Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | JOÃO DIOGO RODRIGUES | ||
| Descritores: | INSOLVÊNCIA RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS CRÉDITOS LABORAIS | ||
| Nº do Documento: | RP202510283056/24.7T8OAZ-C.P1 | ||
| Data do Acordão: | 10/28/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - A caução que o empregador está obrigado a prestar em caso de acidente de trabalho não constitui, para o sinistrado, um direito de crédito, mas uma garantia. II - Reconhecida, no entanto, uma prestação a esse título, por sentença transitada em julgado, a mesma deve manter-se inalterada. III - Não estando determinadas todas as variáveis que, no futuro, podem influir no apuramento do montante da pensão anual e vitalícia decorrente de um acidente de trabalho sofrido pelo sinistrado, não lhe pode ser reconhecido, no processo de insolvência da sua empregadora, o valor de que o mesmo se arroga credor, a esse título. IV - Isto, sem prejuízo de lhe ser garantido o pagamento dessa pensão pelo Fundo de Acidentes de Trabalho e de este último ficar sub-rogado nos direitos e privilégios creditórios por aquele detidos. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 3056/24.7T8OAZ-C.P1 * Sumário: ……………………………… ……………………………… ……………………………… * Adjuntos: Des., Rodrigues Pires; Des., Pinto dos Santos.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto,
1- Relatório 1- Por sentença, já transitada em julgado, proferida no dia 07/08/2024, no processo de insolvência a que estes autos estão apensos, foi a sociedade, A..., Unipessoal, Ldª, declarada insolvente e, ulteriormente, no dia 18/11/2024, determinado o prosseguimento do processo para liquidação. 2- Nessa sequência, entre outros credores, reclamou AA, no dia 02/12/2024, os seguintes créditos: a) 1.475,74€, correspondentes à pensão anual e vitalícia, que então lhe era devida, em virtude de ter sido vítima de um acidente de trabalho ao serviço da Insolvente; e, b) 17.581,33€, a título de caução, que a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões calculou, com referência ao dia 04/02/2021. 3- O Administrador de Insolvência, porém, apenas reconheceu o crédito de 17.581,33€, como sendo um crédito privilegiado. 4- Tomando conhecimento desta decisão e da lista onde a mesma está refletida, o referido Reclamante impugnou-a, alegando, no essencial, que não lhe está a ser paga, desde novembro de 2024, a pensão cujo valor foi por si reclamado “e tendo em conta que a mencionada pensão é vitalícia, deverá o crédito do Reclamante ser reconhecido, pelo valor correspondente ao seu valor anual, multiplicado pelo número de anos de esperança de vida ativa (pelo menos 75 anos), em caso de liquidação da insolvente, como se perspetiva nos presentes autos”. “Ou então pelo valor correspondente ao que se vier a apurar, no caso da insolvente não seguir para liquidação, o que de momento não corresponde ao que se perspetiva”. Termina pedindo que se julgue a sua impugnação procedente, “reconhecendo-se ao Impugnante um crédito corresponde a pensão anual vitalícia no valor de 1.475,74€ (mil quatrocentos e setenta e cinco euros e setenta e quatro cêntimos), a que corresponderá um crédito no valor global de pelo menos 38.369,24€”. 5- O Administrador da Insolvência respondeu, aceitando que a reclamação seja julgada parcialmente procedente, por a pensão ter deixado de ser paga, e reconhecendo “ao Impugnante um crédito corresponde a pensão anual vitalícia no valor de 1.475,74€ (…), a que corresponderá um crédito no valor global de pelo menos 38.369,24€”. 6- Seguidamente, foi proferida sentença na qual, depois do relatório e da descrição dos factos provados (que abaixo se transcreverão), se exarou o seguinte: “Nos termos previstos no art. 72º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro, a pensão anual por incapacidade permanente ou morte é paga, adiantada e mensalmente, até ao 3.