Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1281/24.0T8PNF-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA OLÍVIA LOUREIRO
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
CANCELAMENTO DO REGISTO DA AÇÃO
MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO
Nº do Documento: RP202502241281/24.0T8PNF-A.P1
Data do Acordão: 02/24/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Não é nulo o despacho final, proferido após julgamento de procedimento cautelar, por falta de enunciação dos factos provados e não provados se a decisão de indeferimento do referido procedimento foi baseada na manifesta improcedência do mesmo e/ou na procedência de exceções dilatórias conducentes à absolvição da instância.
II - O réu que não tenha deduzido reconvenção na ação principal não pode propor procedimento cautelar por apenso à mesma com vista a acautelar interesses meramente defensivos.
III - A pretensão de cancelamento do registo da ação com base na alegação do Réu de que o mesmo lhe causa prejuízo de difícil reparação não pode ser tutelada a título definitivo na ação principal, pelo que a decisão que viesse a ser proferida em sede cautelar não teria por efeito acautelar ou antecipar os efeitos do juízo definitivo da causa.
IV - Não tendo a manifesta inviabilidade do pedido sido conhecida em despacho liminar, pode concluir-se na sentença, com base nos mesmos fundamentos que sustentariam o indeferimento liminar, pela improcedência da providência cautelar.

(Sumário da responsabilidade da Relatora)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo número 1281/24.0T8PNF-A. P1, Juízo Central Cível de Penafiel, Juiz 1.

Recorrente: A..., Lda.

Recorridos: AA e BB.

Relatora: Ana Olívia Loureiro

Primeiro adjunto: José Nuno Duarte

Segundo adjunto: Carlos Gil

Acordam no Tribunal da Relação do Porto,

I – Relatório:

1. Em 26-04-2024 AA e BB propuseram ação a seguir a forma de processo comum contra B..., SA, A..., Lda, CC, DD, EE, FF e GG, pedindo a declaração de ineficácia, em relação a si, da transmissão pela primeira à segunda Ré da propriedade de dois imóveis, destinados a construção, através de contrato de permuta celebrado a 15-01-2021.

Para tanto alegaram, em suma, que tal negócio foi concertado entre as outorgantes com vista a dissipar o património da primeira Ré e a impedir aos Autores a cobrança do seu crédito, que dizem ser de 100 000 €, pois a devedora não tem qualquer outro património que garanta o pagamento desse débito. Pretendem poder executar no património da segunda Ré as frações que foram ou vierem a ser construídas nos imóveis permutados.

A final, pediram que o Tribunal procedesse ao registo da ação.

2. Em 29-04-2024, a secretaria emitiu certidão destinada ao registo da ação, enviando-a, para esse efeito, à Conservatória do Registo Predial de Penafiel.

3. Os Réus contestaram em 13-06-2024, pugnando pela improcedência da pretensão dos Autores e opondo-se ao registo da ação, alegando que a decisão sobre o mesmo não era da competência da secretaria e que por via dele os Autores pretendem paralisar a atividade das duas sociedades, pelo que devia tal pretensão ser indeferida.

4. Em 13-06-2024 foi proferido despacho sobre tal requerimento pelo qual se decidiu manter o registo da ação.

5. Em 30-10-2024 foi dispensada a audiência prévia e foi proferido despacho saneador, tendo-se no mesmo conhecido das exceções dilatórias invocadas na contestação, identificado o objeto do litígio, enunciado os temas da prova e admitidos os meios de prova.

6. Em 12-08-2024 a Ré A..., Lda fez distribuir por apenso aos autos acima referidos procedimento cautelar comum pedindo que:

“a) Seja autorizada a constituir uma hipoteca sobre a fracção autónoma identificada no artigo 170.º deste requerimento como garantia de pagamento da quantia que a demandada “B..., S.A.”, em função de uma decisão judicial ou de acordo extrajudicial, tenha de pagar ao autor AA, com base no crédito em que ele funda a acção que corre termos nos autos do processo de que este procedimento é incidente (ou seja, no processo principal), até ao valor de 100.000,00€ (cem mil euros).

b) Seja comunicado à Conservatória do Registo Predial de Paços de Ferreira o cancelamento ou eliminação, das inscrições respeitantes à acção que corre termos no processo principal, e que incidem sobre os prédios sitos na freguesia ..., concelho de Paços de Ferreira, descritos sob a Descrição Predial n.º ...67 – ... e Descrição Predial n.º ...90 – .... Esta comunicação só será feita após a junção aos autos de certidão comprovativa da hipoteca a constituir pela Requerente”.

7. Por despacho liminar datado de 14-08-2024 foi ordenada a citação da Requerida.

8. Em 04-09-2024 a Requerente arguiu a nulidade de citação dos Requeridos por ter sido feita não só na pessoa do seu mandatário, mas também pessoalmente aos Requeridos.

9. Em 06-09-2024 foi proferido despacho que determinou que o prazo para apresentação de oposição se contasse desde a notificação do mandatário dos Requeridos.

