Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1746/21.5T8VCD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA OLÍVIA LOUREIRO
Descritores: COMPRA E VENDA DE IMÓVEL
DEFEITOS
RENÚNCIA
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RP202404081746/21.6T8VCD.P1
Data do Acordão: 04/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Não ocorrendo qualquer comportamento concludente de que possa resultar que o comprador de imóvel a um vendedor que o modificou ou reparou aceitou tacitamente as obras ali feitas já depois da celebração da escritura de compra e venda não ocorre renúncia abdicativa nos termos do artigo 1219º, número 1 do Código Civil, mesmo quanto aos defeitos aparentes;
II - Cabe ao vendedor/construtor o ónus de alegar e provar que ocorreu aceitação sem reserva do imóvel com defeitos aparentes, na medida em que a exoneração da sua responsabilidade nos termos do artigo 1219º, número 1 do Código Civil constitui exceção perentória sendo os factos que a suportam impeditivos do direito invocado pelo comprador – cfr. artigo 342º, número 2 do Código Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo número 1746/21.5T8CVD.P1, Juízo local Cível de Vila do Conde, Juiz 1

Relatora: Ana Olívia Loureiro

Primeira adjunta: Maria Fernanda Fernandes de Almeida

Segunda adjunta: Eugénia Cunha

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório:

1. Em 16-11-2021 AA e BB propuseram ação a seguir a forma de processo comum contra CC com vista a que o mesmo fosse condenado a reparar defeitos em imóvel que ao mesmo adquiriram, bem como a indemnizá-los pelos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes desses defeitos e, ainda, dos decorrentes de alegado atraso na entrega do imóvel. Para tanto alegaram que compraram ao Réu fração habitacional em prédio constituído em propriedade horizontal, quando a mesma se encontrava a ser remodelada pelo vendedor que se obrigou a terminar as obras em curso, o que, alegam, fez muito depois do prazo acordado e com defeitos.

2. Citado o Réu, o mesmo apresentou contestação em 27-01-2022, nela impugnando a maioria dos factos que servem de suporte à pretensão dos Autores e alegando que estes aceitaram o imóvel sem qualquer reserva, apesar dos defeitos que ora invocam serem aparentes.

3. Os Autores responderam alegando que os defeitos denunciados não eram visíveis bem como sustentando que não aceitaram a obra, com ou sem reserva.

4. Em 28-02-2022 foi dispensada a audiência prévia, foi fixado o valor da ação e foi proferido despacho saneador pelo qual se afirmou a validade e regularidade da instância, se fixaram o objeto do processo e os temas da prova e foram admitidos os requerimentos instrutórios com exceção feita à requerida inspeção ao local, tendo-se relegado para a audiência de julgamento a decisão sobre tal pedido. Foi sugerido o objeto da perícia e, a 27-04-2022, após contraditório, foi ordenada a sua realização.

5. O relatório pericial foi junto aos autos a 21-06-2022 e ambas as partes dele reclamaram e pediram esclarecimentos.

6. Foi ordenado que o perito se pronunciasse sobre parte do objeto da perícia que fora fixado a que não dera resposta, o que deu azo à junção de novo relatório pericial em 12-09-2022, que uma vez mais foi alvo de pedido de esclarecimentos pelos Autores

7.  Os esclarecimentos pedidos foram prestados, por escrito, em 03-11-2022 e, de novo, em 20-01-2023.

8. Em 23-02-2023 foi designada audiência de julgamento que se realizou ao longo de quatro sessões e terminou a 21-06-2023.

9. A 21-09-2023 foi proferida sentença pela qual se decidiu:

“A. Absolver o Réu CC dos pedidos formulados pela

Autora BB.

B. Condenar o Réu CC a reparar, no prazo de trinta dias, os problemas descritos no ponto 25) dos factos provados, ou, em alternativa a pagar ao Autor marido o valor de €.6440,00 acrescido de IVA (seis mil quatrocentos e quarenta

euros)).

C. Condenar o Réu CC a indemnizar o Autor AA na quantia de €.3857,50 (três mil oitocentos e cinquenta e sete euros e cinquenta cêntimos), a qual vence juro de mora desde a citação quanto ao valor de €.387,50 e partir da presente data quanto aos restantes €.3500,00 três mil e quinhentos euros) e até efectivo e integral pagamento.

D. Absolver o Réu CC do demais peticionado pelo Autor AA.”.

II - O recurso:

É desta sentença que recorre o Réu pretendendo a alteração parcial do julgamento da matéria de facto e a sua revogação com a consequente declaração de improcedência da ação.

Para tanto, alega o que sumaria da seguinte forma em sede de conclusões de recurso:

“I - O presente recurso vem interposto da sentença proferido pelo Tribunal a quo, na parte em que, julgando a ação parcialmente procedente, condenou o Réu, aqui Apelante, a reparar, no prazo de trinta dias, os problemas descritos no ponto 25) dos factos provados da sentença, ou, em alternativa a pagar ao Autor marido o valor de € 6.440,00, acrescido de IVA (seis mil quatrocentos e quarenta euros), condenando-o também a indemnizar o Autor AA na quantia de €.3857,50 (três mil oitocentos e cinquenta e sete euros e cinquenta cêntimos), acrescida de juros de mora.

II. A sentença recorrida é, no modesto entendimento do Apelante, merecedora de censura, quer no que se refere à análise crítica da prova e decisão quanto à matéria de facto, na parte que se impugna, quer na consequente subsunção dos factos ao direito.

III. Na sentença posta em crise o Tribunal recorrido deu como provados os pontos 7) e 8)  os factos provados da sentença, indicando, na motivação da decisão de facto, ter para tanto considerado as declarações das partes – dizendo que “foram, no essencial, coerentes entre si” – e que “[t]ambém DD confirmou que a fração era para ser entregue pronta a habitar.” - Vide página 16 da sentença.

IV. Salvo o devido respeito, não poderia o Tribunal a quo, com base nos elementos de prova em que funda a sua decisão, dar como provados os pontos 7) e 8) dos factos provados. Pelo menos não com a redação plasmada nesses indicados pontos. Com efeito,

V. A alusão a uma remodelação total e ao estado de novo, feita de forma ligeira e sem qualquer densificação pelo Autor marido nas suas declarações de parte, na passagem compreendida entre os minutos 00:03:25 e 00:03:43 (ficheiro 20230503100553 16079388 3995029), constitui, obviamente, simples forma de expressão;

VI. O Apelante, em sede de declarações de parte, na passagem compreendida entre o minuto 00:10:16 e 00:13:52 (ficheiro 20230517105735_16079388_3995029), detalhou quais os trabalhos que pretendia realizar no âmbito da remodelação do apartamento adquirido pelo Autor marido, com os quais se comprometeu com os Autores e que foram efetivamente realizados;

VII. Esclareceu o Apelante que se tratava de uma reforma para atualizar o apartamento em termos estéticos, nela se incluindo também a substituição da canalização, da instalação elétrica e da caixilharia, e disse que o que sempre esteve em causa, e foi o objetivo, foi dar ao apartamento um aspeto mais moderno;

VIII. Nunca para o imóvel esteve prevista uma remodelação total, antes uma remodelação ampla, mas circunscrita, e foi isso, e apenas isso, que o Apelante transmitiu aos Autores;

IX. Salvo o devido respeito, são abusivos, e sem respaldo probatório, o entendimento adotado pelo Tribunal recorrido, quando atribui à remodelação o significado de “totalmente remodelado”, o que levou ao ponto 7 dos factos provados, e ainda as referências à “configuração de apartamento novo” e “conforme com as exigências construtivas atuais”, exaradas em 8) dos factos provados.

X. Assim, impõe-se a alteração dos pontos 7) e 8) dos factos provados, que devem passar a ter a seguinte redação:

7) O Réu promoveu junto dos Autores a venda da fração referida em 2) no estado de remodelado e pronto a habitar.

8) Aos Autores foi então prometido que a cozinha, os Wc´s e os demais compartimentos da fração e da garagem sofreriam as modificações e remodelações que o Réu descreveu e que lhe daria a configuração de apartamento moderno e funcional.

A decisão sob censura julgou como provado, entendemos que erradamente, o ponto 19) dos factos provados, justificando que a sua convicção resultou da conjugação das declarações de parte dos Autores e do Réu, com o depoimento de DD e bem ainda com os emails juntos aos autos – vide página 16 da sentença;

XII. Entendemos que a sentença em crise não fez a devida análise da prova produzida em audiência de julgamento, muito especialmente do depoimento de DD, testemunha fundamental, pois que, como se afirma na sentença, teve um papel central no negócio;

XIII. Do depoimento da testemunha DD, na passagem como início ao minuto 00:34:12 (ficheiro 20230505151243_16079388_3995029), resulta manifesto não ser verdade que aos Autores apenas haja sido prestada informação, via e-mail, sobre as datas em que se previa a entrada em obra de algumas especialidades, provando-se, pelo contrário, terem existido contactos entre a Autora BB e a testemunha, nos quais foi reportada informação sobre a obra à indicada BB e mesmo partilhados vídeos em relação aos trabalhos.

XIV. Por conseguinte, o ponto 19) dos factos provados deve ser dado como não provado.

XV. O Tribunal recorrido – dizemos que erradamente - deu como não provado, sob o ponto i) dos factos não provados, que “Nunca o Réu recebeu qualquer comunicação qualquer comunicação até à carta referida em 27) da existência de problemas”;

XVI. O que está em causa não é uma qualquer comunicação, antes a denúncia das concretas situações que nestes autos os Autores elencam e que alegam serem defeitos, sendo que resulta inequívoco que essa apenas ocorreu por via da missiva remetida pelos Autores ao Apelante, datada de 11 de janeiro e junta pelos Autores como doc. n.º 7 com a petição inicial;

XVII. Os próprios Autores, na alegação vertida na sua petição inicial, sob o título “C) Da denúncia ao Réu”, alegam no item 23.º ter sido por essa missiva que procederam à denúncia, não alegando nem remetendo para qualquer outra comunicação tendente a denunciar as situações cuja reparação ou eliminação vieram peticionar nestes autos;

XVIII. Face ao que antecede, é forçoso concluir que se impõe a alteração da matéria de facto, devendo ser dado como provado o ponto i) da matéria não provada.

XIX. Sempre com o devido respeito, entendemos que andou mal o Tribunal recorrido na análise da prova referente às situações elencadas pelos Autores nos autos como defeitos, à natureza aparente ou oculta dos pretensos vícios elencados em 25) dos factos provados e ao momento do seu conhecimento pelos Autores; com efeito,

XX. Do documento designado como “relatório de inspeção técnica”, junto pelos Autores como doc. n.º 9 com a petição inicial, consta que as “imperfeições” foram detetadas aquando da receção da obra e que o documento, em que são relatadas as “patologias observadas/vícios da construção”, incidiu sobre as “áreas mencionadas” pelos Autores e sobre situações “visíveis”;

XXI. Quanto à natureza aparente ou oculta das situações relatadas no imóvel adquirido pelo Autor marido, vejam-se também os esclarecimentos prestados pelo Senhor Perito, remetidos aos autos em 26.09.2022 (ref.ª Citius 33362132), em que se afirma o entendimento de que a grande maioria das situações persistirão desde a entrega do imóvel aos Autores, e se esclarece, de forma prudente, que em alguns casos, exemplificados, só seriam vislumbrados com “olho clínico”, o que vale por dizer que os demais eram visíveis e aparentes.

XXII. Também quanto à natureza aparente ou oculta das situações relatadas no imóvel adquirido pelo Autor marido, atente-se nas declarações de parte do próprio, concretamente nas passagens com início ao minuto 00:05:15 e termo ao minuto 00:05:25, com início ao minuto 00:06:15 e termo ao minuto 00:06:19, com início ao minuto 00:06:28 e termo ao minuto 00:06:47, com início ao minuto 00:08:41 e termo ao minuto 00:08:59, com início ao minuto 00:09:20 e termo ao minuto 00:09:29 (ficheiro 20230503100553_16079388_3995029);

XXIII. Atente-te também no depoimento prestado pela testemunha EE (ficheiro 20230503101342_16079388_3995029), nas passagens com início aos minutos 00:01:30, 00:03:35, 00:03:46 e 00:13:15; no depoimento prestado pela testemunha FF (ficheiro 20230503103959_16079388_3995029), nas passagens com início aos minutos 00:05:04, 00:07:32, 00:22:05, 00:23:04; no depoimento da testemunha GG (ficheiro 20230503142215_16079388_3995029), na passagem com início no minuto 00:22:55 da gravação; e no depoimento da testemunha HH (ficheiro 20230503145428_16079388_3995029), nas passagens com início aos minutos 00:11:30, 00:13:00, 00:23:09, 00:24:14, 00:25:02, 00:25:40, 00:37:50, 00:38:51, 00:39:43, 00:40:16, 00:40:47 e 00:55:00;

XXIV. Saliente-se, quanto ao Autor marido e à possibilidade de este reconhecer eventuais patologias da construção, que não estamos perante o conceito de homem médio, pois que se trata de alguém que exerce atividade na área da engenharia há vários anos e que, como o próprio confirmou nas suas declarações de parte, à passagem com início ao minuto 00:42:28 (ficheiro 20230503102929_16079388_3995029), tem experiência quer em projeto, quer em obra.

XXV. Considerando na sua globalidade os elementos de prova indicados em XX., XXI., XXII. e XXIII. supra - o teor do documento designado “relatório de inspeção técnica”; os esclarecimentos prestados pelo Senhor Perito II; as declarações de parte do Autor marido e os depoimentos prestados pelas testemunhas EE, FF, GG e o depoimento testemunha HH, entendemos, salvo o devido respeito, que resultou manifesta a natureza visível e aparente das situações apontadas nos autos como problemas, vícios ou defeitos de construção, elencadas no ponto 25) dos factos provados (exceção apenas para a questão das sanitas, alíneas i. e l);

XXVI. Ficou também demonstrado que os Autores conheciam essas situações desde muito antes de dezembro de 2020;

XXVII. Apenas as situações constantes das alíneas i. e l. do ponto 25) dos factos provados, referentes à fixação das sanitas suspensas, podem constituir exceção a essa natureza aparente e visível, não se vislumbrando nos autos, todavia, a existência de prova de que, de facto, as sanitas estivessem mal fixadas aquando da entrega do imóvel aos Autores; aquando da realização da perícia, as sanitas não apresentavam problemas, por, segundo informação da Autora mulher, já terem sido reparadas; o “relatório de inspeção técnica” aponta para razões alternativas do problema, o faz de forma inconclusiva, nem sequer identificando a forma de fixação existente, como fica evidente quando na “solução proposta” equaciona a colocação, caso não exista, da estrutura geberit duofix.

XXVIII. Ante a patente ausência de prova quanto à incorreta fixação das sanitas, deveria o Tribunal a quo prevalecer-se do depoimento da testemunha JJ (ficheiro 20230503163711_16079388_3995029), picheleiro que fez o saneamento do imóvel e acompanhou a montagem das sanitas, concretamente nas passagens com início ao minuto 00:07:54 e ao minuto 00:09:21, em que explicou a forma como foram fixadas as sanitas e disse que as mesmas ficaram devidamente instaladas, concluindo daí não poderem decorrer problemas.