º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual. Os subsídios de férias e de Natal, cada um no valor de 1/14 da pensão anual, são, respectivamente, pagos nos meses de Junho e Novembro. Considerando a factualidade acabada de referir, temos de considerar que é de reconhecer a AA, como crédito efectivo e já vencido, na presente data a quantia de: - € 271,05 relativa aos valores não pagos no ano de 2024; - € 648,91 relativa aos duodécimos vencidos e não pagos no ano de 2025. AA peticionou, na reclamação de créditos que apresentou, o reconhecimento de um crédito no valor global de € 19.057,07. Não pode vir, agora, em sede de impugnação reclamar o reconhecimento de um crédito superior a tal quantia. Conforme se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 26-04-2016, Proc. 41/15.3T8GVA-A.C1, in www.dgsi.pt, “a impugnação com esse fundamento pressupunha, em qualquer circunstância, que o credor tivesse reclamado o seu crédito, já que, como parece evidente, a impugnação da lista de credores não poderá servir para, a pretexto de uma impugnação, reclamar créditos que não foram reclamados no momento próprio. A impugnação poderá servir, naturalmente, para discutir a tempestividade da reclamação de créditos anteriormente efectuada, mas não pode servir – porque não é essa a sua finalidade – para pedir a verificação e reconhecimento de um crédito que, até então, não havia sido reclamado e não constava da lista de credores, sob pena de, como se diz na decisão recorrida, os credores, ao invés de reclamarem os seus créditos no momento oportuno, recorrerem à impugnação da lista para procederem a tal reclamação e obterem o respectivo reconhecimento.” Assim sendo, afigura-se-nos que o crédito sob condição a reconhecer a AA deverá corresponder ao valor da caução a prestar pela entidade patronal - € 17.581,33. Pelo exposto, decide-se reconhecer a AA um crédito: - de natureza privilegiada e efectiva, no valor de € 859,73, relativo aos duodécimos da pensão anual vencidos até Junho de 2025; - de natureza privilegiada, sob condição, no valor de € 17.581,33. O crédito ora reconhecido sob condição tornar-se-á efectivo com o vencimento de cada uma das prestações mensais da pensão anual que, entretanto, se forem vencendo”. 7- Inconformado com esta decisão, dela recorre o referido Reclamante, terminando a sua motivação de recurso com as seguintes conclusões: “I- O Recorrente apresentou reclamação de créditos onde peticionou o reconhecimento de dois créditos, um correspondente a pensão anual vitalícia no valor de 1.475,74€ (por manifesto lapso de cálculo, uma vez que o valor correto ascende a 1.297,81€), e outro no valor de 17.581,33€, invocando a atualidade e carácter privilegiado dos mesmos. II- O Sr. A.I., apenas reconheceu ao Recorrente um crédito efetivo no valor de 17.581,33€, atribuindo-lhe natureza privilegiada, mais alegando que a pensão anual vitalícia se encontrava a ser paga, pelo que não reconhecia tal crédito III- O Recorrente impugnou apenas o segmento da decisão do Sr. A.I., que não reconheceu o crédito referente à pensão anual vitalícia no montante de 1.475,74€, tendo aí aduzido os motivos pelos quais considera que tal crédito lhe deve ser reconhecido, bem como os termos em que o cálculo desse crédito deverá ser efetuado. IV- Foi dispensada a realização de Audiência Prévia e de Julgamento tendo o Tribunal a Quo proferido sentença que reconheceu ao Recorrente um crédito: - de natureza privilegiada e efectiva, no valor de € 859,73, relativo aos duodécimos da pensão anual vencidos até Junho de 2025; - de natureza privilegiada, sob condição, no valor de € 17.581,33. O crédito ora reconhecido sob condição tornar-se-á efectivo com o vencimento de cada uma das prestações mensais da pensão anual que, entretanto, se forem vencendo. V- O Tribunal a Quo, salvo o devido respeito por melhor opinião, julgou mal ao decidir e reconhecer que o crédito do Recorrente referente à pensão anual vitalícia no valor de 1.297,81€, se cifrava apenas no valor de 859,73€, e que o Recorrente em sede de impugnação judicial se encontrava reclamar valor superior ao peticionado na Reclamação de Créditos. VI- O Tribunal a Quo, faz assim uma errada interpretação do pedido de reconhecimento de créditos formulado na Reclamação de créditos apresentada, violando o disposto no artigo 236º, 237º e 295º do C.C., devidamente adaptados. VII- Acresce