Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
43/17.5T8ARC-K.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA MIRANDA
Descritores: PROMOÇÃO E PROTECÇÃO DE MENORES
DECISÃO PROVISÓRIA
ALTERAÇÃO
REVISÃO
IMPUGNAÇÃO FACTUALIDADE
Nº do Documento: RP2021091443/17.5T8ARC-K.P1
Data do Acordão: 09/14/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O princípio da alterabilidade das decisões proferidas nos processos de jurisdição voluntária não tem carácter absoluto, só devendo ser aplicado quando se verifiquem circunstâncias supervenientes justificativas da modificação da anterior decisão.
II - No entanto, enquanto não for alterada, a decisão tem força de caso julgado material e formal, sendo obrigatória dentro e fora do processo nos termos do art.º 619.º do C.P.Civil e com os limites previstos nos art.ºs 580.º e 581.º desse diploma legal.
III - Não tendo sido interposto recurso da decisão anterior sobre a matéria de facto, a qual determinou a medida provisória de acolhimento institucional, não é admissível a impugnação daquela decisão no recurso interposto da decisão que apreciou a sua revisão.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 43/17.5T8ARC-K.P1

Relatora: Anabela Tenreiro
Adjunta: Lina Castro Baptista
Adjunta: Alexandra Pelayo
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Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I-RELATÓRIO
Nos presentes autos de promoção e protecção dos menores B…, C… e D… foi determinado, por decisão de 09.04.2021, aplicar-lhes, a título provisório e cautelar, a medida de “acolhimento residencial”, prevista nos artigos 37.º, n.º 1 e 35.º, n.º 1, alínea f), ambos da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, pelo período de 3 meses, sem prejuízo de poder ser prorrogada.
Tinham anteriormente estado a residir com a progenitora, beneficiando da medida de promoção e protecção de apoio junto da mãe.
A mencionada decisão de “acolhimento residencial” teve em consideração a certidão da acusação pública formulada no Inquérito n.º 48/20.9GAARC, na qual a progenitora é acusada, em autoria material, na forma consumada, com dolo direto e em concurso real, da prática de três crimes de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º n.º 1, alínea d) e n.º 2 a), 4 e 5 do Código Penal, na pessoa de cada um dos seus filhos, por factos praticados no período compreendido entre Novembro de 2019 e 22.05.2020, no interior da residência do agregado familiar e de, posteriormente, terem sido denunciados novos episódios de agressões.
Perante este quadro factual, indiciado na acusação, o Tribunal ponderou que a sujeição da B…, da C… e do D… a agressões físicas por parte da progenitora era algo que não podia ser excluído, verificando-se a situação de perigo a que se referem os artigos 5º, c) e 3º, nº2, b) da Lei 147/99, de 1 Setembro, impondo-se a tomada de uma decisão urgente que colocasse imediato termo à situação relatada.
Em consequência, a B… e a C… encontram-se acolhidas no E… e o D… no CAT F….
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Realizaram-se diligências para se apurar a evolução da medida e as repercussões da mesma nos menores.
Da informação remetida pela Casa da Criança de F…, que acolheu o D…, resulta que “Tendo em consideração a informação descrita, é do entendimento desta equipa técnica, salvo melhor opinião, que é urgente definir-se um projecto de reunificação familiar, com avaliação do meio familiar mais salutar para o seu desenvolvimento normativo e defensor dos seus superiores interesses e direitos, em que estejam definidas regras e limites claros para os adultos que o rodeiam, tendo em conta os conflitos existentes entre a mãe e o agregado familiar paterno. No nosso entender, o D… não deverá manter-se afastado por muito tempo do seu espaço físico e afectivo ficando sujeito às implicações de um acolhimento residencial no seu percurso e desenvolvimento.”
Relativamente à B… e C…, o E…, emitiu o seguinte parecer: “A equipa desta CAR considera que no âmbito da execução da medida de Promoção e Protecção de Acolhimento Residencial, as menores B… e C… têm vindo a beneficiar do acompanhamento/intervenção em curso, mostrando-se recetivas às regras e orientações da equipa, encontrando-se, à data, integradas e adaptadas a este contexto residencial.”