XXIX. O mesmo depoimento da testemunha JJ, na passagem com início aos minutos 00:04:50 e termo ao 00:07:58, em que explica terem os assentamentos das bases sido devidamente efetuados, ter acompanhado os trabalhos e que tudo “estava ali a trabalhar cinco estrelas” deveria ter sido valorado para se considerar terem as bases sido corretamente instaladas; até porque, note-se, o Senhor Perito, no relatório pericial, não aponta a má instalação e a testemunha KK, subscritor do “relatório de inspeção técnica” junto pelos Autores com a petição inicial, no seu depoimento prestado em audiência (ficheiro 20230503121233_16079388_3995029) foi no mínimo hesitante quanto à questão da instalação – passagem com início ao minuto 00:03:09 da gravação;

XXX. Sempre com o merecido respeito, que é muito, deveria o Tribunal a quo, em face do depoimento da testemunha JJ, prestado com razão de ciência e de forma segura e credível, ter dado como provado o ponto m) dos factos não provados e, consequentemente, como não provadas as alíneas g., i., k. e l. do ponto 25) dos factos provados, assim como os pontos 29) a 32) da matéria provada.

XXXI. Em conclusão, face ao que se vem de expor de XV. a XXX. destas conclusões impõem-se, quanto à matéria provada e não provada da sentença, as seguintes alterações:
a) Devem ser dados como provados os seguintes pontos da matéria não provada da sentença:

Nunca o Réu recebeu qualquer comunicação até à carta referida em 27) da existência de problemas (ponto i) da matéria não provada da sentença);

As sanitas e as bases de chuveiro foram instaladas de forma correcta (ponto m) da matéria não provada da sentença).

b) Deve ser alterado o ponto 25) dos factos provados da sentença, dele sendo retiradas as alíneas g., i., k. e l., que devem passar à matéria não provada.

c) Devem ser dados como não provados os seguintes pontos da matéria provada da sentença:

Em virtude da incorreta fixação das sanitas (que as torna inseguras), tal como referido em 25) l) e i), as mesmas descaíram tendo torcido a tubagem de drenagem de água (ponto 29 da matéria provada da sentença).

A base do chuveiro do quarto de banho foi incorrectamente instalada como referido em 25) k) porque colocada a uma cota superior ao restante piso do quarto de banho e permite a infiltração de águas na parede que divide o quarto de banho do corredor, danificando também o rodapé (ponto 30 da matéria provada da sentença);

Aquelas águas acabaram por se infiltrar e escorrer para o piso inferior (ponto 31 da matéria provada da sentença);

Por causa do referido em 29) e 30), o apartamento imediatamente por debaixo da fração, sofreu infiltrações de águas nos tetos e paredes (ponto 32 da matéria provada da sentença).

d) Deve ser alterado o ponto 24) dos factos provados, passando a ter a seguinte redação:

24) Quando os Autores rececionaram a obra e durante a mudança para a fração, concluída em setembro de 2020, detectaram as situações constantes do ponto 25) (já excluídas, nos termos supra, as alíneas g., i., l. e l.), tendo em dezembro desse ano contratado um gabinete técnico para efectuar uma inspecção ao imóvel, o que foi feito.

e) Deve ser aditado à matéria de facto provada o seguinte ponto:  O referido em 25) (já excluídas, nos termos supra, as alíneas g., i., l. e l.) era visível por qualquer pessoa e era conhecido pelos Autores, desde a receção da obra ou, pelo menos, desde a conclusão da mudança para a fração.

XXXII. O Tribunal recorrido decidiu – e dizemos que mal -, que o estado da fração limita o seu uso pelos Autores, que os limita em receber visitas e fazer convívios e de utilizar na plenitude o apartamento.

XXXIII. Salvo melhor opinião, não foi feita prova cabal de que, de facto, essas limitações existam; desde logo, as várias testemunhas que sobre o assunto se pronunciaram, que estiveram no imóvel adquirido pelo Autor marido e no depoimento das quais se alicerçou a sentença – EE, FF, GG e HH -, umas aparentando ser mais próximas dos Autores, outras menos, são a demonstração de que a receção de pessoas pelos Autores, na sua habitação, não está limitada.

XXXIV. As situações que nestes autos vêm apontadas como defeitos no ponto 25) dos factos provados da sentença (exceção feita, repete-se, às atinentes às sanitas) são não só visíveis como, tal como atrás vem dito, conhecidas pelos Autores desde a receção da obra, ou pelo menos desde a conclusão da mudança dos Autores para o imóvel; sendo que, caso efetivamente colocassem limitações ao uso e gozo do imóvel, e dessem, como entendeu a sentença, um aspeto desagradável ao imóvel, não deixariam os Autores que decorresse quase meio ano para as denunciar.

XXXV. A este respeito, merece a pena atentar no tom tímido e pouco convicto com que o Autor marido se pronunciou sobre esta temática em declarações de parte (ficheiro 20230503102929_16079388_3995029), na passagem com início ao minuto 00:12:37.

XXXVI. Afigura-se-nos que até pela falta de firmeza das declarações do Autor marido, que seria quem, em discurso direto, poderia dar testemunho vivo do modo como nos autos alega ter sido afetado, não poderia o Tribunal a quo dar como provados os pontos 41) a 44) dos factos provados, devendo, por isso, ser os mesmos dados como provados.

XXXVII. Igualmente mal andou o Tribunal recorrido ao dar com provado o ponto 46), errando, quanto a nós, ao entender resultar isso do email junto em audiência de julgamento (ref.ª citius n.º 449702281); cotejado o teor desse email constata-se que ali o Apelante apenas indicou os prazos que havia dado aos fornecedores, sem que assegurasse data para a conclusão, referindo ainda depender de terceiros para a conclusão da obra e que “quase sempre os prazos vão sendo alargados pelas empresas fornecedoras, por um motivo ou por outro”.

XXXVIII. Por outro lado, entendemos outrossim que o Tribunal errou ao dar como provado, para daí retirar consequências, o ponto 47) dos factos provados; são coerentes o depoimento da testemunha DD, designadamente na passagem com inicio ao minuto 00:26:56, e as declarações de parte do Apelante, na passagem com início ao minuto 00:37:22, tendo ambos afastado a existência de qualquer compromisso quanto a prazo para a entrega do imóvel aos Autores e dito que o único compromisso foi o de que tudo fosse concluído e se procedesse à entrega tão rápido quanto possível.

XXXIX. São igualmente coerentes, e complementares, o depoimento da testemunha DD, na passagem com início ao minuto 00:25:34, e as declarações de parte do Apelante, na passagem com início ao minuto 00:39:25, ficando explicito que a escritura só foi realizada antes da conclusão das obras a pedido e por insistência dos Autores, justificada pela caducidade do pedido de empréstimo por estes submetido para aquisição do imóvel; de resto, essa causa justificativa para a realização da escritura antes da conclusão das obras encontra-se vertida pelos Autores nos itens 78 e 79 da petição inicial.

XL. Ademais, resultou da instrução da causa, designadamente do depoimento prestado pela testemunha HH, à passagem do minuto 00:54:50, que os Autores já estavam, antes da escritura, a viver na habitação que nos autos é referida como um espaço sem condições de habitabilidade.

XLI. Importa ainda notar que também resultou da prova produzida em audiência que o Apelante teve problemas com um empreiteiro, que abandonou a obra – nesse sentido, declarações de parte do Apelante, com início ao minuto 00:50:30, e depoimento da testemunha DD, com início ao minuto 00:29:56 -, não contribuindo com culpa ou responsabilidade para a menor celeridade na conclusão das obras e entrega do imóvel.

XLII. Em conclusão, face ao que se vem de expor de XXXVII. a XLI. destas conclusões, impõem-se que sejam dados como não provados os pontos 46) e 47 dos factos provados, devendo ainda ser aditados os seguintes pontos à matéria provada os seguintes pontos:

A escritura foi realizada antes da conclusão das obras a pedido e por insistência dos Autores;

O Réu nunca assumiu qualquer compromisso quanto a prazo para a entrega do imóvel aos Autores;

Os Autores já estavam, antes da escritura outorgada em 18.04.2019, a viver na habitação que nos autos é referida como um espaço sem condições de habitabilidade;

O Réu teve problemas com um empreiteiro, que abandonou a obra, não contribuindo com culpa para a menor celeridade na entrega do imóvel.

XLIII. Seguindo de perto os ensinamentos de Pedro Romano Martinez in Direitos das Obrigações - Parte Especial – Edição de 2000 – págs., 125-126, “o defeito da coisa vendida só leva à aplicação do regime da venda de coisas defeituosas caso o comprador o desconheça sem culpa. Há, pois, que distinguir o defeito oculto do defeito aparente e do defeito conhecido. O defeito oculto é aquele que, sendo desconhecido do comprador, pode ser legitimamente ignorado, pois não era detectável através de um exame diligente.

De modo inverso, sempre que a desconformidade se puder revelar mediante um exame diligente, o defeito é aparente.

Por último, o defeito conhecido corresponde aos vícios da coisa que foram revelados ao comprador, tanto pela contraparte, como por terceiro, ou de que ele se apercebeu pela sua perícia. Atento o princípio da boa fé e o regime da responsabilidade civil, não se pode equiparar o comprador que desconhece o defeito, àquele que está cônscio da situação, ou que dele não sabe por negligência. Deste modo, a responsabilidade derivada da venda de coisas defeituosas só existe em caso de defeitos ocultos”.

XLIV. O mesmo entendimento vem sendo seguido pela jurisprudência, de que se cita o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 20.06.2012, proferido no processo n.º 2384/07.0TBCBR.C1 e relatado pelo insigne Desembargador Henrique Antunes.

XLV. No Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17.05.2018, relatado pelo ilustre

Desembargador António Santos, encontra-se sumariado: “Existindo uma presunção iuris tantum no sentido de os defeitos aparentes serem do conhecimento do dono da obra ( cfr. artº 1219º,nº2, do CC ) e apesar de o Código Civil não ter estabelecido idêntica regra no que diz respeito à compra e venda, a solução deverá ser a mesma, por aplicação analógica do artº 1219º, nº 2, ou seja, os defeitos aparentes ( os vícios ou desconformidades detectáveis mediante um exame diligente ) e os conhecidos conduzem ambos à exclusão da responsabilidade do vendedor.”.

XLVI. A verificação ou vistoria, tanto na compra e venda como na empreitada, constitui tanto um direito na esfera do comprador ou do dono da obra, como um ónus. É um direito, pois que é forma de verificar a conformidade do bem ou dos trabalhos realizados; é um ónus porque, caso não proceda à vistoria, considera-se o bem ou a obra tacitamente aceita.

XLVII. Revertendo ao caso dos autos, aponta o documento designado como “relatório de inspeção técnica”, junto pelos Autores como doc. n.º 9 com a petição inicial, que as imperfeições foram “detetadas aquando da recepção da obra”. Ainda que assim não se considere, resultou da prova produzida em audiência que pelo menos desde a realização das mudanças, concluídas em setembro de 2020, os Autores conheciam todas as situações apontadas no ponto 25) dos factos provados da sentença como problemas ou defeitos, com exceção apenas para a das constantes das alíneas i. e l. desse ponto (referentes às sanitas).

XLVIII. De todo o modo, afigura-se-nos inelutável que todas essas situações apontadas no ponto 25) dos factos provados da sentença como problemas ou defeitos, (novamente, com exceção das constantes das alíneas i. e l. desse ponto (referentes às sanitas)), são aparentes, pois que detetáveis mediante exame diligente.

XLIX. Essa natureza aparente resulta muito evidente da descrição feita pelo Autor marido e pelas testemunhas EE, FF, GG e HH, nos trechos indicados supra, até por alguma da adjetivação empreendida: “notório”, “visível”, “flagrantes”, apenas para citar alguns exemplos.

L. A natureza visível e aparente resulta igualmente do “relatório de inspeção técnica”, junto pelos Autores como doc. n.º 9, e dos esclarecimentos prestados pelo Senhor Perito II, remetidos aos autos em 26.09.2022, ainda que neste segundo caso de modo menos amplo.

LI. Reitera-se que quanto ao Autor marido e à possibilidade de este reconhecer eventuais

patologias da construção, não estamos apenas perante o critério do bónus pater famílias, pois que exerce atividade na área da engenharia há vários anos tem experiência quer em projeto, quer em obra.

LII. Sendo todas as situações apontadas no apontadas no ponto 25) dos factos provados da sentença como problemas ou defeitos, (com exceção das constantes das alíneas i. e l. desse ponto (referentes às sanitas)) aparentes à data da entrega do imóvel aos Autores, eram detetáveis mediante exame diligente.

LIII. As mesmas presumem-se conhecidas, sendo que se o não eram isso se deve a negligência dos Autores.

LIV. Competia aos Autores ilidir a presunção de conhecimento dessas indicadas situações, o que não lograram fazer.

LV. Deve, por isso, na esteira da doutrina e da jurisprudência acima invocadas, concluir-se pela exclusão da responsabilidade do Apelante quanto às situações apontadas como defeitos, impondo-se a absolvição do Apelante, quer quanto à reparação dos problemas descritos no ponto 25) dos factos provados da sentença, ou, em alternativa, ao pagamento do valor de € 6.440,00, acrescido de IVA, quer quanto aos pretensos danos não patrimoniais pelo estado em que a fração foi entregue.

LVI. Por outro lado, para que existisse atraso na entrega do imóvel pelo Apelante aos Autores, e para que o Apelante se constituísse em mora, necessário seria que houvesse um compromisso de prazo para entrega da fração, o que, conforme se alegou supra, não poderia ter sido dado como provado com base no email junto em audiência, datado de 18.06.2019.

LVII. Como atrás vem dito, a testemunha DD e o Apelante afirmaram, coincidente e

coerentemente, não ter existido qualquer compromisso quanto a prazo para a entrega do

imóvel, tendo a única garantia sido a de que os trabalhos seriam concluídos e a obra entregue tão rápido quanto possível.

LVIII. Ademais, parece ter o Tribunal a quo olvidado que resultou seguro da prova produzida a escritura só foi realizada antes da conclusão das obras a pedido e por insistência dos Autores, justificada pela caducidade do pedido de empréstimo por estes submetido para aquisição do imóvel, tendo resultado da instrução da causa que os Autores já estavam, antes da escritura, a viver na habitação que nos autos é referida como um espaço sem condições de habitabilidade e que o Apelante teve problemas com um empreiteiro, que abandonou a obra, o que, sem culpa do Apelante, atrasou a conclusão dos trabalhos.

LIX. Ante a inexistência de fixação de prazo para entrega, com a consequente inexistência de mora, e sempre ante a ausência de culpa do Apelante, deve o Apelante ser absolvido de quaisquer pedidos indemnizatórios decorrentes do pretenso atraso na entrega do imóvel.

LX. A sentença recorrida violou, entre outros, os artigos 350.º, n.º 1, o n.º 2 do 1219.º, 798.º e n.º 2 do 804.º, todos do Código Civil.

TERMOS EM QUE, com o douto suprimento de Vªx Exªs, concedendo provimento ao recurso, deve a sentença ser revogada e substituída por outra que julgue a ação totalmente improcedente por não provada, absolvendo o Réu de todos os pedidos, por ser de lei e de sã concretização da Justiça.”.


*

O Recorrido AA contra-alegou defendendo a improcedência total da censura dirigida à matéria de facto selecionada na sentença e a confirmação desta.

III – Questões a resolver:
Em face das conclusões do Recorrente nas suas alegações – que fixam o objeto do recurso nos termos do previsto nos artigos 635º, números 4 e 5 e 639º, números 1 e 2, do Código de Processo Civil -, são as seguintes as questões a resolver:
1- Em face da reapreciação da prova que foi requerida, apurar se deve ser alterado o elenco dos factos provados e não provados;
2- Em qualquer caso, aferir se deve excluir-se a responsabilidade do Recorrente por força de aceitação da obra pelo Recorrido, no momento da sua entrega, sem reserva.

IV – Fundamentação:

Foram os seguintes os factos selecionados pelo tribunal recorrido como relevantes para a decisão da causa (destacar-se-ão desde, sublinhando-os já aqueles que o Recorrente pretende que sejam alterados):

Factos dados por provados:

1) O Autor AA era dono e legítimo possuidor de uma fração denominada pela letra “A” do prédio urbano sito na Rua ..., em Vila do Conde, descrito na conservatória sob o número ... e inscrita na mesma freguesia ... sob o artigo ....