que o Tribunal a Quo, salvo o devido respeito por melhor entendimento, excede manifesta e ostensivamente os seus poderes de cognição, uma vez que se pronuncia sobre o reconhecimento do crédito no valor de 17.581,33€, quando nenhuma das partes pôs em causa esse segmento da decisão. VIII- Na verdade, o Sr. A.I. reconheceu esse crédito como efetivo e privilegiado e o Recorrente aceitou o reconhecimento do crédito nesses exatos termos. IX- O Tribunal a Quo ao atribuir natureza suspensiva a esse crédito reconhecido pelo Sr. A.I. como efetivo e privilegiado, e aceite pelo Recorrente, violou o disposto no artigo 609º do C.P.C. X- Acresce ainda, que o Tribunal a Quo, atribuiu condição suspensiva ao dito crédito, sem fundamentar devidamente tal decisão, violando o disposto no artigo 615º do C.P.C., e simultaneamente, fazendo uma aplicação errada do disposto nos artigos 47º e 50º do CIRE”. Termina pedindo que se revogue a sentença recorrida e seja reconhecido que: - o crédito resultante de pensão anual vitalícia no valor 1.297,81€, ascenderá, em caso de liquidação da Insolvente, a pelo menos 32.445,25€ (1.297,81€ x 25 anos), e terá natureza privilegiada, ficando sujeito à condição da liquidação da insolvente; - o crédito resultante de pensão anual vitalícia no valor 1.297,81€, no caso de continuidade da atividade da insolvente, corresponderá ao valor dos duodécimos dessa pensão que se forem vencendo, e que até à presente data ascendem a 859,73€, conforme bem determinou o Tribunal a quo; - o Recorrente é titular de crédito efetivo no valor de 17.581,33€, e de natureza privilegiada. 8- Não consta que tivesse havido resposta. 9- Recebido o recurso nesta Instância, foi aqui considerado pelo ora relator que o crédito reconhecido na sentença recorrida ao Apelante não tem essa natureza; isto é, não é um crédito; seja sob condição, como se decidiu na sentença recorrida, seja sem condição, como advoga o Apelante. 10- Ouvidas as partes e credores a este propósito, não houve pronúncia. 11- Agora que está preparada a deliberação, importa tomá-la: * II- Mérito do recurso A- Objeto do recurso Esse objeto, como é sabido, é delimitado, em regra e ressalvadas designadamente as questões de conhecimento oficioso, pelas conclusões das alegações do recorrente [artigos 608º, nº 2, “in fine”, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, todos do Código de Processo Civil (CPC), “ex vi” artigo 17.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE)]. Assim, levando em consideração este critério, resume-se este recurso, essencialmente, a saber se o Apelante tem direito a que lhe sejam reconhecidos os créditos de que se arroga titular e nos termos em que os descreve. * B- Fundamentação de facto Para além dos factos que já constam do relatório supra exarado, é útil para a decisão do presente recurso, levar em consideração os factos julgados provados na decisão recorrida e que são os seguintes: 1. Na sequência de um acidente de trabalho sofrido por AA, ao serviço da ora insolvente, no âmbito do Proc. 719/19.2T8VFR, do Juízo do Trabalho de Santa Maria da Feira - Juiz 2, foi proferida sentença, condenando a sociedade A... Unipessoal Ldª a pagar àquele uma pensão anual e vitalícia de € 1.082,38. 2. AA nasceu em ../../1975. 3. A pensão anual referida em 1. foi atualizada: - com efeitos a partir de 01.01.2024, em € 1.264,92; - com efeitos a partir de 01.01.2025, em € 1.297,81. 4. A pensão em causa é paga em duodécimos e não é paga desde novembro de 2024. 5. Foi calculada pela Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões em € 17.581,33 a caução a prestar pela sociedade A... Unipessoal Lda. nos termos previstos nos arts. 84º e 85º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro. * C- Fundamentação jurídica Como já vimos, resume-se este recurso, no essencial, a saber se o Apelante tem direito a que lhe sejam reconhecidos, neste âmbito, ou seja, neste processo, os créditos de que se arroga titular, sob a forma que indica. Esses créditos – recorde-se – são os seguintes (tal qual como caracterizados pelo Apelante): “- o crédito resultante de pensão anual vitalícia no valor 