10. Em 12-09-2024 estes apresentaram oposição excecionando a ineptidão do requerimento inicial por ininteligibilidade, a inadmissibilidade do procedimento por não ser dependente da ação principal e nem visar acautelar qualquer direito nela exercido e opondo-se às duas pretensões nele expressas alegando, em suma, que a Requerente pretende constituir uma hipoteca a favor de terceiro (a B..., SA) que sequer é parte no procedimento cautelar, e que já foi decidido, com trânsito em julgado, que devia ser mantido o registo da ação.

11. Em 07-10-2024 foi designada data para realização da audiência final, com produção da prova requerida por ambas as partes.

12. A mesma realizou-se em 06-11-2024, tendo sido proferido despacho final no dia subsequente, pelo qual se decidiu: “de acordo com o disposto no artº 278º, nº 1, al. d), 576º, nº 2, 577º e), 578º e 590º CPC, indefere-se o requerimento inicial, julga-se procedentes as exceções dilatórias da ininteligibilidade do pedido, ilegitimidade da Requerente e falta de pressupostos do procedimento cautelar, absolvendo-se os Requeridos da instância”.

II - O recurso:

É deste despacho final que recorre a Requerente, pretendendo a sua revogação com a consequente declaração de procedência do procedimento cautelar.

Para tanto, alega o que sumaria da seguinte forma em sede de conclusões de recurso:

“1ª A decisão recorrida está inquinada por um juízo que o Tribunal proferiu no penúltimo parágrafo da fundamentação, na qual escreveu:

“Não se podendo ignorar que resulta dos autos principais que CC é o fundador e gerente da sociedade “C..., Unipessoal, Lda.”, actualmente “A..., Lda.”, bem como da “B..., S.A.”, sendo os sócios da “A..., Lda.”, filhos do CC, de nomes FF e EE.” – negrito do subscritor.

Do processo, nada consta que prove que CC tenha sido o fundador da sociedade Requerente.

Isso resulta de um pré-conceito que terá inquinado todos os raciocínios desenvolvidos pela Ex. ma Sra. Juiz “a quo” em toda a sua actividade judicativa.

Hoje, sabemos que qualquer actividade racional e judicativa pode ser influenciada por subjectividades que, caso a elas o sujeito não esteja atento, pode levá-lo a juízos errados, desde logo, os sugeridos por pré-conceitos.

Na actividade judicial, mormente dos Juízes, os pré-conceitos, em forma de pré-juízos, objectivamente, ferem imediatamente o dever de agir com imparcialidade. Esta razão em si justifica a imediata revogação da decisão recorrida. (Cfr §§ 1 a 9 fund.)

2.ª Ao arrepio do disposto nas alíneas b), c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, ex vi n.º 3 do seu artigo 615.º, o Tribunal não cumpriu o dever de especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão que tomou, omitindo assim pronúncia dessa matéria.

Por isso, a decisão é NULA.

3ª O Tribunal fundamentou a sua decisão nos quarto, quinto e sexto parágrafo da decisão recorrida, nos quais alude ao pedido formulado e à oposição deduzida pelo Requerido.

Nesses três parágrafos, o Tribunal não curou minimamente dos fundamentos que a Requerente apresentou no seu requerimento inicial, pelo qual demonstrou, em suma, que os Requeridos, de forma enviesada procuram obter satisfação de uma responsabilidade da “B..., S.A.” que não será superior a 30.000,00 €, e que ela nunca terá recusado pagar, para atacar o património da Requerente.

Com esse ataque, a Requerente ficou inoperante, não podendo cumprir contratos promessa de venda de fracções nem pagar aos seus fornecedores.

Nesses três parágrafos, o Tribunal, reconhecendo que a Requerente nada deve aos Requeridos, mas sim a B..., S.A., obnubilou completamente tudo o que foi alegado e que demonstrava que, com uma acção em que era demandada, não tinha como por outro meio defender os ataques deduzidos contra o seu património.

Ora, tivera o Tribunal lido atentamente os pedidos formulados na acção principal, teria percebido que a Recorrente não tinha outro meio, que não aquele que formulou, para impedir que seja destroçada por uma acção sem sentido, mas ao mesmo tempo que garantia qualquer (inadmissível) responsabilidade que lhe viesse a ser atribuída.

O Tribunal não percebeu que, outra coisa não prosseguem os Requeridos que coagirem a Requerente a pagar-lhes o que não lhes deve. (Cfr §§ 17 a 22.6 fund.)

4.ª A finalidade prosseguida pelos Requeridos, coisa que o Tribunal ainda parece não ter reparado, não pode ter qualquer viabilidade pelo modo como formulou os pedidos.

Na verdade, em acção anterior foi-lhe reconhecido o direito de executar ½ indiviso do direito de propriedade de duas pequenas parcelas de terreno, avaliados em 30.000,00 €.

Numa delas, a Requerente edificou 7 fracções urbanas, cujo valor será de cerca de 1.500.000,00 €. Na outra, nada foi edificado.

Nesta acção, os Autores pretendem executar, não só a totalidade do direito de propriedade das duas parcelas (não metade desse direito sobre cada uma), mais o direito de executar as fracções que a Requerente construiu nos terrenos que adquiriu com respeito integral pela lei (artigos 1305.º, 1316.º, 1317.º-A, 874.º, 879.º-A e 408.º, do Código Civil e artigos 3.º, n.º 1, alínea a) e 5.º, n.º 1, do Código do Registo Predial).