2) O Réu era proprietário da fração autónoma designada pela letra “E”, correspondente ao segundo andar direito, com entrada pela Avenida ..., composta por dois quartos, sala comum, hall, quarto de arrumos, quarto de banho, quarto de banho de serviço, cozinha, varanda e garagem (a 7.ª a contar de sul), do prédio urbano em regime de propriedade horizontal do edifício sito na Avenida ..., ..., na Freguesia e concelho de Vila do Conde, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana sob o art. ....

3) Quando o Réu adquiriu a fração “E” o interior do apartamento, composto por três quartos, sala, hall, cozinha, duas casas de banho, encontrava-se com todos os materiais cerâmicos, janelas, carpintarias e mobiliário de cozinha e casa de banho antigos.

4) Nessa altura, era intenção do Réu remodelá-lo para nele passar a habitar com a sua família e tencionava substituir as janelas, o pavimento, portas e roupeiros e remodelar a cozinhas e casas de banho, por forma a tornar o apartamento com um visual mais moderno.

5) Entretanto, quando a fração já se encontrava com as obras de remodelação em curso,

pelo Réu, o Réu decidiu pôr a mesma à venda.

6) Entre os diversos contactos de interessados, apareceram os Autores que visitaram o imóvel pela primeira vez já com as obras de remodelação em curso.

7) O Réu promoveu junto dos Autores a venda da fração referida em 2) no estado de “totalmente remodelado” e pronto a habitar.

8) Aos Autores foi então prometido que a cozinha, os Wc´s e os demais compartimentos da fração e da garagem sofreriam as modificações e remodelações que o Réu descreveu e que lhe daria a configuração de apartamento novo, funcional, moderno e totalmente conforme com as exigências construtivas atuais.

9) Aos Autores agradou o plano de remodelação do Réu, que, no entanto, não forneceu aos Autores quaisquer desenhos ou projetos do mesmo.

10) Os Autores bastaram-se com a descrição que o Réu lhes fez e a sua promessa de que o apartamento ficaria com a configuração final que lhes apresentava à data.

11) Os Autores demonstraram interesse na aquisição do imóvel, tendo inclusive chegado a um acordo de valor para a aquisição, que passaria por um financiamento bancário.

12) Em 18.04.2019, por escritura pública de permuta celebrada no cartório Notarial de LL, em Vila do Conde, o Autor marido adquiriu ao Réu a dita fração autónoma designada pela letra “E”, correspondente ao segundo andar direito, com entrada pela Avenida ..., composta por dois quartos, sala comum, hall, quarto de arrumos, quarto de banho, quarto de banho de serviço, cozinha, varanda e garagem (a 7.ª a contar de sul), do prédio urbano em regime de propriedade horizontal do edifício sito na Avenida ..., ..., na Freguesia e concelho de Vila do Conde, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana sob o art. ....

13) Para pagamento do preço de €.130.000,00, o Autor AA entregou ao Réu a quantia de €.50.000,00 e a referida fração denominada pela letra “A” do prédio urbano sito na Rua ..., em Vila do Conde, descrito na conservatória sob o número ... e inscrita na mesma freguesia ... sob o art. ..., com o valor atribuído de €.80.000,00.

14) A fração “E” referida em 2) encontra-se registada a favor do Autor marido pela Ap. ... de 2019/04/18.

15) A propriedade horizontal do prédio onde se integra a fração “E” está registada na Conservatória do Registo Predial pela apresentação n.º ... de 1976/06/02. 16) A fração adquirida pelo Autor marido destina-se, no imediato, à sua habitação própria e permanente e à do seu agregado familiar e tem por fim mediato, a sua futura venda ou arrendamento.

17) Durante a realização dos trabalhos de remodelação, antes e depois da escritura referida em 12), os Autores visitaram a fração um número de vezes não concretamente apurado, mas não superior a seis.

18) O modo de realização das obras e das artes de construção utilizadas não foram acompanhadas por parte dos Autores.

19) Na pouca informação que foi sendo prestada pelo Réu aos Autores, enquanto levava a efeito as obras, apenas era referido, via e-mail, as datas em que previa a entrada em obra de alguma das especialidades.

20) Os Autores escolheram, entre outros, a colocação de flutuante nos quartos e sala.

21) Na data da realização da escritura as obras e remodelação da fração referida em 2) ainda estavam em curso.

22) As divisões e a configuração do imóvel correspondem ao acordado com o Réu.

23) A fração apenas foi entregue aos Autores no dia 04.08.2020.

24) Quando os Autores fizeram a mudança e se instalaram na fração detectaram vários problemas na mesma e contrataram um gabinete técnico para efectuar uma inspecção ao imóvel, o que foi feito.

25) A fração referida em 2), em 04.08.2020 tinha:

a. As soleiras de granito dos parapeitos das janelas são curtas em largura apresentando juntas abertas com cerca de 2cm de largura e por fechar(tomar/vedar).

b. A padieira (tampa da caixa de estore) apresenta tinta branca sobre o apainelado em melamina, resultado do deficiente remate entre a pintura da parede e o apainelado e as cabeças dos parafusos de fixação daquele apainelado estão à vista.

c. Os “pilaretes” em madeira, com função decorativa, apresentam falta de esquadria no topo (parte superior) criando, com isso, juntas abertas de diferentes dimensões/espessura no remate com a superfície do teto da sala comum.

d. A parede de granito com juntas preenchidas a argamassa de cimento apresentava zonas onde não foi aplicada argamassa para preencher as juntas.

e. O pavimento flutuante apresenta pontualmente algumas pequenas juntas abertas com cerca de 1mm de espessura e algum desnivelamento (falta de planura) numa parte da área da sala.

f. Os gradeamentos metálicos das guardas laterais da varanda apresentam alguns pontos com vestígios de oxidação (ferrugem) e a pintura a destacar.

g. A base de chuveiro da suite foi incorrectamente instalada porque colocada a uma cota

superior ao restante piso do quarto de banho.

h. Na zona da porta de acesso ao quarto de banho da suite, a superfície da padieira existente sob a calha da porta de correr, encontra-se irregular e com acabamento deficiente (e por acabar), apresentando as massas finas de acabamento por lixar e pintar com duas demãos de tinta.

i. A sanita suspensa do quarto de banho da suite não estava devidamente fixada.

j. A torneira do lavatório cerâmico do quarto de banho da suite, com a sua utilização normal, verte água para fora do lavatório caindo sobre o móvel do lavatório, a qual, por sua vez, escorre, por gravidade, até ao pavimento do quarto de banho, potenciando a degradação do próprio armário revestido a melamina de cor branco.

k. A base do chuveiro do quarto de banho foi incorrectamente instalada porque colocada a uma cota superior ao restante piso do quarto de banho.

l. A sanita suspensa do quarto de banho não estava devidamente fixada.

m. No quarto de banho, as juntas entre as peças cerâmicas, de revestimento das paredes encontram-se abertas (cerca de 1,5mm de abertura e por tomar), sendo os remates com as guarnições de madeira do vão da porta deficientes e algumas das peças apresentam também empeno (falta de planura).

n. A porta do quarto de banho não dispõe do aro da padieira (aro superior) assim e falta de esquadria no remate da porta com o pano da parede (interior), ou seja, o remate entre a obra de carpintaria e a parede.

o. Os tetos falsos da sala apresentam curvatura e falta de planura.

p. A porta do armário do quadro elétrico produz um ruído (chiar) incomodativo ao abrir,

sendo difícil a total abertura da mesma pelo facto da dobradiça de “piano” estar “perra” e/ou estar subdimensionada para o tamanho/dimensões da porta que tem a altura do piso (cerca de 2.50m de altura), podendo a dobradiça estar sobre esforço e compressão.

q. Algumas portas dos armários da cozinha encontram-se ligeiramente desalinhadas entre si resultado da fixação e da afinação das dobradiças de mola.

r. Na cozinha, a superfície do teto apresenta algum empeno (deficiente planura) quando comparado com a esquadria da estrutura dos armários da cozinha.

s. O pavimento flutuante da cozinha apresenta algum desnível (falta de planura).

t. O rodapé da cozinha encontra-se algo solto (desprendido).

u. O sistema de fecho da porta da despensa não permite a abertura e utilização do forno

instalado na cozinha.

v. O remate dos aros das portas de acesso aos quartos com o teto do corredor apresentavam falta de esquadria e planura do teto.

w. O pavimento do quarto-suite está manchado.

x. A garagem não se encontra eletrificada e, por isso, o portão basculante apenas funciona manualmente e não dispõe de sistema de fecho ao pavimento.

26) Em 04.08.2020, na fração:

a. Entre a sala comum e a lavandaria inexistia uma porta em vidro.

b. Nos dois quartos de banho inexistia um resguardo, em vidro, a proteger a saída da

água dos chuveiros.

c. Inexistia um cilindro para aquecimento de águas.

d. Na zona situada por baixo dos móveis da cozinha, inexistia tijoleira e rodapé.

e. O pavimento da garagem não tinha tijoleira.

f. O quadro elétrico não tinha etiquetas de identificação dos circuitos.

27) Em 11 de janeiro de 2021 os Autores enviaram carta registada ao Réu, com o seguinte

teor: «(…) Vimos por este meio denunciar-lhe os defeitos da fração autónoma designada pela letra "E" correspondente ao segundo andar direito e garagem do prédio sito na Avenida ..., ..., em vila do conde, descrito na CRP sob o número ... e inscrito na matriz sob o artigo ..., da freguesia ... que se descrevem no relatório que anexamos.

Concedemos-lhe o prazo de dez dias após a receção desta carta, para iniciar as obras de reparação e eliminação dos defeitos elencados, e igual prazo de dez dias para o término  das mesmas, prazo que são proporcionais e adequados (…)»

28) Em 19 de janeiro de 2021, através de advogado, o Réu respondeu àquela carta com carta com o seguinte teor: « (…) Em nome do meu cliente, acuso a receção da sua carta, que vinha datada de 11 de janeiro de 2021. O meu cliente não aceita as denuncias efetuadas. Nem tem qualquer responsabilidade acerca do que consta na referida missiva. O apartamento foi vendido com algumas obras de remodelação em curso, que eram do seu conhecimento e que vieram a ser concluídas com o seu acompanhamento. Em 5 de agosto de 2020 tomou posse do apartamento e a quando da receção do mesmo, não apresentou qualquer reclamação. Como era do seu conhecimento, o apartamento, tem uma construção com mais de 40 anos e como é normal a construção, apresenta deficiências resultantes do decorrer dos anos e do tipo de construção à época.

Não obstante não aceitar quaisquer das reclamações apresentadas, o meu cliente está disponível para observar no local e na companhia de técnico o estado do apartamento. (…)»

29) Em virtude da incorreta fixação das sanitas (que as torna inseguras), tal como referido em 25) l) e i), as mesmas descaíram tendo torcido a tubagem de drenagem de água.

30) A base do chuveiro do quarto de banho foi incorrectamente instalada como referido em 25) k) porque colocada a uma cota superior ao restante piso do quarto de banho e permite a infiltração de águas na parede que divide o quarto de banho do corredor, danificando também o rodapé.

31) Aquelas águas acabaram por se infiltrar e escorrer para o piso inferior.

32) Por causa do referido em 29) e 30), o apartamento imediatamente por debaixo da fração, sofreu infiltrações de águas nos tetos e paredes.

33) Com a chegada das chuvas, ainda em 2020, começaram a ocorrer infiltrações de água pela janela da sala, que se infiltra pela parede, em consequência do que a parede de granito à vista apresenta vestígios de infiltração de água, nomeadamente, manchas de água amareladas e já ressequidas, acompanhadas de eflorescências da pintura e sais de água (sais alcalinos) e escorre pela parede onde está instalada a janela.

34) Em fevereiro de 2021 foi apresentado o orçamento para reparação da fração dos Autores, com a referência 2021.005 no valor de €.7.385,00 + IVA. 35) A eliminação da humidade e repintura do teto das casas de banho e das paredes do apartamento sito no 1.º andar frente que sofreu os danos das infiltrações de água, importará num custo de cerca de €.1.300,00.

36) A reparação da sala e dos quartos de banho tem um custo de €.4820,00 a que acresce 37) A reparação da cozinha tem um custo de €.400,00 a que acresce IVA.

38) A reparação dos peitoris tem um custo de €.350,00 a que acresce IVA.

39) A reparação das guardas metálicas da varanda tem um custo de €420,00 a que acresce IVA.

40) A eletrificação da garagem tem um custo de €.450,00 a que acresce IVA.

41) O estado da fração limita o seu uso pelos Autores, que não limitam receber visitas e fazer os seus convívios.

42) Tão pouco podem, eles próprios, utilizar na plenitude o apartamento.

43) Os problemas referidos em 25) eram e são visíveis e dão um aspecto desagradável.

44) O que envergonha os Autores, que ficaram desgostosos e desgastados psicologicamente com o estado da fração.

45) Em Abril de 2019, os Autores viviam precariamente, num espaço de um familiar, sem condições adequadas, o que o Réu sabia.

46) Em 18.06.2019 o Réu assumiu que as obras necessárias para a conclusão e entrega do apartamento seriam executadas em Julho de 2019.

47) A entrega da fração apenas em 04.08.2020, causou incómodo aos Autores porque estavam acomodados num espaço sem condições de habitabilidade cedido pelo irmão do Autor marido, a quem haviam solicitado a acomodação.

48) Espaço esse que por ser exíguo, não permitia a acomodação dos seus móveis que ficaram acomodados noutro espaço, pertencente a amigos, sendo que exiguidade do espaço limitava os comportamentos e o quotidiano dos Autores que tinham as suas roupas, calçado, móveis e bens pessoais acomodadas em local arrendado e com o qual despenderam a quantia total de €.518,33, entre Abril de 2019 e 07.08.2020, em valores que variavam entre €.30,07 e €.32,12 por mês.

49) O espaço não permitia a confecção de refeições completas pelo que os Autores recorreram a restaurantes com o aumento correspondente de custos no seu orçamento mensal.

50) As guardas das varandas não foram intervencionadas pelo Réu.

51) O Réu cedeu um pequeno espaço para os Autores guardarem as suas mobílias e demais bens pessoais.

52) Os Autores já repararam as sanitas.”.

