Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | TERESA FONSECA | ||
Descritores: | CONTRATO DE SEGURO FURTO DE VEÍCULO ÓNUS DA PROVA | ||
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Nº do Documento: | RP202503102240/20.7T8STS.P1 | ||
Data do Acordão: | 03/10/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMAÇÃO | ||
Indicações Eventuais: | 5. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A existência de participação junto das autoridades policiais da verificação de furto de veículo não faz prova de que este ocorreu, passando o ónus da prova de que assim não foi para a seguradora. II - Ao invés, o ónus da prova da verificação do furto, enquanto elemento constitutivo do direito à indemnização, e dos danos correlativos, tratando-se de matéria impugnada pela seguradora, impende sobre o segurado. III - Na apreciação da prova o tribunal deve ter em consideração o circunstancialismo inerente ao facto de o furto ser um ato de terceiro, realizado, em princípio, de forma oculta, pelo que será apenas exigível a prova de factos integradores, que imprimam verosimilhança à alegação. IV - A invocação de furto não é verosímil se não há prova da aquisição do veículo, nem de deslocação patrimonial a favor do vendedor, se existe registo prévio de perda total do veículo, se o sistema de chaves regista leituras substancialmente inferiores às reportadas pelo segurado e se há notícia de contraordenação atinente ao veículo em morada próxima da do segurado após a data da participação. V - Não incorre em abuso do direito a seguradora que invoca a declaração de perda total do veículo prévia à celebração do contrato de seguro. (Sumário da responsabilidade da Relatora) | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo: 2240/20.7T8STS.P1 Sumário ……………………………. ……………………………. ……………………………. Relatora: Teresa Maria Fonseca 1.º adjunto: José Eusébio Almeida 2.º adjunto: José Nuno Duarte Acordam no Tribunal da Relação do Porto I - Relatório AA intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra “A..., Companhia de Seguros, S.A.”. Pede que a R. seja condenada a pagar-lhe € 35 150,00 a título de indemnização pelos danos sofridos em consequência do furto do veículo com a matrícula ..-TO-.., € 1 267, 33 de juros de mora desde a interpelação até 28-08-2020, juros de mora vincendos até integral pagamento, € 146,79, correspondentes ao reembolso do pagamento do IUC do veículo, acrescidos de juros de mora à taxa legal de 4 % desde a citação até pagamento. Alegou ser proprietário do veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-TO-.., marca Renault, modelo ...; ter celebrado com a R. contrato de seguro automóvel, mediante o qual transferiu os riscos inerentes à viatura, incluindo risco de furto, pelo valor de € 35 150,00 e que em 11-06-2019 o veículo foi furtado. * A R. contestou, impugnando o alegado por desconhecimento e invocando a impossibilidade de circulação da viatura porquanto aquela havia sofrido sinistro que determinou a sua perda total, não havendo conhecimento da sua reparação.* Foi dispensada a realização da audiência prévia e após saneamento do processo e audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo a R. do pedido.* Inconformado, o A. interpôs o presente recurso, finalizando com as conclusões que em seguida se reproduzem.* I.A sentença constitui um atropelo total às regras mais elementares de direito e dos princípios basilares da justiça, tendo feito uma errada aplicação e interpretação da lei, mas também da matéria de facto considerada na douta decisão recorrida e padece de manifesta nulidade.II. A decisão do Tribunal a quo, salvo o devido respeito, é contraditória, ambígua, insuficiente e violadora de elementares regras de direito. III. Para tanto, dá como não provados factos para os quais foi produzida prova, para os quais a prova foi clara, razão pela qual se vê na necessidade de suscitar também a reapreciação da matéria de facto, na convicção de uma decisão que assegure, além do mais, a segurança jurídica e o prestígio da justiça. IV. Nos presentes autos verifica-se a omissão da determinação do objeto do litígio e dos temas de prova, violou o disposto no artigo 596.º, n.º 1 do CPC, incorrendo na omissão da prática de ato essencial que influi nos presentes autos, ao abrigo do disposto no artigo 195.º do CPC, o que se invoca e argui. V. Sem prescindir, a presente sentença constitui um atropelo total às regras mais elementares de direito e dos princípios basilares da justiça, tendo feito uma errada aplicação e interpretação da lei. VI. A douta sentença laborou em erro de interpretação e aplicação das normas jurídicas, mas também da matéria de facto considerada na douta decisão recorrida. VII.O autor apresentou queixa-crime por “furto” contra desconhecidos junto das autoridades policiais, entre as 22h20, do dia 11.06.2019 e a 01h00, do dia 12.06.2019, que deu origem ao Inquérito NUIPC ... (cf. ponto 6 dado como provado). VIII.O referido processo-crime ainda nada foi decidido e o veículo não apareceu, apesar de todos os meios patentes de investigação, mormente todas as investigações dos OPC`s envolvidos. IX. A douta sentença é totalmente desprovida de fundamentação quanto à prova negativa do furto, isto quando as diligências do processo-crime que corre em paralelo continuam em instrução. X. A douta sentença deu como não provado que até à presente data o veículo não apareceu e, para além disso, a douta sentença é totalmente omissa quanto à factualidade de existir um processo-crime em que se encontram em investigação o furto e o desaparecimento do veículo até à presente data. XI. Os presentes autos manifestam-se contraditórios e ambíguos com a informação constante do processo-crime, em que se analisa um furto que os presentes autos de forma inusitada vieram dar como não provado. XII.A douta sentença do Tribunal a quo a fundamentação de facto é totalmente omissa quanto ao desaparecimento efetivo do veículo, sendo matéria relevante nos presentes autos, o que traduz uma nulidade por omissão de pronúncia nos termos do disposto na alínea d), n.º1, artigo 615.º do CPC, o que se invoca e argui para todos os legais efeitos. XIII. Nada é fundamentado na douta sentença quanto ao processo-crime em curso, sendo a mesma absolutamente necessária para que a decisão possa apreciar as razões determinantes da decisão da sentença. XIV. É inequívoca a falta de motivação da sentença para justificar o desaparecimento do veículo e também é disso que aqui se recorre e a que alude o artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC, sendo tal comportamento cominado com a sanção de nulidade da sentença em razão da omissão dos fundamentos de facto, o que se invoca e argui para todos os legais efeitos, pelo que deverá ser revogada a douta sentença, devendo ser declarada a nulidade nos termos supra mencionados. XV. Apesar de ainda nada se haver apurado de conclusivo no inquérito criminal quanto ao furto e paradeiro atual do veículo, apesar de nada nem ninguém saber do paradeiro do veículo, paradoxalmente no ponto 11 da matéria dada como não provada a douta sentença refere que “o referido veículo até à presente data não foi encontrado”, não sendo percetível em que realidade se baseou o juiz para tal conclusão, o que conduz a insanável ambiguidade que conduz a decisão à nulidade nos termos da al. c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código Processo Civil, pois é contraditória e ambígua com a prova documental junta aos autos, o que se invoca e argui para todos os legais efeitos. XVI. A douta sentença no ponto 25. dos factos provados refere: ”25. A viatura matrícula ..-TO-.. sofrera, antes da celebração do negócio jurídico descrito no facto provado n.º 2, um sinistro que originou a declaração de perda total.” XVII. Da prova carreada nos autos resultou que o Recorrente só teve conhecimento da perda total declarada antes de adquirir o veículo, após o furto do carro, foi alegado e pelo mesmo referido que o carro estava em perfeitas condições. XVIII. O documento n.º 1 junto em contestação pela Recorrida a fls... confirma que o seguro foi efetuado e que o veículo estava em perfeitas condições, caso contrário nunca poderia ter sido efetuado o mesmo e afirma que o veículo em questão à data da celebração do seguro não apresentava quaisquer danos. XIX. O documento n.º 4 da p.i. é um documento do mediador da Recorrida atesta da veracidade da informação através do relatório da inspeção da viatura. XX. A Recorrida aceitou e confirmou por escrito que o veículo estava em perfeitas condições e em razão dessa confirmação escrita avançou com a celebração do seguro obrigatório com coberturas facultativas, com o pagamento dos prémios. XXI. Aquando da celebração do seguro foi efetuada a respetiva inspeção, informação essa prestada pelo Mediador do Seguro e testemunha nos presentes autos BB, corroborando a veracidade do teor do documento supra elaborado no momento da realização do seguro. XXII. A informação prestada pela Renault aos presentes autos é contraditória, com a afirmação prestada pela Recorrida em que menciona que o veículo em questão em janeiro de 2018 teria 8828 km e foi declarada a perda total e por outro lado, a marca (Renault – entidade isenta e alheia ao presente litígio) refere que o veículo teve a última revisão de garantia do construtor em 26 de abril de 2018, com 6002 km. XXIII. A existir alguma coerência poderá ser na alegada perda total alegadamente declarada em janeiro de 2018, mas sem qualquer suporte documental nos documentos do veículo, para além de o A. o ter adquirido meses depois devidamente reparado, também a R. Companhia de Seguros confirmou em documento escrito que o carro se encontrava reparado quando fez o seguro. XXIV. O furto em discussão nos presentes autos ocorreu em junho de 2019, num momento em que já há muito tempo se encontrava reparado e depois de a própria seguradora ter atestado por escrito que o mesmo se encontrava em perfeitas condições. XXV. A douta sentença foi totalmente omissa à factualidade que o veículo, após o alegado sinistro de janeiro de 2018, foi reparado e circulou e de que foi vistoriado pelo Mediador da Seguradora que o certificou por escrito como estando em perfeitas condições. XXVI. A tese da “perda total” definitiva só surgiu em tese pela Recorrida após o furto como um dos falaciosos fundamentos para afastar a responsabilidade no pagamento da indemnização, mas incompreensível aceitou a celebrou com efeitos plenos o seguro certificando por escrito que o veículo se encontrava em perfeitas condições. XXVII. A douta sentença foi totalmente omissa à factualidade do veículo ter sido reparado, o que se demonstra de forma inequívoca e documental pela prova documental junta pela Ré Companhia de Seguros e pela própria Renault aos autos. XXVIII. A douta sentença ao não ter considerado que à data da aquisição do veículo pelo recorrente e da celebração do seguro o veículo estava em perfeitas condições omitiu uma informação relevante à decisão, incorrendo em nulidade por omissão de pronúncia da decisão, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, o que se invoca e argui para todos os legais efeitos. XXIX. Em razão do que antecede deve ser aditado um novo ponto à matéria de facto dada como provada do seguinte teor: “Após o acidente ocorrido em janeiro de 2018 o veículo foi reparado no estado em que o A. o adquiriu o que foi conformado por escrito pelo mediador da R. no momento da realização do seguro”. XXX. O Recorrente, ressalvado desde já o devido respeito, atento a prova produzida, não se conforma com os factos dados como provados 25., 28., 29., 30 dos factos provados e dos factos 1 a 12 e 14 não provados. XXXI. O recurso quanto à matéria de facto versa sobre os factos, pois que, atendendo a toda a prova produzida, impunha-se resposta diferente. XXXII. O recurso quanto à matéria de facto é autónomo e é acompanhado de recurso quanto à matéria de direito que igualmente sustenta a presente pretensão recursória do aqui Recorrente. XXXIII. O ponto 28 dos factos provados refere que: “28. O autor informou, em sede de participação do furto, que a quilometragem da viatura matrícula ..-TO-.. era de cerca 40.000 km.” XXXIV. A douta sentença fundamentou que os “factos provados n.ºs 28 a 30 assumem natureza instrumental, resultantes do teor do depoimento prestado pelo autor, em 20.06.2019 – confirmado pelo próprio em sede de declarações de parte –, relatório de averiguação (peritagem), realizado em 29.01.2018, carreado pela ré, e pelo teor do relatório pericial, realizado em sede judicial.” XXXV. As declarações de parte prestadas pela Recorrente foram prestadas de uma forma honesta, coerente e crível e pela conjugação do teor das mesmas com a referida prova documental mais não pode do que inferir-se de que a Recorrente foi vítima do furto do seu veículo (cuja conclusão é óbvia quando deixa de ver o seu carro no local onde havia ficado estacionado e não há razões para crer que alguém com a sua autorização o tenha levado). XXXVI. A testemunha CC é uma testemunha da B... Peritos entidade contratada pela Ré, que procedeu à alegada recolha de depoimento escrito do Recorrente, instruindo-o a escrever sem certeza os quilómetros que alegadamente a viatura teria. XXXVII. O relatório junto pela Dra. CC, infelizmente, parcial, foi um serviço contratualizado pela Recorrido para a averiguação do sinistro com o intuito de alegar que este carro nunca foi reparado após a perda total quando a própria R. o havia certificado por escrito no momento da realização do seguro muitos meses antes. XXXVIII. Do alegado e da prova produzida em sede de declarações de parte (continuação) do Recorrente/A. (melhor identificado na ata do dia 11/03/2024) referiu ao minuto 00:00 até 14:45 (vide FicheiroDiligencia_2240-20.7T8STS_2024-03-11_14-55-55,com início em 14:55 e termo às 15:10) que 00:04:58 AA: Ela perguntou-me “Quantos quilómetros é que tinha?”