Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
350/05.0TBLSD.P1
Nº Convencional: JTRP00043908
Relator: JOÃO PROENÇA
Descritores: PRIVAÇÃO DO USO
BEM DURADOURO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP20100511350/05.0TBLSD.P1
Data do Acordão: 05/11/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: ALTERADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO - LIVRO 371 FLS. 113.
Área Temática: .
Sumário: I- Toda a viatura automóvel é um bem duradouro, cujo custo de aquisição e custos fixos de utilização (seguros obrigatórios, impostos de circulação, taxas de inspecção periódica obrigatória) representam a exacta contrapartida da possibilidade de utilização desse bem na sua função normal, que é a de circular com o mesmo durante a sua vida útil.
II- Encontrando-se a viatura impossibilitada de circular, por persistirem os custos da amortização do valor da viatura e os aludidos custos fixos de utilização, sofre o seu proprietário, usufrutuário ou titular de outro direito de gozo, ipso facto, e enquanto tal impossibilidade perdurar, uma diminuição patrimonial, porquanto a tais encargos deixa de corresponder a possibilidade de fruição daquele bem.
III- Assim, nada mais necessita o titular do direito de gozo sobre a viatura de provar para lhe ser devida indemnização pela impossibilidade da sua fruição, que permita “reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”, sendo certo que o simples decurso do tempo é, por si só, factor de depreciação do valor de mercado do veículo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º - 350/05.0TBLSD.P1 – Apelação

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

B…………. SA, com sede na Rua ……….., Lousada, propôs contra C…………., SA, com sede em ………., Açores, a presente acção com processo comum sob a forma ordinária, pedindo a condenação da R. no pagamento à autora da quantia de € 52.100, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação até integral e efectivo pagamento, correspondente ao valor dos danos patrimoniais sofridos por via de acidente de viação ocorrido em 14 de Maio de 2004 em Lodares, Lousada, entre o veículo ligeiro de passageiros ..-..-PE, propriedade da autora e conduzido por D…………., e o veículo ligeiro de passageiros ..-..-NZ, propriedade de E……….. e conduzido por F…………., que havia transferido para a R. a sua responsabilidade civil por danos causados a terceiros através de contrato de seguro titulado pela apólice nº 90.50254070, acidente que descreve como imputável a culpa exclusiva do condutor do NZ.
Citada a R., contestou, a acção, impugnando a versão dos factos alegada pela e descrevendo o acidente como tendo sido imputável a culpa do condutor do veículo da A, concluindo pela improcedência da acção.
No saneador, foi a instância julgada isenta de nulidades e excepções, prosseguindo os autos com a selecção da matéria assente e organização da base instrutória.
Realizado o julgamento, com gravação da prova nele produzida, foi proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente, por provada e consequentemente condenando a ré no pagamento da quantia de trinta e oito mil euros, a título de danos patrimoniais, a que acresce os respectivos juros de mora à taxa legal desde a citação, até integral e efectivo pagamento.
Inconformada com o decidido, interpôs a R. a presente apelação, formulando as seguintes conclusões:
1. A ora Apelante considera que a matéria de facto vertida nos pontos 3.°, 43.° a 46.°, 49.°, 55.°, 58.° e 59.° da base instrutória, foi incorrectamente julgada porquanto dos depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento e dos documentos juntos aos autos, conjugados com as regras da normalidade e experiência comum, devia ter resultado conclusão diversa.
2. No ponto 3.° da base instrutória, carreado sob o n.° 13.° da fundamentação de facto, consta que o condutor do ..-..-PE só entrou "na referida EM depois de se certificar que não circulava qualquer veículo vindo dos lados de Lousada".
3. Antes do mais, diga-se desde já que este facto está em contradição com o facto dado como provado sob o n.° 16 da fundamentação de facto da decisão, onde consta que "à frente do veículo NZ e nesse mesmo sentido circulava um outro veículo automóvel, quando o condutor desse veículo iniciou a ultrapassagem do veículo da demandante, pela metade esquerda da faixa de rodagem, o condutor do veículo ..-..-NZ atrapalhou-se e perdeu o controlo da sua viatura e travou".