Factos não provados:

“a) O Réu compra e vende imóveis e no exercício da sua actividade comercial comprou a fração identificada em 2).

b) A empresa inicialmente contratada pelo Réu para a remodelação falhou com o Réu tendo atrasado o início dos trabalhos consideravelmente e por tal motivo, o casal do Réu viu-se obrigado a alterar os planos iniciais encontrando solução alternativa para habitar.

c) Aquando da celebração do negócio, o Réu assumiu que o apartamento teria uma porta,

em vidro, a separar a sala comum e a lavandaria, teria, nas duas casas de banho, um resguardo, em vidro, a proteger a saída da água dos chuveiros, teria um cilindro para aquecimento das águas, teria tijoleira em todo o piso da cozinha e rodapé na zona dos móveis da cozinha, teria tijoleira no pavimento da garagem; teria etiquetas nos circuitos do quadro elétrico e teria as garantias dos fornecedores dos eletrodomésticos e do portão da garagem.

d) No decurso de algumas visitas, os Autores sugeriram algumas alterações aos trabalhos

em curso, que foram sempre acatadas, quer pelo Réu, quer pelos funcionários que trabalhavam em obra.

e) Nas visitas que efetuaram os Autores nunca apresentaram reclamações quanto aos trabalhos que estavam a ser executados.

f) Aquando da entrega referida em 15), Autores e Réu vistoriaram a fração.

g) No momento referido em 15), os Autores não apresentaram qualquer reclamação quanto aos trabalhos efetuados ou trabalhos em falta face ao acordado.

h) No momento referido em 15), a fração encontrava-se limpa e pronta a habitar.

i) Nunca o Réu recebeu qualquer comunicação até à carta referida em 27) da existência de problemas.

j) O referido em 25) e 26), d) e f) era visível a 04.08.2020 por qualquer pessoa.

k) Os vãos (soleiras) foram colocados de acordo com as normais praticas construtivas.

l) O desalinhamento de paredes, portas e tetos subsiste desde a construção inicial do prédio.

m) As sanitas e as bases de chuveiro foram instaladas de forma correta.

n) Os tetos falsos foram aplicados de acordo com as regras da construção.

o) Os móveis de cozinha e os eletrodomésticos foram montados com o conhecimento e supervisão dos Autores.

p) Com o referido em 33), a parede e o pavimento da sala dos Autores se mostre totalmente manchado e empolado e o teto e parede do apartamento imediatamente por debaixo mostra iguais manchas de humidade.

q) A reparação dos danos com a infiltração das águas na sala, junto às janelas, tem um custo nunca inferior a €.3.000,00 euros.

r) Faltam as garantias dos fornecedores dos eletrodomésticos, bem como das caixilharias e do portão da garagem.

s) Na data da celebração da escritura referida 9) foi prometido aos Autores que as chaves do apartamento seriam entregues em poucos dias.

t) Desde pelo menos desde 06.03.2019 que o Réu estava advertido pelos Autores que o apartamento teria que ficar concluído e pronto para lhe ser entregue até 18.04.2019 pois o processo de financiamento a que os Autores haviam recorrido expirava nessa data.

u) O Réu assumiu que as obras estariam concluídas em 08.04.2019 e que nesse dia poderiam outorgar a escritura de permuta e de mútuo.

v) No dia da escritura, o Réu comunicou aos Autores que não lhes entregaria a chave naquele mesmo dia pois ainda faltavam concluir alguns trabalhos, entre eles a limpeza do apartamento e que aguardassem alguns dias para ele concluir os trabalhos e entregar-lhes o apartamento.

w) Os Autores realizaram a escritura acreditando na promessa do Réu e julgando que o apartamento estaria praticamente pronto a habitar.

x) Nos dias seguintes os Autores tomaram conhecimento de que, afinal, ainda faltavam realizar muitos trabalhos.

y) Chocados, tentaram obter do Réu o compromisso de uma data de entrega definitiva mas sujeito a tal pressão, o Réu deixou de atender os telefonemas dos Autores.

z) Em maio de 2019, DD informou os Autores que o Réu lhe havia pedido

para transmitir que as obras estariam concluídas e o apartamento seria entregue até 20.06.2019.

aa) Já com um acordo verbalmente firmado, os Autores informaram o Réu que não conseguiam empréstimo para a totalidade do preço do imóvel e sugeriram o negócio alternativo de pagamento parcial através de permuta.

bb) Não obstante o acordo verbal quanto à venda, o Réu sempre declarou que apenas pretendia celebrar escritura após o termo dos trabalhos de remodelação do apartamento, porque estava preocupado com os atrasos na entrega dos materiais que se verificavam, assim como a dificuldade em arranjar mão de obra disponível para a conclusão dos trabalhos em curso.

cc) Não obstante o referido em f), os Autores apressaram-se a obter financiamento junto do Banco e começaram a pressionar o Réu para que a escritura fosse celebrada o mais rápido possível, temendo perder o financiamento que já se encontrava aprovado.

dd) Os Autores informaram o Réu que, para maior facilidade na obtenção do crédito,  eram em garantia o estabelecimento comercial que exploravam no centro da cidade de Vila do Conde, denominado “A...”, o qual, porém, já tencionam encerrar e temiam que, caso o estabelecimento fosse encerrado, antes da concretização do financiamento e celebração da escritura, o Banco deixasse de lhes emprestar o dinheiro.

ee) Os Autores insistiram com o Réu pela outorga imediata da escritura, garantindo sempre que não tinham urgência na entrega do imóvel para nele habitar e que aguardariam pela conclusão dos trabalhos em curso.

ff) Em Vila do Conde, em 2019/2020, a renda mensal de um T2, nunca era inferior a €.600,00.”.


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1. Cumpre apreciar a pretensão do Recorrente de ver alterada a matéria de facto.

A admissibilidade do recurso da matéria de facto depende do cumprimento dos ónus previstos no artigo 640º do Código de Processo Civil.

Tal preceito, pelo seu número 1, impõe – no que agora releva convocar -, ao recorrente que especifique, “sob pena de rejeição”:

“a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”.

O número 2 do referido artigo estatui que “Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

O Recorrente cumpriu manifestamente a obrigação de discriminação dos factos que quer ver alterados, indicou a decisão que sobre eles quer ver proferida e os meios de prova que entende como relevantes para a sua pretensão. Transcreveu mesmo, em parte, os depoimentos que tem por relevantes para a sustentação da sua tese.  E explicou em que medida entende que tais depoimentos contribuem para a pretendida alteração.

Foram, assim, cumpridos os ónus exigidos para o recurso da matéria de facto.

Seguiremos, na apreciação das questões de facto levantadas pelo Recorrente, a ordem pela qual as enunciou nas alegações de recurso.


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1 - Pontos 7) e 8) dos factos provados:

Sob tais alíneas ficou provado que:

7) O Réu promoveu junto dos Autores a venda da fração referida em 2) no estado de “totalmente remodelado” e pronto a habitar.

8) Aos Autores foi então prometido que a cozinha, os Wc´s e os demais compartimentos da fração e da garagem sofreriam as modificações e remodelações que o Réu descreveu e que lhe daria a configuração de apartamento novo, funcional, moderno e totalmente conforme com as exigências construtivas atuais.

O Recorrente pretende que tais alíneas passem a ter a seguinte redação:

7) O Réu promoveu junto dos Autores a venda da fração referida em 2) no estado de remodelado e pronto a habitar.

8) Aos Autores foi então prometido que a cozinha, os Wc´s e os demais compartimentos da fração e da garagem sofreriam as modificações e remodelações que o Réu descreveu e que lhe daria a configuração de apartamento moderno e funcional.

Em sustentação desta pretendida alteração o Recorrente pede a reapreciação do seu depoimento de parte, bem como o do Autor marido.

Foram ambos ouvidos na sua integralidade e do seu teor é manifesto concluir que em momento nenhum das negociações com vista à compra e à definição da totalidade das obras que iriam ainda ser feitas, mas que estavam já em curso na altura dessa negociação, as partes acordaram com detalhe e rigor tudo o que iria ser ainda construído bem como é manifesto que não definiram todas as especificações técnicas da obra a realizar. Definiram, contudo, e tal resultou claramente de ambos os depoimentos, que compartimentos seriam remodelados, o tipo de pavimentos a aplicar, como seriam os móveis e bancas da cozinha, os chuveiros e torneiras, a configuração de portas e armários embutidos, o fecho da lavandaria, o aspeto da parede de pedra da sala, as caixilharias, entre outras especificações.

Do teor dos dois depoimentos resultou ainda inequívoco que a remodelação que o Réu tinha já em curso - em fração que comprou para a habitar e cuja remodelação projetou e iniciou com esse fito -, seria de todo o apartamento e visava a sua modernização e, também, a atualização “com as exigências construtivas atuais”, de canalizações, aquecimento, sistemas elétricos e outras benfeitorias não visíveis e que iam para além da mera modernização da aparência do imóvel.

Tal decorreu, nomeadamente, da descrição feita pelo próprio Réu do estado em que se encontrava o apartamento quando o comprou - muito degradado e com problemas estruturais - e foi corroborado pelo depoimento da testemunha DD que também foi ouvido na sua integralidade.

Tal testemunha teve um depoimento em grande medida interessado, tendo revelado intervenção direta na venda e nas obras, referiu-se muitas vezes a si e ao Réu primeira pessoa do plural (“nós”) como se fossem ambos igualmente interessados na venda e assumiu ao longo de todo o depoimento que era ele o interlocutor dos Autores durante a execução dos trabalhos, que foi ele quem contratou empreiteiros, escolheu e deu a escolher materiais e fez a entrega do imóvel aos compradores. Disse, aliás, que foi ele quem fez todas as diligências para a sua venda, publicitando-o nas redes sociais e descreveu como ajudou o seu amigo de infância, o Réu, mesmo antes deste decidir que iria vender o imóvel, a tirar do apartamento alcatifas e lixo que ali se encontravam, desmontando o que ali era obsoleto e teria de ser substituído. Nesta particular descrição foi claro que obras tinha o Réu projetadas para a fração, onde pretendia vir a habitar, tendo o mesmo admitido que o que combinou com os Autores foi que as terminaria e a venderia no estado de totalmente remodelado, de acordo com o plano de remodelações que fizera e que lhes transmitiu.

Pelo que não há qualquer fundamento para alterar as alíneas 7 e 8 dos factos provados.


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2 – Alínea 19) dos factos provados:

A mesma tem a seguinte redação:

19) Na pouca informação que foi sendo prestada pelo Réu aos Autores, enquanto levava a efeito as obras, apenas era referido, via e-mail, as datas em que previa a entrada em obra de alguma das especialidades.

O Recorrente pretende que tal alínea seja dada por não provada.

Uma vez mais não procede a pretensão do Recorrente.

A prova que indica em sustentação do que requer é o depoimento de DD, já acima referido, pessoa que justificou o seu envolvimento direto na venda e na remodelação como decorrente da amizade que o liga ao Réu o que, contudo, não se revela plausível. De facto, o vínculo de amizade relatado não é bastante para que se compreenda que alguém ponha à venda imóvel de outrem, indique, para contactos relacionados com a referida venda, o seu próprio número de telefone, acompanhe as visitas de vários interessados, por si mesmo agendadas, escolha e contrate empreiteiros como sendo da sua responsabilidade direta, bem como efetue escolha de materiais e dê instruções aos Autores sobre os que e deviam e podiam ser eles a escolher, indicando-lhes as lojas onde deviam fazer tal escolha. Tudo isto foi descrito pelo próprio DD.

Fica, assim, ouvido que foi o seu depoimento, a certeza de que a referida testemunha teve um envolvimento direto na venda e na definição e execução das obras mais próximo e ativo que o do próprio Réu.

Este envolvimento direto no negócio faz crer que a referida testemunha teve interesse no mesmo. É certo que, a dado passo do seu depoimento, a testemunha disse que terá enviado vídeos e fotos à Autora mulher. Dado o seu comprometimento com os interesses do Réu, de que curou durante todo o negócio, tal afirmação não é bastante para que se possa ter por provado o referido envio. Afirmação que, aliás, facilmente o Réu poderia corroborar com registo desses envios, já que referidos vídeos terão alegadamente sido remetidos por algum meio de comunicação eletrónica.

Donde, não há por que alterar a alínea 19) dos factos provados sendo a prova produzida claramente demonstrativa da falta de informação que aos Autores foi sendo prestada sobre o decorrer da obra bem como da falta de resposta por banda do Réu a diversas interpelações dos mesmos (cfr. os cinco emails que constituem o documento número 35 da petição inicial).


*

3 – Alíneas 24), 25) g., i., k. e l., 29), 30), 31) e 32) dos factos provados e i), j) e m) dos não provados.

É o seguinte o teor destas alíneas:

24) Quando os Autores fizeram a mudança e se instalaram na fração detetaram vários problemas na mesma e contrataram um gabinete técnico para efetuar uma inspeção ao imóvel, o que foi feito.

25) A fração referida em 2), em 04.08.2020 tinha:

(…)

g. A base de chuveiro da suite foi incorretamente instalada porque colocada a uma cota

superior ao restante piso do quarto de banho.

(…)

i. A sanita suspensa do quarto de banho da suite não estava devidamente fixada.

(…)

k. A base do chuveiro do quarto de banho foi incorretamente instalada porque colocada a uma cota superior ao restante piso do quarto de banho.

l. A sanita suspensa do quarto de banho não estava devidamente fixada.

(…)

29) Em virtude da incorreta fixação das sanitas (que as torna inseguras), tal como referido em 25) l) e i), as mesmas descaíram tendo torcido a tubagem de drenagem de água.

30) A base do chuveiro do quarto de banho foi incorretamente instalada como referido em 25) k) porque colocada a uma cota superior ao restante piso do quarto de banho e permite a infiltração de águas na parede que divide o quarto de banho do corredor, danificando também o rodapé.

31) Aquelas águas acabaram por se infiltrar e escorrer para o piso inferior.

32) Por causa do referido em 29) e 30), o apartamento imediatamente por debaixo da fração, sofreu infiltrações de águas nos tetos e paredes

i) Nunca o Réu recebeu qualquer comunicação até à carta referida em 27) da existência de problemas.

j) O referido em 25) e 26), d) e f) era visível a 04.08.2020 por qualquer pessoa.

m) As sanitas e as bases de chuveiro foram instaladas de forma correta.

O Recorrente pretende que:

Sejam julgados não provados os pontos g), i), k) e l) da alínea 25), assim como as alíneas 29) a 32) dos factos provados e que seja considerado provado o teor das alíneas i) e m);

Seja alterada a redação da alínea 24), para a seguinte: “Quando os Autores rececionaram a obra e durante a mudança para a fração, concluída em setembro de 2020, detetaram as situações constantes do ponto 25) (já excluídas, nos termos supra, as alíneas g., i., l. e l.), tendo em dezembro desse ano contratado um gabinete técnico para efetuar uma inspeção ao imóvel, o que foi feito”.

No âmbito da análise destes pontos da matéria de facto e da censura que a eles dirige, o Recorrente pretende, ainda, que seja aditado ao elenco dos factos provados o seguinte: “O referido em 25) (já excluídas, nos termos supra, as alíneas g., i., l. e l.) era visível por qualquer pessoa e era conhecido pelos Autores, desde a receção da obra ou, pelo menos, desde a conclusão da mudança para a fração”.

A questão essencial que o Recorrente pretende ver resolvida pelas alterações sugeridas a este grupo de factos é a do momento do conhecimento pelos Autores dos defeitos que ficaram provados, nomeadamente pela defesa de que os mesmos eram aparentes no dia da entrega do imóvel, a da sua aceitação sem reserva, tal como por si havia sido alegado na contestação.

Pretende, ainda, discutir a alegada falta de comunicação de defeitos até à receção da carta referida na alínea 27 dos factos provados.

Quer, finalmente, discutir a prova relativa a parte desses defeitos, entendendo que alguns deles não podem ser julgados provados.

Comecemos por esta última pretensão, após o que se tratará da cognoscibilidade/aparência de todos os defeitos que se julguem provados e da comunicação dos mesmos por banda dos Autores.

Relativamente à alínea 25) dos factos provados, o que o Recorrente censura é que se tenha dado por provado que as sanitas e as bases dos chuveiros mencionadas nas alíneas g), i), k) e l) foram incorretamente colocadas, alegando não haver prova de qualquer defeito das mesmas, desde logo em face da perícia,  que não detetou qualquer desconformidade nas sanitas, bem como da inspeção técnica feita a pedido dos Autores que é, segundo o Apelante, inconclusiva quanto à causa dos defeitos daquelas peças. Estriba a pretensão de prova de correta instalação dessas peças (sanitas e bases de chuveiro), no depoimento de JJ, picheleiro que disse ter executado tais serviços.

Ora, não é correto afirmar que não foi feita qualquer prova dos defeitos nessas peças. As testemunhas KK, EE, FF, GG e HH descreveram de forma essencialmente coincidente as desconformidades dadas por provadas, que todos viram presencialmente.