. E eu disse, não sei, não tenho a certeza.”, ela “Ponha para aí, tinha para aí 30 ou 40.”, eu disse... (sublinhado nosso) (...) 00:05:31 AA: Senhor doutor, se lhe estou a dizer que não tinha a certeza, ela disse que tinha para aí 30, 40, eu disse “Não sei, quando me roubaram o carro tinha para aí... sei lá”. (sublinhado nosso). XXXIX. Uma instrução correta do processo levaria a que nesta pergunta se respondesse que o dono da viatura não se lembrava de quantos km´s a mesma teria na data do furto mas ficou declarado algo diferente em razão do “artifício e sugestão da própria investigadora que referiu ter de se por um valor”; mas por sugestão da investigadora a soldo da própria Companhia de Seguros, interessada num resultado, não se coibiu de propor a referência a um valor concreto ao A.. XL. Deverá o facto dado como provado no ponto 28. da douta sentença referir que: “28. O autor informou, em sede de participação do furto, que a quilometragem da viatura matrícula ..-TO-.. era de cerca 40.000 km, mas sem certeza, tendo sido instruído pela Perita do Seguro a escrever uma quilometragem concreta do veículo.” XLI. A douta sentença no ponto 25. dos factos provados refere: ”25. A viatura matrícula ..-TO-.. sofrera, antes da celebração do negócio jurídico descrito no facto provado n.º 2, um sinistro que originou a declaração de perda total.” XLII. Da prova carreada nos autos resultou que o Recorrente só teve conhecimento da perda total declarada antes de adquirir o veículo, após o furto do carro e quando foi confrontado o Recorrente com as diligências efetuadas pela perita do seguro com a informação que o veículo já havia tido um acidente ficou perplexo. XLIII. O documento n.º 1 junto em contestação pela Recorrida confirma que o seguro foi efetuado e que o veículo estava em perfeitas condições, caso contrário nunca poderia ter sido efetuado o mesmo e que nessa data não apresentada quaisquer danos. XLIV. Os documentos n.º 3 e 4 da p.i. são documentos do mediador da Recorrida e atesta também a veracidade da informação do A. através do relatório da inspeção da viatura. XLV. A Recorrida aceitou que o veículo estava em perfeitas condições com a celebração do seguro obrigatório com coberturas facultativas, com o pagamento dos prémios. XLVI. Do alegado e da prova produzida em sede de declarações de parte do Recorrente/A. (melhor identificado na ata do dia 31/01/2024) referiu ao minuto 00:31 (vide Ficheiro Diligência_2240-20.7T8STS_2024-01-31_15-08-17, com início em 15:08 e termo às 15:51), que só veio a saber após o furto pela perita da Recorrida. XLVII. A informação constante no ponto 29 em nada releva com os presentes autos, sendo que a perícia alegada foi anteriormente à aquisição do veículo pelo A. que ocorreu aproximadamente passados 9 meses, sendo o mesmo totalmente alheio. XLVIII. Tal factualidade padece de manifesta contradição com a prova documental junta a fls. em 15/04/2024 pela Renault, com data de 05/05/2023 aos presentes autos, em que refere que o veículo em discussão: “A última intervenção que temos registo no âmbito da Garantia Construtor realizou-se em 26.04.2018. 3. Ainda em caso de resposta afirmativa, quantos quilómetros tinha o mesmo aquando da última revisão? Aquando da última intervenção que temos registo no âmbito da Garantia Construtor o veículo tinha 6.002 Km.” XLIX. A informação prestada pela Renault aos presentes autos é contraditória, com a afirmação prestada pela Recorrida em que menciona que o veículo em questão em Janeiro de 2018 teria 8828 km e foi declarada a perda total e por outro lado, a marca (Renault - entidade isenta e alheia ao presente litígio) refere que o veículo teve a última revisão de garantia do construtor em 26 de abril de 2018, com 6002 km. L. A existir alguma coerência poderá ser na alegada perda total alegadamente declarada em janeiro de 2018, mas sem qualquer suporte documental nos documentos do veículo. LI. O furto em discussão nos presentes autos ocorreu em junho de 2019 e a celebração do contrato de seguro entre o Recorrente e a Recorrida foi em outubro de 2018. LII. O Recorrente desconhecia a alegada perda total do veículo, pois aquando da aquisição o veículo estava em perfeitas condições e sem qualquer anomalia. LIII. O veículo apresentava a documentação conforme, tendo o Recorrente registado a propriedade de forma legítima. LIV. Como poderia ter sido declarada a perda total quando o veículo estava em perfeitas condições quando foi vendido ao Recorrente e os documentos de registo não constar qualquer advertência?! LV. Como poderia ter sido declarada a perda total quando o veículo estava em perfeitas condições para circular quando foi vendido ao Recorrente e tal realidade foi confirmada por escrito pela própria Companhia de Seguros e pelo respetivo Mediador (cf. docs. 1 e 4 juntos à contestação). LVI. A atuação do Recorrente foi legítima e em total boa-fé e ainda hoje não consegue perceber como o Mediador lhe exige ver a viatura, certifica por escrito o seu estado em perfeitas condições, na sequência disto a Companhia de Seguros faz o seguro e agora vem essa mesma Companhia defender a tese de que o carro foi perda total?!?. LVII. É por isso que a suposta “perda total” é facto meramente adjetivo absolutamente sem relevo nos presentes autos, na justa medida que não constituí tema da prova, pois que não tem qualquer relação com o objeto do litígio desta ação a declaração anterior de perda total, antes da ulterior reparação, aquisição e da celebração do contrato de seguro onde tal foi expressamente confirmado por escrito. LVIII. Não constituindo tal matéria de facto tema de prova e estando a mesma para além do objeto do presente litígio, a mesma não pode, nestes autos, resultar provada ou não provada, eliminando-se a mesma da matéria de facto provada, sem que passe a constar dos factos não provados, pois que é matéria que não interessa ao presente objeto do litígio. LIX. Pelo que deverá passar a constar que: ”25. A viatura matrícula ..-TO-.. sofrera, antes da celebração do negócio jurídico descrito no facto provado n.º 2, um sinistro que originou a declaração de perda total, que o A. era desconhecedor quando adquiriu o veículo.” LX. Deverá ainda o ponto 29 dos factos dados como provados ser eliminado, pois que é matéria que não interessa ao presente objeto do litígio. LXI. Tal como já se referiu supra deve ser aditado um novo ponto à matéria de facto dada como provada do seguinte teor: “Após o acidente ocorrido em janeiro de 2018 o veículo foi reparado no estado em que o A. o adquiriu em boas condições de funcionamento o que foi confirmado por escrito pelo mediador da R. no momento da realização do seguro”. LXII. A douta sentença no ponto 30. dos factos provados refere: “Em sede pericial, realizada às duas chaves (um cartão principal e um cartão secundário) da viatura matrícula TO, que se encontravam na posse do autor à data do participado furto, conclui-se, na data 06.05.2024, que o cartão principal (branco) tinha registo de 8828km, e o cartão secundário (preto) tinha registo de 2347km.” LXIII. Não resulta da prova carreada que “na data de 06.05.2024 que o cartão principal (branco) tinha registo de 8828km, e o cartão secundário (preto) tinha registo de 2347km”, sendo a referência temporal “na data de 06.05.2024”, ambígua e contraditória. LXIV. A prova carreada não faz referência à data de 06.05.2024, tendo a decisão da douta sentença incorrido em erro julgamento ao não ter valorado corretamente a prova documental junta aos autos. LXV. Apenas a informação foi junta aos autos na data de 06.05.2024. LXVI. Pelo que existe um manifesto excesso de pronúncia ao dar como provado “na data de 06.05.2024”, incorrendo em nulidade que aqui se invoca e argui para todos os legais efeitos nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1.º, alínea d) do CPC. LXVII. Mesmo que assim não entenda, incorreu a douta sentença em erro de julgamento na análise efetuada ao documento junto aos autos em 06.05.2024, pois não refere a concreta data. LXVIII. Não foi realizada qualquer vistoria ao automóvel furtado mas apenas ao sistema de chaves e, não tendo sido à Centralina do automóvel, é impossível concluir apenas pelo sistema de chaves (cuja contagem podia estar perfeitamente desligada ou adulterada) os km´s reais da viatura. LXIX. O veículo havia sido vítima de um grave acidente em janeiro de 2018, desconhecendo o A. tal facto e necessariamente os termos em que possa ter sido reparado, isto é, se em acordo ou em desacordo com os sistemas das chaves de origem e de acordo ou em desacordo com a programação da Centralina de Origem. LXX. Pelo que deverá a douta sentença no ponto 30. dos factos provados passar a referir: “Em sede pericial, realizada às duas chaves (um cartão principal e um cartão secundário) da viatura matrícula TO, que se encontravam na posse do autor à data do participado furto, concluiu que o cartão principal (branco) tinha registo de 8828km, e o cartão secundário (preto) tinha registo de 2347km desconhecendo-se se estavam ou não em conformidade com a programação de origem e em conformidade com os registos reais de Km´s no veículo porque a viatura e a respetiva centralina não foram objeto de qualquer análise e ou perícia”. LXXI. Dos factos não provados 1 a 12 e 14, deveriam ser dados como provados em razão do alegado e da prova produzida em sede de declarações de parte do Recorrente/A. (melhor identificado na ata do dia 31/01/2024) referiu ao minuto 00:00:43 até 43:40 (vide Ficheiro Diligencia_2240-20.7T8STS_2024-01-31_15-08-17, com início em 15:08 e termo às 15:51); e ainda do alegado e da prova produzida em sede de inquirição da testemunha DD (melhor identificada na ata do dia 31/01/2024) referiu esta ao minuto 00:00:51 até 30:10 (vide Ficheiro Diligencia_2240-20.7T8STS_2024-01-31_15-52-40.mp3 com início em 15:52 e termo às 16:22). LXXII. O ponto 6. dos factos provados evidencia que no dia e hora o A. e a namorada estiveram ambos na Póvoa de Varzim pelo que s então percebe a prova negativa destes factos. LXXIII. A testemunha Guarda da PSP EE melhor ouvido (e identificado na ata de 19/02/2024 - entre as 12:07 e as 12:17- Diligencia_2240- 20.7T8STS_2024-02-19_12-07-27) e entre os 00:00:20 e as 00:00:37 minutos também confirma a presença do casal no dia e hora na Póvoa de Varzim na participação do crime. LXXIV. A prova carreada nos presentes autos documental e ainda testemunhal melhor identificada supra deverão os factos 1 a 12 e 14 não provados supra mencionados passarem a constituir prova positiva. LXXV. A prova por declarações de parte deve merecer em abstrato a mesma credibilidade das demais provas legais admissíveis, sendo apreciada livremente pelo Tribunal. LXXVI. As alegadas incongruências dos factos/pormenores passados 5 (cinco) anos da ocorrência do evento, em que o Recorrente, assim como no intermédio temporal decorreu ainda a separação da companheira à data (que já constituiu família, tendo tido já um filho do atual companheiro) é suscetível de abalar o Recorrente. LXXVII. Os pormenores de alegadas discrepâncias do Recorrente é de mencionar Vila do Conde em detrimento da Póvoa de Varzim, mas no decurso das declarações mencionou que antes de estacionar foi até à Praça ... à procura de lugar e que não havia. LXXVIII. Não havia, nem há Praça ... em Vila do Conde, mas sim havia à data na Póvoa de Varzim, lapso manifesto do Recorrente em referir Vila do Conde e atente-se que, infelizmente, o A. padece de manifesta dislexia e dificuldade em se exprimir como resulta da mera audição das suas declarações. LXXIX. Toda a prova documental e todos os factos foram circunstanciados na Póvoa de Varzim, com a ida ao “...” (em que referiu a expressão “... jantar, francesinha e a ida à “...” tomar café, caminhar na marginal com a sua companheira à data, sendo que tinham ambos e foi junta aos autos comprovativo da despesa do jantar porque pago através de multibanco (Cfr. Doc.s n.