva a medida de prisão preventiva, atendendo aos princípios da legalidade, adequação, proporcionalidade e subsidiariedade; 7.º) O perigo de continuação de actividade criminosa, que aqui não existe em concreto, não pode ser invocado para justificar medidas detentivas da liberdade, por a isso se opor o art. 5.º, da CEDH, que foi violado; 8.º) Não existe em concreto fuga ou perigo de fuga; 9.º) Também não existe em concreto qualquer perigo para a conservação e veracidade da prova, pois esta já foi recolhida, tendo sido identificadas as potenciais testemunhas; 10.º) O recorrente tem problemas psíquicos que se agravaram com a sua privação da liberdade; 11.º) Os perigos do art. 204.º, do C. P. Penal, podem ser acautelados e banidos com a obrigação de permanência na habitação, mediante vigilância electrónica, a executar na casa do arguido, a quem a sua esposa e filhos dão o seu consentimento e que tem condições logísticas para o efeito, nos termos do art. 193.º, n.º 3, 201.º, do C. P. Penal e 3.º da Lei n.º 122/99, de 20/Ago.; 12.º) A decisão recorrida, para além de outras normas e princípios, violou os art. 191.º a 193.º, 196.º, 202.º e 204.º, todos do C. P. Penal, bem como os art. 18.º, 27.º, 28.º e 32.º, todos da C. Rep. e 5.º da CEDH. 3.- O Ministério Público respondeu em 2009/Abr./24, a fls. 113 e ss. deste apenso, sustentando que se negue provimento a este recurso, concluindo do seguinte modo: 1.º) As informações de serviço constantes nos autos não são um meio proibido de prova, para além de que os factos fortemente indiciados alicerçam-se noutros meios de prova, como os autos de apreensão, teste rápido, auto de busca e confissão integral do arguido; 2.º) A decisão recorrida não é nula, porque não foram violadas as normas dos art. 120.º, 122.º, 124.º, 125.º, 127.º, todos do C. P. Penal; 3.º) Verifica-se em concreto o perigo fuga, perigo de perturbação do inquérito, perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, perigo de continuação da actividade criminosa a impor medida de coacção mais gravosa que o simples TIR; 4.º) No caso, a única a única medida adequada a satisfazer as necessidades cautelares que supra se salientaram é a prisão preventiva, sendo que a mesma é proporcional à gravidade do crime e da sanção que previsivelmente lhes venha a ser aplicadamedida adequada a satisfazer as necessidades cautelares; 5.º) Não foram violados os artigos 18º, 27º, 28º e 32º da CRP, artigo 5º da CEDH e artigos 191º, 192º, 193º, 196º, 202º e 204º, do Código de Processo Penal. 4.- Nesta Relação o Ministério Público emitiu parecer em 2009/Mai./19, a fls. 126/127, aderindo à resposta anterior e concluindo que o recurso não merece provimento. 5.- Colheram-se os vistos legais, nada obstando que se conheça do mérito deste recurso. * As questões objecto deste recurso reconduzem-se à nulidade do despacho recorrido [a)], aos requisitos do art. 204.º, respeitantes ao perigo de fuga (i), perigo de perturbação do inquérito (ii), perigos de continuação da actividade perigosa e de perturbação da ordem pública (iii) [b)]; ao carácter excepcional da prisão preventiva [c)].* II.- FUNDAMENTOS.** 1 – O despacho recorrido. Na parte que aqui releva transcrevem-se as seguintes passagens: “Factualidade indiciada: Compulsados os autos, este Tribunal tem por fortemente indiciado: No dia 24 de Março de 2009, pelas 13:20 horas, na …………., ………, Maia, o arguido B………….. detinha no seu casaco uma embalagem envolta em fita adesiva contendo 113,07 gramas de heroína. No dia 24 de Março de 2009, cerca das 15:30 horas, na residência habitada pelo arguido C…………., sita na ……….., …., …., Porto, foram encontradas pelos agentes da Polícia Judiciária duas embalagens embrulhadas em fita adesiva, escondidas no apoio de braço de um sofá, contendo 172,71 gramas de heroína. A heroína que foi encontrada na residência do arguido C………….. foi aí colocada pelo arguido B……………, nesse mesmo dia, pelas 12:00 horas. O arguido B…………. efectuou o transporte da heroína e ia proceder à sua entrega a terceiros não concretamente identificados, a pedido de um indivíduo também não concretamente identificado, ficando o arguido com parte do lucro na venda da heroína. Os arguidos sabiam que a detenção, transporte e cedência de heroína são actividades ilícitas e proibidas e agiram de forma livre, deliberada e consciente. O arguido C………….. recebeu as duas embalagens com heroína do outro arguido, sabendo que se tratava de estupefaciente e que ocultou em sua casa e que o mesmo agiu de comum acordo e em conjugação de esforços com o arguido B…………... * Motivação (Art.