KK, autor do relatório técnico pedido pelos Autores e por eles junto à petição inicial, descreve de forma sustentada e segura as desconformidades dessas peças em relação ao uso a que se destinavam, sendo claro em afirmar que a forma de colocação das bases de chuveiro associada à falta de instalação de resguardos (não inteiramente substituíveis por cortinas em face da forma como estavam colocados), era a causa da saída de água para o resto do compartimento durante os banhos. Foi ainda seguro na descrição do estado em que encontrou duas sanitas suspensas, que rodavam quando alguém nelas se sentava e que estavam afastadas da parede quando deviam estar totalmente encostadas à mesma tendo, numa das casas de banho, a rotação da sanita provocado até a quebra de cerâmica e a deslocação da parede para dentro.

Tal depoimento é inteiramente corroborado pelas fotografias que juntou ao seu relatório técnico que evidenciam as descrições que fez do que viu.

As testemunhas EE, FF, GG e HH descreveram, de forma diferente, menos técnica, mas igualmente segura e explicativa as mesmas desconformidades, tendo as duas primeiras acompanhado a Autora mulher no dia da entrega do imóvel e nos dias seguintes, com vista a ajudarem nas limpezas e mudanças, o que fizeram, sendo os seus depoimentos essenciais para a descrição dos defeitos em causa, que ambas relataram como tendo sido apenas revelados já depois da entrega e no decurso das limpezas e mudanças, altura em que o uso das sanitas (durante as limpezas) e, depois dos chuveiros (já após grande parte da mudança feita), se iniciou.

É manifesto e indiscutível que os meios de prova acima descritos associados ao relatório pericial no que a uma das bases de chuveiro respeita (não quanto às sanitas e quanto a  outra das bases por terem, entretanto, sido reparadas pelos Autores), são de molde a infirmar o depoimento de JJ, responsável pela instalação dessas peças que veio, sem surpresa, sustentar que a aplicação das mesmas fora correta e que tudo ficara “perfeito”. Manifestamente não ficou. E resulta claro do relatório pericial que a má instalação de uma das bases de chuveiro deu origem a infiltração de água na fração que se situa abaixo da dos Autores.

A prova pericial ordenada pelo tribunal foi produzida por perito sem qualquer ligação com as partes, com domínio dos conhecimentos técnicos necessários e resultou na elaboração de relatório detalhado e documentado, sendo muito relevante o seu valor probatório que, evidentemente, não pode ser posto em causa com base no depoimento do responsável pela instalação das peças.

Acresce que a testemunha GG, cunhada dos Autores, referiu que quando foi visitar a primeira vez o apartamento, as sanitas estavam já suportadas sobre uma pilha de revistas. A sua primeira visita ocorreu já depois da mudança dos Autores para o imóvel. A descrição dessa forma de suporte das sanitas é coincidente com a que fora feita pela testemunha FF, que referiu ter visto uma pilha de livros sob as sanitas. As testemunhas GG e HH confirmaram que só foram visitar os Autores depois de eles terem mudado para a nova casa, o que, como resultou da demais prova, terá ocorrido já durante o mês de setembro, mas não souberam afirmar se foram visitar a casa logo após a mudança ou algum tempo (um ou dois meses) depois. Segundo eles, era “flagrante” o estado das sanitas.

Pelo que não por que alterar o teor das alíneas 25) e 29) a 32) dos factos provados e m) dos não provados, como pretende o Apelante.


*

Reportemo-nos agora à censura dirigida ao facto dado por não provado sob alínea i): “Nunca o Réu recebeu qualquer comunicação até à carta referida em 27), da existência de problemas.”.

O Apelante pretende que tal facto passe a provado, sustentando que é “inequívoco”, até pelo teor da petição inicial, que apenas nessa data foi feita a denúncia dos defeitos pelos Autores.

Ora, não é assim, de facto.

Desde logo a circunstância dos Autores apenas terem alegado a denúncia dos defeitos em 11 de janeiro de 2021 não equivale à admissão, por sua parte, de que antes disso não reclamaram junto dele por qualquer forma ou que tenham aceitado defeitos que conheciam sem deles reclamar.

O ónus de alegar (e provar) os factos integradores da “renúncia abdicativa” prevista no artigo 1219º do Código Civil era do Réu, a quem cabia invocar os factos sustentadores da mesma enquanto exceção perentória que é (nos termos do disposto nos artigos 342º, número 2 do Código Civil e 576º, número 3 do Código de Processo Civil). No cumprimento desse ónus o réu alegou que os defeitos ora alegados seriam já visíveis à data da entrega, foram imediatamente conhecidos dos Autores e que estes deles não reclamaram senão por via da referida carta.

A circunstância de os Autores não alegarem que reclamaram de qualquer desconformidade antes da denúncia dos defeitos que fizeram por carta de janeiro de 2021 não significa, por si só, que tal reclamação não possa ter acontecido.

Ora, a prova produzida, cuja reapreciação foi pedida pela Apelante, apontou mesmo no sentido oposto ao que o mesmo pede. De facto, dos depoimentos conjugados de DD, da Autora e das testemunhas EE e FF resultou claro que, logo no dia da entrega a Autora mulher confrontou o referido DD, que foi quem fez tal entrega, com defeitos visíveis no momento como foram;

- o da impossibilidade de abertura da porta do forno quando da dispensa está fechada (o que foi admitido pelo referido DD);

- o da existência de uma falha/buraco, na parede de granito, como relatado pela testemunha EE tendo esta referido que a esposa do referido DD, também presente, manifestou perplexidade pelo estado em que a obra fora entregue;

- o mau funcionamento da campainha, o que foi admitido por DD.

Este referiu, ainda, que no dia a seguir ao da entrega, a Autora mulher lhe telefonou a dar conta de que a garagem não abria com o comando bem como admitiu que esta reclamou pela falta do cilindro e pelo facto da pedra das soleiras das portas ter sido colocada sobre a que ali já antes existia.

E admitiu que tinha enviado à Autora mulher o contacto do carpinteiro para que ela resolvesse com ele, diretamente, a questão da impossibilidade de abertura da porta do forno.

O que é bastante para que improceda a pretensão do Apelante no sentido de ver provado que nunca antes da carta de 11 de janeiro de 2021 os Autores reclamaram de qualquer defeito ou desconformidade.

É certo que os Autores não alegaram nenhuma dessas reclamações, prévias à denúncia.

Do que decorre que tal facto – existência de qualquer reclamação prévia -, não pode ser julgado provado, por não ter sido alegado e não constituir facto instrumental, complementar, concretizador ou notório que o tribunal possa conhecer oficiosamente nos termos do artigo 5º do Código de Processo Civil.

Todavia, as consequências da falta de alegação desse facto por banda dos Autores, se as houver, hão de ser retiradas ao nível da apreciação das regras do ónus da prova e não no momento na apreciação da prova feita dado o princípio da aquisição processual, decorrente do artigo 413º do Código de Processo Civil de que decorre que “O Tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las, sem prejuízo das disposições que declarem irrelevante a alegação de um facto, quando não seja feita por certo interessado”.

Ora, em face da prova acima indicada, é manifesto que, apesar de tal não ter sido alegado, os Autores reclamaram junto do Réu e da testemunha DD, no momento da aceitação da obra e depois deste, de várias desconformidades, mesmo antes da denúncia feita em janeiro de 2021, pelo que não pode dar-se como provado que os Autores nada reclamaram até essa data e é de manter a alínea i) dos factos não provados.

Fixado e elenco de desconformidades que ficou assente na alínea 25) cabe, agora, aferir se as mesmas eram visíveis na data de entrega do imóvel e se foram do imediato conhecimento dos Autores.

Quanto à alínea 24) dos factos provados quer o Apelante que seja alterada a sua redação por forma a que ali fique a constar que: “Quando os Autores rececionaram a obra e durante a mudança para a fração, concluída em setembro de 2020, detetaram as situações constantes do ponto 25) tendo em dezembro desse ano contratado um gabinete técnico para efetuar uma inspeção ao imóvel, o que foi feito.”.

Pretendem, ainda, que seja aditado à matéria de facto que “O referido em 25) (era visível por qualquer pessoa e era conhecido pelos Autores, desde a receção da obra ou, pelo menos, desde a conclusão da mudança para a fração” e que se dê como não provado o teor da alínea j).

O teor do novo facto cujo aditamento é pedido resulta dos artigos 42º e 64º a 66º da contestação e mereceu resposta negativa – quando à possibilidade de tais desconformidades serem vistas por qualquer pessoa, a 4 de agosto e 2020, data da entrega do imóvel -, conforme resulta da alínea j) dos factos provados.

A questão da natureza visível das desconformidades que ficaram provadas na alínea 25) dos factos provados será analisada em função da prova produzida, mas, nalguns casos tal conclusão retira-se da própria descrição dos defeitos que já está assente. Assim, há defeitos que, pela forma como estão descritos, claramente se devem ter por não visíveis/aparentes, bem como há outros que, pela sua descrição, tem de se concluir que já existiam e eram visíveis em 4 de agosto de 2020.

Entre os primeiros estão, desde logo, os referidos os pontos i. e l. da alínea 25), referentes à má colocação das sanitas, que a própria Apelante admite que não podiam ser vistos de imediato.

Idêntica assunção - de que não se trata de defeito visível -, é de fazer quanto ao teor do ponto j. da alínea 25), uma vez que apenas com o uso da referida torneira se poderia constatar que a mesma fazia verter água para fora do lavatório.

Quanto a alguns dos defeitos descritos na alínea de 25) não foi feita qualquer prova de que já se verificavam na data da entrega do imóvel.

Foi o que sucedeu com os vestígios de oxidação dos gradeamentos da varanda (ponto f.), que ninguém referiu que já existissem na data da entrega não tendo qualquer dos depoimentos ouvidos e reapreciados referido tal visibilidade em agosto de 2020.

Nenhum dos depoimentos ouvidos foi, também, de molde a permitir que se conclua que já se viam, em 4 de agosto de 2020, os seguintes defeitos dados por provados na alínea 25):

- “e. O pavimento flutuante apresenta pontualmente algumas pequenas juntas abertas com cerca de 1mm de espessura e algum desnivelamento (falta de planura) numa parte da área da sala.”

Do teor dos depoimentos de EE e FF, que acompanharam a entrega do imóvel e ao longo de vários dias ajudaram na limpeza do apartamento, a pedido da Autora mulher, resultou a convicção de que o mesmo estava muito sujo, com restos de obras e muito pó, pelo que não pode presumir-se que era visível o desnivelamento do pavimento nem os espaçamentos entre algumas peças. Ambas as referidas testemunhas afirmaram que a limpeza do apartamento durou vários dias, não consecutivos, pois a Autora não tinha “saúde” para a fazer sozinha e as duas foram ajudar, enquanto amigas, na medida das suas possibilidades.

Já o que as testemunhas GG e HH relataram como sendo defeitos que viram e que reputaram de muito evidentes, nomeadamente ao nível dos pavimentos, não releva neste contexto, já que ambos apenas foram visitar o apartamento depois da mudança dos Autores, isto é, depois de limpo. A testemunha HH disse mesmo que muitos dos defeitos que observou lhe foram apontados pelos Autores, que, entretanto, já os tinham detetado.

Quanto ao teor dos pontos s. e t. da alínea 25) (“O pavimento flutuante da cozinha apresenta algum desnível (falta de planura)”  e “O rodapé da cozinha encontra-se algo solto, desprendido”), valem aqui as considerações acima feitas a propósito o ponto e. relativas à falta de limpeza do apartamento no momento da entrega que poderia tornar ocultas deficiências ao nível do piso e junto a este. O mesmo vale para o defeito descrito no ponto w. referente ao piso da suite, que está manchado.

Também quanto ao teor do ponto q. da alínea 25) (“Algumas portas dos armários da cozinha encontram-se ligeiramente desalinhadas entre si resultado da fixação e da afinação das dobradiças de mola.”), nenhum meio de prova foi de molde a que se possa concluir que o desalinhamento aqui descrito já existisse no momento da entrega podendo o mesmo apenas ter começado a ocorrer, posteriormente, quando as portas começaram a ser limpas e abertas/fechadas, sendo esse movimento que evidenciou a má colocação das mesmas.

Já os demais defeitos elencados na alínea 25), nos seus pontos a. a d., g., h., k., m. a p., r., u. e x. são claramente desconformidades existentes e visíveis no momento da entrega do imóvel, não resultando como possível que estivessem ocultas (mesmo pela falta de limpeza) ou que tivessem sido desenvolvidas/reveladas, com o decurso do tempo ou do uso.

Vejamos cada uma delas:

a. As soleiras de granito dos parapeitos das janelas são curtas em largura apresentando juntas abertas com cerca de 2cm de largura e por fechar(tomar/vedar).

b. A padieira (tampa da caixa de estore) apresenta tinta branca sobre o apainelado em melamina, resultado do deficiente remate entre a pintura da parede e o apainelado e as cabeças dos parafusos de fixação daquele apainelado estão à vista.

c. Os “pilaretes” em madeira, com função decorativa, apresentam falta de esquadria no topo (parte superior) criando, com isso, juntas abertas de diferentes dimensões/espessura no remate com a superfície do teto da sala comum.

d. A parede de granito com juntas preenchidas a argamassa de cimento apresentava zonas onde não foi aplicada argamassa para preencher as juntas

g. A base de chuveiro da suite foi incorretamente instalada porque colocada a uma cota

superior ao restante piso do quarto de banho.

h. Na zona da porta de acesso ao quarto de banho da suite, a superfície da padieira existente sob a calha da porta de correr, encontra-se irregular e com acabamento deficiente (e por acabar), apresentando as massas finas de acabamento por lixar e pintar com duas demãos de tinta.

k. A base do chuveiro do quarto de banho foi incorretamente instalada porque colocada a uma cota superior ao restante piso do quarto de banho.

m. No quarto de banho, as juntas entre as peças cerâmicas, de revestimento das paredes encontram-se abertas (cerca de 1,5mm de abertura e por tomar), sendo os remates com as guarnições de madeira do vão da porta deficientes e algumas das peças apresentam também empeno (falta de planura).

n. A porta do quarto de banho não dispõe do aro da padieira (aro superior) assim e falta de esquadria no remate da porta com o pano da parede (interior), ou seja, o remate entre a obra de carpintaria e a parede.

o. Os tetos falsos da sala apresentam curvatura e falta de planura.

p. A porta do armário do quadro elétrico produz um ruído (chiar) incomodativo ao abrir,

sendo difícil a total abertura da mesma pelo facto da dobradiça de “piano” estar “perra” e/ou estar subdimensionada para o tamanho/dimensões da porta que tem a altura do piso (cerca de 2.50m de altura), podendo a dobradiça estar sobre esforço e compressão.

r. Na cozinha, a superfície do teto apresenta algum empeno (deficiente planura) quando comparado com a esquadria da estrutura dos armários da cozinha.

u. O sistema de fecho da porta da despensa não permite a abertura e utilização do forno

instalado na cozinha.

v. O remate dos aros das portas de acesso aos quartos com o teto do corredor apresentava falta de esquadria e planura do teto.

x. A garagem não se encontra eletrificada e, por isso, o portão basculante apenas funciona manualmente e não dispõe de sistema de fecho ao pavimento.

Contudo, o facto de tais defeitos serem manifestamente existentes no momento da entrega não significa que todos eles tenham sido detetados pelos Autores aquando da mudança, como pretende o Apelante.

Ao contrário do que pretende o Apelante, a testemunha HH, irmão da Autora mulher e marido da testemunha GG descreveu os defeitos que visionou na fração quando ali foi visitar a irmã e o cunhado – que já tinham feito a mudança -, foi muito seguro em descrevê-los como grosseiros, mas, também, em afirmar que muitos deles foram sendo revelados ao longo do uso e que para muitos foi apenas alertado pelos próprios Autores, à medida em que eles próprios os foram verificando.