Ora, semelhantes pedidos, já deveriam ter sido julgados improcedentes na decisão que devia ter sido proferida nos termos do artigo 590.º, do Código de Processo Civil. (Cfr §§ 23 e 24 fund.)

5.ª A primeira parte do n.º 2 do artigo 616.º do Código Civil diz: “O adquirente de má-fé é responsável pelo valor dos bens que tenha alienado”. A “B..., S.A.” tem os prédios aludidos no ponto 5.º do parágrafo 26 da fundamentação. Esse património vale mais de 1.000.000,00 €. A esse património acresce o direito a duas fracções que a Requerente iria construir nas parcelas de terreno permutadas, cujo valor rondará entre os 350.000,00 € a 400.000,00 €. É, assim, manifesto que a permuta que a “B..., S.A.” celebrou não diminuiu a garantia patrimonial da responsabilidade que tem perante os Requeridos, bem pelo contrário, aumentou essa garantia.

Por isso, a acção principal não tem qualquer respaldo nos artigos 610.º e 612.º, n.º 2, do Código Civil.

Com esta acção, os Requeridos procuram coagir a Requerente a pagar-lhes o que não lhes deve, ao terem entorpecido com o registo da acção, toda a sua actividade industrial e comercial. (Cfr §§ 25 a 30 fund.)

6.ª Assim, ao contrário dos fundamentos que o Tribunal encontrou para indeferir esta providência, por força do n.º 1 do artigo 362.º do Código de Processo Civil, o requerimento inicial foi bem percebido pelos Requeridos, o Tribunal teria, também, de ter percebido isso, se lesse atentamente esse requerimento, pelo que não procede a referida ininteligibilidade do pedido. Também não procede a ilegitimidade aduzida, porque essa legitimidade afere-se pela agressão induzida no património da Requerente através da acção principal, não dispondo ela de outro meio para afastar essa agressão, que não fosse pela via desta providência, que exerceu, sem prejuízo das garantias dos Requeridos de um direito que até nem têm. Também é patente que os pressupostos da providência existem, porque é isso que diz o n.º 1 do artigo 362.º referido, sendo atual os gravíssimos danos que a Requerente está a sofrer.

Como a decisão recorrida violou as normais legais invocadas nas conclusões ora descritas, deve o presente recurso ser julgado procedente e a decisão recorrida ser revogada, seguindo-se os ulteriores termos legais, com o que se fará justiça!”


*

Os Recorridos contra-alegaram sustentando a confirmação da sentença com base nos argumentos que sintetizaram da seguinte forma em sede de conclusões:

“1. A sentença ora recorrida é legal, absolutamente válida, livre e ponderada.

2. Irrelevantes e impertinentes as conclusões nºs 4 e 5 da apelada as quais versam sobre matéria a ser discutida no estrito âmbito dos autos principais.

3. Na sua oposição, o requerido reiterou tudo o quanto havia invocado na petição inicial da ação principal, remetendo, entre outros aspetos, para a prova documental (certidões comerciais) que ali junta relativa à constituição das rés sociedades.

4. Resulta da prova documental junta na ação principal a que este procedimento é apenso - à qual, para apreciação das exceções invocadas, pode o Tribunal lançar mão mas, da qual o Tribunal sempre teria já conhecimento oficioso atenta a pré análise que fez para elaboração do despacho saneador e de fixação do objeto do litígio e temas de prova que já proferiu na ação principal - que CC é sócio fundador (sócio gerente e acionista, respetivamente) das sociedades A..., Lda. e

B..., S.A.;

5. Seja como for, ao contrário do que alega a apelante, não foi esse o argumento decisivo tomado em conta pelo Tribunal para concluir acerca da procedência das exceções dilatórias invocadas pelos requeridos, porquanto as mesmas respeitam a questões formais, de direito, de apreciação independente de prova e que impediram o Tribunal de, sequer, se aventurar pela questão de mérito.

6. O indeferimento liminar de providência cautelar está reservado às situações previstas no artigo 590.º, n.º 1 do CPC (conjugado com o artigo 226.º, n.º 4, alínea b), do mesmo diploma), isto é, a situações em que ocorram exceções dilatórias insupríveis, de que o juiz possa conhecer oficiosamente, ou quando a tese do requerente não tenha qualquer possibilidade de ser acolhida perante a lei em vigor e a interpretação que dela faz a doutrina e a jurisprudência, sendo, por isso, o pedido manifestamente improcedente.

7. No entanto, tal indeferimento liminar está reservado às situações em que, por determinação legal ou do juiz, a petição inicial seja apresentada a despacho liminar, ao abrigo do poder de gestão inicial do processo.

8. No caso sub iudice em que foi ultrapassada a fase do despacho liminar, com a citação dos Requeridos e a inerente apresentação de oposição à qual não houve contraditório por parte da Requerente, não tem cabimento falar-se em indeferimento liminar sendo a consequência, quando a questão é conhecida depois da citação, a absolvição da instância em sede de sentença.