4. De facto, não pode dar-se como provado que o condutor do veículo da demandante só entrou na EM em causa depois de se certificar que não circulava qualquer veículo vindo dos lados de Lousada e, simultaneamente, dar-se como provado que, vindo de Lousada, circulavam dois veículos: o veículo Seat que ultrapassou o veículo da Demandante e o veículo NZ,
5. Mesmo que assim não fosse, a verdade é que da prova produzida nos autos, analisada conjuntamente e de forma crítica, devia ter resultado conclusão diversa, devia ter resultado não provado o que consta do quesito 3.° da base instrutória.
6. Relativamente à testemunha D…………, condutor do veículo PE, cujo depoimento está gravado no registo magnético com o n.° 1, lado A, de 0000 a 1346, cfr. acta da audiência de julgamento de 23/11/2007, além de trabalhar para Demandante é seu accionista, sendo, obviamente, claramente interessada no desfecho da presente acção.
7. Por outro lado, o seu depoimento padece de incongruências e contradições, que resulta evidentes pela transcrição parcial abaixo efectuada e que o Tribunal ad quem melhor apreciará através da audição da gravação da prova.
8. Não obstante esta testemunha afirmar que olhou para a esquerda entes de entrar na via por onde pretendia seguir, acabou por resultar do seu depoimento analisado em conjunto com as características do loca! e conjugado com as regras da experiência e da lógica que arrancou sem conseguir ver se vinha algum veículo da esquerda.
9. Por outro lado, o depoimento da testemunha G……….., (gravado no registo magnético com o n.° 1, lado A, de 1759 a 2655 e lado B, de 0000 a 0122, cfr. acta da audiência de julgamento de 23/11/2007) e de H………… (gravado no registo magnético com o n.° 1, lado B, de 0122 a 1100, cfr. acta da audiência de julgamento de 23/11/2007), além de contraditórios, não são susceptíveis de corroborar, pelo menos, em alguns pontos, esta versão dos factos.
10. Ao contrário do afirmado pela primeira - e demais - testemunhas, a testemunha G……….. afirmou peremptoriamente que primeiro passou um carro claro, a grande velocidade, após o que o condutor do veículo PE arrancou e depois, passados uns momentos, é que passou o veículo seguro na Ré, que acabou por embater no veículo da Demandante.
11. Acresce que, as duas testemunhas supra referidas encontravam-se, segundo afirmaram, perto do portão do armazém da Demandante, sendo que esta última estava a fechar o referido portão, locai de onde, conforme resulta das fotografias juntas aos autos, não havia visibilidade para o lado esquerdo da estrada.
12. Assim, as referidas testemunhas não podem saber - porque não têm visibilidade para a estrada - se o condutor do veículo PE olhou para a esquerda e se viu - ou não – os veículos a aproximarem-se,
13. Acresce ainda que, quer do depoimento da testemunha F……….., que se encontra gravado no registo magnético cem o n.º 1, lado B, de 1100 a 1980, quer do depoimento de I……….., que se encontra gravado no registo magnético com o n.º 1, lado B, de 2298 a 2565, e no registo magnético n.º 2, lado A, de 0000 a 0585, cfr. acta da audiência de 23/11/2007, resulta impossível o condutor do veículo PE ter garantido que não circulavam veículos vindos de Lousada.
14. Deve, pois, por tudo o supra exposto, ser alterada a resposta à" matéria de facto constante do ponto 3.° da base instrutória, que deve passar a ser "não provado", retirando-se este facto do ponto 13.° da fundamentação de facto da decisão ora em crise,
15. Por outro lado, deve ser alterada a resposta dada aos factos constantes nos pontos 43.° a 46.° e 49.° da base instrutória, considerando-se provados os factos alegados, por assim impor a prova produzida, designadamente os depoimentos das testemunhas F…………., que se encontra gravado no registo magnético com o n.° 1, lado B, de 1100 a 1980, e I…………, que se encontra gravado no registo magnético com o n.° 1, no lado B, de 2298 a 2565, e no registo magnético com o n.° 2, no Lado A, 0000-585, cfr. acta da audiência de julgamento de 23/11/2007.
16. Não obstante algumas imprecisões, normais em quem foi interveniente num acidente de viação, a testemunha F……….. relatou o acidente de forma isenta, coerente, e verosímil, assumindo a velocidade a que seguia e a sua própria atrapalhação, razão pela qual devia ter sido apreciado e devidamente valorado pelo Tribunal a quo,
17. A esta matéria, prestou ainda depoimento I……….., que se encontra gravado no registo magnético com o n.° 1, lado B, 2298 a 2565, e no registo magnético n,° 2, lado A, de 0000 a 585, cfr, acta da audiência de 23/11/2007.