Sabe-se, pelo depoimento das testemunhas FF e EE, e pelas declarações da Autora, em parte confirmados pelo depoimento da testemunha DD – já acima sumariados e analisados -, que houve defeitos imediatamente constatados pela Autora mulher, que de imediato os deu a conhecer ao referido DD. São eles os referidos nos pontos d. (falta de preenchimento de toda a parede de pedra da sala) e u. (impossibilidade de abertura da porta do forno estando a despensa fechada).  Esses dois defeitos podem, pois, afirmar-se desde já como tendo sido vistos pelos Autores na data de receção da obra.

Pretende, ainda o Réu que seja aditado à matéria de facto que “O referido em 25) (era visível por qualquer pessoa e era conhecido pelos Autores, desde a receção da obra ou, pelo menos, desde a conclusão da mudança para a fração.” e que se dê como não provado o teor da alínea j). Nesta foi julgado não provado que: “O referido em 25) e 26) d) e f) era visível a 04-08-2020 por qualquer pessoa”.

Quanto às desconformidades dadas por provadas na alínea 26), a sentença não fez decorrer da prova das mesmas qualquer condenação, tendo o Réu sido absolvido do pedido na parte em que os Autores pretendiam ser indemnizados pela falta de realização de trabalhos, uma vez que não se provou que tinham sido acordados.

Como tal, nessa parte não cumpre, por inútil, apreciar se era ou não imediatamente visível para os Autores a falta desses trabalhos, já que nessa parte os mesmos não recorreram da sentença.

Quanto às desconformidades descritas a alínea 25), nos seus pontos a. a d., g., h., k., m. a p., r., u. e x. – únicos que descrevem defeitos que se podem afirmar serem já existentes e visíveis na data de entrega  - há que aferir se eram visíveis “por qualquer pessoa” como pretende o Apelante (o que o mesmo alegou com o fito de que venha a concluir estarmos perante defeitos aparentes, assim permitindo a aplicação da presunção decorrente do artigo 1219º, número 2 do Código Civil).

Quando à perceção dos referidos defeitos pelo Autor cumpre afirmar que, ao contrário do afirmado pelo Apelante, não ficou de todo provado que se trate de pessoa com especiais conhecimentos técnicos na área da construção. As testemunha GG e HH, cunhados do Autor, descreveram o trabalho do seu cunhado como sendo ligado às instalações elétricas, desconhecendo se nalgum momento trabalhou em construção, no âmbito dessas funções.

O Autor marido, no seu depoimento de parte disse ser engenheiro técnico eletrotécnico e trabalhar na instalação de redes elétricas. Donde não pode presumir-se que tudo o que era visível era detetável por si, por estar especialmente vocacionado para aferir regras de construção, cabendo apenas apreciar se os referidos defeitos visíveis seriam percecionáveis por qualquer pessoa, ou seja, pelo homem médio.

Tem-se entendido, na interpretação do disposto no artigo 1219º, número 2 do Código Civil que são defeitos aparentes os que o dono da obra possa percecionar, usando de normal diligência, sendo ocultos os que são desconhecidos do dono da obra e não são detetáveis pelo “bonus pater familiae”.[1]

Como vimos, está provado que a Autora mulher percecionou de imediato e comunicou à testemunha DD, no dia da entrega do imóvel os defeitos descritos nos pontos d. e u. da alínea 25).

Percorrer-se-á, em relação aos demais defeitos, de novo, o elenco daqueles que acima se concluiu serem já serem visíveis (não ocultos) para aferir, em relação a cada um deles, se eram percetíveis por qualquer pessoa, que, como os Autores, não tivesse especiais conhecimentos técnicos:

 - a. As soleiras de granito dos parapeitos das janelas são curtas em largura apresentando juntas abertas com cerca de 2cm de largura e por fechar(tomar/vedar).

Foi particularmente feliz a expressão usada pela testemunha HH sobre esta questão particular, pelo que dela nos socorremos. Trata-se de um defeito que, para um leigo pode parecer “feitio” só se podendo perceber que redunda em causa de acumulação de água com a continuidade. Donde, não pode este defeito ser tido como percetível por qualquer pessoa.

-  Quanto aos defeitos descritos nas alíneas g. e k. (g. A base de chuveiro da suite foi incorretamente instalada porque colocada a uma cota superior ao restante piso do quarto de banho; e, k. A base do chuveiro do quarto de banho foi incorretamente instalada porque colocada a uma cota superior ao restante piso do quarto de banho), são suscetíveis do mesmo raciocínio acima feito a propósito da forma de instalação das soleiras. A qualquer pessoa sem conhecimentos técnicos pode não suscitar qualquer dúvida ou perplexidade a forma como uma base de chuveiro está instalada – acima, abaixo ou ao nível do solo. Apenas com o uso dessas peças, aliás, se percebeu que as mesmas potenciavam a fuga de água para o exterior e, num dos casos, para o piso sob a base, tendo causado infiltrações.

- Já os defeitos das alíneas b., c., h., m., n., o., r. e v. merecem diferente conclusão.  

Tratam-se de defeitos consubstanciados em aspetos estéticos visíveis e claramente percetíveis por qualquer leigo como demonstrativos de má execução dos trabalhos:

b. A padieira (tampa da caixa de estore) apresenta tinta branca sobre o apainelado em melamina, resultado do deficiente remate entre a pintura da parede e o apainelado e as cabeças dos parafusos de fixação daquele apainelado estão à vista.

c. Os “pilaretes” em madeira, com função decorativa, apresentam falta de esquadria no topo (parte superior) criando, com isso, juntas abertas de diferentes dimensões/espessura no remate com a superfície do teto da sala comum.

h. Na zona da porta de acesso ao quarto de banho da suite, a superfície da padieira existente sob a calha da porta de correr, encontra-se irregular e com acabamento deficiente (e por acabar), apresentando as massas finas de acabamento por lixar e pintar com duas demãos de tinta.

m. No quarto de banho, as juntas entre as peças cerâmicas, de revestimento das paredes encontram-se abertas (cerca de 1,5mm de abertura e por tomar), sendo os remates com as guarnições de madeira do vão da porta deficientes e algumas das peças apresentam também empeno (falta de planura).

n. A porta do quarto de banho não dispõe do aro da padieira (aro superior) assim e falta de esquadria no remate da porta com o pano da parede (interior), ou seja, o remate entre a obra de carpintaria e a parede.

o. Os tetos falsos da sala apresentam curvatura e falta de planura

r. Na cozinha, a superfície do teto apresenta algum empeno (deficiente planura) quando comparado com a esquadria da estrutura dos armários da cozinha.

v. O remate dos aros das portas de acesso aos quartos com o teto do corredor apresentava falta de esquadria e planura do teto.

- Finalmente quanto às questões das portas do quadro elétrico e da garagem, é também manifesto que a mera tentativa de abertura das mesmas permitiria a qualquer leigo a constatação do seu mau ou não funcionamento.

Donde, quanto a tais alíneas (p. e x.) tem, também, de se concluir que descrevem defeitos que seriam visíveis a qualquer homem médio.

Assim, deve também considerar-se que eram percecionáveis por qualquer pessoa os defeitos referidos nos pontos b., c., h., m., n., o., p., r., x. e v. e a alínea j) dos factos não provados passará a ter a seguinte redação:

O referido em 25, alíneas e., f., i., j., l., q., s., t. e w. e 26 d. e f. era visível a 04-08-2020.

Quanto ao teor da alínea 24) passará a ser a contemplar que quando o imóvel foi entregue aos Autores estes detetaram as situações constantes dos pontos d. e u da alínea 25).

Já quanto à pretensão do Recorrente de ver aditado um novo facto que contemple o por si alegado nos artigos 42 e 62 a 66 da contestação, apenas pode afirmar-se que, quanto aos defeitos descritos nos pontos b., c., d., h., m., n., o., p., r. e x. da alínea 25) eram visíveis por qualquer pessoa, na data da entrega, não podendo afirmar-se, em face da prova produzida que foram conhecidos dos Autores no momento entrega da obra.

Assim tal alínea passará a ter o seguinte teor:

Quando os Autores rececionaram a obra em 4 de agosto de 2020 e durante a mudança efetuada no mês seguinte detetaram as situações constantes da alínea 25, pontos d. e u., sendo já então visíveis, por qualquer pessoa, as descritas nos pontos b., c., d., h., m., n., o., p., r. e x., e contrataram um gabinete técnico para efetuar uma inspeção ao imóvel, o que foi feito


*

4 – Alíneas 41) a 44) dos factos provados.

Têm o seguinte teor:

41) O estado da fração limita o seu uso pelos Autores, que não limitam receber visitas e fazer os seus convívios.

42) Tão pouco podem, eles próprios, utilizar na plenitude o apartamento.

43) Os problemas referidos em 25) eram e são visíveis e dão um aspeto desagradável.

44) O que envergonha os Autores, que ficaram desgostosos e desgastados psicologicamente com o estado da fração.

O Recorrente pede que estes factos sejam considerados não provados.

Ouvidos que foram os depoimentos das testemunhas EE, FF, GG e HH, é manifesto, pela forma como descreveram os defeitos, que os mesmos eram, podemos dizê-lo, de tal modo confrangedores que é perfeitamente plausível que causassem embaraço. Basta olhar para a questão das sanitas, do espalhamento de água do banho e de um dos lavatórios, da entrada de água pelas soleiras da janela e dos tetos “ondulados” para se concluir que ficou prejudicado o uso da fração pelos seus donos. Quanto ao sofrimento e constrangimento causados pelos defeitos foi muito segura a testemunha HH que afirmou que os Autores ficaram muito desgastados, no que foi acompanhado pelo depoimento da sua mulher, a testemunha GG.

Donde, improcede a pretensão do apelante quanto às alíneas 41) a 44).


*

5 – Alíneas 46) e 47) dos factos provados.

É o seguinte o seu teor:

46) Em 18.06.2019 o Réu assumiu que as obras necessárias para a conclusão e entrega do apartamento seriam executadas em julho de 2019.

47) A entrega da fração apenas em 04.08.2020, causou incómodo aos Autores porque estavam acomodados num espaço sem condições de habitabilidade cedido pelo irmão do Autor marido, a quem haviam solicitado acomodação.

O Recorrente pretende que passem a não provados.

No âmbito da censura dirigida à prova dessas alíneas, pretende, ainda, que sejam aditados os seguintes factos, como provados:

- A escritura foi realizada antes da conclusão das obras a pedido e por insistência dos Autores;

- O Réu nunca assumiu qualquer compromisso quanto ao prazo para a entrega do imóvel aos Autores;

- Os Autores já estavam, antes da escritura outorgada em 18.04.2019, a viver na habitação que nos autos é referida como um espaço sem condições de habitabilidade;

- O Réu teve problemas com um empreiteiro, que abandonou a obra, não contribuindo

com culpa para a menor celeridade na entrega do imóvel.

Quanto a esta matéria a testemunha GG, cunhada dos Autores, afirmou, com certeza, que estes apenas ficaram na casa de um irmão do autor marido, em condições que descreveu como muito limitadoras, porque seria por pouco tempo. Confirmou que os Autores não esperavam ter de ali permanecer por muitos meses, como veio acontecer. Afirmou que os mesmos recebem na nova casa a família, desconhecendo se eles recebem ou não outras pessoas, mas disse que ambos mostravam tristeza até em mostrar a casa aos familiares, dado o estado em que estava o imóvel.

Disse que nos meses que antecederam a mudança os Autores relatavam que se queixavam (não sabia se ao vendedor se ao empreiteiro), da demora na conclusão e na entrega bem como, depois, relataram aos familiares as queixas que fizeram sobre o estado da fração.

A testemunha HH, irmão da Autora mulher e marido da testemunha GG descreveu uma relação muito próxima com os Autores tendo sido sempre do seu conhecimento, sobretudo pelo cunhado, o negócio da compra e venda, a demora das obras e o estado das mesmas após a entrega da fração.

Sabia que a obra deveria estar pronta na data da escritura, mas que atrasou mais de um ano, bem como confirmou que os Autores corriam o risco de poder perder o empréstimo bancário pedido caso não celebrassem a escritura, o que, assim, fizeram apesar das obras não estarem prontas na data prometida.

A testemunha HH descreveu que os Autores manifestaram sempre preocupação pelo facto de a casa não estar pronta para habitar, bem como revelaram o desconforto por terem permanecido numa casa com poucas condições durante muito tempo, quando a mesma teria sido emprestada com o objetivo de ali viverem desde que venderam a sua anterior habitação e até à escritura.

Tinha conhecimento de que a sua irmã e o cunhado por várias vezes reclamaram com o vendedor e com um outro senhor, que disse ser intermediário, de nome DD, dos atrasos nas obras. Bem como que não conseguiam ir visitar as obras pois o tal DD não tinha disponibilidade.

Quanto à demora na entrega das obras são absolutamente reveladores e não deixam margem para dúvidas os i juntos sob o documento número 35 da petição inicial, dirigidos pelo Autor marido ao Réu e à testemunha DD. Deles resulta que, desde 05-08-2019, o Autor marido se dirigiu a estes por várias vezes reclamando do atraso na entrega da obra e que quer o Réu quer a referida testemunha DD teriam indicado, sucessivamente, várias datas de entrega da fração, sempre incumpridas.

A afirmação da testemunha DD de que não abria os emails e de que até avisou o Réu para ser este a responder-lhes e a declaração deste último de que não se recordava de ter recebido qualquer email, não serviram senão para confirmar que, manifestamente, ambos sabiam que estavam a incumprir o que haviam prometido aos Autores, nunca tendo negado qualquer das afirmações por estes feitas, em cinco emails, todos sem resposta que agora, comodamente, afirmaram não ter aberto.

Não há, assim qualquer meio de prova que permita concluir o que pretende o Apelante relativamente às alíneas 46) e 47) sendo a prova feita e acima referida reveladora de que o Réu, assumiu, de facto, compromisso com os Autores relativamente à data de entrega do imóvel já totalmente remodelado. Os mesmos meios de prova não permitem, ainda, como pedido pelo Recorrente, que se julgue provado e seja aditado à matéria de facto provada que foram os Autores quem insistiu pela realização da escritura antes da conclusão das obras, já que o sucedeu foi que estas se atrasaram quer antes quer depois da celebração da compra e venda. É, ainda, absolutamente irrelevante para qualquer solução de direito que se apure, nesta ação, se os Autores já antes da compra e venda já estavam a habitar imóvel sem condições, pois a indemnização por eles pedida e arbitrada visou ressarci-los pelo danos que sofreram no tempo que ali permaneceram por causa da mora na entrega do imóvel sendo irrelevante o tempo que ali moraram antes do início dessa mora.

Finalmente cumpre afirmar que a prova feita não foi, de todo, de molde a confirmar a causa do atraso na obra invocada pelo Réu, que a imputa a culpa de terceiro.

Pelo que, quando a este grupo de facto, improcede novamente a pretensão do Apelante.


***

Em face da procedência parcial das pretendidas alterações à matéria de facto é agora o seguinte o elenco de factos a ter em conta:

Provados:

1) O Autor AA era dono e legítimo possuidor de uma fração denominada pela letra “A” do prédio urbano sito na Rua ..., em Vila do Conde, descrito na conservatória sob o número ... e inscrita na mesma freguesia ... sob o artigo ....

2) O Réu era proprietário da fração autónoma designada pela letra “E”, correspondente ao segundo andar direito, com entrada pela Avenida ..., composta por dois quartos, sala comum, hall, quarto de arrumos, quarto de banho, quarto de banho de serviço, cozinha, varanda e garagem (a 7.ª a contar de sul), do prédio urbano em regime de propriedade horizontal do edifício sito na Avenida ..., ..., na Freguesia e concelho de Vila do Conde, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana sob o art. ....

3) Quando o Réu adquiriu a fração “E” o interior do apartamento, composto por três quartos, sala, hall, cozinha, duas casas de banho, encontrava-se com todos os materiais cerâmicos, janelas, carpintarias e mobiliário de cozinha e casa de banho antigos.