9. Se é certo que a Juiz a quo, no âmbito do seu poder de gestão processual, caberia o poder de decidir, liminarmente, sobre as exceções dilatórias que fossem de conhecimento oficioso em sede de despacho liminar, tal exigiria, no entanto, que a mesma tivesse previamente notificado a requerente para exercer o contraditório sobre as exceções invocadas. Ora, não o tendo feito, mas tendo permitido às partes discutir as exceções em sede de audiência – o que, de resto, foi feito pelos requeridos, conforme consta da gravação de prova – não se preteriu qualquer formalidade essencial.

10. As exceções invocadas pelos requeridos e julgadas procedentes pela Mª Juiz a quo têm natureza dilatória e não perentória, isto é, para a sua apreciação não era necessário produzir prova, sendo até de conhecimento oficioso e, muito menos, elencar os factos provados que serviram de base à sua procedência, porquanto, se tratam apenas de aspetos processuais formais e simples questões de direito, que não necessitam de produção de prova.

11. O critério legal a utilizar, no procedimento cautelar, para avaliar das possibilidades de antecipar a decisão (que se obterá em sede de ação principal) deve ser objetivo e não subjetivo.

12. É facto objetivo e decorrente da prova documental carreada na ação principal que, não obstante ter sido instaurado como dependência e em apenso à ação principal de impugnação pauliana, a requerente, na causa principal a que este requerimento é apenso, não é titular de nenhum direito, já existente ou emergente da decisão a proferir naquela ação, contra o autor, aqui requerido, na medida em que é Ré no pedido e não deduziu qualquer pedido reconvencional na ação principal.

13. Os pedidos formulados no processo cautelar devem ter a necessária correspondência funcional com os pedidos formulados ou a formular na ação principal e ser adequados a acautelar a utilidade da sentença que vier a ser proferida no processo principal - consiste nisto o requisito da instrumentalidade das providências cautelares.

14. Conforme vinha peticionado pela requerente, a providência requerida tem em vista cancelar ou eliminar o registo da ação (de impugnação pauliana) principal dos presentes autos para que a requerente possa “retomar a sua atividade” (cfr. art. 168º do r. Inicial).

15. Ora, o levantamento do registo da ação não configura um qualquer direito da requerente! Razão pela qual, tal pedido de cancelamento foi devidamente apreciado - e rejeitado – na ação principal, por despacho refª 95585411, de 13/06/2024 (cfr. ação principal). E a alegação falsa, temerária, sem prova factual documental assertiva da perturbação ou “agressão do seu património” avançada na P.I. pela requerida muito menos serve, por si só, de base à admissibilidade do procedimento.

16. Acresce que, o próprio pedido da requerente é inadmissível e ininteligível já que, a requerente fundou o seu requerimento nas disposições dos artigos 362º, 363º e 915º do CPC (cfr. art. 117º req. inicial), as quais regem dois institutos diferentes: o procedimento cautelar (362º e 363º) e a prestação de caução (915º), em sede de processos especiais. Ou seja, fez dois pedidos distintos e incompatíveis entre si, constrangimento legal também independente de qualquer produção de prova.

17. A mera desconfiança sem fundamento sério ou motivação grave (como a que a apelante aqui lança), suscetível de ser entendida como tal pelo cidadão médio, não integra razão para escusa de Juiz, e muito menos para que o sentido de decisão já tomada por Tribunal validamente constituído seja revertida, mais a mais quando nenhuma reserva a ela se deve contrapor atento o espartilho processual civil que rege as providências cautelares, o âmbito do poder de gestão inicial do processo e, bem assim, e o regime de apreciação da exceções.

Nestes termos e pelo muito que como sempre não deixará de ser proficientemente suprido, devem V. Exas. negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida nessa parte, fazendo, desse modo, Justiça.”.

III – Questões a resolver:
Em face das conclusões do Recorrente nas suas alegações – que fixam o objeto do recurso nos termos do previsto nos artigos 635.º, números 4 e 5 e 639.º, números 1 e 2, do Código de Processo Civil -, são as seguintes as questões a resolver:
1. Nulidade do despacho final por omissão de pronúncia sobre a matéria de facto; improcedendo tal alegação,
2. A relevância, para a decisão proferida, da afirmação pelo Tribunal a quo de que “CC é o fundador e gerente da sociedade “C..., Unipessoal, Lda.”, actualmente “A..., Lda.”, bem como da “B..., S.A.”, sendo os sócios da “A..., Lda.”, filhos do CC, de nomes FF e EE”
3. A ineptidão da petição inicial por (in) inteligibilidade do pedido; caso se conclua pela negativa,
4. A (i) legitimidade da Requerente; caso se conclua pela negativa,
5. A manifesta improcedência/falta de pressupostos do procedimento cautelar em face dos pedidos formulados e da respetiva causa de pedir; no caso de se concluir pela negativa,
6. A manifesta improcedência da ação principal e a irreparabilidade/difícil reparação da lesão sofrida pela Requerente por via da pendência do registo da ação principal;

IV – Fundamentação:

O tribunal recorrido não fixou os factos indiciados e não indiciados pelo que os factos relevantes para a decisão são os que constam do histórico processual e estão sumariados no relatório.


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1. A primeira questão a resolver, por ter precedência lógica, é a da invocada nulidade da sentença, por omissão de pronúncia.

A recorrente entende que tendo ocorrido audiência de julgamento e produção de prova não podia o Tribunal a quo ter omitido a decisão sobre os factos indiciados e não indiciados.