18. Estes depoimentos, se bem que com algumas contradições, normais considerando o tempo entretanto decorrido e o facto de um acidente de viação ser um acontecimento dinâmico, deviam ter sido valorados, pelo menos em parte, pelo Tribuna! a quo.
19. E, conjugados com as regras da experiência comum e da lógica, deles resulta que o condutor do veículo NZ entrou na referida EM de forma repentina e inopinada, sem prestar atenção ao trânsito que se fazia sentir no local, sem parar para verificar se, na via por onde pretendia passar a seguir, circulava algum veículo e sem verificar se podia entrar na via em segurança.
20. Ou seja, devia o Tribunal a quo ter considerado provados os factos vertidos nos arts. 43.° a 46.° da base instrutória.
21. Por último, entende a Apelante que o Tribunal a quo devia ter considerado provado o alegado no art. 55.° da base instrutória, considerando provado que a A., após o acidente, mandou reparar o seu veículo, e, consequentemente, considerando provados na íntegra os factos vertidos nos arts. 58.° e 59.° da base instrutória.
22. Relativamente a esta questão, fundou o Tribunal a quo a sua convicção no depoimento da testemunha J…………., gravado no registo magnético com o n.º 1, no lado B, de 1113 a 1793, conforme acta da audiência de discussão e julgamento de 23/11/2007.
No entanto, considerando as incongruências deste depoimento conjugado com os documentos juntos aos autos, e com o depoimento de K………….., gravado no registo magnético com o n.° 1, no lado A, de 087 a 285, cfr. acta da audiência de discussão e julgamento de dia 7/01/2008, e de E……….., gravado no registo magnético com o n.° 2, no lado B, de 2250 a 2556, e no lado B, de 0000 a 1487, cfr. acta da audiência de julgamento de 23/11/2007, que deviam ter conduzido o Tribunal a quo a considerar provada a matéria alegada pela ora Apelante.
24. Efectivamente, o depoimento da testemunha J……….. não devia ter sido valorado pelo Tribunal a quo como foi, por completamente inverosímil e irreal.
25. Não nos parece crível que a testemunha tenha comprado a referida viatura por € 5.000, tenha despendido cerca de € 10.000 e alguns meses a arranjá-la, foi buscá-la em Janeiro de 2005, para depois colocar a referida carrinha à venda em Março de 2005...
26. Também não é credível, independentemente das habilitações literárias da referida testemunha, que nos dois meses e cerca de 1.500 quilómetros que fez com a carrinha, segundo afirmou, não se tenha apercebido - nem ninguém da sua família -que a carrinha tinha JPS e/ou televisão...
27. Menos verosímil é ainda que a referida testemunha tenha deixado a viatura na L………… de Penafiel por precisar do dinheiro, mas tenha acordado que só depois de esta ser vendida é que a testemunha receberia o produto da venda...
28. Por último, menos crivei se torna ainda tal negócio, quando a L……….. de Penafiel vendeu a referida viatura em 13/05/2005, pelo preço de € 27.500...e, só cerca de dois meses depois, é que pagou a quantia de € 32.500 à testemunha, quantia superior à que conseguiu pela venda da viatura...
29. Por outro lado, do depoimento das testemunhas M…………, gravado no registo magnético com o n.° 1, no lado A, de 087 a 285, cfr. acta da audiência de discussão e julgamento de dia 7/01/2006, e E…………, gravado no registo magnético com o n.° 2, no lado B, de 2250 a 2556, e no lado B, de 0000 a 1487, cfr. acta da audiência de julgamento de 23/11/2007, conjugados com as regras da normalidade, deviam ter resultado provado, o facto constante no art. 55.° da base instrutória.
30. Conjugados estes depoimentos com os documentos juntos aos autos, e com o facto de a propriedade do veículo estar registada em nome da Demandante, devia o Tribunal a quo ter considerado provado o alegado pela Apelante e vertido no art. 55.° da base instrutória e, consequentemente, provados na íntegra os factos alegados nos arts. 58.° e 59.° daquela base.
31. Por outro lado, caso o Tribunal a quo entendesse existirem dúvidas quanto a esta matéria, devia ter ordenado, mesmo oficiosamente, a inquirição do representante da oficina que efectuou a reparação do veículo PE, ao abrigo do disposto no art. 265.° do C.P.C., que impõe ao Julgador o poder-dever de ordenar todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade.