º 5 e 6 juntos à p.i.). LXXX. A compra do veículo em questão constituiu um grande investimento pela Recorrente, implicou uma grande diminuição no orçamento desta, pelo que se demonstra perfeitamente plausível que por uma questão de prudência e salvaguarda do Recorrente quisesse que o veículo estivesse segurado com a cobertura de furto/roubo. LXXXI. A prova produzida pela Recorrida não afasta a existência de um furto, já que não põe em causa a ocorrência dos factos relativos à ocorrência do furto nem às circunstâncias de tempo e lugar em que o mesmo ocorreu. LXXXII. Cabia à Recorrida a alegação e o ónus da prova da verificação de uma situação que excluísse o risco por si assumido, como facto impeditivo do direito da Recorrente (artigo 342º CC), alegação que, no caso, seria a de que o sinistro não ocorreu. LXXXIII. A verdade é que, não obstante, a Recorrida não logrou pôr em causa a prova credível produzida pela Recorrente no sentido de demonstrar a existência do furto pela qual a Recorrida é responsável nos termos do contrato de seguro celebrado. LXXXIV. Efetuada a prova do furto do veículo, teria a Recorrida de afastar a sua responsabilidade contratualmente assumida, isto é, que pôr em causa a verosimilhança das alegações fáticas da Recorrente fundada naquela prova. LXXXV. Conforme consta da prova documental junta aos autos, assim que a Recorrente se apercebeu do desaparecimento do veículo procedeu à participação policial do mesmo logo nesse mesmo momento e noite, tendo igualmente comunicado à Recorrida o sucedido para que se procedesse à ativação do seguro. LXXXVI. Em conjugação do teor das mesmas com a referida prova documental, mais não pode do que inferir-se que a Recorrente foi vítima do furto do seu veículo (cuja conclusão é óbvia quando deixa de ver o seu carro no local onde havia ficado estacionado e não há razões para crer que alguém com a sua autorização o tenha levado). LXXXVII. O Recorrente fez prova da propriedade do veículo, da participação à autoridade policial do sinistro e de que este desapareceu, pelo que deve ser considerado verificado o sinistro. LXXXVIII. Existindo participação criminal em que não há até à presente data notícia do aparecimento da viatura, o facto 11 dos factos não provados é ainda violador das regras elementares de direito e da autoridade de caso julgado do processo-crime, que foi originado pela participação do furto. LXXXIX. O processo crime nos autos foi valorado para a prova pericial, mas paradoxalmente não foi valorado quanto ao desaparecimento do veículo até à presente data, acresce ainda que a leitura das chaves em termos de quilometragem não significa que a mesma esteja correta como já se disse supra. XC. O relatório pericial não menciona ser a quilometragem real já que por alguma razão pode o veículo ter deixado de “memorizar”/registar” os quilómetros a determinado hiato temporal que coincidiu com o uso efetuado pelo Recorrente e o anterior proprietário da viatura. XCI. As referidas chaves, através de intervenções ao nível de centralina do veículo podem bloquear o armazenamento de informação, o que parece ter acontecido com os quilómetros registados nas chaves que coincidentemente são os mesmos à data do sinistro anterior, ocorrido em 29.01.2018, o que poderá ser perfeitamente justificável com reparações feitas por terceiros que bem podem ter desativado por falta de perícia/arte parte do mecanismo de leitura das chaves na viatura. XCII. A recorrida recebeu o prémio do seguro por existir o carro. XCIII. O Recorrente foi visto por diversas vezes, quer pelo seu antigo patrão FF que foi inquirido em produção de prova, quer por amigos com o carro, que aliás foram testemunhas no processo, no caso a testemunha GG, que confirmou a utilização da viatura pelo Recorrente antes do furto. XCIV. A própria Recorrida cedeu durante algum tempo um carro de substituição ao Recorrente, após o furto. XCV. Vejamos o ponto 16. dos factos provados, em que só após quatro meses a Recorrida declinou o pagamento da indemnização, sem qualquer fundamento ou justificação clara e válida. XCVI. Esteve a Recorrida durante 4 meses quando tinha sessenta dias para o fazer, sem pagar, mas também sem recusar a sua responsabilidade por tal pagamento, mantendo a segurada na expectativa durante um largo período, viola o comando do artigo 762º., n.º 2 do Código Civil, mostrando uma conduta desprovida da diligência, zelo e lealdade, correspondente aos legítimos interesses da contraparte/aqui Recorrente. XCVII. A douta sentença incorreu em erro de julgamento ao interpretar a questão do furto de acordo com uma prova inequívoca dos factos integrantes do ilícito quando a prova é meramente indiciária como já se referiu supra e como não podia deixar de ser, já que quem é vítima de um furto sabe pouco sobre as condições em que este ocorreu porque em regra não o viu… XCVIII. O evento “furto ou roubo do veículo” se assume inquestionavelmente como elemento constitutivo do direito pretendido fazer pelo Autor, sobre este impende o respetivo ónus de prova, nos termos do preceituado no art. 342.º, n.º 1, do Código Civil. XCIX. Face da matéria de facto provada entendemos que resulta efetivamente demonstrado nos autos que o veículo desapareceu e de forma ilícita, desconhecendo-se desde então o seu paradeiro. C. De forma abusiva a Recorrida veio alegar situações anómalas, quando já estava em mora para o pagamento da indemnização do furto e teria que justificar qualquer causa impeditiva o que não fez já que vir enxertar uma peregrina tese de o carro nunca ter sido reparado quando a própria, meses antes, por escrito, certificou estar o mesmo em condições constitui, entre outros, manifesto abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium. CI. É nula a douta sentença em razão desta insanável e manifesta contradição, devendo a mesma ser alterada passando a constar do elenco dos factos provados os pontos 1 a 12 e 14 dos factos não provados que merecem inequívoca prova e resposta positiva. CII. Nem só o recurso em sede de matéria de facto importa a alteração da sentença já que substituem igualmente razões de direito, de forma autónoma, independentemente das primeiras importam a alteração da sentença. CIII. Sem questionar a validade e vigência do contrato de seguro, a Ré recusou indemnizar o Autor por não reconhecer a ocorrência do evento aleatório alegado, traduzido em furto ou roubo do veículo automóvel objeto daquele contrato. CIV. Não podemos esquecer que o teor da cláusula 2.º, do contrato sub judice com a epígrafe “Objeto e riscos garantidos”, da cobertura facultativa de furto ou roubo, que: “2. Em matéria de ressarcimento de danos, será observado o seguinte: a) PROCEDIMENTOS - verificando-se FURTO, FURTO DE USO OU ROUBO do veículo seguro, o Segurado deverá apresentar imediatamente queixa a autoridade competente e promover todas as diligências ao seu alcance conducentes a descoberta do veículo e dos autores do crime; o Segurador obriga-se ao pagamento da indemnização devida, decorridos que sejam 60 dias sobre a data da participação da ocorrência a autoridade competente, se ao fim desse período não tiver sido encontrado o veículo seguro.” CV. O Recorrente cumpriu com o procedimento contratualizado, facto este que não foi impugnado pela Recorrida, incumprimento este incorrido pela última. CVI. A douta sentença incorreu em erro de julgamento ao interpretar a questão do furto de acordo com uma prova inequívoca dos factos integrantes do ilícito. CVII. Não podemos descurar que a produção da prova ocorreu cinco anos após o furto quando muitos pormenores já não estavam na memória viva e imediata das partes. CVIII. O evento “furto ou roubo do veículo” assume-se inquestionavelmente como elemento constitutivo do direito pretendido fazer pelo Autor, sobre este impende o respetivo ónus de prova, nos termos do preceituado no art. 342.º, n.º 1, do Código Civil. CIX. Em face da matéria de facto provada resulta efetivamente demonstrado nos autos que o veículo desapareceu e de forma ilícita, desconhecendo-se ainda hoje o seu paradeiro até porque o inerente processo crime apesar de inúmeras provas e instrução não logrou até ao dia de hoje encontrar o veículo ou o rasto que fosse. CX. É inequívoco que foi apresentada queixa-crime - ponto 6 dos factos dados como provados. CXI. É por demais sabido que o crime de furto de veículo automóvel é praticado, em regra, de forma oculta, para evitar que o seu autor ou autores sejam responsabilizados criminalmente. CXII. Atendendo à dificuldade ou mesmo impossibilidade de o tomador do seguro provar, numa ação cível destinada a obter uma indemnização emergente do contrato de seguro, todos os elementos típicos do crime de furto, o que carece de investigação criminal demorada, a jurisprudência dos nossos tribunais superiores tem considerado suficiente, para esse efeito, a prova indireta e indiciária com as características que deixámos apontadas supra, desde que a seguradora não consiga afastar tal prova de primeira aparência. CXIII. Nenhuma cláusula de exclusão do contrato de seguro foi invocada pela Recorrida. CXIV. No caso dos autos, da factualidade julgada provada e descrita sob os respetivos pontos dados como provados 1 a 6 para além de se retirar a qualidade do Autor como legítimo possuidor do veículo em questão, resulta com toda a clarividência o desaparecimento do mesmo veículo nas circunstâncias de tempo e lugar apuradas, ocorrência que o Autor denunciou às autoridades policiais no próprio dia em que tomou dela conhecimento. CXV. Tal factualidade é bastante, na esteira da jurisprudência que deixámos citada e que acolhemos sem reservas, para podermos afirmar a ocorrência do evento infortunístico “furto de veículo automóvel”, para efeitos de cobertura pelo contrato de seguro firmado entre Autor e Ré, tanto mais que esta, não obstante as suspeitas apontadas, não logrou demonstrar o quer que seja com o mínimo de relevância para se poder imputar ao Autor qualquer comportamento fraudulento, ou então para afastar a prova de primeira aparência da ocorrência daquele evento. CXVI. Por todo o exposto, impõe-se-nos que concluamos no sentido de que assiste ao Autor o direito a ser indemnizada pela Ré, com base em responsabilidade contratual derivada do contrato de seguro firmado, computando-se o valor indemnizatório pelo furto do veículo em 35.150,00, acrescido dos 146,79 despendidos a título de IUC em 01.10.2019. CXVII. Para além do dito capital de 35.150,00, assiste ao Autor o direito a receber da Ré juros de mora, no caso contabilizados desde a interpelação da recorrida em 28/08/2019 até integral pagamento (arts. 804.º, 805.º, n.º 1 e 806.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Civil). CXVIII. Nos presentes autos, e desde o momento em que adquiriu o automóvel, o Recorrente sempre se comportou como proprietário do veículo, desde logo porque era o Recorrente que suportava todos os encargos com este, desde o seguro até ao combustível, e porque, sempre que precisava de se deslocar no dia-a-dia fazia-o utilizando aquele automóvel. CXIX. Pelo que dúvidas não restam de que o Recorrente adotava todos os comportamentos típicos de um titular do direito de propriedade em relação ao veículo, assim se ilidindo a presunção do registo de propriedade da respetiva propriedade. CXX. O Tribunal a quo entendeu não estar comprovado o furto do veículo em questão, razão pela qual declinou o procedimento integral da ação. CXXI. Como a prova da verificação do furto de um veículo é normalmente difícil de efetuar por este ocorrer de forma sub-reptícia, impõe-se ao autor não uma prova direta deste, mas sim que, tendo apresentado a respetiva queixa junto das entidades policiais, forneça ao tribunal elementos probatórios coadjuvantes que permitam formular um juízo de verosimilhança relativamente a essa queixa. CXXII. Assim que o Recorrente se apercebeu do desaparecimento do veículo procedeu à participação policial do mesmo, tendo igualmente comunicado à Recorrida o sucedido para que se procedesse à ativação do seguro. CXXIII. Para além disto, as declarações de parte prestadas pelo Recorrente foram prestadas de uma forma honesta, coerente e crível, já que em momento algum das suas declarações se vislumbram incongruências passíveis de colocar em causa a credibilidade das mesmas ao ponto de não constituírem um indício forte da ocorrência do furto. CXXIV. Pela conjugação do teor das mesmas com a referida prova documental mais não pode do que inferir-se de que o Recorrente foi vítima do furto do seu veículo. CXXV. Efetuada a prova do furto do veículo, teria a Recorrida de afastar a sua responsabilidade contratualmente assumida, isto é, que pôr em causa a verosimilhança das alegações fáticas do Recorrente fundada naquela prova. CXXVI. A prova produzida pelo Recorrente não afasta a existência de um furto e nessa medida, como decorre destas considerações, efetuada esta prova do furto do veículo (demonstração de ter sido efetuada a participação policial em conjugação com outros elementos probatórios credíveis), teria a Recorrida, para afastar a sua responsabilidade contratualmente assumida, que pôr em causa a aludida verosimilhança das alegações fácticas do Autor fundada prova, o que entendemos que não o fez. CXXVII. O evento “furto de veículo”, enquanto risco coberto por contrato de seguro de danos, se assume como elemento constitutivo do direito de indemnização do autor, sobre este impende o respetivo ónus de prova, nos termos do preceituado no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil. CXXVIII. Acionado pelo segurado o contrato de seguro com a cobertura facultativa de Furto ou Roubo, incumbe-lhe o ónus de prova da ocorrência do sinistro, todavia, não lhe é exigível a demonstração segura e inequívoca do furto, bastando-lhe a prova de factos indiciários que revelem uma possibilidade razoável desse furto ter ocorrido, não contrariados suficientemente pela seguradora. CXXIX. Com efeito, recusar a prestação de indemnização com fundamento na não ocorrência do sinistro e, em simultâneo, algo que se apresenta manifestamente contraditório nos seus próprios termos, sendo certo que a condenação da Ré nesta ação, no pagamento do dito capital ao Autor, de nenhum outro pressuposto depende a não ser os que deixámos já afirmados. CXXX. O desaparecimento do veículo nas circunstâncias de tempo e lugar apuradas, ocorrência que foi prontamente denunciada às autoridades policiais é suficiente para afirmar a ocorrência do evento para efeitos de cobertura pelo contrato de seguro, tanto mais que a seguradora não logrou demonstrar qualquer comportamento fraudulento do A./Recorrente para afastar a ocorrência do furto. CXXXI. As declarações gerais e especiais constantes da apólice de seguro integram declarações negociais, estando, como tal, sujeitas, em matéria de interpretação, aos princípios estabelecidos nos artigos 236.º e 238.º, ambos do Código Civil, prevalecendo, em caso de dúvida, o sentido mais favorável a quem beneficia do contrato de seguro, como contrato de adesão que é. CXXXII. A douta sentença que aqui se recorre violou os artigos 236.º e 238, ambos do Código Civil, nos termos supra mencionados o que se invoca e argui para todos os legais efeitos. CXXXIII. A douta sentença violou ainda o disposto no artigo 798.