A sentença é nula sempre que “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”, como previsto na alínea d) do nº 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.

O dever do juiz de decidir todas as questões que tenham sido submetidas à sua apreciação decorre do previsto no número 2 do artigo 608.º do mesmo Diploma,

Ora este preceito estatui que “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.

A decisão sob recurso tem o seguinte teor: “indefere-se o requerimento inicial, julga-se procedentes as exceções dilatórias da ininteligibilidade do pedido, ilegitimidade da Requerente e falta de pressupostos do procedimento cautelar, absolvendo-se os Requeridos da instância”.

Independentemente da apreciação da bondade desta formulação, é inequívoco que a decisão não só concluiu que o requerimento inicial era manifestamente improcedente como julgou, ainda, procedentes as exceções dilatórias de ineptidão do requerimento inicial, de ilegitimidade ativa, concluiu que não havia pressupostos para o procedimento cautelar e absolveu os Requeridos da instância.

Assim sendo, em face da absolvição dos requeridos da instância e da declaração de “falta de pressupostos” da providência, não tinha o Tribunal a quo que se pronunciar sobre os factos indiciados e não indiciados, o que apenas seria necessário para apreciar o mérito dos pedidos. E tal mérito só teria de ser apreciado, caso não se tivesse concluído pela falta de pressupostos para o procedimento e pela procedência de exceções dilatórias insupríveis.

O número 1 do artigo 608.º do Código de Processo Civil prevê, aliás, expressamente, que “Sem prejuízo do disposto no nº2 do artigo 278.º, a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica.”

Foi o que foi feito pelo Tribunal a quo que, não obstante ter feito prosseguir o procedimento com despacho liminar a ordenar a notificação dos requeridos e com marcação e realização da audiência de julgamento, acabou por decidir a causa por via da procedência do que qualificou como exceções dilatórias e como “falta de pressupostos do procedimento cautelar”.

As exceções dilatórias estão definidas no artigo 576.º, número 2 do Código de Processo Civil, como as que obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa (e dão lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo a outro tribunal).

O que o Tribunal a quo qualificou, por sua vez, como de “falta de pressupostos do procedimento cautelar” (expressão que visou traduzir a conclusão a que chegou na fundamentação de que a pretensão da Requerente não podia ser exercida por via de procedimento cautelar), era fundamento de indeferimento liminar do requerimento inicial (como infra melhor se detalhará) nos termos das disposições conjugadas dos artigos 590.º, número 1 do Código de Processo Civil e 226.º, número 4 b) do Código de Processo Civil. Não tendo sido indeferido liminarmente o requerimento inicial tal não obsta a que se julgue, posteriormente, que o mesmo é improcedente pelas mesmas razões que poderiam ter conduzido a decisão liminar. Foi o que fez o Tribunal a quo.

Ficou, assim, prejudicado o conhecimento do mérito das pretensões da Requerente, e só ele demandaria decisão sobre a questão de facto, pelo que não ocorre nulidade por omissão de pronúncia.


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2. A Recorrente entende que a decisão proferida está inquinada por um pré-juízo decorrente de nela se ter afirmado que “CC é o fundador e gerente da sociedade “C..., Unipessoal, Lda.”, actualmente “A..., Lda.”, bem como da “B..., S.A.”, sendo os sócios da “A..., Lda.”, filhos do CC, de nomes FF e EE.”. E impugna tais factos.

Os mesmos (que apenas consta da fundamentação de direito) em nada relevaram, contudo, para a decisão que veio a ser proferida, não tendo o Tribunal a quo feito quaisquer considerações sobre os reflexos da suposta constituição de ambas as sociedades na eventual procedência da ação principal e nem tendo retirado dessa afirmação qualquer conclusão que tenha levado à improcedência da providência.

Sem quebra do devido respeito diremos mesmo que a afirmação desse facto em sede de fundamentação de direito do despacho recorrido foi absolutamente desnecessária, tendo o Tribunal a quo somado e tratado conjuntamente vários fundamentos para o indeferimento do procedimento que em grande parte deviam ter ficado prejudicados pela procedência de outros que logicamente os precediam.

O que se afirmou no despacho final, seguindo de perto o entendimento dos Requeridos, foi que a hipoteca a constituir não garantiria o crédito destes por os mesmos nela não terem intervenção, já que a mesma seria constituída a favor da B..., SA, que tem os mesmos sócios fundadores que a Requerente.

Ora, salvo o devido respeito, quer os Requeridos quer o Tribunal a quo laboraram em manifesto erro já que do requerimento inicial resulta que a Requerente quer garantir o crédito dos Requeridos (de que é devedora a B..., SA) sendo admissível a constituição de hipoteca de bens de terceiros (que não os devedores), nos termos do artigo 686.º do Código Civil para garantia de um crédito.

Apesar de nessa parte ter interpretado indevidamente a pretensão da Requerente, a decisão recorrida não ficou inquinada ou condicionada por tal raciocínio, já que a decisão de improcedência da providência e de absolvição da instância teve outros fundamentos que infra se apreciarão.

Cumpre ainda salientar que a afirmação do facto que a Recorrente ora impugna, além de não ter tido reflexo no que foi decidido, também não revela qualquer “pré-juízo” ou “preconceito”. Pelo que tal afirmação não justifica, como afirma a Recorrente “a imediata revogação da decisão recorrida”.