32. Assim não se entendendo, deve, pelo menos, considerar-se obscura e contraditória a decisão sobre estes pontos da matará de facto, o que sempre determinará a anulação da decisão proferida na 1.a Instância, ordenando o Tribunal ad quem a repetição do julgamento, nos termos do disposto no art. 712.°, n.° 4, do C.P.C..
33. Com as correcções da matéria de facto constante na fundamentação da decisão ora em crise supra referidas, entende a Apelante que o Tribunal a quo devia ter considerado a responsabilidade imputável a ambos os intervenientes no acidente, pois resultou provado que o acidente em causa nestes autos ficou, também, a dever-se ao condutor do veículo da Demandante.
34. Não se pretende eximir de responsabilidade o condutor do veículo seguro que admitiu circular a velocidade de cere: de 90 km/hora tal como admitiu ter-se atrapalhado, perante a travagem e inflexão brusca do condutor do veículo que o precedia.
35. No entanto, também não se pode isentar de responsabilidade quem pretende entrar numa EM e não toma atenção, pelo menos a atenção devida, a quem circula nessa via, e que tem, por circular pela direita, prioridade sobre quem provém da esquerda e sai de um estaleiro.
36. Não se pode isentar de responsabilidade quem entra numa estrada municipal sem garantir que nela não circula nenhum veículo a quem deva ceder a passagem.
37. O condutor do veículo da Demandante tinha o dever de acatar a regra geral do n.° 1 do artigo 31.° do Código da estrada, que obviamente infringiu.
38. Esta conduta contribuiu também de forma decisiva para o acidente dos autos, já que se condutor do veículo da Demandante tivesse respeitado o direito de passagem dos veículos que provinham de Lousada, o acidente não teria ocorrido.
39. Provando-se que a via de onde provinha o condutor do veículo seguro se situa à direita, em relação ao sentido de marcha do condutor do veículo da Demandante e que aquele condutor entrou na via, não se pode deixar de considerar que o condutor do veículo da Demandante violou o disposto nos supras citados preceitos legais, violações que contribuíram em parte para o acidente dos autos.
40. Aliás, sobre este condutor incidia a presunção de culpa estabelecida no art. 503.° do Código Civil, pois ficou provado que, na ocasião do acidente, conduzia por conta e no interesse da autora (cfr. art. 41.° da fundamentação de facto da sentença).
41. Assim, deve repartir-se a responsabilidade pelo acidente dos autos por ambos os intervenientes, nos termos do disposto no art. 506.° do Código Civil, condenando a Apelante a ressarcir a Demandante dos danos efectivamente sofridos, na proporção da responsabilidade imputável ao condutor do veículo seguro.
42. Relativamente aos danos, entendeu o Tribunal a quo "que os danos sofridos pela autora se computam em € 35.000 (sendo que o veículo valia cerca de € 40.000 e descontado o montante de € 5.00C, pela venda do veículo realizada pela autora)".
43. Considerando a alteração à matéria de facto supra indicada, deve concluir-se que após o acidente o veículo foi mandado reparar pela autora.
44. Por outro lado, não resultou concretamente apurado quanto é que foi despendido na reparação, nem, com certeza, por quanto é que o veículo foi, depois, vendido.
45. Assim sendo, considerando que o valor do prejuízo da Demandante será a diferença entre o valor do veículo na data do acidente e o valor que conseguiu obter com a venda deste, deve ficar o apuramento deste dano relegado para posterior liquidação.
46. Entende ainda a Apelante que o Trlbunal a quo devia ter considerado improcedente o pedido deduzido a título de privação de uso do veículo, ou, quanto muito, relegado a quantificação dos danos para execução de sentença já que a Autora não conseguiu demonstrar nestes autos o prejuízo que alegou, como lhe era imposto, atento, designadamente, o art 342,° do Código Civil.
47. Mesmo que assim não se entenda, terá que se entender que o Tribunal a quo sobrevalorizou o dano sofrido, tendo em consideração, designadamente, o montante peticionado pela Apelada.
48. Começando por esta última questão, diga-se desde já que a Autora, na petição inicial, reclamou, a este título, a quantia de € 2.100 (cfr. art. 58.°), quantificando o prejuízo diário sofrido em consequência da privação do veículo em € 35 (cfr. art. 57.°), não obstante não ter alegado factos que permitam aferir, em concreto, como chega ao valor que indica.