º 194.º, n.º 4, al. b), do C.P.P.:- Informações de serviço de fls. 2 a 6; - Relatórios de diligências externas de fls. 7 a 9; - Auto de revista pessoal de fls. 10; - Teste rápido de fls. 11; - Fotografias de fls. 12 e 13; - Informação de Serviço de fls. 16 e 17; - Declaração de fls. 18; - Auto de Busca e Apreensão de fls. 19 a 26; - Fotografias de fls. 23 e 24 e 30; - Teste Rápido de fls. 29; - Auto de Revista Pessoal de fls. 31; - Informação de fls. 36 a 39; e Declarações de co-arguidos. Quanto à motivação, cumpre, desde já, referir alguns aspectos que se mostram pertinentes no caso em apreciação. ………………………………………………………………………………………………………………............................................................ Quanto ao arguido B……………..: O arguido está desempregado e resulta das suas declarações que não foi o único transporte de heroína que efectuou. Aliás, conforme referiu, praticou os factos para ajudar nas despesas familiares e nos estudos da sua filha, facto que, considerando o tipo de crime em causa e o modo de execução, revela que, se colocado em liberdade, continuaria actividade criminosa idêntica à dos presentes autos. De igual forma, o mesmo não demonstrou grande certeza na morada que indicou como sendo a sua. O facto de o arguido estar desempregado e segundo as suas declarações com várias dívidas, o facto de não ser a única vez que efectuou o transporte de heroína, conjugado com a natureza do crime fortemente indiciado e a personalidade do arguido demonstrada nos factos, evidenciam um perigo concreto de o arguido continuar a actividade criminosa, designadamente porque actua no âmbito de um esquema de tráfico com alguma organização. Conforme referido pelo Ministério Público, os factos fortemente indiciados são geradores de forte perturbação da ordem e tranquilidade públicas, dadas as consequências nefastas associadas ao tráfico e subsequente consumo de heroína. Uma vez que os autos de inquérito estão em fase inicial de investigação e existem outros elementos da rede em que actuava o arguido, designadamente quem lhe encomendou o serviço e aqueles aquém se destinava a heroína, ainda não identificados, a colocação do arguido em liberdade acarretaria perigo concreto para a aquisição da prova. A tais circunstâncias não podemos deixar de acrescentar, em face da gravidade dos factos, do crime em causa e da pena que previsivelmente lhe será aplicada, que passará sempre por pena de prisão efectiva, existir perigo de o arguido fugir para local onde não possa ser localizado. Tais circunstâncias, enquadráveis nas als. a), b) e c), do Código de Processo Penal, impõe a aplicação ao arguido de medida de coacção que se mostre proporcional à gravidade do crime e à pena que previsivelmente lhe será aplicada, e por outro lado adequada a salvaguardar as necessidades de prevenção supra evidenciadas. Atenta a natureza dolosa do crime fortemente indiciado, a moldura penal cominada, e o facto de neste momento ter conhecimento de factos e elementos de prova que o incorrem na prática do crime de tráfico de estupefacientes e que é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos, mostra-se suficientemente fundado receio de que, em liberdade, não seja possível assegurar a sua comparência a actos processuais que reclamem a sua comparência, ocorrendo, por este modo, concreto perigo de fuga e de perturbação de actos de inquérito. O arguido, se colocado em liberdade, poderia, conforme referiu o Ministério Público, ocultar meios de prova o que comporta perigo para a aquisição e consolidação da prova - Art.