º e seguintes do CPC e ainda o Regime do Contrato de Seguro. CXXXIV. É absolutamente atentatório do coerência e unidade do sistema de justiça que uma parte comprove por escrito que a viatura está em perfeitas condições mecânicas para fazer um seguro e que foi inspecionada pelo respetivo mediador para, meses após, vir a juízo alegar que as suas próprias constatações e documentos são seriam, afinal, falsos e incorretos. CXXXV. Admitir-se este estado de coisas ninguém neste mundo pagava fosse o que fosse podendo defender-se livremente contra posições e documentos por si assumidos n passado, bastou à Companhia de Seguros negar agora em juízo um documento interno desta, que a mesma usou para fazer o Seguro para se livrar agora de pagar aquilo que foi então contratualmente assumido (Cfr. Docs. 1 e 4 juntos à contestação da R.) já não serve para se responsabilizar. CXXXVI. Se a Companhia de Seguros tivesse feito prova de que esses documentos padeciam de algum vício da vontade e tivesse requerido a respetiva declaração de nulidade ou anulação ainda se entenderia juridicamente a posição da sentença a quo. CXXXVII. Mas assim não… porque o documento continua válido e inatacado e se serviu como válido para a Companhia de Seguros cobrar e receber o prémio do contrato terá igualmente se servir para a onerar com as consequências jurídicas desse mesmo contrato. CXXXVIII. Não é juridicamente possível e aceitável que a mesma pessoa (a Seguradora) certifique por escrito que o carro foi inspecionado e se encontrava em perfeito estado para celebrar o contrato de seguro (cf. docs. 1 e 4 juntos à contestação da R.) para depois vir dizer meses à frente que afinal nunca foi reparado desde a perda total de janeiro de 2018. CXXXIX. O que há aqui é uma flagrante e definitiva violação por parte da Companhia de Seguros R. do disposto no artigo 406.º, do CC e uma atitude de inequívoco abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium que tornam a sua atuação ilícita e ilegítima ao abrigo do disposto no artigo 334.º, do CC. CXL. A douta sentença violou o disposto nos artigos 334.º e 406.º do CC ao permitir que a Companhia de Seguros R. se “descartasse” com peregrina tese de defesa da comprovação de que o carro havia sido reparado no pós-janeiro de 2018 que a mesma fez para a celebração do contrato de seguro e das consequências jurídicas dai derivadas. CXLI. A douta sentença ora recorrida não cumpriu com o dever de fundamentação que resulta da conjugação do disposto nos artigos 607.º, 3 e 4, do CPC e artigo 205.º, da Constituição da República Portuguesa. CXLII. O Tribunal a quo ter indicado as provas que serviram para formar a sua convicção fazendo reportar a cada facto quais os meios de prova correspondentes, ou pelo menos fazendo reportar cada meio de prova a um conjunto de factos relacionados entre si, o que o Tribunal não fez. CXLIII. O Tribunal a quo limitou-se ainda a remeter, no que respeita ao dever de fundamentação, a prova produzida globalmente considerada e a menção global e genérica para a globalidade da prova produzida, não é suficiente para cumprir o dever de fundamentação constitucionalmente consagrado. CXLIV. A menção global e genérica para a globalidade da prova produzida, não é suficiente para cumprir o dever de fundamentação constitucionalmente consagrado dos factos provados e não provados. CXLV. A douta sentença ora recorrida não cumpriu com o dever de fundamentação que resulta da conjugação do disposto nos artigos 607.º, 3, 4 e 5 do CPC e artigo 205.º, da Constituição da República Portuguesa. CXLVI. A douta sentença incorreu em clara violação à livre apreciação da prova, nos termos do disposto no artigo 607.º, n.º 5 do CPC. CXLVII. Impõe-se ainda a revogação da decisão aqui recorrida das custas processuais, nos termos do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil. CXLVIII. Em súmula, face ao que antecede, às referidas nulidades e violações de normas jurídicas, bem como do princípio da livre apreciação da prova e do ónus da prova, impõem que se altere também o julgamento quanto à matéria de direito e mostra-se, assim, violado o artigo 607.º do CPC. CXLIX. Deste modo, revogando a douta sentença e proferindo outra que condene a R. dos pedidos formulados na petição inicial e farão V. Ex.as Venerandos Desembargadores a costumada Justiça! Termos em que, e nos que vossas Excelências superiormente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente ser revogada a decisão e substituída por outra que condene a R. dos pedidos formulados na petição inicial. Decidindo nesta conformidade será feita: Justiça. * A R. contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.* II - Questões a dirimir:a - se se verifica nulidade por omissão da determinação do objeto do litígio e dos temas de prova; b - se a sentença é nula por omissão de fundamentos de facto e de direito, por ser contraditória e ambígua, por omissão de pronúncia e por excesso de pronúncia; c - da reapreciação da matéria de facto; d - do erro de julgamento: do ónus da prova do furto do veículo automóvel e do abuso do direito. * III - Fundamentação de facto (constante da sentença)1. O veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-TO-.., marca Renault, modelo ..., encontra-se registado em nome do autor, através da ap. ...28, de 12.10.2018, junto da Conservatória de Registo Automóvel. 2. O autor celebrou com a ré um negócio jurídico denominado de “contrato de seguro automóvel”, titulado pela apólice n.º ...34 (Protec-Seguro Auto Ligeiros), mediante o qual transferiu para aquela os riscos decorrentes da viatura supra mencionada. 3. Nos termos do referido contrato, encontravam-se cobertos, entre outros, os riscos decorrentes de responsabilidade civil obrigatória (os capitais, de danos materiais, pelo montante de €1. 220.000,00, e os danos corporais, pelo montante de € 6.070 000,00), de choque colisão ou capotamento (pelo capital de € 35 150,00, com franquia de €1 000,00), de incêndio, raio ou explosão (pelo capital de € 35 150,00), de furto ou roubo (pelo capital de € 35 150,00), de quebra de vidros (pelo capital de € 1 000,00, com franquia € 75,00), de fenómenos da natureza (pelo capital de € 35 150,00), de riscos sociais (pelo capital de € 35 150,00, com franquia de € 1 000,00), de assistência em viagem e proteção jurídica (pelos capitais conforme condições gerais e especiais), de proteção ocupantes, modalidade todo SOS ocupantes (morte ou invalidez permanente: capital de € 5 000,00, despesas de tratamento, capital de € 500,00 e subsídio de internamento hospitalar, capital de € 5,00). 4. O autor pagou tempestivamente todos o(s) prémio (s) do seguro. 5. O autor tinha as chaves do veículo. 6. O autor apresentou queixa-crime por furto contra desconhecidos junto das autoridades policiais, entre as 22h20, do dia 11.06.2019 e a 01h00, do dia 12.06.2019, que deu origem ao Inquérito NUIPC ... 7. A ré, na sequência da comunicação referida no ponto antecedente, atribuiu ao sinistro relatado o n.º de processo ... e procedeu à entrega ao mesmo de um carro de substituição, até 22.10.2019. 8. Em 26.09.2019, em virtude da demora em obter uma resposta, o autor interpelou a ré, representado por mandatário, uma vez que já havia decorrido o prazo de 60 dias. 9. Na ausência de uma resposta pela ré, em 04.10.2019, o autor interpelou novamente a mesma, referindo o grave prejuízo pela omissão no pagamento da indemnização devida, referindo que se reservava no direito a reclamar indemnização pelo incumprimento contratual e ainda a peticionar os juros moratórios. 10. Em 08.10.2019 a ré respondeu que alegadamente o autor não soube dar a informação necessária e que só a partir do dia 16.10.2019 teriam uma conclusão. 11. Em 29.10.2019 o autor recebeu uma missiva da ré, datada de 25.10.2019 que referia o que se passa a descrever: “Ex.mo Senhor, Reportamo-nos ao processo em assunto. Na sequência da participação do furto da viatura ..-TO-.. que nos foi apresentada, cumpre-nos informar que, com base nos dados facultados, nas diligências entretanto efetuadas e nos elementos recolhidos para instrução do processo, concluímos que existiram irregularidades no sinistro, que não terá ocorrido conforme participado e num contexto aleatório, súbito e imprevisto. Entre outros factos, foram detetadas incongruências resultantes da leitura de ambas as chaves disponibilizadas. Desta forma, declinamos o pagamento de qualquer indemnização. (...)”. 12. Na sequência da informação supra mencionada, o autor enviou e-mail à ré referindo o seguinte: “(...) Na sequência da V/comunicação datada de 25/10/2019, remetida diretamente ao m/Constituinte, informo como nota prévia, que como sabem o Sr. AA encontra-se patrocinado por Advogado. Não obstante, V. Ex.as alegaram após interpelação da v/demora para a regularização da situação sub judice, que o m/constituinte alegadamente não soube dar as informações necessárias, e quando foram questionados não souberam concretizar que informações se encontravam alegadamente em falta. Não aceitamos que declinem a V/responsabilidade pelo pagamento da indemnização, pois não existem quaisquer irregularidades, nem alegadas incongruências, não existem quaisquer fundamentos para declinarem o que é da V/responsabilidade. Aliás, os dois substantivos alegados na v/comunicação (“incongruência e irregularidade”)não tendo suporte factual e não assume qualquer fundamento, sendo falaciosos (com o intuito de se eximirem à V/responsabilidade). Acresce ainda que a v/comunicação não afasta a v/responsabilidade. Com efeito, no sentido de esclarecerem a v/dúvidas, informamos que nos encontramos à v/disposição para qualquer esclarecimento, como sempre estivemos, de forma a que procedam ao pagamento da indemnização devida e da respetiva mora (já anteriormente interpelados), com a maior brevidade. Face ao exposto, na ausência de qualquer resposta nos próximos dias, vale a presente notificação como interpelação para sem qualquer outro aviso, seremos forçados a intentar a competente ação judicial.” 13. A ré, em 31.10.2019, respondeu o que aqui se transcreve: “Acusamos receção de correspondência datada de 29.10.2019, a qual mereceu a nossa melhor atenção. Vimos desta forma informar que na sequência da participação de furto da viatura ..-TO-.. que nos foi apresentada, e com base nos dados facultados, nas diligências entretanto efetuadas e nos elementos recolhidos para instrução do processo, concluímos que existiram irregularidades no sinistro, que não terá ocorrido conforme participado e num contexto o aleatório, súbito e imprevisto. Entre outros factos, foram detetadas incongruências resultantes da leitura de ambas as chaves disponibilizadas. Desta forma, reiteramos a nossa posição, comunicada ao nosso segurado, cliente que representa, no passado dia 25/10/2019”. 14. O autor recebeu no mês de setembro de 2019 uma contraordenação da prática de uma alegada infração de não cumprimento da indicação dada pelo sinal proibição C16, paragem de estacionamento proibido, com alegada data de ocorrência em 19.06.2019, às 19 horas, na Rua ..., .... 15. Em resposta à notificação descrita no facto provado n.º 14, o autor apresentou requerimento à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, e à GNR - Comando Distrital do Porto - Destacamento Territorial de Santo Tirso - Posto territorial ...), o que se descreve infra: “- O arguido apercebeu-se que existia um manifesto lapso de escrita, pois nesse dia e hora não praticou a alegada infração. Porque, - Em 19 de outubro de 2019, o arguido deslocou-se pessoalmente ao Posto Territorial ... da Guarda Nacional Republicana, e falou com o Ex.mo Sr. Agente HH (Agente Autuante dos presentes autos- ...17) que confirmou ao aqui arguido que de acordo com os apontamentos do Sr. Agente esta infração foi cometida na verdade em 01.06.2019 e não em 19.06.2019, tendo existido um manifesto lapso de escrita na data indicada da infração dos presentes autos. - Acresce ainda que era impossível a infração ter sido praticada na indicada data de19/06/2019, com o veículo ..-TO-.., ligeiro de passageiros, uma vez que o mesmo foi furtado entre as 22h20, do dia 2019/06/11 e a 01h00, do dia 2019/06/12, quando se encontrava estacionado na Rua ..., na Póvoa de Varzim, conforme declaração e auto de denúncia (NUIPC: ... da PSP da Divisão policial – esquadra de Póvoa de Varzim), conforme declaração e auto de denúncia que se juntam cujo o teor se dá como integrado e reproduzido para todos os legais efeitos. - Infelizmente, até à presente data, o veículo ainda não foi recuperado, nem o arguido obteve qualquer notícia referente às investigações. - Com efeito, o aqui arguido vem invocar o manifesto lapso de escrita referente à indicada data de infração, elemento essencial ao abrigo do disposto no artigo 170.º, n.º 1,alínea a), do Código da Estrada. - Face ao exposto, REQUER que V. Ex.a se digne retificar o lapso na indicação da data da infração que ocorreu na verdade em 01.06.2019, dando sem efeito a acusação coma data da alegada infração de 19.06.2019 (em razão de ter existido manifesto lapso descrita) e que ordene nova notificação da acusação (devidamente corrigida) ao aqui arguido, para que este proceda ao pagamento voluntário/defesa em conformidade e com a maior brevidade.”. 16. A ré, passados quatro meses dos furtos sem qualquer justificação e fundamento, referiu que declinava o pagamento de qualquer indemnização. 17. Consta do teor da cláusula 16.ª, n.º 1, da cobertura obrigatória de responsabilidade civil, ex vi artigo 5.º da cobertura facultativa de furto ou roubo: “Não havendo alteração do risco, qualquer alteração do prémio aplicável ao contrato apenas poderá efetivar-se no vencimento anual seguinte.” 18. Estipula ainda o artigo 2.º, com a epígrafe “Objeto e riscos garantidos”, da cobertura facultativa de furto ou roubo, do documento descrito no facto provado n.º 3: “ 1. Através desta cobertura facultativa, o Segurador pagará ao Segurado os danos sofridos no veículo seguro em consequência de FURTO OU ROUBO, tentado, frustrado ou consumado, de que resulte o seu desaparecimento, destruição ou deterioração. 