49. Ora, tendo a própria autora -- que é quem melhor sabe o dano que sofreu -quantificado o seu prejuízo em € 35 e não tendo sido possível apurar qualquer outro valor, não pode a Apelante deixar de considerar que, ao quantificar este dano em € 3.000 - mais € 900 do que os peticionados - traduzidos num valor diário de € 50, o Tribunal incorreu em "excesso de equidade", condenando a Apelante a pagar uma indemnização injusta e excessiva, por desproporcionada ao dano sofrido - e peticionado - pela Apelada, assim violando, entre outros, o disposto no art. 566.° do Código Civil.
50. Assim, sem prejuízo do supra alegado, a entender-se ser possível condenar, desde já, a Apelante a reparar o dano decorrente da privação do veículo, terá que se reduzir o montante arbitrado para valor não superior ao avaliado - e reclamado -pela Autora.
51. Por outro lado, nenhum facto concreto - note-se que a Autora alegou que "nesse período recorreu a outros meios de transporte, mais dispendiosos" (cfr. art. 55.° da p.i.), mas não concretizou a sua alegação - foi alegado a este respeito, pelo que nada se apurou a este respeito.
52. Desconhecendo-se, em concreto, a situação, não é possível o Tribunal a quo substituir-se por completo à Autora e afirmar que, pelo simples facto de o veículo estar imobilizado, esta sofreu danos avaliados em € 50 por dia.
53. Entende a Apelante que o facto de o Autor não poder dispor do seu veículo não é suficiente para configurar um dano indemnizável. Será assim em determinados casos, não será noutros - o que o Tribunal a quo não pode fazer, porque não tem factos donde o possa inferir, é concluir que neste caso é assim.
54. Neste termos, deve alterar-se a sentença de 1.a Instância, julgando improcedente o pedido de condenação da Apelante na quantia de € 3.000, € 50 por dia.
55. Ou ainda que se entenda que se provou o dano, o que não se concede, na falta de elementos concretos para o quantificar, deve a liquidação desse dano ser relegada execução de sentença.
56. Sendo certo que a Apelante só poderá ser condenada na medida da responsabilidade que for imputada ao condutor do veículo seguro.
57. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou, entre outros, o disposto nos arts. 3.° e 31.° do Código da Estrada, e 483.° e seguintes do Código Civil.
***
A A. ofereceu contra-alegações, concluindo pela improcedência da apelação.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, nº 1, todos do Código de Processo Civil (CPC).
As questões suscitadas pela Ré apelante podem sintetizar-se nos seguintes alíneas:
a) Sem em face da prova produzida, e designadamente dos depoimentos das testemunhas F…………, I………….. e K…………, devem ser modificadas em sentido negativo as respostas dadas ao item 3.° e em sentido afirmativo as respostas dadas aos itens 43.° a 46.°, 49.°, 55.°, 58.° e 59.° da base instrutória;
b) Se deve considerar-se obscura e contraditória a decisão sobre tais pontos da matéria de facto, com a consequente anulação da decisão proferida pela 1.a Instância e a repetição, para o efeito, do julgamento;
c) Se deve considerar-se também culposo o comportamento do condutor do veículo da Autora ..-..-PE e, nessa medida, a verificação de concorrência de culpas na produção do acidente dos autos:
d) Se é devida indemnização a título de privação de uso do veículo, e, na hipótese afirmativa, se é excessivo o valor da indemnização arbitrada.