4) Nessa altura, era intenção do Réu remodelá-lo para nele passar a habitar com a sua família e tencionava substituir as janelas, o pavimento, portas e roupeiros e remodelar a cozinhas e casas de banho, por forma a tornar o apartamento com um visual mais moderno.

5) Entretanto, quando a fração já se encontrava com as obras de remodelação em curso,

pelo Réu, o Réu decidiu pôr a mesma à venda.

6) Entre os diversos contactos de interessados, apareceram os Autores que visitaram o imóvel pela primeira vez já com as obras de remodelação em curso.

7) O Réu promoveu junto dos Autores a venda da fração referida em 2) no estado de “totalmente remodelado” e pronto a habitar.

8) Aos Autores foi então prometido que a cozinha, os Wc´s e os demais compartimentos da fração e da garagem sofreriam as modificações e remodelações que o Réu descreveu e que lhe daria a configuração de apartamento novo, funcional, moderno e totalmente conforme com as exigências construtivas atuais.

9) Aos Autores agradou o plano de remodelação do Réu, que, no entanto, não forneceu aos Autores quaisquer desenhos ou projetos do mesmo.

10) Os Autores bastaram-se com a descrição que o Réu lhes fez e a sua promessa de que o apartamento ficaria com a configuração final que lhes apresentava à data.

11) Os Autores demonstraram interesse na aquisição do imóvel, tendo inclusive chegado a um acordo de valor para a aquisição, que passaria por um financiamento bancário.

12) Em 18.04.2019, por escritura pública de permuta celebrada no cartório Notarial de LL, em Vila do Conde, o Autor marido adquiriu ao Réu a dita fração autónoma designada pela letra “E”, correspondente ao segundo andar direito, com entrada pela Avenida ..., composta por dois quartos, sala comum, hall, quarto de arrumos, quarto de banho, quarto de banho de serviço, cozinha, varanda e garagem (a 7.ª a contar de sul), do prédio urbano em regime de propriedade horizontal do edifício sito na Avenida ..., ..., na Freguesia e concelho de Vila do Conde, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana sob o art. ....

13) Para pagamento do preço de €.130.000,00, o Autor AA entregou ao Réu a quantia de €.50.000,00 e a referida fração denominada pela letra “A” do prédio urbano sito na Rua ..., em Vila do Conde, descrito na conservatória sob o número ... e inscrita na mesma freguesia ... sob o art. ..., com o valor atribuído de €.80.000,00.

14) A fração “E” referida em 2) encontra-se registada a favor do Autor marido pela Ap. ... de 2019/04/18.

15) A propriedade horizontal do prédio onde se integra a fração “E” está registada na Conservatória do Registo Predial pela apresentação n.º ... de 1976/06/02. 16) A fração adquirida pelo Autor marido destina-se, no imediato, à sua habitação própria e permanente e à do seu agregado familiar e tem por fim mediato, a sua futura venda ou arrendamento.

17) Durante a realização dos trabalhos de remodelação, antes e depois da escritura referida em 12), os Autores visitaram a fração um número de vezes não concretamente apurado, mas não superior a seis.

18) O modo de realização das obras e das artes de construção utilizadas não foram acompanhadas por parte dos Autores.

19) Na pouca informação que foi sendo prestada pelo Réu aos Autores, enquanto levava a efeito as obras, apenas era referido, via e-mail, as datas em que previa a entrada em obra de alguma das especialidades.

20) Os Autores escolheram, entre outros, a colocação de flutuante nos quartos e sala.

21) Na data da realização da escritura as obras e remodelação da fração referida em 2) ainda estavam em curso.

22) As divisões e a configuração do imóvel correspondem ao acordado com o Réu.

23) A fração apenas foi entregue aos Autores no dia 04.08.2020.

24) Quando os Autores rececionaram a obra em 4 de agosto de 2020 e durante a mudança, efetuada no mês seguinte, detetaram as situações constantes da alínea 25, pontos d. e u., sendo já então visíveis, por qualquer pessoa, as descritas nos pontos b., c., d., h., m., n., o., p., r. e x., e contrataram um gabinete técnico para efetuar uma inspeção ao imóvel, o que foi feito.

25) A fração referida em 2), em 04.08.2020 tinha:

a. As soleiras de granito dos parapeitos das janelas são curtas em largura apresentando juntas abertas com cerca de 2cm de largura e por fechar(tomar/vedar).

b. A padieira (tampa da caixa de estore) apresenta tinta branca sobre o apainelado em melamina, resultado do deficiente remate entre a pintura da parede e o apainelado e as cabeças dos parafusos de fixação daquele apainelado estão à vista.

c. Os “pilaretes” em madeira, com função decorativa, apresentam falta de esquadria no topo (parte superior) criando, com isso, juntas abertas de diferentes dimensões/espessura no remate com a superfície do teto da sala comum.

d. A parede de granito com juntas preenchidas a argamassa de cimento apresentava zonas onde não foi aplicada argamassa para preencher as juntas.

e. O pavimento flutuante apresenta pontualmente algumas pequenas juntas abertas com cerca de 1mm de espessura e algum desnivelamento (falta de planura) numa parte da área da sala.

f. Os gradeamentos metálicos das guardas laterais da varanda apresentam alguns pontos com vestígios de oxidação (ferrugem) e a pintura a destacar.

g. A base de chuveiro da suite foi incorretamente instalada porque colocada a uma cota

superior ao restante piso do quarto de banho.

h. Na zona da porta de acesso ao quarto de banho da suite, a superfície da padieira existente sob a calha da porta de correr, encontra-se irregular e com acabamento deficiente (e por acabar), apresentando as massas finas de acabamento por lixar e pintar com duas demãos de tinta.

i. A sanita suspensa do quarto de banho da suite não estava devidamente fixada.

j. A torneira do lavatório cerâmico do quarto de banho da suite, com a sua utilização normal, verte água para fora do lavatório caindo sobre o móvel do lavatório, a qual, por sua vez, escorre, por gravidade, até ao pavimento do quarto de banho, potenciando a degradação do próprio armário revestido a melamina de cor branco.

k. A base do chuveiro do quarto de banho foi incorretamente instalada porque colocada a uma cota superior ao restante piso do quarto de banho.

l. A sanita suspensa do quarto de banho não estava devidamente fixada.

m. No quarto de banho, as juntas entre as peças cerâmicas, de revestimento das paredes encontram-se abertas (cerca de 1,5mm de abertura e por tomar), sendo os remates com as guarnições de madeira do vão da porta deficientes e algumas das peças apresentam também empeno (falta de planura).

n. A porta do quarto de banho não dispõe do aro da padieira (aro superior) assim e falta de esquadria no remate da porta com o pano da parede (interior), ou seja, o remate entre a obra de carpintaria e a parede.

o. Os tetos falsos da sala apresentam curvatura e falta de planura.

p. A porta do armário do quadro elétrico produz um ruído (chiar) incomodativo ao abrir,

sendo difícil a total abertura da mesma pelo facto da dobradiça de “piano” estar “perra” e/ou estar subdimensionada para o tamanho/dimensões da porta que tem a altura do piso (cerca de 2.50m de altura), podendo a dobradiça estar sobre esforço e compressão.

q. Algumas portas dos armários da cozinha encontram-se ligeiramente desalinhadas entre si resultado da fixação e da afinação das dobradiças de mola.

r. Na cozinha, a superfície do teto apresenta algum empeno (deficiente planura) quando comparado com a esquadria da estrutura dos armários da cozinha.

s. O pavimento flutuante da cozinha apresenta algum desnível (falta de planura).

t. O rodapé da cozinha encontra-se algo solto (desprendido).

u. O sistema de fecho da porta da despensa não permite a abertura e utilização do forno

instalado na cozinha.

v. O remate dos aros das portas de acesso aos quartos com o teto do corredor apresentava falta de esquadria e planura do teto.

w. O pavimento do quarto-suite está manchado.

x. A garagem não se encontra eletrificada e, por isso, o portão basculante apenas funciona manualmente e não dispõe de sistema de fecho ao pavimento.

26) Em 04.08.2020, na fração:

a. Entre a sala comum e a lavandaria inexistia uma porta em vidro.

b. Nos dois quartos de banho inexistia um resguardo, em vidro, a proteger a saída da

água dos chuveiros.

c. Inexistia um cilindro para aquecimento de águas.

d. Na zona situada por baixo dos móveis da cozinha, inexistia tijoleira e rodapé.

e. O pavimento da garagem não tinha tijoleira.

f. O quadro elétrico não tinha etiquetas de identificação dos circuitos.

27) Em 11 de janeiro de 2021 os Autores enviaram carta registada ao Réu, com o seguinte

teor: «(…) Vimos por este meio denunciar-lhe os defeitos da fração autónoma designada pela letra "E" correspondente ao segundo andar direito e garagem do prédio sito na Avenida ..., ..., em vila do conde, descrito na CRP sob o número ... e inscrito na matriz sob o artigo ..., da freguesia ... que se descrevem no relatório que anexamos.

Concedemos-lhe o prazo de dez dias após a receção desta carta, para iniciar as obras de reparação e eliminação dos defeitos elencados, e igual prazo de dez dias para o término das mesmas, prazo que são proporcionais e adequados (…)»

28) Em 19 de janeiro de 2021, através de advogado, o Réu respondeu àquela carta com carta com o seguinte teor: “(…) Em nome do meu cliente, acuso a receção da sua carta, que vinha datada de 11 de janeiro de 2021. O meu cliente não aceita as denuncias efetuadas. Nem tem qualquer responsabilidade acerca do que consta na referida missiva. O apartamento foi vendido com algumas obras de remodelação em curso, que eram do seu conhecimento e que vieram a ser concluídas com o seu acompanhamento. Em 5 de agosto de 2020 tomou posse do apartamento e a quando da receção do mesmo, não apresentou qualquer reclamação. Como era do seu conhecimento, o apartamento, tem uma construção com mais de 40 anos e como é normal a construção, apresenta deficiências resultantes do decorrer dos anos e do tipo de construção à época.

Não obstante não aceitar quaisquer das reclamações apresentadas, o meu cliente está disponível para observar no local e na companhia de técnico o estado do apartamento. (…)”.

29) Em virtude da incorreta fixação das sanitas (que as torna inseguras), tal como referido em 25) l) e i), as mesmas descaíram tendo torcido a tubagem de drenagem de água.

30) A base do chuveiro do quarto de banho foi incorretamente instalada como referido em 25) k) porque colocada a uma cota superior ao restante piso do quarto de banho e permite a infiltração de águas na parede que divide o quarto de banho do corredor, danificando também o rodapé.

31) Aquelas águas acabaram por se infiltrar e escorrer para o piso inferior.

32) Por causa do referido em 29) e 30), o apartamento imediatamente por debaixo da fração, sofreu infiltrações de águas nos tetos e paredes.

33) Com a chegada das chuvas, ainda em 2020, começaram a ocorrer infiltrações de água pela janela da sala, que se infiltra pela parede, em consequência do que a parede de granito à vista apresenta vestígios de infiltração de água, nomeadamente, manchas de água amareladas e já ressequidas, acompanhadas de eflorescências da pintura e sais de água (sais alcalinos) e escorre pela parede onde está instalada a janela.

34) Em fevereiro de 2021 foi apresentado o orçamento para reparação da fração dos Autores, com a referência 2021.005 no valor de €.7.385,00 + IVA. 35) A eliminação da humidade e repintura do teto das casas de banho e das paredes do apartamento sito no 1.º andar frente que sofreu os danos das infiltrações de água, importará num custo de cerca de €.1.300,00.

36) A reparação da sala e dos quartos de banho tem um custo de €.4820,00 a que acresce 37) A reparação da cozinha tem um custo de €.400,00 a que acresce IVA.

38) A reparação dos peitoris tem um custo de €.350,00 a que acresce IVA.

39) A reparação das guardas metálicas da varanda tem um custo de €420,00 a que acresce IVA.

40) A eletrificação da garagem tem um custo de €.450,00 a que acresce IVA.

41) O estado da fração limita o seu uso pelos Autores, que não limitam receber visitas e fazer os seus convívios.

42) Tão pouco podem, eles próprios, utilizar na plenitude o apartamento.

43) Os problemas referidos em 25) eram e são visíveis e dão um aspeto desagradável.

44) O que envergonha os Autores, que ficaram desgostosos e desgastados psicologicamente com o estado da fração.

45) Em abril de 2019, os Autores viviam precariamente, num espaço de um familiar, sem condições adequadas, o que o Réu sabia.

46) Em 18.06.2019 o Réu assumiu que as obras necessárias para a conclusão e entrega do apartamento seriam executadas em julho de 2019.

47) A entrega da fração apenas em 04.08.2020, causou incómodo aos Autores porque estavam acomodados num espaço sem condições de habitabilidade cedido pelo irmão do Autor marido, a quem haviam solicitado a acomodação.

48) Espaço esse que por ser exíguo, não permitia a acomodação dos seus móveis que ficaram acomodados noutro espaço, pertencente a amigos, sendo que exiguidade do espaço limitava os comportamentos e o quotidiano dos Autores que tinham as suas roupas, calçado, móveis e bens pessoais acomodadas em local arrendado e com o qual despenderam a quantia total de €.518,33, entre abril de 2019 e 07.08.2020, em valores que variavam entre €.30,07 e €.32,12 por mês.

49) O espaço não permitia a confeção de refeições completas pelo que os Autores recorreram a restaurantes com o aumento correspondente de custos no seu orçamento mensal.

50) As guardas das varandas não foram intervencionadas pelo Réu.

51) O Réu cedeu um pequeno espaço para os Autores guardarem as suas mobílias e demais bens pessoais.

52) Os Autores já repararam as sanitas.”.