Sobre o actual momento que caracteriza a presença das crianças nos respectivos acolhimentos, a informação do ISS de 08 de Julho de 2021 refere terem sido encaminhados os acima descritos relatórios de acompanhamento realizados pelas conhecidas instituições, sendo aí relatadas as dinâmicas das crianças naqueles espaços.
Nessa informação consta a situação conturbada no E1… decorrente de um surto Covid mas que apesar disso, as menores apresentaram-se sorridentes, tendo a B… referido que pretendia passar alguns dias em casa. Acrescentou-se as presenças da progenitora nas consultas de acompanhamento psicológico e nas sessões de treino parental e do progenitor (que referiu andar à procura de uma habitação para cuidar dos filhos) nas consultas de acompanhamento psicológico.
Concluiu-se apenas que os progenitores mantêm a expectativa de ver a questão dos seus filhos resolvida o mais breve possível tal qual a restante família alargada.
A tia paterna, G…, endereçou um requerimento aos autos, pedindo que apenas o D… integre o seu agregado familiar uma vez que não dispõe de condições logísticas e económicas para albergar os três sobrinhos e sendo madrinha do D…, tem com este uma singular relação de proximidade, afecto e confiança.
Notificados os progenitores e os menores, veio o progenitor dizer que aceita a integração do D… no agregado familiar da tia.
A progenitora opôs-se alegando que a tia paterna mantém-se próxima da avó paterna, convivendo com ela regularmente e está incompatibilizada com a progenitora, tanto mais que renunciou ao mandato forense num processo em que a representava e dos autos resulta, que também a tia requerente contribuiu para denegrir, ao longo dos anos, a imagem da mãe, junto dos filhos.
Junto aos autos o relatório social sobre as condições sociais e económicas da tia/requerente, dele consta que a mesma reúne condições económicas e habitacionais para alojar a criança e estabelecer com a mesma a sua rotina diária e mantém um vínculo afectivo próximo com o sobrinho. Nessa sequência foi emitido o seguinte parecer: “o SR. Progenitor e Sr.ª Progenitora já confiaram o seu filho D… a esta Tia Paterna aos finais de semana.
Conhecem bem a suas dinâmicas diárias, a sua organização social e financeira bem como a postura responsável que sempre apresentou quando estes lhe confiaram o seu filho ainda que, sem ser em regime ordinário.
Nesse sentido e estejam os adultos concordantes, Sr. H… e D. I…, assumindo também a D. G… uma postura de colaboração com os progenitores e uma supervisão bastante rigorosa relativamente o relacionamento da Sr.ª Avó com o neto D…, a medida de Acolhimento Residencial poderá ser repensada, assim seja entendimento de V. Estimadas Excelências.”
Foi emitido parecer pelo Ministério Público no sentido da alteração da medida de acolhimento residencial aplicada ao D…, pela de apoio junto de outro familiar – a tia paterna e madrinha, porquanto “perante a informação remetida pelo lar residencial, que alerta para a premência de se redefinir um projecto de vida para o D… em meio natural de vida – sob pena de, também por outro prisma, se sujeitar o mesmo a consequências derivadas do acolhimento em que se encontra – e em face desta nova alternativa, que passaria pela sua integração no agregado familiar desta tia paterna, entendemos que o princípio do superior interesse da criança que norteia qualquer decisão tomada nesta sede e, ainda, os princípios da proporcionalidade, da actualidade e da prevalência da família, plasmados no artigo 3.º, alíneas a), e) e h) da LPCJP, impõem que se altere a medida aplicada.”
Entendeu ainda o Ministério Público que a medida provisória devia ser acompanhada de determinadas condições, que respeitem o sentido das decisões que vem sendo tomadas, devendo a tia materna:
- impedir qualquer tipo de contacto do D… com a avó paterna, sob cominação de incorrer na prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal;
- possibilitar contactos/convívios/visitas regulares ao D… por parte dos seus progenitores, demais familiares e pessoas de referência na vida deste, podendo aqueles, aquando das deslocações ao “Patronato”, para visitar a B… e a C…, levar o D… consigo de modo a partilhar de momentos em família mais profícuos.
Por fim, quanto à B… e C…, a Digna Magistrada do Ministério Público, promoveu a manutenção da medida de acolhimento residencial por não decorrerem dos autos novos elementos que apontem em sentido diferente.