1.297,81€, ascenderá, em caso de liquidação da Insolvente, a pelo menos 32.445,25€ (1.297,81€ x 25 anos), e terá natureza privilegiada, ficando sujeito à condição da liquidação da insolvente; - o crédito resultante de pensão anual vitalícia no valor 1.297,81€, no caso de continuidade da atividade da insolvente, corresponderá ao valor dos duodécimos dessa pensão que se forem vencendo, e que até à presente data ascendem a 859,73€, conforme bem determinou o Tribunal a quo; - o Recorrente é titular de crédito efetivo no valor de 17.581,33€, e de natureza privilegiada”. Pois bem, o primeiro dado a considerar é que, como já assinalado no antecedente relatório, a sociedade que foi empregadora do Apelante, ou seja, a sociedade, A..., Unipessoal, Ldª, foi declarada insolvente por sentença transitada em julgado, proferida no dia 07/08/2024, e, ulteriormente, determinado o prosseguimento do processo para liquidação. Nessa medida, o crédito reclamado pelo Apelante para a hipótese de continuidade da atividade da insolvente não lhe pode ser reconhecido para além do que já foi, ou seja, para além de junho de 2025 (no valor de 859,73€). Restam, assim, por analisar dois dos pretensos créditos reclamados: o que foi pedido para a hipótese de liquidação da Insolvente (“pelo menos 32.445,25€”); e o crédito reclamado e atribuído na sentença recorrida, a título de caução, no valor de 17.581,33€. Começando por analisar este último, dir-se-á que o mesmo, como já adiantado anteriormente, não constitui qualquer direito de crédito do sinistrado. A caução, no âmbito do processo de acidentes de trabalho, é, nos termos do artigo 84.º, n.º 2 e 3, da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro (LAT), uma garantia prestada “à ordem do juiz do tribunal do trabalho respectivo, ou a seu favor, no prazo que ele designar” e é concretizada através de “depósito de numerário, títulos da dívida pública, afectação ou hipoteca de imóveis ou garantia bancária”, não podendo, por conseguinte, ser configurada, em si mesma, como um direito de crédito do sinistrado. Nem sob condição, como se decidiu na sentença recorrida, nem sem condição, como advoga o Apelante. É que, se é certo que, nos termos do artigo 84.º, n.º 1, da mesma LAT, “[o] empregador é obrigado a caucionar o pagamento de pensões por acidente de trabalho em que tenha sido condenado, ou a que se tenha obrigado por acordo homologado, quando não haja ou seja insuficiente o seguro, salvo se celebrar com uma seguradora um contrato específico de seguro de pensões”[1], essa obrigação não se confunde com o seu objeto, que é constituído pelos bens ou direitos que o integram, nem este último representa, em si mesmo, qualquer direito de crédito para o sinistrado. Efetivamente, debruçando-nos sobre o primeiro aspeto, verificamos que a indicada obrigação corresponde a um dever de conduta. O empregador deve, como vimos, prestar caução. Isto é, deve caucionar as aludidas pensões numa das modalidades previstas na lei e já referenciadas. Tais prestações, porém, não ficam à ordem do sinistrado ou sequer a seu favor. Como decorre do já citado n.º 3 do artigo 84.º, o caucionamento é feito à ordem do juiz do tribunal do trabalho respetivo, ou a seu favor e no prazo que ele designar. Não fica, portanto, na disponibilidade do sinistrado, que sobre os bens ou rendimentos que o integram não tem qualquer direito de crédito. O único direito que lhe assiste é, em caso de incumprimento da obrigação garantida, o de ser pago à custa do valor de tais bens ou rendimentos, com a preferência que a lei lhe reconhece. Nada mais do que isso. Ou seja, dito por outras palavras, a caução, mesmo depois de prestada, é uma garantia; seja ela entendida como direito real de garantia, acessório de um direito de crédito ou reforço da probabilidade de satisfação do crédito garantido[2]. O que não é, seguramente, é um direito de crédito que o sinistrado. Aliás, este último, nem sequer tem o direito de escolher a modalidade em que a caução é prestada. Isto dito, porém, verifica-se que, no caso em apreço, não foi impugnado o reconhecimento do referido valor de 17.581,33€, como um crédito