º 204.º, al. b), do C.P.P. É ainda, atenta a natureza do crime fortemente indiciado e a sua motivação, manifesto o perigo concreto da continuação da actividade criminosa - Art.º 204.º, al. c), do C.P.P. O arguido neste momento tem conhecimento que contra si existem fortes indícios de um crime que é punido com pena de prisão efectiva, sendo que face à ameaça de vir a ser condenado numa pena pesada, torna-se justificado o concreto perigo de fuga - Art.º 204.º, al. a), do C.P.P. Atento os efeitos criminosos associados ao tráfico de estupefacientes - nunca é demais acentuar que a heroína será das drogas mais perniciosas à saúde de quem a consome – é manifesto que se verifica perigo, em razão da natureza do crime (trata-se de um crime que provoca repulsa em toda a sociedade, por se tratar de um autêntico cancro da sociedade moderna e que provoca a destruição de milhares de vidas) e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado, perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas - Art.º 204.º, al. c), do C.P.P. São prementes as necessidades de reprovação e prevenção do crime de tráfico de estupefacientes, dadas as consequências nefastas que, como é do conhecimento geral, daí advêm, incluindo toda a actividade criminosa que anda associada ao tráfico e consumo da droga, a ponto de se poder dizer que esta constitui, nos nossos dias um autêntico flagelo. É por conseguinte, manifesta a perturbação da ordem e da tranquilidades públicas, em razão da natureza do crime. Nestes termos, têm-se por preenchidos os pressupostos (alternativos) previstos nas al. a), b) e c) do Artº 204º do C. P. Penal, que justificam, para além da existência do TIR, a aplicação de outras medidas de coacção. Deve, pois, ser imposta uma medida de coacção que responda de forma adequada às exigências cautelares que o caso requer e proporcional à gravidade do crime fortemente indiciado e à sanção que previsivelmente venha a ser aplicada, sendo certo que só é de aplicar a prisão preventiva se todas as outras medidas se mostrarem insuficientes (art.º 193º C. P. Penal). Considero que, não obstante a sua subsidariedade, (art.º 28º CRP, art.º 193º nº 2 e 202º do C. Penal), é de aplicar ao arguido B…………… a prisão preventiva, única medida adequada às exigências cautelares e proporcional à gravidade do crime e da sanção que previsivelmente lhes venha a ser aplicada. Quando se indicia o crime de tráfico de estupefacientes e o circunstancialismo existente revela perigo concreto de continuação da actividade criminosa e de fuga à acção da justiça, caso se mantenha o arguido em liberdade, é de aplicar prisão preventiva como a única medida de coacção adequada às exigências cautelares que o caso requer e proporcional a gravidade do ilícito indiciado e à pena que previsivelmente venha a ser aplicada e a única apta a impedir os perigos concretos supra referidos. Assim, e porque no presente caso se verificam as condições gerais de aplicação de qualquer medida de coacção (Artº 204º) e os pressupostos específicos da prisão preventiva (Artº 202º, nº 1, al. a), do C. P. Penal e Artº 21º, nº 1, do Dec-Lei 15/93 de 22 de Janeiro, determino, ao abrigo das disposições conjugadas dos art.ºs 191º, 193º, 196º, 202º, nº 1 al. a) e 204º, al. a) b) e c), todos do C. P. Penal, que o arguido B………….. aguarde os ulteriores termos processuais sujeitos à seguinte medida de coacção: Prisão preventiva. Cumpra o disposto no Artº 194º, nº 8, segunda parte, do C. P. Penal. Passe mandados de condução ao estabelecimento prisional.” * 2.- Os fundamentos do recurso.a) Nulidade do despacho. O recorrente invoca este vício tendo por base o preceituado nos art. 120.º, 122.º, 124.º, 125.º, 127.º, do Código Processo Penal[1], conjugado com o disposto no art. 379.º, n.