Ouvidos os progenitores, os menores e a tia requerente, veio esta última comprometer-se a assegurar que a avó paterna não tem qualquer tipo de convívio com o menor e a permitir os convívios regulares deste com os progenitores, requerendo autorização para a alteração do estabelecimento de ensino e catequese frequentados pelo D… para outro existente na área da residência da requerente (…), a fixação de um regime de visitas a favor dos progenitores e autorização para se ausentar com o D… num período de férias em Agosto, em local a indicar.
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O Ministério Público não se opôs ao requerido.
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Decorrido o prazo de três meses, e com base nas descritas informações, foi decidido, no essencial, o seguinte:
a)prorrogar a medida provisória de promoção e protecção de acolhimento residencial a favor da B… e C…, por mais 3 meses;
b)que o D… passe a residir a título provisório com a tia G…, pelo prazo de 3 meses;
c)que na execução dessa medida, a tia do menor fica obrigada a impedir qualquer tipo de contacto do D… com a avó paterna, autorizando-se que passe a frequentar estabelecimento de ensino e de catequese em … e a possibilitar contactos/visitas/convívios regulares ao D… por parte dos seus progenitores.
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Inconformada com esta decisão, a progenitora interpôs recurso, formulando as seguintes
Conclusões
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O Ministério Público respondeu defendendo a confirmação da decisão.
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II-Delimitação do Objecto do Recurso
As questões decidendas, para além das nulidades referentes à violação do princípio do contraditório e à falta de fundamentação da decisão, cingem-se à questão de saber se deve ser alterada a medida aplicada aos menores, substituindo-a pela medida de protecção junto da progenitora.
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Das Nulidades
No que concerne ao formalismo da decisão, a Recorrente defende que não se encontra fundamentada de facto e de direito pois não elenca os factos que, no entender do tribunal, justificam o recurso a uma medida cautelar e/ou a situação concreta de perigo em que os seus filhos se encontram.
A sentença, após identificar as partes, o objecto do litígio e enunciar as questões que cumpre solucionar, expõe os fundamentos, ou seja, discrimina os factos que considera provados e não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras da experiência (cfr. n.ºs 2 a 4 do art. 607.º do C.P.C. aplicável por força do art.º 100.º da Lei n.º147/99 de 01.09 e do art. 295.º do CPC).
Como se sabe, a fundamentação da decisão permite aos destinatários a compreensão do sentido da decisão e a reapreciação da causa, em caso de recurso.[1]
A importância da fundamentação determina a nulidade da sentença quando nomeadamente não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão-cfr. artigo 615.º, n.º 1, al.b) do C.P.Civil.
No entanto, tem sido entendido, de forma reiterada e unânime pela doutrina e jurisprudência, que este vício (falta de fundamentação) só existe no caso de se verificar uma absoluta e total falta de fundamentação, quer ao nível do quadro factual apurado quer no que respeita ao respectivo enquadramento legal.
Assim, a sentença que contenha uma deficiente, incompleta ou não convincente fundamentação[2] não enferma deste vício.
Trata-se, portanto, de um vício de natureza meramente formal (omissão total da discriminação dos factos e/ou das normas jurídicas aplicáveis) e não substancial.
Da leitura da decisão impugnada cumpre notar que se mostra exaustivamente fundamentada com o quadro legal aplicável, baseando-se a mesma, por um lado, na actualidade dos argumentos aduzidos quanto ao perigo a que os menores estavam sujeitos e, por outro, na impossibilidade de regressarem à residência do progenitor ou da progenitora e de não terem qualquer familiar ou família de acolhimento que possa acolher as irmãs.
Acrescenta-se que a informação da instituição onde as irmãs estão acolhidas é positiva no que respeita à sua adaptação, bem-estar e educação.
Sobre o menor D…, atendendo aos benefícios que resultam para o mesmo em ser acolhido pela tia, que é sua madrinha, a qual se disponibilizou para esse efeito e tem condições habitacionais e económicas para tanto, o tribunal alterou a anterior medida de cariz institucional pela solução familiar.
Estamos perante uma decisão de revisão de uma medida provisória proferida no âmbito de um processo de jurisdição voluntária, de natureza simplificada, não sendo exigível (por ser inadequada face aos trâmites processuais) uma obediência rigorosa da legalidade tal como é requerida no julgamento da matéria de facto após a realização da audiência de julgamento.