Começando pela questão de facto, tendo havido gravação dos depoimentos prestados em audiência e a recorrente indicou os pontos de facto impugnados, bem como os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do art. 712º, n.º1 do C. P. Civil, na redacção introduzida pelo DL n.º 39/95, de 15/12, é possível a reapreciação da prova com vista à modificação da matéria de facto declarada provada. No entanto, é sabido que o sistema de gravação sonora dos meios probatórios oralmente produzidos comporta várias insuficiências, que o impedem de reproduzir comportamentos gestuais ou certas reacções dos depoentes, reveladoras do modo como são prestadas as declarações, as hesitações e embaraços que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o enfraquecimento da memória (sobre a questão, v. Antunes Varela, RLJ, Ano 129º, pág. 295., e António Abrantes Geraldes In, "Temas da Reforma do Processo Civil", vol. II, 3ª ed. pág. 273). Tais aspectos da prestação dos depoimentos gravados só podem ser percepcionados e valorados por quem os presencia, sendo insusceptíveis de posterior valoração por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do ou dos julgadores. No que concerne à valoração da força probatória dos depoimentos das testemunhas, a regra é a da livre apreciação pelo tribunal, conforme o disposto nos artigos 396º do C. Civil e 655º, do C. P. Civil, traduzindo-se em "prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei" (Alberto dos Reis Código de Processo Civil Anotado, vol. IV, pág. 569.). E tal julgamento, obtido com imediação de todas as provas só deverá ser sindicado pela Relação, no uso dos poderes de alteração da decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto, em caso de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados, tal como decidiu o Acórdão da Relação de Lisboa, de 19.9.2000 (CJ, Tomo IV, pág. 186), até por ser superior o risco de valoração da prova em sede de valoração mediata pela 2.a instância. Em caso de desconformidade tal que as regras da ciência, da lógica ou da experiência, inequivocamente afastem a razoabilidade da convicção formulada.
Ouvidos os registos sonoros da prova produzida em audiência, vejamos, pois, cada um dos pontos sob impugnação.
3. — “Só tendo entrado na referida E.M. depois de se certificar que não circulava qualquer veículo vindo dos lados de Lousada”, a que o Mmo. Juiz respondeu “Provado” Neste sentido depôs o condutor do veículo ..-..-PE, D…………, que afirmou ter procedido precisamente nos precisos termos quesitados. As testemunhas G…………, H……….. e N…………., que se encontravam próximo do portão dos estaleiros da A. confirmam ter visto o ..-..-PE a imobilizar-se junto ao portão e a reiniciar a marcha momentos depois, o que indicia tratar-se do habitual compasso de espera necessário para observar o trânsito existente na via. Pelo que o depoimento de D……….. é com grande probabilidade verdadeiro. O depoimento da testemunha I…………. padece de patente falta de objectividade, chegando a afirmar que “ia para aí a 40, 50”, quando a testemunha D………., condutor do outro veículo envolvido na colisão, que o depoente admitiu que o seguia algum tempo antes, reconhece que conduzia a 80/90 kms/hora. Vai confirmada a resposta.
43. — Ao entrar na supra referida E.M., o condutor do ..-..-PE fê-lo de forma repentina e inopinada;
44. — Sem prestar atenção e cuidado ao trânsito que se fazia sentir no local.
45. - sem parar para verificar se, na via por onde pretendia passar a seguir, circulava algum veículo;
46. — Sem verificar se podia entrar na via em segurança; e
49. — tendo, contudo, avançado sem olhar para a esquerda a ver se se aproximava algum veículo. A todos estes cinco pontos respondeu o Mmo. Juiz “não provado”. Logicamente que, constituindo os mesmos a versão inversa do quesitado sob 3), cuja resposta afirmativa é de manter, não pode deixar de confirmar-se a resposta negativa que mereceram do Mmo. Juiz “a quo”.
55. —A. A.., após o acidente, mandou reparar o seu veículo. A que o Mmo. Juiz “a quo” respondeu. Não provado. Nada a censurar a tal resposta. Toda a informação avançada nesse sentido pela testemunha E……….. é de ciência indirecta, transmitindo o que lhe foi dito por um certo Sr. O………… da P……….., que não foi por qualquer das partes arrolado como testemunha. Sendo certo que o Mmo. Juiz deveria, face a tal depoimenteo, e desde que houvesse elementos que possibilitassem a sua identificação e notificação, convocá-lo para depor, conforme dispõe o n.º 1 do art.º 645.º do CPCiv., tal omissão só teria consequências caso tivesse sido tempestivamente objecto de arguição de nulidade, nos termos 205.º, n.º 1, do CPCiv.. Não o tendo sido, considera-se sanada, irrelevando agora para alterar o sentido da resposta impugnada. Vai confirmada.