º 1, al. c), deste mesmo diploma, em virtude das informações de serviço, em que se baseou a decisão recorrida, corresponderem a prova proibida. Atento o princípio da legalidade dos actos, consagrado no art. 118.º, “A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei”. Por outro lado e salvo as nulidades insanáveis, as demais nulidades e irregularidades estão dependentes de arguição [120.º], perante o tribunal que as cometeu, o que não sucedeu nesta parte. A única excepção prevista é a correspondente à nulidade da sentença, que não é o caso do presente despacho, pois aquela, em regra, deve ser suscitada em sede de recurso, quando este seja admissível [379.º, n.º 2]. No entanto, o art. 126.º, n.º 1, comina como nulidade, não podendo em momento nenhum ser utilizadas, as provas obtidas mediante métodos proibidos, considerando como tal “as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas”. Trata-se, por isso, de uma nulidade insanável que é susceptível de ser conhecida em qualquer momento e de conhecimento oficioso até ser proferida a correspondente sentença. Na explicitação do referenciado segmento normativo [126.º, n.º 1], avança-se no seu n.º 2 que “São ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, mesmo que com consentimento delas, mediante: a) Perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos; b) Perturbação, por qualquer meio, da capacidade de memória ou de avaliação; c) Utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos pela lei; d) Ameaça com medida legalmente inadmissível e, bem assim, com denegação ou condicionamento da obtenção de benefício legalmente previsto; e) Promessa de vantagem legalmente inadmissível.” Pretende-se, deste modo, acautelar o direito constitucional à integridade pessoal, consagrado no art. 25.º, da C. Rep., segundo o qual “A integridade moral e física das pessoas é inviolável” [n.º 1], pelo que “Ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos” [n.º 2]. Ora as “informações de serviço”, só por si e desde que não sejam obtidas mediante métodos ofensivos da dignidade humana, tal como decorre desta injunção constitucional e se precisa no citado art. 126.º, não se podem considerar como um método proibido de prova. Aliás, tais informações de serviço nem se podem considerar como um meio de prova, já que não visam a demonstração de factos criminalmente relevantes [124.º], correspondendo antes ao tratamento policial de notícias de crime, que normalmente se situam numa fase propedêutica da investigação criminal. Consistem as mesmas na recolha e processamento de notícias com interesse para a missão policial, que são desenvolvidas para apoiar o trabalho de investigação das polícias.[2] Nesta conformidade, não poderiam tais “informações de serviço” fundamentar a convicção do juiz de instrução na motivação dos factos indiciados, pelo que, embora por motivos distintos, não deixa o recorrente de, nesta parte, ter inteira razão em sindicar a correcção da decisão recorrida. No entanto, podemos constatar da mesma, que tais “informações de serviço” apenas despoletaram a investigação do crime de tráfico de estupefacientes aqui em causa, não surgindo as mesmas como o suporte probatório para a demonstração da conduta indiciariamente revelada pelo arguido, já que este foi detido na posse de grande parte da heroína apreendida. Pelo que, eliminando estas “informações de serviços” dos meios de prova ponderados pela decisão recorrida, encontramos aí todo um manancial probatório, incluindo a confissão parcial do próprio arguido recorrente – o qual até admite que tinha iniciado essa actividade de tráfico três meses antes de ser detido –, que faz sustentar de modo válido a motivação da convicção que ficou aí expressa e que não põe em causa a mesma. * b) Os requisitos gerais do art. 204.ºO decretamento de qualquer medida de coacção, com excepção do TIR, está sujeito aos requisitos enunciados no art. 204.