2. Em matéria de ressarcimento de danos, será observado o seguinte: a) PROCEDIMENTOS — verificando-se FURTO, FURTO DE USO OU ROUBO do veículo seguro, o Segurado devera apresentar imediatamente queixa a autoridade competente e promover todas as diligências ao seu alcance conducentes a descoberta do veículo e dos autores do crime; o Segurador obriga-se ao pagamento da indemnização devida, decorridos que sejam 60 dias sobre a data da participação da ocorrência a autoridade competente, se ao fim desse período não tiver sido encontrado o veículo seguro. b) PERDA PARCIAL — a reparação, com peças novas, será da responsabilidade do Segurador e feita de maneira a repor a parte danificada do veículo seguro no estado em que se encontrava no momento imediatamente anterior ao sinistro; nas reparações que exijam substituição de pecas ou sobresselentes e caso o Segurado não queira sujeitar-se a demora para a sua obtenção, o Segurador não será responsável pelos prejuízos direta ou indiretamente daí resultantes, quantificando a indemnização pelo custo das peças ou sobresselentes, na base dos preços fixados na última tabela de venda ao público ou dos preços do mercado, quando possam ser fabricados pela indústria nacional; toda e qualquer reparação será sempre limitada ao Capital/ Valor Seguro indicado nas Condições Particulares; o montante da indemnização paga em caso de PERDA PARCIAL será abatido ao Capital/Valor Seguro, ficando este reduzido daquele valor desde a data do sinistro até ao vencimento anual do contrato, para efeitos de nova PERDA PARCIAL ou de PERDA TOTAL; o Tomador do Seguro pode repor o Capital/Valor Seguro através do pagamento de um prémio suplementar correspondente ao Capital/Valor Seguro reposto e ao período de tempo não decorrido até ao vencimento anual do contrato. c) PERDA TOTAL — o Segurador pagará ao Segurado uma indemnização fixada através da aplicação ao Capital/Valor Seguro indicado nas Condições Particulares da Tabela de Desvalorização anexa a este contrato; o Valor Seguro a considerar para efeitos de PERDA TOTAL inclui os extras do veículo; sempre que o Segurador proceda a qualquer pagamento no âmbito desta Cobertura, o prémio anual relativo as coberturas de CHOQUE, COLISÃO OU CAPOTAMENTO, INCÊNDIO, RAIO OU EXPLOSÃO, FURTO OU ROUBO,FENÓMENOS DA NATUREZA, RISCOS SOCIAIS e/ou SÓ COLISÃO, quando subscritas, e devido por inteiro mesmo no caso de acontecer um sinistro que origine uma PERDA TOTAL e o consequente desaparecimento do veiculo seguro. d) Sem prejuízo do acordo entre as partes, o salvado fica sempre na posse do Segurado, sendo deduzido o respetivo valor ao montante indemnizatório obtido de acordo com o disposto na alínea anterior. 3. EXTRAS — ao valor dos componentes do veículo seguro, indicado nas Condições Particulares, que não fizerem parte da sua Versão de Fabrico, tais como autorrádio, leitor de cassetes e/ou CD, alarme, ar condicionado ou jantes, será aplicada a Tabela de Desvalorização constante destas Condições Gerais para efeitos de indemnização por PERDA TOTAL. 4. FRANQUIA — salvo convenção em contrário, a cobertura de FURTO OU ROUBO não é aplicável qualquer franquia. 19. A ré não efetuou o pagamento ao autor de qualquer montante indemnizatório. 20. Não obstante, a ré foi interpelada em 04.10.2019 para cumprimento. 21. O autor em 01.10.2019 pagou o imposto único de circulação, no valor de € 146,79 (cento e quarenta e seis euros e setenta e nove cêntimos). Da contestação 22. Em 11.06.2019 o contrato de seguro em apreço encontrava-se em vigor. 23. Sendo o autor o segurado/tomador do seguro. 24. A ré recusou a regularização do sinistro. 25. A viatura matrícula ..-TO-.. sofrera, antes da celebração do negócio jurídico descrito no facto provado n.º 2, um sinistro que originou a declaração de perda total. 26. Consta do teor do artigo 2.º, n.º 2, al. c), da Condição Especial, do negócio jurídico descrito no facto provado n.º 3, sob a epígrafe “COBERTURA FACULTATIVA DE FURTO OU ROUBO”: “PERDA TOTAL - o Segurador pagará ao Segurado uma indemnização fixada através da aplicação ao Capital/Valor Seguro indicado nas Condições Particulares da Tabela de Desvalorização anexa a este contrato; o Valor Seguro a considerar para efeitos de PERDA TOTAL inclui os extras do veículo; sempre que o Segurador proceda a qualquer pagamento no âmbito desta Cobertura, o prémio anual relativo às coberturas de CHOQUE, COLISÃO OU CAPOTAMENTO, INCÊNDIO, RAIO OU EXPLOSÃO, FURTO OU ROUBO, FENÓMENOS DA NATUREZA, RISCOS SOCIAIS e/ou SÓ COLISÃO, quando subscritas, é devido por inteiro mesmo no caso de acontecer um sinistro que origine uma PERDA TOTAL e o consequente desaparecimento do veículo seguro”. 27. Sendo que consta do teor da tabela de desvalorização, anexa ao referido documento, o seguinte: 28. O autor informou, em sede de participação do furto, que a quilometragem da viatura matrícula ..-TO-.. era de cerca 40.000 km. 29. Em sede de peritagem, realizado à viatura matrícula TO, na data de 29.01.2018, por motivo do sinistro descrito no facto provado n.º 25, foi registada a sua quilometragem, sendo fixada em 8828km. 30. Em sede pericial, realizada às duas chaves (um cartão principal e um cartão secundário) da viatura matrícula TO, que se encontravam na posse do autor à data do participado furto, conclui-se, na data 06.05.2024, que o cartão principal (branco) tinha registo de 8828km, e o cartão secundário (preto) tinha registo de 2347km. * Facto acrescentado na sequência da junção de documentos pelo apelante e pela apelada. 31 - O aqui recorrente foi acusado pela prática do crime de burla qualificada na forma tentada nos termos do preceituado nos artigos 217.º/1, 218.º/1/2/a, 22.º e 23.º do Código Penal e pelo crime de simulação de crime previsto e punido no art.º 366.º/1 do Código Penal por matéria descrita na presente ação, na sequência do que requereu a abertura de instrução. * Factos não provados 1. Em 11.06.2019 o autor deslocou-se à Rua ..., na Póvoa de Varzim, aproximadamente pelas 22h15, tendo estacionado o veículo supra mencionado. 2. Sucedeu, porém, que o autor marcou com a sua à data namorada DD para jantar nas proximidades, tendo tal desiderato sido logrado após a chegada da mesma. 3. O autor enquanto aguardava a chegada da (à data) namorada DD foi caminhar na zona da marginal e em frente ao .... 4. O autor e à data a sua namorada DD nesse dia, foram jantar ao restaurante “...”, sito na Avenida ... - Praia, Póvoa de Varzim. 5. Findo o jantar, o autor e a sua namorada DD foram tomar café, deslocando-se a pé ao café sito na Avenida ..., na Póvoa de Varzim, estabelecimento comercial conhecido por “C..., Lda.”; de seguida foram caminhar na marginal e na praia. 6. O autor e a sua à data namorada após caminharem na marginal, ainda se sentaram no areal da praia e estiveram a conversar. 7. Aproximadamente pelas 00h45 e a 01h00, do dia 12.06.2019, o autor e a sua namorada foram até à Rua ..., ao local onde ficou o veículo supra mencionado estacionado. 8. Para perplexidade do autor, o veículo não se encontrava no local, tendo desaparecido. 9. Aparentemente não foram encontrados vestígios de vidros partidos no local onde o autor estacionou e o mesmo desapareceu, contra a vontade deste e de forma ilegítima. 10. O local do furto é rodeado de habitações e estabelecimentos comerciais. 11. O referido veículo até à presente data não foi encontrado. 12. À data da participação do furto, o veículo apresentava-se em bom estado de conservação. 13. O autor à data de 19.09.2020, não se tinha deslocado a esse local, pois o veículo já havia desaparecido, mas havia-se deslocado dias antes ao referido local. 14. Até à apresente data, no âmbito dos autos de contraordenação o autor não recebeu qualquer resposta. Da contestação 15. A viatura de matrícula ..-TO-.., bem como os demais veículos com as características deste, apenas se podem colocar em funcionamento através das chaves originais. 16. A ré despendeu com a atribuição ao autor de carro de substituição a quantia global de € 1 434,56. * IV - Fundamentação jurídica a - Se se verifica nulidade por omissão da determinação do objeto do litígio e dos temas de prova. Na conclusão IV, o recorrente aduz que se verifica a omissão da determinação do objeto do litígio e dos temas de prova, com violação do disposto no art.º 596.º, n.º 1 do C.P.C. Teria sido omitida a prática de ato essencial com influência nos autos, o que ao abrigo do disposto no artigo 195.º do C.P.C. (…) invoca e argui. Independentemente da bondade da alegação, o ora apelante não reclamou oportunamente da mesma, conforme previsto pelos artigos 199.º/1 do C.P.C.. Quando na presença de uma nulidade processual, e não se verificando a situação a que alude o nº 3, do art.º 199º, do CPC, deve a mesma ser arguida pelo interessado perante o tribunal onde foi cometida, por meio de reclamação, a apresentar em requerimento próprio, no prazo de 10 dias previsto no artigo 149º, n.º 1, do mesmo Código, que não suscitar o referido vício em sede de instância recursória (cf. ac. da Relação de Lisboa de 10-5-2018, proc. 1905/13.4TYLSB-F.L1-6, António Santos). Improcede, assim, a pretensão do apelante no sentido da existência de um vício adjetivo na tramitação do processo. * b - Da nulidade da sentença O recorrente invoca a nulidade da sentença de forma esparsa ao longo das suas alegações, reproduzindo-se, em seguida, as conclusões em que a questão é mais concretamente suscitada. XII. A douta sentença do Tribunal a quo a fundamentação de facto é totalmente omissa quanto ao desaparecimento efetivo do veículo, sendo matéria relevante nos presentes autos, o que traduz uma nulidade por omissão de pronúncia nos termos do disposto na alínea d), n.º1, artigo 615.º do CPC, o que se invoca e argui para todos os legais efeitos. XIII. Nada é fundamentado na douta sentença quanto ao processo-crime em curso, sendo a mesma absolutamente necessária para que a decisão possa apreciar as razões determinantes da decisão da sentença. XIV. É inequívoca a falta de motivação da sentença para justificar o desaparecimento do veículo e também é disso que aqui se recorre e a que alude o artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC, sendo tal comportamento cominado com a sanção de nulidade da sentença em razão da omissão dos fundamentos de facto, o que se invoca e argui para todos os legais efeitos, pelo que deverá ser revogada a douta sentença, devendo ser declarada a nulidade nos termos supra mencionados. XV. Apesar de ainda nada se haver apurado de conclusivo no inquérito criminal quanto ao furto e paradeiro atual do veículo, apesar de nada nem ninguém saber do paradeiro do veículo, paradoxalmente no ponto 11 da matéria dada como não provada a douta sentença refere que “o referido veículo até à presente data não foi encontrado”, não sendo percetível em que realidade se baseou o juiz para tal conclusão, o que conduz a insanável ambiguidade que conduz a decisão à nulidade nos termos da al. c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código Processo Civil, pois é contraditória e ambígua com a prova documental junta aos autos, o que se invoca e argui para todos os legais efeitos. XXV. A douta sentença foi totalmente omissa à factualidade que o veículo após o alegado sinistro de janeiro de 2018, foi reparado e circulou e de que foi vistoriado pelo Mediador da Seguradora que o certificou por escrito como estando em perfeitas condições. XXVII. A douta sentença foi totalmente omissa à factualidade de o veículo ter sido reparado, o que se demonstra de forma inequívoca e documental pela prova documental junta pela Ré Companhia de Seguros e pela própria Renault aos autos. XXVIII. A douta sentença ao não ter considerado que à data da aquisição do veículo pelo recorrente e da celebração do seguro o veículo estava em perfeitas condições omitiu uma informação relevante à decisão, incorrendo em nulidade por omissão de pronúncia da decisão, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, o que se invoca e argui para todos os legais efeitos. LXII. A douta sentença no ponto 30. dos factos provados refere: “Em sede pericial, realizada às duas chaves (um cartão principal e um cartão secundário) da viatura matrícula TO, que se encontravam na posse do autor à data do participado furto, conclui-se, na data 06.05.2024, que o cartão principal (branco) tinha registo de 8828km, e o cartão secundário (preto) tinha registo de 2347km.” LXIII. Não resulta da prova carreada que “na data de 06.05.2024 que o cartão principal (branco) tinha registo de 8828km, e o cartão secundário (preto) tinha registo de 2347km”, sendo a referência temporal “na data de 06.05.2024”, ambígua e contraditória. LXV. Apenas a informação foi junta aos autos na data de 06.05.2024. LXVI. Pelo que existe um manifesto excesso de pronúncia ao dar como provado “na data de 06.05.2024”, incorrendo em nulidade que aqui se invoca e argui para todos os legais efeitos nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1.º, alínea d) do CPC.. Em súmula, o apelante aponta à sentença o vício de nulidade por omissão de fundamentos de facto e de direito, por ser contraditória e ambígua, por omissão de pronúncia e por excesso de pronúncia. Nos termos do disposto no art.º 615.º/1/b do C.P.C. é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito, que justificam a decisão. Está em causa um vício formal, em sentido lato, traduzido em error in procedendo ou erro de atividade, que afeta a validade da sentença. Segundo o art.º 615.º/1/c do C.P.C. é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. Preceitua, por seu turno, o art.º 615.