De qualquer modo, mesmo que se considerasse deficiente a fundamentação, o que não é o caso (bem pelo contrário), não era nula, como pretende a Recorrente.
Por outro lado, o princípio da actualidade foi devidamente observado uma vez que a decisão alicerçou-se nas informações recolhidas posteriormente à aplicação da medida de acolhimento residencial.
Tais informações tiveram como objectivo habilitar o tribunal a reavaliar a medida, ou seja, apurar se ocorreram circunstâncias que justificam a sua alteração ou cessação, tendo em conta os pressupostos fácticos que a determinaram.
A Recorrente sustenta ainda que foi violado o exercício do direito ao contraditório relativamente à informação social de 08 de Julho de 2021 por não ter sido notificada do seu teor, impedindo-a de encontrar argumentos capazes de demonstrar que o interesse dos seus filhos vai no sentido de lhes ser aplicada a medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais, na pessoa da mãe.
O juiz deve observar e fazer cumprir, segundo o art.º 3.º, n.º 3 do C.P.Civil, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo em caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
Este princípio estende-se às provas, quer no direito de as oferecer e de pronunciar sobre as que são apresentadas no processo, seja pela parte contrária seja por outras entidades e está consagrado nos artigos 4.º, alínea i), 85.º, 104.º, 107.º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo.
Sobre o actual momento que caracteriza a presença das crianças nos respectivos acolhimentos, a informação do ISS de 08 de Julho de 2021 refere terem sido encaminhados os relatórios de acompanhamento realizados pelas conhecidas instituições, sendo aí descritas as dinâmicas das crianças naqueles espaços.
Nessa informação consta a situação conturbada no E1… decorrente de um surto Covid mas, que apesar disso, as menores apresentaram-se sorridentes, tendo a B… referido que pretendia passar alguns dias em casa. Acrescenta-se as presenças da progenitora nas consultas de acompanhamento psicológico e nas sessões de treino parental e do progenitor (que referiu andar à procura de uma habitação para cuidar dos filhos) nas consultas de acompanhamento psicológico.
Termina concluindo que os progenitores mantêm a expectativa de ver a questão dos seus filhos resolvida o mais breve possível tal qual a restante família alargada.
A Recorrente teve oportunidade de se pronunciar sobre as informações remetidas pelas instituições onde se encontram os menores e ainda sobre a pretensão da tia paterna de acolher o menor D….
Considerando, por um lado, que a informação cuja notificação foi omitida apenas descreve a assiduidade dos progenitores nas consultas agendadas de acompanhamento psicológico e treino parental, remetendo, no que concerne aos menores, para as informações das instituições de acolhimento, e por outro, que a progenitora teve oportunidade de aduzir a sua argumentação quando foi notificada do teor destas informações e do requerimento da tia paterna dos menores, conclui-se que, apesar daquela omissão, não ficou impedida de exercer o seu direito na defesa do seu ponto de vista em relação aos filhos e defender o que entende ser mais favorável para eles.
Na decisão consignou-se que se mantêm os argumentos quanto ao perigo a que os menores estavam expostos e quanto à impossibilidade de fazer regressar a B…, C… e D…, à residência do progenitor ou da progenitora, na medida em que a única alteração entretanto ocorrida, foi a prolação da decisão instrutória de pronúncia da progenitora pela prática dos crimes pelos quais foi acusada.
Em suma, com a notificação das informações remetidas pelas instituições e do requerimento da tia paterna, a Recorrente não ficou prejudicada nos seus direitos com a omissão da notificação da informação da Segurança Social que, em bom rigor, nada adiantou com relevo no sentido da manutenção ou alteração da medida, pelo que não influiu no exame e decisão da causa.
A Recorrente pretende impugnar a matéria fixada na decisão que aplicou a medida inicial de acolhimento aos menores justificando que a decisão ora impugnada (que procedeu à sua revisão) remeteu para os argumentos ali aduzidos quanto ao perigo a que os menores estavam expostos.
Cumpre apreciar a admissibilidade da impugnação da matéria de facto de uma decisão relativamente à qual não foi interposto oportunamente recurso.