º, os quais devem se verificar em concreto, não sendo os mesmos cumulativos. Por isso, basta a ocorrência de um destes pressupostos para justificar a restrição cautelar das liberdades fundamentais de um cidadão. Deste modo e para além de se atender que a prisão preventiva é de natureza excepcional, só devendo ser aplicada quando a mesma for inevitável, por existir “periculum libertatis” revelado pelo arguido, devemos igualmente ponderar e aferir da existência destes últimos pressupostos vinculativos. * i) A al. a) do art. 204.º reporta-se à existência de “Fuga ou perigo de fuga”, circunstâncias essa que se devem verificar em concreto, como decorre do proémio deste preceito.Este pressuposto tem por base o risco do arguido se subtrair ao exercício da acção penal, mediante a existência de certas circunstâncias, que, de modo consistente, possam favorecer a fuga ou potenciar a mesma. Assim e tentando densificar estes conceitos, podemos certamente apontar que os mesmos ocorrem, sempre que existam factos ou circunstâncias, que não sejam meramente conjecturais, donde se conclua que o arguido se encontra em fuga ou mediante os quais seja razoável temer que o mesmo pretende proceder desse modo. Porém, a moldura penal do crime indiciado, só por si, não pode ser um factor a partir do qual se possa presumir esse perigo de fuga, porquanto a lei não estabelece essa presunção. Neste sentido se tem pronunciado a generalidade da jurisprudência, como é o caso do Ac. R. Porto de 2006/Mar./22[3], citando o Acórdão do TEDH de 1997/Mar./17, respeitante ao caso “Muller/França”, segundo o qual o risco de fuga não pode decorrer apenas da gravidade da pena legalmente prevista. A fuga terá sempre que ser sempre actual, enquanto o perigo de fuga deverá ser fortemente expectável. Existirá esse perigo, sempre que subsistam elementos objectivos, donde se possa aferir que o arguido em liberdade se ausentará para parte incerta, no país ou no estrangeiro, com o propósito de se eximir à acção penal. Para o efeito não é necessário que esse temor seja particularmente intenso, bastando apenas que subsista uma razoável probabilidade de que essa fuga venha a ocorrer.[4] Na ponderação desses elementos objectivos, poderá atender-se, entre outras coisas, às possibilidades que o arguido tem de se movimentar para o estrangeiro ou de aí manter uma actividade económica, já iniciada ou que possa vir a estabelecer, para, desse modo, se eximir à execução da reacção penal prevista para o crime indiciado, que sempre funcionaria como um catalizador dessa sua fuga. No caso, a decisão recorrida fez assentar a probabilidade de fuga na “gravidade dos factos, do crime em causa e da pena que previsivelmente lhe será aplicada, que passará sempre por pena de prisão efectiva”, que são considerações que não se inserem no pressuposto referenciado no art. 204.º, al. a), pelo que este condicionalismo não se verifica. * ii) Na al. b) do mesmo art. 204.º, impõe-se como uma dessas condições a existência de “Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova”.Trata-se de uma exigência cautelar para salvaguarda do desenrolar da investigação, com particular acuidade no potencial probatório, incluindo a sua genuinidade. Este perigo de perturbação diz respeito às fontes probatórias que já se encontram nos autos ou que possam vir a ser obtidas e consiste no risco, sério e actual, de ocultação ou alteração das mesmas por parte do arguido. Para o efeito torna-se necessário identificar não só a situação, mas também a prova relativamente à qual se possa sustentar que o arguido poderá comprometer o decurso normal da investigação, perturbando, assim, o processo formativo da prova[5]. A decisão recorrida, justificando a verificação deste pressuposto, menciona para o efeito que “Uma vez que os autos de inquérito estão em fase inicial de investigação e existem outros elementos da rede em que actuava o arguido, designadamente quem lhe encomendou o serviço e aqueles a quem se destinava a heroína, ainda não identificados”. Relativamente a este pressuposto, afigura-se-nos que a decisão recorrida centra-se em circunstâncias concretas reveladoras de um perigo sério de inquinação da investigação, em relação a quem se encontra a montante e a jusante desta actividade de tráfico, pelo que verifica-se este condicionalismo para aplicação de uma medida de coacção. * iii) A al. c) do art. 204.