do Apelante. Só este último recorreu da sentença recorrida e apenas para questionar o reconhecimento dessa prestação como um crédito sob condição. Isto porque considera que o mesmo deve ser qualificado como um crédito efetivo, isto é, imediatamente exigível e não sob condição. Ora, como já vimos, não se tratando sequer de um crédito, não pode a alteração agora pretendida pelo Apelante ser acolhida. Nem mesmo por referência ao alegado consenso (tácito e/ou expresso) anteriormente formado entre ele, o Administrador da Insolvência e os credores. Em tal matéria, com efeito, ou seja, quanto à qualificação jurídica dos créditos, o Tribunal é soberano (artigo 5.º, n.º 3, do CPC, aqui aplicável subsidiariamente – artigo 17.º do CIRE). E embora o artigo 130.º, n.º 3, do CIRE, preveja que, “[s]e não houver impugnações, é de imediato proferida sentença de verificação e graduação dos créditos, em que, salvo o caso de erro manifesto, se homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência e se graduam os créditos em atenção ao que conste dessa lista, podendo o juiz, caso concorde com a proposta de graduação elaborada pelo administrador da insolvência, homologar a mencionada proposta”, tal não significa que o juiz fique absolutamente limitado pelo que consta da mencionada lista[3]; designadamente, no que aos aspetos jurídicos concerne. Como se refere no Ac. do STJ de 25/11/2008([4]), “a inexistência de impugnações não constitui garantia significativa da correcção das listas elaboradas pelo administrador da insolvência, pelo que, embora os credores não fiquem, apesar dessa inexistência, com o direito de confiar na estabilidade da ilegalidade substancial resultante de alguma eventual incorrecção que os possa beneficiar, também não podem ficar impedidos de defenderem os seus direitos contra alguma alteração inesperada. Em consequência, o conceito de erro manifesto, como defendem Carvalho Fernandes e João Labareda (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Vol. I, pg. 460), tem de ser interpretado em termos amplos, não podendo o Juiz abster-se de verificar a conformidade substancial e formal dos títulos dos créditos constantes da lista que vai homologar nem dos documentos e demais elementos de que disponha, para o que pode solicitar ao administrador os elementos de que necessite, tendo em conta que o erro tanto pode respeitar à natureza e montante do crédito como às suas qualidades, em qualquer caso cabendo ao Juiz o dever de evitar violação da lei substantiva”. Significa isto, portanto, que o tribunal pode alterar a qualificação jurídica dos créditos não impugnados e os privilégios de que os mesmos beneficiam. O que, no caso presente se traduz em refutar a nulidade imputada pelo Apelante à sentença recorrida, pelo facto de nesta se ter qualificado o crédito em análise sob condição. Em qualquer caso, porém, também não pode qualificar-se esse crédito como efetivo; ou melhor, como sendo imediatamente exigível. Isto porque, como dissemos, não se trata, em rigor, de um direito de crédito. Certo é, no entanto, que o direito do Apelante a haver o referido valor de 17.581,33€, lhe foi reconhecido na sentença recorrida. E essa parte não vem impugnada. Nem o foi, oportunamente, por qualquer credor. Por conseguinte, esse reconhecimento tornou-se definitivo. Efetivamente, transitada em julgado a sentença – ainda que apenas em alguns aspetos -, a mesma, como resulta do disposto no artigo 619.º, n.º 1, do CPC, “fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 792.º”. Ou seja, forma-se, como regra, o chamado caso julgado material. E esse tem, como é sabido, dois efeitos essenciais: um efeito negativo, que impede a reapreciação jurisdicional da situação jurídica substantiva julgada, por via da exceção (dilatória) prevista e caracterizada nos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, al. i), 580.º e 581.