º/1/d do C.P.C. que é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Os vícios apontados pelo A. referem-se, sob diferentes ângulos, ao veículo (estado do mesmo aquando da aquisição e respetivo desaparecimento). O A. alega que o tribunal se deveria ter pronunciado acerca do efetivo desaparecimento da viatura, dando este como assente, que é paradoxal que considere que o veículo não foi encontrado, que se deveria ter pronunciado acerca do processo crime e que deveria ter dado como assente que o veículo foi reparado, que circulou e que foi vistoriado. As críticas do A. não se referem aos vícios apontados nas citadas alíneas b), c) e d) do art.º 615.º do C.P.C.. O A. insurge-se, isso sim, por um lado, contra a matéria apurada e contra aquela que não foi dada como adquirida - existiria erro de julgamento de facto correspondente a uma distorção da realidade factual - e, por outro lado, contra o sentido da decisão proferida em 1.ª instância - estaria neste caso em causa erro de direito, correspondente à aplicação inadequada da realidade normativa. Os reparos efetuados à decisão não consubstanciam a arguida nulidade, nem por o juiz ter deixado de enunciar a materialidade que levou em linha de conta para a sua decisão, nem por não ter esclarecido a sua posição jurídica ou por o ter feito de modo de tal forma incipiente, ou desconexo que a torna incompreensível. A decisão recorrida refere a factualidade relevante para a decisão, bem como as razões pelas quais julgou como assentes os factos assinalados e especificou o direito que considerou ser aplicável aos mesmos. Fê-lo, aliás, de forma explícita, completa e pormenorizada, observando amplamente p dever de fundamentação. As críticas dirigidas nas conclusões CXLIII e CXLIV (CXLIII. O Tribunal a quo limitou-se ainda a remeter, no que respeita ao dever de fundamentação, a prova produzida globalmente considerada e a menção global e genérica para a globalidade da prova produzida, não é suficiente para cumprir o dever de fundamentação constitucionalmente consagrado e CXLIV.A menção global e genérica para a globalidade da prova produzida, não é suficiente para cumprir o dever de fundamentação constitucionalmente consagrado dos factos provados e não provados) carecem, por isso, de fundamento. Tampouco se pronunciou o juiz sobre matérias que não resultem da discussão da causa. A discordância do recorrente dirige-se, em substância, ao conteúdo do juízo efetuado. Desatendem-se, por isso, as arguidas nulidades. * c - Da reapreciação da matéria de facto A propósito da matéria do facto 25, o apelante conclui o seguinte: LVIII. Não constituindo tal matéria de facto tema de prova e estando a mesma para além do objeto do presente litígio, a mesma não pode, nestes autos, resultar provada ou não provada, eliminando-se a mesma da matéria de facto provada, sem que passe a constar dos factos não provados, pois que é matéria que não interessa ao presente objeto do litígio. LIX. Pelo que deverá passar a constar que: “25. A viatura matrícula ..-TO-.. sofrera, antes da celebração do negócio jurídico descrito no facto provado n.º 2, um sinistro que originou a declaração de perda total, (de) que o A. era desconhecedor quando adquiriu o veículo.” O ponto 25 dos factos assentes tem o seguinte teor: 25. A viatura matrícula ..-TO-.. sofrera, antes da celebração do negócio jurídico descrito no facto provado n.º 2, um sinistro que originou a declaração de perda total. O requerimento do A. é contraditório nos seus próprios termos, já que considera que se trata de matéria que não cabe no âmbito da ação, pugnando-se pela sua eliminação, sem inclusão nos factos não assentes, e, paralelamente, que deve ser mantida, acrescentando-se que o próprio não tinha conhecimento da declaração de perda total. Trata-se de matéria alegada pela R. no art.º 15.º da contestação e com relevo para os termos da ação, já que a R. impugna que o veículo tenha sido furtado, pondo inclusivamente em crise que este circulasse (art.º 16.º do mesmo articulado). Improcede, por isso, a pretensão do apelante de ver tal matéria excluída. Relativamente ao acrescento de que o A. desconhecia que a perda total tivesse sido declarada, este alega que só teve conhecimento da perda total declarada antes de adquirir o veículo, após o furto do carro, quando foi confrontado o Recorrente com as diligências efetuadas pela perita com a informação que o veículo já havia tido um acidente. O apelante defende que deve ser dado como provado que só após o furto tomou conhecimento da perda total do veículo porque o doc. 1 junto com a contestação confirma que o seguro foi efetuado e que o veículo estava em perfeitas condições e que nessa data não apresentava quaisquer danos e porque os documentos 3 e 4, documentos do mediador, atestam a veracidade da informação do A. através do relatório da inspeção da viatura. Mais identifica o trecho do seu depoimento em que afirma só ter vindo a saber da anteriormente declarada perda total através da perita da apelada. Atente-se em que o A. pretende que seja dado como assente facto instrumental à matéria essencial dos autos. Trata-se ainda de um facto de conhecimento ou consciência e de um facto negativo, cuja prova tem sido qualificada de diabólica. O apelante alegou o facto essencial desaparecimento do veículo por ação de terceiro e a R. defendeu-se impugnando esse facto, para além do mais, porque teria sido declarada a perda total da viatura, sem notícia de que houvesse sido reparada, o que levaria a crer que nem teria chegado a circular. É neste contexto que o A. visa que seja dado como demonstrado que o veículo circulava e que desconhecia essa perda total. O alegado desconhecimento densifica a alegação do A. de que o veículo cuja perda total foi declarada sofreu reparação, estando em perfeitas condições de funcionamento, pelo que não existiria forma de se ter dado conta da perda total. A acrescida dificuldade da prova de factos negativos deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur (cf. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 203) Veja-se ainda que a não prova de um facto equivale à não articulação desse facto, tudo se passando como se tal facto não existisse, não se podendo retirar da não prova de certo facto a prova do facto contrário (cf. ac. da Relação do Porto de 7-12-2018, proc. 323/17.0T8VFR.P2, Carlos Gil). Revertendo ao caso concreto, da existência de documentação que atesta que o veículo estava em condições de circular não se retira que o A. não soubesse que este tinha sido objeto de perda total, já que estão em causa factos com autonomia. A prova do desconhecimento centra-se, assim, na afirmação do próprio apelante nesse sentido. Do facto de as declarações da parte deverem ser tidas em consideração para a formação da convicção a par de outros meios de prova, não se segue que o respetivo teor deva ser acriticamente acolhido pelo julgador, à semelhança, aliás, do que se verifica quanto aos demais meios de prova. Tudo ponderado, por força daquilo que em seguida se exporá quanto aos demais factos relativamente aos quais o A. pretende ver a matéria de facto reapreciada, este tribunal, à semelhança do que ocorreu em primeira instância, não ficou convicto acerca do desconhecimento do apelante de que o veículo tivesse sido objeto de perda total. O recorrente põe ainda em crise os factos dados como provados sob os números 28., 29., 30 dos factos provados e dos factos 1 a 12 e 14 não provados. Para maior facilidade de apreensão, ir-se-á reproduzindo a aludida factualidade à medida que nos pronunciarmos a respeito da impugnação. 28. O autor informou, em sede de participação do furto, que a quilometragem da viatura matrícula ..-TO-.. era de cerca 40.000 km. O A. requer que o art.º 28.º passe a ter o seguinte teor: 28. O autor informou, em sede de participação do furto, que a quilometragem da viatura matrícula ..-TO-.. era de cerca 40.000 km, mas sem certeza, tendo sido instruído pela Perita do Seguro a escrever uma quilometragem concreta do veículo. Funda a sua pretensão no teor do seu depoimento, segundo o qual referiu que não sabia a quilometragem do veículo e que foi instruído pela investigadora da Seguradora a indicar 30 ou 40 mil quilómetros. Assente-se em que a matéria que o apelante pretende ver vertida nos factos assentes não se afasta de modo relevante do que ficou a constar. Os acrescentos referem-se à falta de certeza e a que a perita da seguradora lhe disse que deveria ficar a constar uma quilometragem concreta. Ora cerca de 40 000 km não é uma quilometragem concreta. E, uma outra vez, esbarramos na circunstância de a única prova produzida a este propósito serem as declarações do próprio. Quanto ao ponto 29 dos factos dados como provados, sustenta o apelante que este deverá ser eliminado, por se tratar de matéria que não interessa ao objeto do litígio. O facto 29 reza o seguinte: Em sede de peritagem, realizado à viatura matrícula TO, na data de 29.01.2018, por motivo do sinistro descrito no facto provado n.º 25, foi registada a sua quilometragem, sendo fixada em 8828 km. É, porém, evidente que a matéria do facto 29 releva para a defesa da R., segundo a qual o veículo foi objeto de perda total previamente à celebração do contrato de seguro, não tendo sido alvo de reparação, sugerindo que o veículo não teria chegado a circular. Como já se disse, o apelante não objeta a esse facto, tendo-se cingido a requerer, no contexto do facto 25, que fosse dado como assente que o próprio desconhecia que a perda se tivesse dado. Esse desconhecimento, contudo, não põe em crise a perda, como reconhecido pelo próprio (confira-se ainda a conclusão LXIX, segundo a qual o veículo havia sido vítima de um grave acidente em janeiro de 2018). As suas conclusões LIII, LIV e LV são, por isso, paradoxais, já que constituem reação à declaração de perda total, na circunstância de o veículo lhe ter alegadamente sido vendido em perfeitas condições e tal realidade ter sido confirmada por escrito pela própria companhia de seguros e pelo respetivo mediador. E prossegue o apelante na conclusão LVII: É por isso que a suposta “perda total” é facto meramente adjetivo absolutamente sem relevo nos presentes autos, na justa medida que não constituí tema da prova, pois que não tem qualquer relação com o objeto do litígio desta ação a declaração anterior de perda total, antes da ulterior reparação, aquisição e da celebração do contrato de seguro onde tal foi expressamente confirmado por escrito. Constata-se ainda que o apelante pretende mesmo (conclusão LXI) que seja aditado um novo ponto à matéria de facto dada como provada do seguinte teor: após o acidente ocorrido em janeiro de 2018 o veículo foi reparado no estado em que o A. o adquiriu em boas condições de funcionamento, o que foi confirmado por escrito pelo mediador da R. no momento da realização do seguro. Não se alcança como possa o teor do ponto 29 estar em contradição com a prova documental junta pela “Renault”, em que se refere a propósito do veículo em discussão que a última intervenção de que temos registo no âmbito da Garantia Construtor realizou-se em 26.04.2018. 3. Ainda em caso de resposta afirmativa, quantos quilómetros tinha o mesmo aquando da última revisão? Aquando da última intervenção de que temos registo no âmbito da Garantia Construtor o veículo tinha 6.002 Km.” (conclusão XLVIII). Não foi dado como provado que a perda total se tenha dado em janeiro de 2018, mas sim que antes da celebração do contrato de seguro tinha havido perda total. Inexiste, por conseguinte, contradição com a informação da marca de que em 26-4-2018 a quilometragem era de 6002. O contrato de seguro data de outubro de 2018 e a ação foi proposta sob a invocação de que o veículo teria sido furtado em junho de 2019, pelo que tampouco por esta via há contradição a assinalar. O apelante impugna o ponto 30.º da matéria assente. Tem este o seguinte teor: 30. Em sede pericial, realizada às duas chaves (um cartão principal e um cartão secundário) da viatura matrícula TO, que se encontravam na posse do autor à data do participado furto, conclui-se, na data 06.05.2024, que o cartão principal (branco) tinha registo de 8828km, e o cartão secundário (preto) tinha registo de 2347km. Segundo o recorrente (conclusão LXIII) não resulta da prova carreada que “na data de 06.05.2024 que o cartão principal (branco) tinha registo de 8828km, e o cartão secundário (preto) tinha registo de 2347km”, sendo a referência temporal “na data de 06.05.2024”, ambígua e contraditória e (conclusão LXIV) a prova carreada não faz referência à data de 06.05.2024. O que teria ocorrido (conclusão LXV) é que a informação foi junta aos autos em 06.05.2024. Requer o A. que o ponto 30. dos factos provados passe a referir: “Em sede pericial, realizada às duas chaves (um cartão principal e um cartão secundário) da viatura matrícula TO, que se encontravam na posse do autor à data do participado furto, concluiu que o cartão principal (branco) tinha registo de 8828km, e o cartão secundário (preto) tinha registo de 2347km desconhecendo-se se estavam ou não em conformidade com a programação de origem e em conformidade com os registos reais de km´s no veículo porque a viatura e a respetiva centralina não foram objeto de qualquer análise e ou perícia”. O ponto 30 reporta a data de 6-5-2024 como sendo a data da averiguação pericial e nada mais. Não existe, por isso, ambiguidade ou contradição a constatar. O mais que o apelante pretende ver aditado é o desconhecimento sobre se o que os cartões registavam correspondia ou não à efetiva quilometragem do veículo, acrescentamos nós, pelo menos no caso do cartão principal, já que não podiam estar ambos corretos. O apelante, sem embargo, não especifica devidamente quais os meios de prova em que o tribunal se deveria alicerçar para acolher a sua pretensão. Por outro lado, não se fez constar que o veículo circulou em conformidade com o que consta do cartão principal, mas apenas o que está registado. É certo, porém, que a data de 6-5-2024 não corresponde à data da averiguação pericial, mas sim à data da entrada em juízo da informação. Assim, o ponto 30 passará a adotar o seguinte teor: 30. Em sede pericial, realizada às duas chaves (um cartão principal e um cartão secundário) da viatura matrícula TO, que se encontravam na posse do autor à data do participado furto, conclui-se que o cartão principal (branco) tinha registo de 8828km e que o cartão secundário (preto) tinha registo de 2347km. Como já referimos, o apelante pretende (cf. conclusão LXI) que seja aditado um novo ponto à matéria de facto dada como provada do seguinte teor: Após o acidente ocorrido em janeiro de 2018 o veículo foi reparado no estado em que o A. o adquiriu em boas condições de funcionamento, o que foi confirmado por escrito pelo mediador da R. no momento da realização do seguro. Esta pretensão é contraditória com a alegação do apelante a respeito da irrelevância para a decisão da causa de quanto ocorreu previamente à celebração do contrato de seguro, conforme já supra aludimos. Em todo o caso, o recorrente não explicita o fundamento da sua pretensão, assinaladamente no que se reporta à reparação e o mediador de seguros BB disse não se recordar se efetuou a vistoria e que foi o cliente que enviou as fotografias. Indefere-se, por isso, o requerido. O recorrente põe ainda em crise os factos 1 a 12 e 14 não provados. 