58. — Em Março de 2005, o veículo da A., tinha percorrido cerca de 143.562 Km, cerca de 1.500 Km mais do que os que tinha em Maio de 2004. Que mereceu a resposta de “provado que em Março de 2005 o veículo PE tinha percorrido cerca de 143.562 KM, cerca de 1500 Kms mais do que tinha em Maio de 2004”. A única divergência entre o quesito e a resposta reside na expressão “da A.”, significando que não se considerou provado que nessa época o veículo ainda pertencesse à Autora. Com efeito o único elemento de prova existente nesse sentido é o registo de propriedade que, como é sabido, não constitui mais que uma presunção juris tantum da existência do direito na esfera jurídica do titular registral. A testemunha J……….. confirma que era ele o dono do veículo por o ter comprado à Autora. Em termos que, não obstante alguns lapsos de memória, o Mmo. Juiz reputou credíveis. Naturalmente que não pode penalizar-se a A. pela omissão do registo: sabe-se que o procedimento habitual consiste em entregar toda a documentação ao comprador para que este, até porque é o principal interessado, promova o registo. No mais, não obstante esses lapsos, não pode esta Relação, que não presenciou em directo o depoimento em análise, em definitivo excluir a sua credibilidade. No que respeita à quilometragem percorrida, não existe qualquer discrepância nas versões. Vai confirmada.
59. — Em Março de 2005, a A., colocou o veículo ..-..-PE à venda no stand L…………, sita na ….. ….. — 4564-004, em Penafiel. Mereceu a resposta de “Provado que em Março de 2005 o veículo ..-..-PE encontrava-se à venda no Stand "L…………", sita na Av. …….., em Penafiel”, residindo a restrição em não se considerar provado que à época o veículo pertencesse à A. e que tivesse sido por esta posto à venda. A fundamentação é mesma prova da resposta anterior, cuja consistência, conforme referido, não pode afastar-se. Vai também confirmada.
Não se ainda vê como possa existir contradição entre a resposta dada ao aludido quesito 3.° da base instrutória - n.° 13.° da matéria de facto supra enunciada - e o item n.° 16 da matéria de facto constante da sentença recorrida. O facto de circularem no sentido Lousada – Lodares dois automóveis não significa que o condutor do veículo PE os pudesse avistar no momento em que imobilizou o seu veículo à saída dos estaleiros. Note-se que o ..-..-NZ seguia a velocidade superior a 90 Kms por hora, logo, percorrendo mais de 25 metros por segundo. O veículo PE, entre o ponto do arranque e o da colisão, a cerca de 13,30 metros, dificilmente deverá ter atingido a velocidade final de 20 kms/hora e a velocidade média de 15 kms/hora, sendo, por isso, possível que tenha gasto mais de 3 segundos no percurso. Nesse lapso de tempo, os veículos NZ encontravam-se a, pelo menos, 75 metros desse ponto, e nada resulta da matéria de facto no sentido de que o condutor do veículo PE dispusesse de visibilidade em toda essa extensão.
De manter, pelo exposto, e na íntegra, é a matéria de facto considerada provada pela 1.a instância, de nenhuma obscuridade ou contradição enfermando que justifique a anulação da decisão proferida.
Em função de tal factualidade, não colhe a tese da concorrência de culpas na produção do acidente sustentada pela recorrente. Na verdade, o condutor do veículo da Autora ..-..-PE adoptou as providências exigíveis na execução da manobra que efectuou, como resulta de 13.º supra. Sendo certo que o artigo 31.º do Código da Estrada impõe o dever de ceder a passagem ao condutor que saia de um parque de estacionamento ou de qualquer prédio ou caminho particular, esse dever de cedência de passagem só existe relativamente aos veículos que circulem dentro do seu horizonte visual na via em que pretende entrar. Já não em relação a outros que lhe não seja possível avistar e que, em consequência de excesso de velocidade, possam repentinamente surgir nesse espaço. Quanto ao condutor do veículo ..-..-NZ, que seguia com uma velocidade superior a 90 Kms por hora, sem atenção à sua condução, à sinalização existente e ao restante trânsito, assim infringindo o disposto nos art.ºs 24.º, n.º 1, 28.º, n.º 1, al. b), e 3.º, n.º 2, todos do Código da Estrada, é manifesto que actuou com negligência grave, sendo, nessa medida passível de juízo de censura. A prova da culpa efectiva do condutor do ..-..-NZ faz excluir a culpa presumida, pelo que deixa de funcionar a presunção de culpa do comissário que onerava o condutor do veículo da Autora, a que alude o nº 3 do artigo 503.º do CC, quer por força do disposto no artigo 505.º, quer por força do disposto no artigo 570.º do mesmo diploma (cfr. Ac. STJ de 15-01-2004, Proc. 03B371, acessível através de www.dgsi.pt).