º, reporta-se ao “Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas”.Esta condição, que deve igualmente ser concretizada, tem em vista a salvaguarda futura da paz social, que foi afectada com a conduta criminosa revelada pelo arguido e que tem potencialidades, objectivas (natureza e circunstâncias) ou subjectivas (personalidade), para continuar a alarmar ou mesmo para manter essa actividade delituosa. Para o efeito torna-se necessário efectuar um juízo de prognose de perigosidade social do arguido, atendendo às circunstâncias anteriores ou contemporâneas à sua indiciada actividade delituosa. Diga-se que tal juízo de perigosidade social deverá estar sempre conexionado com a existência dessa conduta ilícita e não com quaisquer preocupações genéricas de defesa social, que sejam jurídico-penalmente neutras. Nem tão pouco, deverá ter com meras situações de “alarme social”, despidas de qualquer ilicitude, de que foi exemplo, na Alemanha Nazi, o “Erregung in der of fentlichkeit”, mediante o qual se permitia a prisão de uma pessoa pelo simples facto da sua conduta causar alarme, agitação ou intranquilidade[6]. Por outro lado, este pressuposto da perturbação grave da ordem e tranquilidades públicas, ainda que despido do “cunho estritamente objectivo” que decorria da anterior redacção deste segmento normativo, deve ser insuflado ou estar relacionado com o direito à liberdade e à segurança, instituído pelo art. 5.º, da C.E.DH.. E isto não apenas na perspectiva do arguido, mas também dos cidadãos que possam ser potenciais vítimas da conduta criminosa praticada por aquele e que se encontra indiciada.[7] Aliás, decorre explicitamente do citado art. 5.º da CEDH que a privação da liberdade, tem plena justificação, de acordo com o respectivo procedimento legal, “quando houver motivos razoáveis para crer que é necessário impedi-lo de cometer uma infracção”. Daí que este pressuposto se revele na função preventiva do processo penal face à perigosidade social revelada pelo arguido, seja mediante um controlo cautelar e pré-punitivo (medidas de coacção), seja de contenção do conflito social provocado pela correspondente conduta delituosa. No caso em apreço está em causa a referenciada actividade de tráfico de estupefacientes, que embora numa modalidade de “transporte de droga”, já denota alguma relevância e organização, estando apenas num dia em causa 286,41 gr de heroína. Por outro lado, não tendo o arguido recorrente qualquer actividade profissional e não se conhecendo nenhuma outra que seja remunerada ou donde retire proventos, encontra-se em concreto incrementada e catalisada a continuação desta actividade de tráfico, como única forma da sua subsistência. Nesta conformidade, podemos considerar que se verifica igualmente este último pressuposto, improcedendo as correspondentes conclusões de recurso. * c) Natureza excepcional.De acordo com o art. 28.º, n.º 2 da C. Rep. “A prisão preventiva tem natureza excepcional, não sendo decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei”. Este dispositivo constitucional e todos os preceitos legais respeitantes às medidas de coacção, devem, segundo o preceituado no art. 16.º, n.º 2 da mesma Constituição, “ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem”. Ora segundo o art. 5.º da DEDH, o qual precisou o art. 9.º da DUDH[8], “Toda a pessoa tem direito à liberdade e segurança. Ninguém pode ser privado da sua liberdade, salvo nos casos seguintes e de acordo com o procedimento legal: Se for preso e detido …, ou quando houver motivos razoáveis para crer que é necessário impedi-lo de cometer uma infracção ou de se por em fuga depois de a ter cometido” [al. c)] Por sua vez, no Pacto Internacional de Direitos Cívicos e Políticos de 1966/Dez./16, mais concretamente do seu art. 9.