Factos não provados:

“a) O Réu compra e vende imóveis e no exercício da sua atividade comercial comprou a fração identificada em 2).

b) A empresa inicialmente contratada pelo Réu para a remodelação falhou com o Réu tendo atrasado o início dos trabalhos consideravelmente e por tal motivo, o casal do Réu viu-se obrigado a alterar os planos iniciais encontrando solução alternativa para habitar.

c) Aquando da celebração do negócio, o Réu assumiu que o apartamento teria uma porta,

em vidro, a separar a sala comum e a lavandaria, teria, nas duas casas de banho, um resguardo, em vidro, a proteger a saída da água dos chuveiros, teria um cilindro para aquecimento das águas, teria tijoleira em todo o piso da cozinha e rodapé na zona dos móveis da cozinha, teria tijoleira no pavimento da garagem; teria etiquetas nos circuitos do quadro elétrico e teria as garantias dos fornecedores dos eletrodomésticos e do portão da garagem.

d) No decurso de algumas visitas, os Autores sugeriram algumas alterações aos trabalhos

em curso, que foram sempre acatadas, quer pelo Réu, quer pelos funcionários que trabalhavam em obra.

e) Nas visitas que efetuaram os Autores nunca apresentaram reclamações quanto aos trabalhos que estavam a ser executados.

f) Aquando da entrega referida em 15), Autores e Réu vistoriaram a fração.

g) No momento referido em 15), os Autores não apresentaram qualquer reclamação quanto aos trabalhos efetuados ou trabalhos em falta face ao acordado.

h) No momento referido em 15), a fração encontrava-se limpa e pronta a habitar.

i) Nunca o Réu recebeu qualquer comunicação até à carta referida em 27) da existência de problemas.

j) O referido em 25, alíneas e., f., i., j., l., q., s., t. e w. e 26 d. e f. era visível a 04-08-2020.

k) Os vãos (soleiras) foram colocados de acordo com as normais praticas construtivas.

l) O desalinhamento de paredes, portas e tetos subsiste desde a construção inicial do prédio.

m) As sanitas e as bases de chuveiro foram instaladas de forma correta.

n) Os tetos falsos foram aplicados de acordo com as regras da construção.

o) Os móveis de cozinha e os eletrodomésticos foram montados com o conhecimento e supervisão dos Autores.

p) Com o referido em 33), a parede e o pavimento da sala dos Autores se mostre totalmente manchado e empolado e o teto e parede do apartamento imediatamente por debaixo mostra iguais manchas de humidade.

q) A reparação dos danos com a infiltração das águas na sala, junto às janelas, tem um custo nunca inferior a €.3.000,00 euros.

r) Faltam as garantias dos fornecedores dos eletrodomésticos, bem como das caixilharias e do portão da garagem.

s) Na data da celebração da escritura referida 9) foi prometido aos Autores que as chaves do apartamento seriam entregues em poucos dias.

t) Desde pelo menos desde 06.03.2019 que o Réu estava advertido pelos Autores que o apartamento teria que ficar concluído e pronto para lhe ser entregue até 18.04.2019 pois o processo de financiamento a que os Autores haviam recorrido expirava nessa data.

u) O Réu assumiu que as obras estariam concluídas em 08.04.2019 e que nesse dia poderiam outorgar a escritura de permuta e de mútuo.

v) No dia da escritura, o Réu comunicou aos Autores que não lhes entregaria a chave naquele mesmo dia pois ainda faltavam concluir alguns trabalhos, entre eles a limpeza do

apartamento e que aguardassem alguns dias para ele concluir os trabalhos e entregar-lhes o apartamento.

w) Os Autores realizaram a escritura acreditando na promessa do Réu e julgando que o apartamento estaria praticamente pronto a habitar.

x) Nos dias seguintes os Autores tomaram conhecimento de que, afinal, ainda faltavam realizar muitos trabalhos.

y) Chocados, tentaram obter do Réu o compromisso de uma data de entrega definitiva mas sujeito a tal pressão, o Réu deixou de atender os telefonemas dos Autores.

z) Em maio de 2019, DD informou os Autores que o Réu lhe havia pedido para transmitir que as obras estariam concluídas e o apartamento seria entregue até 20.06.2019.

aa) Já com um acordo verbalmente firmado, os Autores informaram o Réu que não conseguiam empréstimo para a totalidade do preço do imóvel e sugeriram o negócio alternativo de pagamento parcial através de permuta.

bb) Não obstante o acordo verbal quanto à venda, o Réu sempre declarou que apenas pretendia celebrar escritura após o termo dos trabalhos de remodelação do apartamento, porque estava preocupado com os atrasos na entrega dos materiais que se verificavam, assim como a dificuldade em arranjar mão de obra disponível para a conclusão dos trabalhos em curso.

cc) Não obstante o referido em f), os Autores apressaram-se a obter financiamento junto do Banco e começaram a pressionar o Réu para que a escritura fosse celebrada o mais rápido possível, temendo perder o financiamento que já se encontrava aprovado.

dd) Os Autores informaram o Réu que, para maior facilidade na obtenção do crédito,  eram em garantia o estabelecimento comercial que exploravam no centro da cidade de Vila do Conde, denominado “A...”, o qual, porém, já tencionam encerrar e temiam que, caso o estabelecimento fosse encerrado, antes da concretização do financiamento e celebração da escritura, o Banco deixasse de lhes emprestar o dinheiro.

ee) Os Autores insistiram com o Réu pela outorga imediata da escritura, garantindo sempre que não tinham urgência na entrega do imóvel para nele habitar e que aguardariam pela conclusão dos trabalhos em curso.

ff) Em Vila do Conde, em 2019/2020, a renda mensal de um T2, nunca era inferior a €.600,00.”.


*

Parte da pretensão do Recorrente assentava apenas na alteração dos factos provados e não provados.

Além desse argumento – de facto -, o mesmo não esgrimiu qualquer outro para sustentar a alteração da decisão no que tange à parte em que foi condenado a reparar os defeitos das sanitas e das bases de chuveiro, bem como a indemnizar o Autor pelos danos não patrimoniais decorrentes da demora na entrega da fração e dos padecimentos morais que lhe advieram do estado em que se encontrava o imóvel na data em que tal entrega ocorreu.

Assim, não tendo o Apelante obtido sucesso na sua pretensão de ver os respetivos factos alterados, improcede o recurso, nessa parte.


*

Já quanto à questão da aceitação pelos Autores da obra, sem reserva, o Recorrente sustentou, em abono da sua tese, que grande parte dos defeitos reclamados na ação eram já visíveis quando o imóvel foi entregue, pelo que se deve presumir que foram do conhecimento daqueles, bem como veio alegar que a obra fora aceite pelos Autores sem qualquer reserva.

Antes de mais, cumpre afirmar que se segue o enquadramento jurídico feito na sentença, quando ali se qualificou o Réu como vendedor/construtor no âmbito desta relação jurídica, mas, face à não prova de que exerça atividade profissional nessa área, se afastou o regime legal decorrente da Lei 24/1996 de 31 de julho e aplicou à relação contratual em apreço a regra decorrente do artigo 1225º, número 4 do Código Civil que remete para as regras da empreitada a compra e venda de imóveis quando o vendedor tenha, como aqui sucedeu, modificado ou reparado o imóvel.

O Recorrente não discute tal enquadramento jurídico, que é o correto.


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Em função do novo elenco dos factos provados a questão a decidir é, esta: a de saber se ocorreu aceitação da obra sem reserva pelos Autores e, nesse caso, apurar se os defeitos, ou parte deles, para que estes reclamam reparação, eram, no momento da aceitação, conhecidos por eles.

O Réu alegou, como um dos fundamentos da defesa, que os Autores aceitaram o imóvel no momento da entrega sem qualquer reclamação ou reserva, quando, sustenta ainda, grande parte das desconformidades que ora alegam, eram visíveis. Acrescentou, no artigo 38º da contestação, que nunca, antes da receção da missiva referida na alínea 27, recebeu dos Autores qualquer comunicação dos “supostos defeitos”.

Ora, visam estas alegações de facto sustentar a aplicação do disposto no artigo 1219º do Código Civil, que estabelece os pressupostos da “renúncia abdicativa” do dono da obra quando este a recebe e aceita sem reserva, apesar de conhecer os seus defeitos.

Era ao Apelante que cabia o ónus de alegar e provar os factos integradores dessa renúncia abdicativa enquanto exceção perentória que é (nos termos do disposto nos artigos 342º, número 2 do Código Civil e 576º, número 3 do Código de Processo Civil), o que fez por via da alegação dos factos acima descritos: que os defeitos ora alegados seriam visíveis à data da entrega, foram imediatamente conhecidos dos Autores e que estes deles não reclamaram senão por via da referida carta.

Os Autores, em resposta à contestação afirmaram que não eram visíveis os defeitos que ora reportam bem como afirmaram que não aceitaram a obra, com ou sem reserva.

Ora, quanto aos defeitos descritos nos pontos d. e u. da alínea 25) dos factos provados, é manifesto em face do que ficou provado na alínea 24), que os mesmos eram do conhecimento dos Autores no momento da entrega.

Quanto aos defeitos descritos nos pontos b., c., d., h., m., n., o., p., r. e x. da alínea 25) – deve presumir-se terem sido também do seu conhecimento, em face do disposto no artigo 1219º, número 2 do Código Civil que estabeleceu uma presunção iuris tantum quanto ao conhecimento dos defeitos: considera-se que sendo aparentes, são conhecidos do dono da obra.

O artigo 1219º número 1 do Código Civil consagra a exoneração do empreiteiro pelos defeitos da obra em face da inação do dono da obra. Tem sido unanimemente entendido que se trata da consagração legal de uma causa de renúncia abdicativa, fazendo o legislador presumir que o dono da obra que a aceitar conhecendo os seus defeitos sem os denunciar renuncia à responsabilização do empreiteiro pelo cumprimento defeituoso.

Ora, tendo o Apelante alegado que os Autores aceitaram a obra sem qualquer reserva, estes vieram, em resposta a tais factos integradores de exceção perentória, declarar que não houve, pela sua parte, qualquer aceitação da obra, com ou sem reserva e, ainda, afirmar que os defeitos não eram visíveis.

Na sentença recorrida afirma-se que “não se fez prova de que os autores receberam, verificaram a obra e aceitaram sem reserva, sendo os problemas aparentes (…) não se tendo provado que os defeitos eram visíveis e aparentes, não se pode concluir e presumir que os mesmos foram aceites pelos Autores”.

Todavia, da alteração à matéria de facto resultou, como se viu, a enumeração de dois defeitos efetivamente constatados na data da entrega do imóvel e de outros como visíveis para qualquer pessoa e que, por tal, se presumem terem também sido conhecidos pelo Autor.

Mantém-se, contudo, inteiramente pertinente o afirmado na sentença recorrida quanto à não prova de que os Autores “receberam, verificaram e aceitaram a obra sem reserva”.

Socorremo-nos aqui das palavras do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-05-2008[2]: “Como se sabe, a existência ou não de aceitação, bem como o facto de aquela ter sido com ou sem reserva é de extraordinária importância.

Da adopção de uma ou outra posição decorrem efeitos jurídicos absolutamente díspares, já que, na aceitação sem reserva, como já referimos, o empreiteiro fica exonerado da responsabilidade pela reparação dos defeitos da obra que sejam do conhecimento do dono, presumindo a lei, no entanto, que são do conhecimento do dono os defeitos aparentes, quer tenha havido ou não verificação da obra.- art. 1219.º”.

Todavia, não se encontram provados quaisquer factos de que possa decorrer a alegada aceitação da obra pelo Autor. A transmissão de propriedade do imóvel não coincidiu com a entrega do mesmo, porque se encontravam a decorrer obras de remodelação que só muito depois vieram a ser declaradas concluídas pelo Réu. Donde não pode, como normalmente sucede, presumir-se que a receção do imóvel pelo comprador corresponde ao momento da verificação do seu estado.

O que se provou foi a entrega do imóvel aos Autores apenas em 4 de agosto de 2020 e que, nessa data e ao longo da mudança, os Autores podiam ter detetado e detetaram vários defeitos tendo contratado um terceiro para uma inspeção técnica ao estado das obras.

De acordo com o artigo 1218º, número 1 do Código Civil:

“1. O dono da obra deve verificar, antes de a aceitar, se ela se encontra nas condições convencionadas e sem vícios.

2. A verificação deve ser feita dentro do prazo usual ou, na falta de uso, dentro do período que se julgue razoável depois de o empreiteiro colocar o dono da obra em condições de a poder fazer.

3. Qualquer das partes tem o direito de exigir que a verificação seja feita, à sua custa, por peritos.

4. Os resultados da verificação devem ser comunicados ao empreiteiro.

5. A falta da verificação ou da comunicação importa aceitação da obra”.

Deste preceito resulta ser exigível ao dono da obra, neste caso o comprador de imóvel, a verificação e a comunicação de aceitação, ou não da obra – o da sua aceitação com reserva -, mas, também o dever de cumprimento pelo empreiteiro de facultar a verificação da obra ao seu dono.

O previsto no artigo 1219º só é, pois, aplicável se, mostrando-se a obra concluída e colocada pelo empreiteiro - neste caso vendedor -, à disposição de ser vistoriada, a contraparte se eximir de, num determinado prazo (acordado, usual, ou em prazo razoável a fixar), a verificar e aceitar com ou sem reservas, bem como a comunicar o resultado dessa verificação. O previsto no artigo 1218º, número 5 é um dos casos em que o legislador expressamente atribui efeito declarativo ao silêncio – cfr. artigo 218º do Código Civil.

Segundo Pedro Romano Martinez, quando o cumprimento desses deveres de verificação e comunicação não ocorram “tendo em conta que o comprador e o dono da obra devem examinar a prestação que lhes é feita e sendo os defeitos da mesma detetáveis com a diligência média exigida àquele tipo de credor, a responsabilidade deverá ser excluída, pois não há que tutelar a incúria do accipiens”[3].

Resta aferir, perante os factos provados, se pode afirmar-se que o aqui Autor aceitou a obra, como afirma o Réu.

Ora provou-se que  quando os Autores rececionaram a obra em 4 de agosto de 2020 e durante a mudança, efetuada no mês seguinte, detetaram dois dos defeitos que depois denunciaram e eram já visíveis outros tendo, por isso, pedido a um técnico para efetuar uma inspeção ao imóvel, o que foi feito e lhes era permitido pelo artigo 1218º, número 3 do Código Civil.

Depois da inspeção feita os Autores dirigiram ao Réu uma carta denunciando os defeitos cuja reparação pedem por via desta ação.

Menezes Cordeiro[4] entende que “A aceitação dá corpo a um dever, a cargo do dono (…) ela pode ser expressa, tácita ou pelo silêncio: neste último caso por via do artigo 1218º/5, quando o dono da obra omita a verificação ou a comunicação dos seus resultados”.

Assim, apenas a aceitação da obra – expressa ou tácita – ou o silêncio do dono da obra após a sua verificação resultam, no caso dos defeitos aparentes, na renúncia presumida ao direito de exigir a sua reparação.

Ora, como decidido em acórdão desta Relação, de 31-01-2012[5]: “O único silêncio do dono da obra a que a lei atribui um significado, legalmente, ficcionado, reporta-se aqueles casos em que aquele não efetuou qualquer comunicação sobre a sua aceitação, independentemente de ter sido realizado ou não um prévio exame da mesma, associando a lei este silêncio a uma intenção de aceitar a obra”.

O Réu não alegou a aceitação expressa da obra pelo Autor e apenas fez sustentar a sua alegada aceitação tácita na afirmação de que o mesmo nada reclamou até à denúncia dos defeitos por carta de janeiro de 2021. Ora, nem tal silêncio do Autor ficou provado, nem, tampouco, qualquer ato da sua parte que possa considerar-se concludente de uma declaração tácita de aceitação da obra.

Na verdade, os factos provados não permitem concluir que o Autor aceitou a obra sem reserva, e não obstante ter tido conhecimento da existência de alguns dos defeitos cuja eliminação pede (em parte por tal se ter provado e, noutra, por via da presunção legal do artigo 1219º do Código Civil), quanto aos demais nada permite concluir que fossem cognoscíveis pelo comprador desde que se agisse com a necessária diligência, como, aliás, agiu, ao ter pedido a vistoria da obra por um técnico, após o que denunciou todos os defeitos ao vendedor, aqui Réu. Não atuou o Autor com incúria nem incumpriu qualquer dever de verificação ou comunicação, nem há qualquer outro ato ou omissão da sua parte que possa ser interpretado como de aceitação da obra.

Assim, é de manter a afirmação da sentença recorrida de que não se pode concluir que o Autor haja aceitado o imóvel sem reserva na data da sua entrega e que, portanto, não é de aplicar o disposto no artigo 1219º, número 1 do Código Civil, não havendo qualquer fundamento para afastar a responsabilidade do vendedor, aqui Réu, pela reparação dos defeitos do imóvel que modificou/reparou o mesmo.

V – Decisão:

Nestes termos improcede a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente nos termos do previsto no artigo 527º, número 1 do Código de Processo Civil.


Porto, 8 de abril de 2024.
Ana Olívia Loureiro
Fernanda Almeida
Eugénia Cunha
______________
[1] Contrato de Empreitada, Pedro Romano Martinez, Almedina, página 189.
[2] Disponível em: http://www.gde.mj.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/230db08372c6577c80257449003a0f0c?OpenDocument.
[3] Cumprimento defeituoso em especial na compra e venda e na empreitada, Almedina (coleção “Teses”), página 492.
[4] Tratado de Direito Civil, Almedina, Volume XII, página 946.
[5] Disponível em:
https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/9b79df4895bb8dfe802579a00036fb08?OpenDocument.