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3. Da ineptidão da petição inicial por ininteligibilidade.

A questão em apreço precede logicamente a da “falta de pressupostos” da providência cautelar pois apenas se se puder entender o que é a pretensão da Requerente se pode afirmar que a mesma não pode ter sucesso pela via cautelar adotada.

De facto, o Tribunal a quo entendeu que o requerimento inicial era ininteligível, mas de seguida declarou que faltavam “os pressupostos” para a procedência do procedimento cautelar.

Esta segunda afirmação decorreu da seguinte linha de raciocínio que consta da respetiva fundamentação:
i.A Requerente não pretende acautelar, com o presente procedimento, o efeito útil de qualquer ação proposta ou a propor e nem deduziu reconvenção na ação principal;
ii.O que a mesma pretende é apenas “eliminar” os efeitos decorrentes do registo da ação pelos Autores e a mesma não tem qualquer direito ao “levantamento do registo da acção”, questão que até já suscitou e viu ser rejeitada na ação.
iii.A Requerente convoca, na sua fundamentação jurídica, a aplicação de regras relativas ao processo especial de prestação de caução bem como apela à aplicação das disposições dos procedimentos cautelares comuns com vista a ver deferida a constituição de uma hipoteca, pelo que a sua pretensão é ininteligível.
iv.Tal hipoteca seria constituída a favor da B... (devedora) pelo que nunca garantiria o crédito dos Requeridos já que os mesmos não interviriam na constituição da referida garantia e a mesma poderia a todo o tempo ser anulada pela B..., SA;
v.A constituição dessa hipoteca não garantiria a eficácia de um direito próprio da Requerente pelo que não pode ser fundamento de um procedimento cautelar.

Com exceção feita à primeira parte do ponto iv (a cujo erro interpretativo já acima nos referimos), o Tribunal a quo manifestou cabal compreensão do pedido e da causa de pedir.

E dúvidas não há de que da fundamentação do requerimento inicial se descortina claramente quais são as pretensões da Requerente e a respetiva causa de pedir.

Em suma, o que a mesma alega é que o registo da ação principal tornou pública a pendência de ação em que os Autores (Requeridos no procedimento cautelar) manifestam a pretensão de virem a executar no património da Requerente os imóveis que esta adquiriu à primeira Ré, por permuta.

A Requerente entendeu, e bem, que o registo da ação de impugnação pauliana[1], enquanto meio de conservação[2] da garantia patrimonial dos credores, foi pretendido pelos seus Autores por ter a virtualidade de tornar a decisão que vier a ser proferida oponível a posteriores adquirentes dos imóveis sobre que incidiu o registo, pois a partir do referido registo se deve presumir que os mesmos tinham conhecimento da pendência de ação pela qual tais bens poderiam vir a ser executados no património de quem lhes transmitiu o imóvel ou fração dele (assim viabilizando a aplicação do disposto no artigo 613.º do Código Civil).

Mas alegou que a propositura da ação e o seu registo pelos Autores visou apenas coagir o cumprimento da obrigação pela primeira Ré, de que se entendem credores, pois inviabiliza a sua atividade, afirmando que está praticamente impedida de vender as frações construídas ou a construir e que, por isso, tem a sua atividade suspensa.

Propõe-se, para fazer cessar esse prejuízo que alega, a garantir o eventual crédito dos Requeridos de que é devedora a co-ré B..., constituindo a favor daqueles uma hipoteca que garanta o crédito de que se arrogam titulares, para o caso de vir a ser julgada procedente a ação principal.

É assim perfeitamente inteligível a sua pretensão, que os Requeridos, aliás, mostraram ter compreendido na oposição que apresentaram, o que sempre conduziria à improcedência da referida exceção, nos termos do artigo 186.º, número 3 do Código de Processo Civil.

A inteligibilidade do requerimento inicial não é abalada pelo facto de a Requerente apelar às regras do processo especial de prestação de caução (o que só refere brevemente na frase que antecede o articulado do requerimento inicial e no último artigo deste), ora dos procedimentos cautelares inominados.

Nestes termos, não se verifica a nulidade prevista no artigo 186.º, número 2, alínea a) do Código de Processo Civil sendo a petição inicial inteligível.

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4. A ilegitimidade da Requerente.

A decisão recorrida afirma, no seu dispositivo que julga procedente a exceção dilatória da ilegitimidade da Requerente.

Da sua fundamentação, contudo, não se divisa em que se sustenta essa conclusão.

O Tribunal a quo afirmou que “A Requerente pretende a constituição de uma hipoteca a favor de outrem (o Requerido) para efeitos de responder por uma dívida de outrem, a B..., S.A. que nem sequer é citada neste procedimento apenso, o que contraria a própria ratio dos procedimentos cautelares que têm em vista a garantia de um direito próprio.” Depois de se debruçar sobre a impossibilidade da Requerente exercer tal direito em sede cautelar - por não ter deduzido qualquer pedido nos autos principais e porque a sua pretensão não visa acautelar qualquer direito que possa emergir a decisão a proferir naqueles -, de afirmar a inexistência de qualquer direito daquela em cancelar o registo da ação, e de afirmar a ininteligibilidade do pedido, concluiu-se na decisão recorrida que “Por outro lado, a Requerente pretende a constituição de uma hipoteca a favor de outrem (o requerido)[3] para efeitos de responder por uma dívida de outrem, a “B..., S.A.”, que não intervém neste procedimento apenso, o que contraria a própria ratio dos procedimentos cautelares que têm em vista a garantia de um direito próprio.”.