O presente processo judicial de protecção dos direitos das crianças em perigo é qualificado como de jurisdição voluntária (cfr. art.º 100.º da Lei n.º 147/99 de 01.09).
Como se explicita no Acórdão da Relação de Évora, de 16/03/2006[3], “nos processos de jurisdição voluntária, as decisões, ao invés do que sucede nos outros tipos de processo, não são, após o seu trânsito em julgado, definitivas e imutáveis. Elas são alteráveis sempre que se alterarem as circunstâncias em que se fundaram. Trata-se duma espécie de caso julgado, sujeito a uma cláusula “rebus sic stantibus”, ou seja, um caso julgado com efeitos temporalmente limitados. Mas desta especificidade da alterabilidade das resoluções nos processos de jurisdição voluntária, não decorre porém um menor valor, uma menor força ou menor eficácia da decisão. Na verdade enquanto não for alterada nos termos e pela forma processualmente adequada, pelo Tribunal competente, a decisão impõe-se tanto às partes, como a terceiros afectados pela mesma (art.º 671 do CPC) e até ao próprio Tribunal – caso julgado material e formal – na medida em que proferida a decisão fica esgotado o poder jurisdicional (art.º 666º n.º 1 do CPC) só podendo ser alterada nos termos prescritos na lei”[4].
Este entendimento foi sufragado pelo Supremo Tribunal de Justiça[5]: “O caso julgado forma-se no processo chamado de jurisdição voluntária nos mesmos termos em que se forma nos demais processos (ditos de jurisdição contenciosa) e com a mesma força e eficácia. Apenas sucede é que as resoluções tomadas…apesar de cobertas pelo caso julgado não possuem o dom da “irrevogabilidade” pois podem ser modificadas com fundamento num diferente quadro factual superveniente que justifique a alteração…”
Não tendo sido interposto da decisão que fixou a factualidade relevante, com base nas provas produzidas, e decidiu em conformidade aplicar aos menores a medida de acolhimento residencial, está vedado à Recorrente recorrer dessa matéria no presente recurso interposto da decisão de revisão.
Por tal motivo, considera-se inadmissível a impugnação, nesta sede, de uma decisão anterior sobre a factualidade que justificou a aplicação da medida de protecção dos menores.
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III-FUNDAMENTAÇÃO (dão-se por reproduzidos os actos e informações acima descritas)
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IV-DIREITO
As medidas provisórias são obrigatoriamente revistas no prazo máximo de seis meses após a sua aplicação, podendo ser determinada a cessação da medida, a sua substituição por outra mais adequada, a continuação ou a prorrogação da execução da medida e a verificação das condições de execução da medida (cfr. art.º 62.º, n.º 3, als. a) a d) e n.º 6 da Lei n.º 147/99 de 01.09 e art.º 25.º da Convenção sobre os Direitos da Criança.
Segundo o n.º 4 do citado preceito legal é decidida a cessação da medida sempre que a sua continuação se mostre desnecessária.
As medidas provisórias são aplicadas nas situações de emergência enquanto se procede ao diagnóstico da situação da criança e à definição do seu encaminhamento subsequente (cfr. art. 37.º do diploma legal citado).
A sua admissibilidade depende da verificação de uma situação de perigo, actual e eminente, para a vida ou integridade física do menor.[6]
No caso concreto, o tribunal, após ter tomado conhecimento de que tinha sido deduzida acusação contra a Recorrente pela prática de três crimes de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º n.º 1, alínea d) e n.º 2 a), 4 e 5 do Código Penal, na pessoa de cada um dos seus filhos, por factos praticados no período compreendido entre Novembro de 2019 e 22.05.2020, no interior da residência do agregado familiar e de, posteriormente, terem sido denunciados novos episódios de agressões, aplicou-lhes a medida de acolhimento institucional para evitar que ficassem expostos a uma situação de perigo violadora das respectivas integridades físicas.
Estamos, por isso, numa fase de diagnóstico da situação global que envolve as crianças, os progenitores e demais familiares, só sendo possível a substituição por outra medida na hipótese de ser demonstrado, em concreto e de forma segura, ser a mesma mais favorável para a segurança, saúde, formação, educação e desenvolvimento harmonioso das crianças (cfr. art.º 3.º da Lei n.º 147/99 de 01.09).