1. Em 11.06.2019 o autor deslocou-se à Rua ..., na Póvoa de Varzim, aproximadamente pelas 22h15, tendo estacionado o veículo supra mencionado. 2. Sucedeu, porém, que o autor marcou com a sua à data namorada DD para jantar nas proximidades, tendo tal desiderato sido logrado após a chegada da mesma. 3. O autor enquanto aguardava a chegada da (à data) namorada DD foi caminhar na zona da marginal e em frente ao .... 4. O autor e à data a sua namorada DD nesse dia, foram jantar ao restaurante “...”, sito na Avenida ... - Praia, Póvoa de Varzim. 5. Findo o jantar, o autor e a sua namorada DD foram tomar café, deslocando-se a pé ao café sito na Avenida ..., na Póvoa de Varzim, estabelecimento comercial conhecido por “C..., Lda.”; de seguida foram caminhar na marginal e na praia. 6. O autor e a sua à data namorada após caminharem na marginal, ainda se sentaram no areal da praia e estiveram a conversar. 7. Aproximadamente pelas 00h45 e a 01h00, do dia 12.06.2019, o autor e a sua namorada foram até à Rua ..., ao local onde ficou o veículo supra mencionado estacionado. 8. Para perplexidade do autor o veículo não se encontrava no local, tendo desaparecido. 9. Aparentemente não foram encontrados vestígios de vidros partidos no local onde o autor estacionou e o mesmo desapareceu, contra a vontade deste e de forma ilegítima. 10. O local do furto é rodeado de habitações e estabelecimentos comerciais. 11. O referido veículo até à presente data não foi encontrado. 12. À data da participação do furto, o veículo apresentava-se em bom estado de conservação. 14. Até à presente data, no âmbito dos autos de contraordenação o autor não recebeu qualquer resposta. Sustenta o recorrente que os factos não provados 1 a 12 e 14 deveriam ser dados como provados em razão do alegado e da prova produzida em sede de declarações de parte do próprio e da testemunha DD. O depoimento da testemunha EE, agente da PSP, confirmaria a presença do casal no dia e hora na Póvoa de Varzim na participação do crime. Relativamente à efetivação da participação criminal junto da esquadra da PSP da Póvoa do Varzim, esta não foi posta em causa. No mais, está em causa a versão do A. acerca do desaparecimento do veículo e circunstâncias relacionadas. Em síntese, o A. refere ter ido jantar a Vila do Conde (e não à Póvoa do Varzim, conforme consta da petição inicial, sendo a localidade em que a queixa junto das autoridades policiais ocorreu). Disse ter esperado pela namorada ou companheira DD (não foi possível discernir) junto do carro, tendo depois seguido juntos para o restaurante. Segundo DD, os dois elementos do casal foram separados para a Póvoa para que o A. marcasse lugar no restaurante e encontraram-se neste. O A. depôs no sentido de ter conduzido o veículo apenas algumas vezes. Segundo a sua ex-companheira, conduzia-o regularmente, tendo feito viagens de lazer. À data da celebração do contrato de seguro estimava uma média anual de 10 000 km. Volvido menos de um ano, afirmou que o veículo teria circulado cerca de 40 000, 00. Não é verosímil que o A. tivesse adquirido um veículo quase novo sem se aperceber da respetiva quilometragem. Por isso, seria natural que, mesmo sem saber exatamente qual esta fosse, tendo afirmado que o conduziu não mais do que algumas vezes, indicasse um valor substancialmente mais baixo, ou, em todo o caso, não fazendo acrescer à quilometragem inicial mais do que 10 000 km, ou um pouco menos, por o veículo não estar ainda há um ano nas suas mãos. A viatura em causa foi objeto de contraordenação por estacionamento proibido, que terá ocorrido em 19-06-2019, pelas 19h, na Rua ..., na ..., em local próximo da residência do A.. O A. invocou ter existido lapso na data (a contraordenação teria ocorrido em 1-6-2019). Já DD disse recordar-se de ter existido uma multa de estacionamento, estaria tudo certo e que o AA pagou. O A. disse ainda que desde o furto que já comprou dois ou três carros. Seriam carros baratos (referiu valor na ordem dos € 1 000,00). À data do furto também teria outro veículo para trabalhar, pois precisava de transportar sucata e palha para animais, não sendo adequado fazê-lo num veículo como o Renault. GG depôs no sentido de conhecer o A. desde criança por viveram nas proximidades um do outro, sendo aquele um seu conhecido. Aduziu que o encontrou casualmente na ..., estando este muito contente por ter comprado um carro da marca Renault, cinzento. O carro cheirava a novo. FF, que terá sido patrão do A. no âmbito do trabalho deste numa roulotte de restauração, aduziu que o A. adquiriu um veículo usado Renault, de cor cinzenta, não sabe exatamente quando. AA ia trabalhar fazendo-se transportar no veículo. O carro estava como novo. Tudo ponderado, o tribunal não ficou convicto de que o A. tenha efetivamente comprado a viatura, ainda que tenha inscrito o direito de propriedade sobre esta a seu favor. Os depoimentos do A. e de DD, conforme se vem de patentear, apresentam discrepâncias assinaláveis. Não há prova de deslocações patrimoniais e o indigitado vendedor não depôs em tribunal. Quanto às medições de ambas as chaves, segundo as quais entre 29-01-2018 e a data da realização da dita perícia, o veículo não terá circulado, ou pelo menos, não aumentou a sua quilometragem, mais contribuem para que a versão dos acontecimentos veiculada pelo A. não tenha logrado convencer o tribunal. Há notícia de uma contraordenação por estacionamento indevido em local próximo da residência do A.. Este põe em crise que o estacionamento se tenha verificado na data assinalada, mas a dúvida não ficou arredada. Sopesando os elementos documentais e periciais, quedam dúvidas relevantes acerca dos acontecimentos tais como relatados pelo A.. Algumas incongruências nos relatos podem ser tidas como compreensíveis pelo decorrer do tempo e pela visão específica que cada um tem da realidade, mas a conjugação dos relatos testemunhais com a ausência de prova da aquisição e da deslocação patrimonial atinente, as medições das chaves e a circunstância de ter existido contraordenação relativa ao veículo em data posterior ao alegado furto, em zona próxima da residência do A., não permitem firmar a convicção, também em segunda instância, da veracidade da alegação do A.. Não se olvida que juntamente com as alegações de recurso, que deram entrada em juízo em 25-11-2024, a apelada requereu a junção de documento consistente na notificação da acusação do Ministério Público contra o apelante referente aos factos em causa nos autos, pela prática do crime de burla qualificada na forma tentada nos termos do preceituado nos artigos 217.º/1, 218.º/1/2/a, 22.º e 23.º do Código Penal e pelo crime de simulação de crime previsto e punido no art.º 366.º/1 do Código Penal. Bem assim, que o apelante requereu a abertura da instrução por referência à mesma matéria. Trata-se, todavia, de documentos que, naturalmente, não foram tidos em consideração em primeira instância e que, em todo o caso, pelas fases processuais a que se referem, irrelevam para a formação da convicção. Indefere-se, por isso, que os factos assinalados transitem da matéria não assente para a adquirida. * d - Do erro de julgamento É sabido que dependendo a reapreciação da matéria de direito do recurso da procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, mantendo-se esta, fica prejudicado o conhecimento daquela (art.º 608.º/2, ex vi parte final do n.º 2 do art.º 663.º, ambos do C.P.C.). Em contrário, sustenta o apelante que, independentemente do acolhimento da sua pretensão de ver alterada a matéria de facto, a matéria jurídica da causa deve ser reapreciada. Embora reconheça que impendia sobre si o ónus da demonstração do evento infortunístico, considera que a R. não logrou demonstrar o quer que seja com o mínimo de relevância para se poder imputar ao Autor qualquer comportamento fraudulento, ou então para afastar a prova de primeira aparência da ocorrência daquele evento. Por esse motivo, dever-lhe-ia ser reconhecido o direito à indemnização decorrente do contrato de seguro. Em bom rigor, o recorrente esteia a sua pretensão na alegação de que a solução jurídica da causa reside em matéria de ónus da prova. Não impenderia sobre si o ónus de demonstrar a existência do furto desencadeador da responsabilidade civil contratual da seguradora R.. Impenderia antes sobre a R. o ónus da prova de que tal furto não ocorreu. Neste sentido, confiram-se as seguintes conclusões: CXIV. No caso dos autos, da factualidade julgada provada e descrita sob os respetivos pontos dados como provados 1 a 6 para além de se retirar a qualidade do Autor como legítimo possuidor do veículo em questão, resulta com toda a clarividência o desaparecimento do mesmo veículo nas circunstâncias de tempo e lugar apuradas, ocorrência que o Autor denunciou às autoridades policiais no próprio dia em que tomou dela conhecimento. CXV. Tal factualidade é bastante, na esteira da jurisprudência que deixámos citada e que acolhemos sem reservas, para podermos afirmar a ocorrência do evento infortunístico “furto de veículo automóvel”, para efeitos de cobertura pelo contrato de seguro firmado entre Autor e Ré, tanto mais que esta, não obstante as suspeitas apontadas. Esta pretensão é substancialmente independente da alteração à matéria de facto. Na realidade, não consta dos factos assentes que o furto não tenha ocorrido e é sabido que a ausência de prova de um facto não significa que se prove o seu contrário, pelo que, na ausência de uma tomada de posição quanto à existência ou inexistência de furto, há uma controvérsia jurídica a dirimir. Desde já se diga que a tese do recorrente de que o único ónus que lhe cabia consistia em produzir prova de que efetuou participação de furto à entidade policial não pode merecer acolhimento. Trata-se de uma declaração unilateral, que não carece de comprovação. Estaria encontrada a fórmula para fazer vingar a pretensão de qualquer segurado, sem que se entreveja nenhum fundamento jurídico ou lógico para tal. Assim, mesmo a entender-se que a participação é exigível, tratar-se-á apenas de uma formalidade cuja realidade subjacente a entidade chamada a suportar a indemnização por força de contrato de seguro poderá ir verificar, e, nessa conformidade, confirmar ou contraditar. Não se ignora que a prova da ocorrência de um facto que não foi perpetrado pelo lesado, como se verifica em caso de furto, de forma, em princípio, sub-reptícia, é passível de se revelar particularmente difícil. Deve, nesses casos, o julgador adotar uma postura flexível, não rigorosa ou formalista. Daí não se segue que baste ao lesado produzir prova de que se acercou das autoridades policiais para efetuar uma participação - coisa que, como é evidente, qualquer pessoa, a qualquer tempo pode fazer - ou que o tribunal se há de bastar com a afirmação de que os factos ocorreram como alegado. Esta tese não encontra arrimo legal e é até contrária ao bom senso. A prova de efetivação de participação de furto não se confunde com a prova de que este se verificou. O sinistro e a notícia do mesmo não são factos equivalentes. Ainda que a notícia do crime possa constituir um requisito formal para o acionamento do seguro, não faz prova do teor da queixa. Não se ignora a existência de jurisprudência no sentido de que o segurado tem o ónus da prova de que o veículo foi furtado, mas para tal basta a existência de uma participação às autoridades policiais, feita em circunstâncias tais que não ponham em causa a seriedade da mesma, ou seja, que apontem para a sua verosimilhança. É depois à seguradora que cabe a prova de circunstâncias capazes de afastar a prova de primeira aparência do furto feita por aquela participação (cf. ac. da Relação de Lisboa de 22-11-218, proc. 18262/17.2T8LSB.L1-2, Pedro Martins). Também aí se lê: de resto, a qualquer seguradora, com a organização de meios de que dispõe, é extremamente fácil fazer a prova das circunstâncias - se elas se verificarem de facto - que, no caso concreto, põem em causa a prova do furto. Foi precisamente o que ocorreu no caso vertente, em que a matéria foi aprofundadamente instruída, como se evidencia, quer pela fundamentação da matéria de facto, quer pela própria matéria adquirida para a causa, com ênfase para os pontos 14, 25, 28, 29 e 30 (14. O autor recebeu no mês de setembro de 2019 uma contraordenação da prática de uma alegada infração de não cumprimento da indicação dada pelo sinal proibição C16, paragem de estacionamento proibido, com alegada data de ocorrência em 19.06.2019, às 19 horas, na Rua ..., ... viatura matrícula ..