Não é feita qualquer menção aos pressupostos legais para aferir a legitimidade nem foram, sequer, citados os artigos 30.º e 577.º e) do Código de Processo Civil.

Temos, pois, a maior dificuldade em alcançar em que se funda a conclusão de que a Requerente é parte ilegítima.

Mesmo que se partisse da mesma interpretação, errónea, que foi expressa no último parágrafo da fundamentação do despacho final - de que a Requerente visava constituir garantia a favor da devedora B..., SA e não dos Requeridos -, aquela sempre seria parte legítima à luz do artigo 30.º, número 3 do Código de Processo Civil.

Deste preceito decorre que a legitimidade se afere em função da forma como a ação é configurada pelo autor. Ora, de acordo com o que pede e com o que alega a Requerente, a mesma é a titular do interesse em demandar, a que alude o número 1 do referido artigo 30.º, já que é ela a alegada prejudicada com o registo da ação e é ela quem pretende obstar ao mesmo por via do oferecimento de uma garantia hipotecária aos Requeridos.

Assim, não há qualquer fundamento para que se conclua pela ilegitimidade da Requerente, assistindo razão à Recorrente quanto a este fundamento da decisão recorrida.

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5. Da manifesta improcedência da providência (a que o Tribunal a quo se refere, na formulação da decisão, como “falta de pressupostos do procedimento cautelar”).

Percebida a pretensão da Requerente e os seus fundamentos, é de concluir, contudo, que a mesma não pode ser exercida por via da providência cautelar proposta.

É inequívoco que a Requerente não visa acautelar o efeito útil decorrente da possível procedência de uma pretensão que tenha exercido (ou que ainda possa vir a exercer), nos autos principais pois não deduziu qualquer pedido reconvencional na ação de que o presente procedimento é incidente (e já não pode vir a fazê-lo).

Sendo os procedimentos cautelares dependência de ação proposta ou a propor e visando apenas acautelar os efeitos dela, conservando ou antecipando a efetividade do direito ameaçado - como decorre do disposto os artigos 362.º, número 1 e 364.º, número1 do Código Civil -, é manifesto que a pretensão da Recorrente não se insere no fim legalmente previsto para os procedimentos cautelares.

A Requerente pretende apenas o cancelamento do registo da ação, oferecendo-se para garantir o crédito dos Autores através de constituição de uma hipoteca.

O pedido de “autorização” para constituição de hipoteca, apesar de ser o primeiro formulado, é meramente instrumental à concreta pretensão da Recorrente, que é a de ver cancelado o registo da ação.

Para sustentar este pedido a Requerente alegou os prejuízos que para si decorrem da publicidade que tal registo confere à pretensão dos Autores/Requeridos, impedindo-a de vender as frações construídas ou a construir nos imóveis sobre que incidiu o registo.

Todavia, ainda que se viessem a provar tal intuito dos Autores e os decorrentes prejuízos para a Requerente da providência, a sua pretensão não pode ser exercida em sede de procedimento cautelar como decorre do disposto no artigo 362.º, número 2 do Código Civil, a contrario sensu.

De facto, o alegado direito da Requerente – de cancelamento do registo da ação -, não foi e nem pode ser exercido na ação principal e aquele preceito exige que o interesse do requerente se funde em direito já existente ou que venha a emergir de decisão a proferir em ação constitutiva já proposta ou a propor.

Na ação foi, aliás, já conhecida essa sua pretensão, tendo sido proferido despacho transitado em julgado pelo qual se manteve tal registo. Ou seja, e em suma, a Requerente até já viu indeferida a sua pretensão, expressa em requerimento autónomo, de cancelar o registo da ação nos autos principais, e já não pode exercer esse alegado “direito” nessa ação por força do disposto no artigo 628.º do Código Civil.

O que releva, todavia, e é essencial para o indeferimento da providência, é o facto de a mesma não ter qualquer relação de dependência com a ação proposta, sendo essa dependência, no caso de procedimento cautelar proposto pelo Réu, apenas possível quando o mesmo ali deduza pedido reconvencional. Como salientado por Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa[4], “Não bastará que o procedimento e a ação se baseiem no mesmo direito substantivo abstratamente considerado; a relação de instrumentalidade impõe que o procedimento vise a tutela antecipada ou a conservação do concreto direito cuja efetividade se pretende por via da ação principal. Por isso, o objeto da providência há de ponderar não apenas o direito em causa, mas especialmente a pretensão envolvida na causa principal. Embora não se exija uma perfeita identidade, a providência deve apresentar-se com uma função instrumental relativamente à medida definitiva”.

Ora, não há qualquer relação de instrumentalidade ou dependência entre as pretensões de cancelamento do registo da ação e de constituição de hipoteca com vista a permitir tal cancelamento com o objeto da decisão que poderá vir a ser proferida nos autos principais.