É que cumpre notar, como se salienta no mencionado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, que o princípio da alterabilidade não tem carácter absoluto, devendo ser aplicado com especial prudência e que as “circunstâncias supervenientes” justificativas da modificação da anterior decisão hão-de reconduzir-se aos factos em si mesmos, a realidades sobrevindas.
Relativamente ao menor D…, o mais novo dos três irmãos, e que se encontra separado actualmente das irmãs, a instituição onde se encontra alertou que é “urgente definir-se um projecto de reunificação familiar, com avaliação do meio familiar mais salutar para o seu desenvolvimento normativo e defensor dos seus superiores interesses e direitos, em que estejam definidas regras e limites claros para os adultos que o rodeiam, tendo em conta os conflitos existentes entre a mãe e o agregado familiar paterno. No nosso entender, o D… não deverá manter-se afastado por muito tempo do seu espaço físico e afectivo ficando sujeito às implicações de um acolhimento residencial no seu percurso e desenvolvimento.”
A tia paterna e madrinha do menor, com vínculo afectivo à criança e condições habitacionais e logísticas, disponibilizou-se a acolhê-lo no seio do respectivo agregado familiar, pelo que a alteração decidida pelo tribunal obedeceu aos princípios norteadores destas decisões já que não há qualquer dúvida que vai beneficiar de todo o afecto e carinho absolutamente necessários ao seu crescimento normal até que a situação se resolva definitivamente.
A argumentação da Recorrente de que essa medida não é aconselhável pelo facto de o menor poder ficar sujeito a influências da avó paterna não colhe porquanto olvidou as obrigações a que a tia do menor ficou sujeita sob pena de praticar um crime de desobediência.
Na verdade, a tia do menor ficou obrigada a impedir qualquer tipo de contacto do D… com a avó paterna, sob pena de incorrer em responsabilidade criminal.
Por conseguinte, tendo em consideração a prevalência, à luz do interesse superior da criança, da medida de acolhimento familiar, expressamente consagrada na ordem de preferência plasmada no art. 35.º, concorda-se em absoluto com a mesma (cfr. art.º 67.º da CRP).
Também não merece censura a decisão na parte em que determinou que o menor passe a frequentar estabelecimento de ensino e de catequese em … e que a tia possibilite contactos/visitas/convívios regulares ao D… por parte dos seus progenitores por ser o que mais lhe convém durante o período de execução desta medida de acolhimento familiar.
No que concerne à B… e C…, o E…, emitiu o seguinte parecer: “A equipa desta CAR considera que no âmbito da execução da medida de Promoção e Protecção de Acolhimento Residencial, as menores B… e D… têm vindo a beneficiar do acompanhamento/intervenção em curso, mostrando-se recetivas às regras e orientações da equipa, encontrando-se, à data, integradas e adaptadas a este contexto residencial.”
Portanto, a informação é bastante positiva sobre a adaptação das menores à instituição e não havendo familiar que as possa acolher, e não estando os progenitores ainda devidamente preparados para assumir as respectivas responsabilidades parentais pois não temos informações nos autos que nos permitam concluir nesse sentido, impunha-se a manutenção da medida provisória até que seja tomada uma de cariz definitivo.
Por todos estes motivos, a decisão deverá ser confirmada na íntegra.
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V-DECISÃO
Pelo exposto, acordam as Juízas que constituem este Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, confirmam a decisão.
Custas pela Recorrente.
Notifique.

Porto, 14 de setembro de 2021
Anabela Miranda
Lina Baptista
Alexandra Pelayo
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[1] cfr. Freitas, José Lebre de, A Acção declarativa Comum, 3.ª edição, Coimbra Editora, pág. 332 e Varela, Antunes, ob. cit., pág. 689.
[2] cfr. Reis, Alberto dos, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 140, Varela, Antunes, e outros, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 687.
[3] Consultável em www.dgsi.pt
[4] Processo n.º 150/06-3, consultável em www.dgsi.pt
[5] Acórdão de 13/09/2016 consultável em www.dgsi.pt
[6] Cfr. Ramião, Tomé D`Almeida, Lei Da Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, anotada e Comentada, 7.ª edição, QJ.