º, n.º 3, alude-se precisamente que “Não deve ser em regra obrigatória a detenção de pessoas que aguardam julgamento…”. Dando seguimento a estes princípios o art. 191.º, n.º 1, do Código Processo Penal, estabelece que “A liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coacção e de garantia patrimonial previstas na lei”. Por sua vez, preceitua-se no art. 193.º, n.º 1 que “As medidas de coacção e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas”, acrescentando-se no seu n.º 2 que “A prisão preventiva …. só podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção”. No seu n.º 4, já se alude que “A execução das medidas de coacção e de garantia patrimonial não deve prejudicar o exercício de direitos fundamentais que não forem incompatíveis com as exigências cautelares que o caso requerer”. Esta actividade de tráfico de estupefacientes, muito embora fosse desenvolvida pelo arguido recorrente como “transporte de droga”, apenas foi possível mediante uma rede de contactos de que o mesmo era um dos elos de ligação. Por outro lado, a possibilidade do arguido desenvolver a actividade de tráfico de estupefacientes, mediante terceiros e através de contactos de que dispõe, mantendo-se sediado na sua residência, não é apenas efémera mas perfeitamente plausível, já que o mesmo ao não revelar donde provinha o estupefaciente que entregava, mantém incólume essa sua fonte de fornecimento, seja para o presente ou para o futuro, seja através de pessoas por si mandatadas. Dai que se justifique plenamente o decretamento da prisão preventiva, revelando-se a mesma necessária e adequada às exigências cautelares que o presente caso requer, bem como proporcional à gravidade do crime de tráfico de estupefaciente aqui fortemente indiciado. Mais será de referir que a apontada confissão do arguido que é apenas parcial e conjectural, não tem a relevância atenuadora cautelar que o mesmo pretende dar. * III.- DECISÃO.** Nos termos e fundamentos expostos, nega-se provimento ao presente recurso interposto pelo arguido B…………… e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida que decretou a sua prisão preventiva. Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em três (3) Ucs – cfr. art. 513.º, 514.º do C. P. Penal Notifique. Porto, 01 de Julho de 2009 Joaquim Arménio Correia Gomes Paula Cristina Passos Barradas Guerreiro _____________ [1] Doravante são deste diploma os artigos a que se fizer referência, sem indicação expressa da sua origem [2] FURTADO, Vasco, em “Tecnologia e Gestão da Informação na Segurança Pública” (2002), p. 125. [3] Relatado pelo Des. António Gama e divulgado em www.dgsi.pt [4] TRAMONTANO, Luigi, “Il Códice di Procedura Penal – Spegiato” (2006), p. 533, em comentário ao art. 274.º do Código Processo Penal Italiano [5] Veja-se a propósito Luigi Tramontano, ob. cit., p. 532 e ss; neste sentido o Ac. R. L. de 2005/Jun./08, divulgado em www.dgsi.pt, segundo o qual “Para que se possa afirmar que existe o perigo previsto na alínea b) do artigo 204° do Código de Processo Penal é necessário saber em que é que se traduz, em concreto, esse perigo, nomeadamente, quais são as provas que a arguida, em liberdade, poderia impedir que viessem a ser recolhidas” [6] Veja-se o Ac. do TC de 2003//Jul./30 (Recurso n.º 485/03), divulgado em www.tribunalconstitucional.pt; João Castro e Sousa, citando Roxin, no seu estudo sobre “Os meios de coacção no novo Código Processo Penal”, integrado nas “Jornadas de Direito Processual Penal” (1997), p. 152. [7] Esta dupla interpretação é proposta por Jean François Renucci, no seu “Traité de Droit Européen des Droits de L’Homme” (2007), p. 297, dando conta que se tem insistido bastante no direito à liberdade e negligenciado o direito à segurança, mormente na sequência das disfunções do sistema de justiça em relação às vítimas das condutas delituosas. “Ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido ou exilado” |