º, do CPC; e um efeito positivo, que funciona como condicionante (para as partes e para os tribunais) em relação a outros objetos processuais conexos, em ações judiciais subsequentes[5]. Quer isto dizer, portanto, em relação ao aspeto que ora nos interessa, que o direito do Apelante a haver da massa insolvente o referido valor de 17.581,33€, não mais pode ser questionado. O que pode e deve ser questionado é o pedido do Apelante para que lhe seja reconhecido esse direito sem ser sob condição. E esse pedido manifestamente é de julgar improcedente. Ou seja, nessa parte, este recurso improcede. Resta, portanto, por analisar o crédito que o Apelante liquida em “pelo menos 32.445,25€”, correspondentes à pensão anual e vitalícia multiplicada por um período de 25 anos. Neste âmbito, a primeira objeção que nos surge ao reconhecimento deste crédito é a própria liquidação realizada pelo Apelante. Em primeiro lugar, porque o montante das pensões provenientes de acidentes de trabalho, como é o caso, podem variar em função de, pelo menos, dois fatores: o grau de incapacidade funcional permanente do sinistrado, que pode ser revisto (artigo 70.º da LAT); e a atualização a que estão legalmente sujeitas essas pensões (artigo 124.º da LAT). Por outro lado, tratando-se, como se trata no caso presente, de uma pensão anual e vitalícia, a mesma extingue-se, por caducidade, logo que sobrevenha a morte do sinistrado[6]. Isto é, este facto condiciona a própria exigibilidade da pensão. Não está em causa que os créditos sob condição suspensiva, embora não se vençam com a declaração de insolvência (artigo 91.º, n.º 1, do CIRE), possam ser reclamados no processo onde essa declaração ocorre, pois que a lei o permite, se bem que os sujeite a um regime especial de pagamento (artigo 181.º do CIRE)[7]. Todavia, para além de exigíveis, os créditos a atender nesse processo devem ser também certos e líquidos[8]. Isto é, o seu conteúdo deve ser qualitativa e quantitativamente determinado ou determinável por um dos meios que a lei põe à disposição do credor (v.g. artigos 548.º, do Código Civil e 716.º, do CPC). Acontece que, no caso, pelas razões já apontadas, o crédito que o Apelante reclama em relação às prestações futuras não é determinável com o mínimo de exatidão. E, consequentemente, o valor que o mesmo indica para preencher essas prestações não se pode ter por certo e líquido. Isto, para além de que nunca lhe poderia ser pago de imediato, pois que o seu vencimento é fracionado no tempo. Por conseguinte, também o valor desse crédito não lhe pode aqui ser reconhecido. Apenas lhe deve ser reconhecido o montante o valor de 859,73€, relativo aos duodécimos da pensão anual vencidos até Junho de 2025, que não vem impugnado neste recurso. Em resumo, improcede este recurso e a sentença recorrida confirmada. Isto não significa, obviamente, que o Apelante fique sem qualquer tutela jurídica ou económica em relação às pensões subsequentes a Junho de 2025. Como decorre do disposto no artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de abril (que criou o Fundo de Acidentes de Trabalho), compete a este Fundo, entre outras missões, “[g]arantir o pagamento das prestações que forem devidas por acidentes de trabalho sempre que, por motivo de incapacidade económica objetivamente caracterizada em processo judicial de falência ou processo equivalente, ou processo de recuperação de empresa, ou por motivo de ausência, desaparecimento ou impossibilidade de identificação, não possam ser pagas pela entidade responsável”. E é este Fundo, por sua vez, quem “fica sub-rogado nos direitos e privilégios creditórios dos sinistrados e ou beneficiários, na medida dos pagamentos efetuados, bem como das respetivas provisões matemáticas, acrescidos dos juros de mora que se venham a vencer, para ele revertendo os valores obtidos por via da sub-rogação” (artigo 5.º B, n.º 1). Basta, assim, ao sinistrado acionar este Fundo e comprovar os pressupostos do seu direito. Já no plano insolvencial, que é aquele que aqui os interessa, a solução não pode ser outra que não seja a que já avançámos. * III- Dispositivo Pelas razões expostas, acorda-se em julgar improcedente este recurso e, consequentemente, mantém-se em vigor a sentença recorrida. * - Em função deste resultado, as custas deste recurso serão suportadas pelo Apelante – artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC. |