-TO-.. sofrera, antes da celebração do negócio jurídico descrito no facto provado n.º 2, um sinistro que originou a declaração de perda total; 28. O autor informou, em sede de participação do furto, que a quilometragem da viatura matrícula ..-TO-.. era de cerca 40.000 km; 29. Em sede de peritagem, realizado à viatura matrícula TO, na data de 29.01.2018, por motivo do sinistro descrito no facto provado n.º 25, foi registada a sua quilometragem, sendo fixada em 8828km; 30. Em sede pericial, realizada às duas chaves (um cartão principal e um cartão secundário) da viatura matrícula TO, que se encontravam na posse do autor à data do participado furto, conclui-se, na data 06.05.2024, que o cartão principal (branco) tinha registo de 8828km, e o cartão secundário (preto) tinha registo de 2347 km). No caso vertente, ainda que não nos devamos acercar uma outra vez da prova em concreto produzida, não se deixará de constatar que o tribunal a quo analisou os elementos avançados pelo A. e aqueles coligidos pela R. para os contraditar, não se tendo cingido a aferir sobre qual das partes impendia o ónus da prova. Não houve adesão acrítica formalista a qualquer uma das teses, mas sim ponderação circunstanciada da prova pericial, documental, testemunhal e das declarações da parte. O apelante defende ainda que a sentença violou o preceituado pelos artigos 236.º e 238.º do C.C. (confira-se a conclusão CXXXI: As declarações gerais e especiais constantes da apólice de seguro integram declarações negociais, estando, como tal, sujeitas, em matéria de interpretação, aos princípios estabelecidos nos artigos 236.º e 238.º, ambos do Código Civil, prevalecendo, em caso de dúvida, o sentido mais favorável a quem beneficia do contrato de seguro, como contrato de adesão que é). A hermenêutica negocial (a atividade destinada a fixar o sentido e alcance decisivo dos negócios jurídicos, segundo as respetivas declarações negociais integradoras) é presidida pelo teoria da impressão do destinatário, estabelecida no art.º 236.º/1 do C.C., segundo a qual a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. O art.º 238.º/1 do C.C, por seu turno, prevê que nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso. A interpretação dos negócios jurídicos deve ser assumida como uma tarefa científica, tendente a determinar o regime aplicável aos problemas que se ponham no seu âmbito (in António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, II, Parte Geral, 4.ª ed., Almedina, p. 685). Na situação em apreço não está, todavia, em causa a melhor interpretação do contrato de seguro, mas apenas a circunstância de não se ter demonstrado a ocorrência do sinistro, circunstância autónoma da anterior perda total e da invocada pré-existente reparação na sequência da perda. Improcedem, por isso, as considerações a este propósito tecidas pelo recorrente. Na conclusão CXXXIII, sustenta o apelante que a sentença violou o disposto no art.º 798.º e seguintes do C.P.C. e ainda o Regime do Contrato de Seguro. Trata-se de uma consideração genérica, sem relevo para o caso concreto. É certo que nos termos do preceituado no art.º 798.º do C.C., o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação se torna responsável pelo prejuízo que causa ao credor. Já verificámos, contudo, que a R. Seguradora não se constituiu na obrigação de indemnizar o A., pelo que não incorreu em incumprimento ao não proceder ao pagamento da quantia que seria devida a título de indemnização acaso se verificassem os respetivos pressupostos. Em suma, constitui elemento constitutivo do direito à indemnização do segurado a verificação do sinistro e os danos correlativos. A prova da ocorrência de um e de outro impende sobre o credor/segurado. No ac. da Relação de Guimarães de 16-11-2017 (proc. 216/14.2T8EPS.G1, José Alberto Moreira Dias) sumaria-se: 1 - Celebrado contrato de seguro entre as partes, em que um dos riscos cobertos é o furto do veículo, incumbe ao autor a prova da verificação do furto, por se tratar de facto constitutivo do direito indemnizatório que se arroga titular perante a seguradora (art.º 342º, n.º 1 do C.C.), competindo à última o ónus da alegação e da prova de factos conducentes à exclusão da sua responsabilidade (n.º 2 do art.º 342.º do C.C.). 2- Não cumprindo o segurado este ónus, a dúvida sobre a existência do sinistro tem de ser resolvida contra si (art.º 414.º do C.P.C.). Nesse mesmo acórdão se elenca jurisprudência, que, por simplicidade, se reproduz: Ac. RP. de 11/07/2012, Proc. 863/09.4TJVNF.P1, onde se lê: “se foi celebrado entre as partes um contrato de seguro de responsabilidade civil em que um dos riscos cobertos é o furto nas instalações da segurada, compete a esta a prova da verificação do furto e à seguradora a prova da factualidade conducente à reclamação da sua responsabilidade”. No mesmo sentido Ac. RP. de 10/11/2009, Proc.588/09.0YRPRT, onde se pondera que “o direito do segurado à reparação com base em contrato de seguro que abrange danos próprios do veículo, não depende apenas da prova da existência dos danos sofridos pelo veículo. Também depende da prova de que os danos foram causados por um dos riscos cobertos pelo seguro. O ónus da prova sobre a ocorrência do sinistro e sobre o nexo de causalidade entre esse sinistro e os danos sofridos pelo veículo compete ao segurado, enquanto titular do direito à indemnização. Não cumprindo o segurado este ónus, a dúvida sobre a existência do sinistro tem de ser resolvida contra si (art.º 516º, nº 2 do CPC). Ainda RL. de 18/04/2013, Proc. 2212/09.2TBACB.L1-2, onde se lê: “ao tomador de seguro cabe a alegação e ónus da prova da verificação do risco coberto. À seguradora cabe a alegação e o ónus da prova da verificação de uma causa de exclusão do risco (com facto impeditivo do direito daquele - art.º 342º, n.º 2 do CC.). Finalmente, Ac. RC. de 22/11/2012, Proc. 118/11.4TVLSB.L1-6, em que se escreve: “destinando-se a ação à reparação de um dano contratualmente seguro - a perda do veículo automóvel por furto - tem o Autor ónus de alegar e provar o conjunto fáctico gerador desse dever de indemnizar, desde logo o sinistro (furto)”. Nos termos do disposto no art.º 342.º/1 do C.P.C., o ónus da prova dos factos constitutivos do direito à indemnização emergente da celebração de contrato de seguro cabe àquele que se arroga o direito, ou seja, ao segurado. Só em caso de prova dos factos constitutivos, caberá à entidade seguradora a prova dos factos que impedem, modificam ou excluem a sua responsabilidade, conforme o preceituado no n.º 2 do mesmo art.º. Cabia, assim, ao A. o ónus de provar a ocorrência do evento - o furto do veículo - e o nexo de causalidade entre esse evento e os danos sofridos (art.º 342.º/1 do C.C.). À R cabia o ónus de alegar e provar quaisquer factos que integrassem exclusão da garantia da cobertura contratada (art.º 342.º/2 do C.C.). Conclui ainda o recorrente que, de forma abusiva, a recorrida veio alegar situações anómalas, quando já estava em mora para o pagamento da indemnização do furto e teria que justificar qualquer causa impeditiva, o que não fez. E prossegue o A.: enxertar uma peregrina tese de o carro nunca ter sido reparado quando a própria, meses antes, por escrito, certificou estar o mesmo em condições, constitui, entre outros, manifesto abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium. Segundo o recorrente, ao ter a apelada aceite que o veículo estava em condições de circular, conforme emerge da celebração de contrato de seguro, ficar-lhe-ia vedado contestar nos moldes em que o fez, suscitando a questão da perda total. Sendo as normas jurídicas gerais e abstratas, nem sempre conduzem diretamente a soluções de justiça e de equidade. É neste contexto que surge o instituto do abuso do direito, figura recondutível ao âmbito mais vasto da boa-fé expressamente prevista no art.º 334.º do C.C.. Segundo o disposto neste artigo, é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. A boa-fé exprime os valores fundamentais do sistema, que tem exigências que se projetam nos direitos subjetivos. O desrespeito por essas exigências dá azo ao abuso do direito. Não se pretende cometer ao juiz, para além da função jurisdicional, uma função ética ou política, mas remeter para o ordenamento jurídico de um ponto de vista sistemático A propósito do art.º 334.º do .C.C., escreve Menezes Cordeiro (Cordeiro, António Menezes, Da Boa-Fé, vol. II, Coimbra, Almedina, pp. 661 e 662) que há a considerar "(...) três áreas atinentes à previsão; em causa ficam limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico dos direitos (...) o sujeito exerce um direito - move-se dentro de uma permissão normativa de aproveitamento específico -, o que, já por si, implica a incidência de realidades normativas e deve, além disso, observar os limites impostos pelos três fatores acima isolados, dos quais um, a boa-fé". A lei emprega conceitos indeterminados, como sejam a boa-fé, bons costumes, fim social ou económico do direito, para ver alcançados instrumentos capazes de promover, no caso concreto, uma busca mais apurada da justiça (Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I - Parte Geral, Tomo I, p. 198). No âmbito da elaboração periférica do exercício da boa-fé, as figuras de comportamento inadmissível mais vulgarmente admitidas são o venire contra factum proprium, a supressio, a surrectio, a exceptio doli, a inalegabilidade formal, o tu quoque e o exercício em desequilíbrio. Trata-se de uma válvula de segurança que visa obstar a eventuais injustiças decorrentes do exercício do direito. Ao lado da justiça, encontra-se a paz jurídica como expressão da ideia de direito (Baptista Machado, João, Obra Dispersa, Volume I, Scientia Jurídica, Braga, 1991, p. 346). O excesso cometido deve ser manifesto, clamoroso, ofensiva do sentido ético-jurídico dominante na coletividade (boa-fé e bons costumes), ou desvirtuar os juízos de valor positivamente nele consagrados (fim social ou económico). O fim social ou económico do direito convoca uma construção historicamente enquadrada, apelando a uma interpretação que dê valor à dimensão teleológica, fazendo-a preponderar. Segundo Louis Josserand, seria necessário, para um exercício legítimo dos direitos subjetivos, respeitar a função que justificara a atribuição (De l’Esprit et de leur Relativité. Theórie de l’abus des droits, 2.ª ed., 1939, pp. 312 ss., 364 ss. e 388, citado por António Menezes Cordeiro, Do abuso do direito: estado das questões e perspetivas, https://www.oa.pt/conteudos/artigos/detalhe_artigo.aspx?idsc=45582&ida=45614). Prossegue Menezes Cordeiro, no artigo que se vem de citar: cedo, porém, a meditação científica revelaria que a busca da função dos direitos mais não fazia do que encobrir a necessidade de proceder a uma interpretação mais cuidada das normas jurídicas envolvidas. Pois bem: superada a fase puramente exegética da interpretação e vincada a existência de elementos teleológicos no apuramento das normas jurídicas, ficava satisfeita a necessidade fundamental que ditara, nesta fase, o sucesso da teoria do abuso do direito. Castanheira Neves (Neves, António Castanheira, Questão-de-facto - questão-de-direito ou o problema metodológico da jurisdicidade (Ensaio de uma reposição crítica) I - A crise (1967), 524) considera abuso do direito o comportamento que não contrariando a estrutura formal-definidora de um direito “…viole ou não cumpra, no seu sentido concreto-materialmente realizado, a intenção normativa que materialmente fundamenta e constitui o direito invocado…” E prossegue dizendo que as cláusulas gerais (boa-fé, bons costumes) constituem afloramentos dos princípios do direito justo - princípios que valem para além e com independência de toda e qualquer prescrição positiva, como expressões que são da própria Ideia de Direito (ibidem, 529). Através do abuso, a ordem jurídica reage aí (…), à injustiça da situação de facto que se produziria em virtude um comportamento inconsequente (Frada, Manuel A. Carneiro da, Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, Almedina, Coimbra, 2004, p. 861). Cremos ser acertado afirmar que ocorre abuso do direito se o detentor de um determinado direito, previsto no ordenamento jurídico, o exercita desenquadrado da razão que levou o legislador a prevê-lo. Será ainda correto concluir que tal não se verifica no caso concreto. A invocação de que a R. age em abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium não encontra arrimo factual. É apodítico que a R. podia diligenciar pelo apuramento do estado da viatura previamente ao invocado desaparecimento e alegar em conformidade, tanto mais no contexto subjacente ao invocado desaparecimento. A celebração do contrato de seguro corresponde, as mais das vezes, à receção de uma proposta e aceitação, sem indagações de natureza minimamente pormenorizada. Mal fora que o segurado se pudesse aproveitar dessa simplicidade, inerente às necessidades do comércio jurídico, para pôr a coberto uma realidade contrária à lealdade que deve presidir ao mesmo. Em súmula, não tendo o apelante logrado produzir prova do que lhe competia e não se defendendo a apelada em abuso do direito, a ação não poderia ter deixado de soçobrar, decisão que ora resta confirmar. * V - Dispositivo Nos termos sobreditos, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se integralmente a sentença recorrida. * Custas pelo apelante, por ter decaído na sua pretensão (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).* Porto, 10-3-2025. Teresa Fonseca José Eusébio Almeida José Nuno Duarte |