Tal relação de dependência pressupõe sempre que o requerente da providência tenha deduzido ou venha a deduzir pedido cujos efeitos, no caso da sua procedência, ficariam prejudicados pela demora decorrente da tramitação da ação principal. Nas palavras de Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora[5], “As denominadas providências cautelares visam precisamente impedir que, durante a pendência de qualquer acção declarativa ou executiva a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela. Pretende-se deste modo combater o periculum in mora (o prejuízo da demora inevitável do processo), a fim de que a sentença se não torne numa decisão puramente platónica”.

Ora, repetimo-nos, a Requerente não exerce qualquer direito na ação. Nela é sujeito passivo que apenas suporta o exercício de um direito pelos Autores/Requeridos.

O resultado pretendido com a presente providência – que é apenas defensivo dos efeitos do registo da ação -, não pode ser acautelado a título definitivo na ação principal.

Pelo que não pode proceder a pretensão da Requerente.

Acresce salientar, quanto ao pedido constituição de hipoteca para garantia do eventual crédito dos Requeridos (cuja garantia os mesmos querem conservar por via da impugnação pauliana), que a mesma pode ser constituída por declaração unilateral, nos termos do artigo 712º do Código Civil pelo que sempre seria absolutamente desnecessária a propositura de procedimento cautelar para que “A Requerente seja autorizada a constituir hipoteca sobre fração autónoma” (que é sua porque a adquiriu por permuta) com vista a garantir o pagamento aos Requeridos do crédito que lhes venha a ser reconhecido na ação principal.

Por tudo o exposto, verifica-se que as pretensões que a Requerente pretendia exercer por via do presente procedimento cautelar são manifestamente improcedentes, o que podia ter conduzido ao seu indeferimento liminar, nos termos do previsto no artigo 590.º, número 1 do Código de Processo Civil, ex vi artigos 226.º, número 4 b) e 549.º do mesmo Diploma[6].

Depois de citados os Requeridos, que deduziram oposição, o ato de proposição da ação produz efeitos quanto aos mesmos, nos termos do artigo 259.º, número 2 do Código de Processo Civil. Pelo que não tendo a manifesta improcedência da pretensão da Requerente sido conhecida no momento previsto no artigo 590.º, número 1 do Código de Processo Civil, por via de indeferimento liminar, a mesma conduz, nesta fase, à improcedência do procedimento cautelar.

Discorda-se, contudo, da qualificação feita pelo Tribunal a quo de que a falta de pressupostos para o procedimento cautelar constitui uma exceção dilatória conducente à absolvição da instância. Aquilo que na decisão recorrida se qualifica como “falta de pressupostos” é, na verdade, a constatação da inviabilidade da procedência da pretensão da Requerente (ainda que se viessem a provar todos os factos que alegou). Ou seja, o procedimento cautelar inominado proposto improcede porque a Requerente não é titular de qualquer direito que possa opor aos Requeridos por via cautelar.

Não tendo sido conhecida em despacho liminar a “inviabilidade”[7] da presente providência cautelar comum, podia o Tribunal a quo, como fez, ter conhecido da mesma em sede de despacho final, o que conduziu à conclusão de “indeferimento do requerimento inicial”. Concluiu-se, assim, apenas no despacho final que a pretensão da Requerente era manifestamente improcedente, por não caber no âmbito de um procedimento cautelar, pelo que não obstante não ser de manter a absolvição da instância dos Requeridos por via das exceções dilatórias acima referidas, é de manter a decisão recorrida na medida em que “indefere” o requerimento inicial, interpretado esse indeferimento como expressão de manifesta improcedência do procedimento cautelar.

Com o que fica prejudicado o conhecimento da última questão a resolver supra enunciada.

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Uma vez que se confirma a decisão de indeferimento do procedimento cautelar inominado que propôs, conclui-se que a Requerente decaiu totalmente no recurso, pelo que é responsável pelas custas do mesmo à luz do artigo 527.º do Código de Processo Civil.



V – Decisão:

Nestes termos, na improcedência do recurso, confirma-se a decisão de indeferimento do procedimento cautelar.

Custas pela Recorrente nos termos do previsto no artigo 527º, número 1 do Código de Processo Civil.

Porto, 24/2/2025.

Ana Olívia Loureiro

José Nuno Duarte

Carlos Gil

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[1] Previsto n o artigo 3º, número 1 a) do Código do Registo Predial.
[2] Os artigos 610.º a 618.º do Código Civil inserem-se na secção II do Capítulo V, do Título I do Livro II do Código Civil que tem por título: “Conservação da garantia patrimonial”.
[3] Afirmação que é contrariada no parágrafo seguinte do despacho final quando ali se diz que, afinal, a Requerente “pretende constituir hipoteca a favor da B..., SA”.
[4] Código de Processo Civil Anotado, Almedina, 3ª edição, volume I, páginas 461 e 462.
[5] Manual de Processo Civil, Coimbra Editora 2.ª edição, página 23.
[6] Assim se evitando o “dispêndio inútil de atividade processual” a que se referia Alberto dos Reis no Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 3ª edição, página 373.
[7] Expressão cuja adequação é defendida por Alberto dos Reis, op.cit, página 379 e 380, mas não tem acolhimento legal.