Cumpre, por fim, apreciar as questões dos danos sofridos pela A. em razão da diminuição do valor e da privação de uso do veículo. Se, quanto à primeira, nenhuma dúvida oferece o montante de € 35.000, correspondendo à diferença entre o valor do veículo de cerca de € 40.000 e o montante de € 5000 por que acabou por ser vendido, algo menos unívoco é o tratamento que a segunda tem merecido por parte do Supremo. Assim, após o Ac. de 19-11-2009 (Proc. 31/04.1TVLSD.S1, acessível em www.dgsi.pt), em que se considerou que a mera privação do uso de um veículo, independentemente da demonstração de factos reveladores de um dano específico emergente ou de um lucro cessante, não é susceptível de fundar a obrigação de indemnização, veio no recente Ac. de 09-03-2010 (Proc. 1247/07.4TJVNF.P1.S1, também acessível em www.dgsi.pt) a evoluir-se no sentido de para a atribuição de indemnização pela privação do uso é de exigir a prova de danos efectivos e concretos (situação vantajosa frustrada/teoria da diferença), bastando como critério de atribuição do direito à indemnização a demonstração no processo que, não fora a privação, o lesado usaria normalmente a coisa, vendo frustrado esse propósito. Merece incondicional adesão a doutrina do último dos citados arestos, devendo acrescentar-se que, salvo casos excepcionais em que se demonstre que o lesado, por circunstâncias estranhas, deixou posteriormente de poder conduzir ou por qualquer forma, por si ou por outrem, de aproveitar o veículo, se presume que o teria normalmente utilizado.
A medida da indemnização pela privação do uso é a diferença entre a situação existente e aquela que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” - art.º 562.º do C.Civil. A tal propósito já praticamente tudo foi alvitrado, incluindo que, por ter o lesado ficado impedido de circular e, desse modo, de consumir combustível, acaba por ficar em situação líquida vantajosa, na exacta medida do valor combustível economizado. A realidade económica, como bem se intui, nada tem a ver com semelhantes exercícios de fantasia.
Toda a viatura automóvel é um bem duradouro, cujo custo de aquisição e custos fixos de utilização (seguros obrigatórios, impostos de circulação, taxas de inspecção periódica obrigatória) representam a exacta contrapartida da possibilidade de utilização desse bem na sua função normal, que é a de circular com o mesmo durante a sua vida útil. Vida essa que em automóveis ligeiros de série oscila, aproximadamente, entre os 10 e os 15 anos, dependendo de uma multiplicidade de factores, tais como a qualidade do produto, a intensidade do uso e os cuidados tidos com a sua manutenção. Encontrando-se a viatura impossibilitada de circular, por persistirem os custos da amortização do valor da viatura e os aludidos custos fixos de utilização, sofre o seu proprietário, usufrutuário ou titular de outro direito de gozo, ipso facto, e enquanto tal impossibilidade perdurar, uma diminuição patrimonial, porquanto a tais encargos deixa de corresponder a possibilidade de fruição daquele bem. Assim, nada mais necessita o titular do direito de gozo sobre a viatura de provar para lhe ser devida indemnização pela impossibilidade da sua fruição, que permita “reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”, sendo certo que o simples decurso do tempo é, por si só, factor de depreciação do valor de mercado do veículo.
A 1.a instância fixou em € € 3000, calculado sobre um valor diário de €50,00, o montante da indemnização pela privação do uso do veículo. Ora, como custos fixos de utilização, sempre teria a A. que despender, anualmente, cerca de € 600 euros anuais em prémio de seguro de responsabilidade civil e 119,17 € de imposto municipal sobre veículos (cfr. Aviso n.º 910/2004, publicado no DR, II série, n.º 22, de 27 de Janeiro de 2004, perfazendo cerca de 2 euros diários. O valor diário de amortização, sabendo que valia à data do acidente cerca de € 40.000 e contava 3 anos de utilização, tendo uma expectativa de vida útil residual superior a 10 anos (trata-se de produto especialmente reputado pela longevidade), seria de cerca de 11 euros. Em face de tais cifras, e na ausência de cifras relativas ao acréscimo de custos dos outros meios de transporte a que a Autora recorreu e aos prejuízos resultantes de ter deixado de fazer algumas fiscalizações às obras, parece que a 1.a instância de algum modo sobrestimou o dano resultante da privação do veículo, que não deverá fixar-se em mais do que 25 euros diários, dos quais apenas 13 são consequência directa de mera impossibilidade da sua fruição. Mostra-se assim, de reduzir a € 1.500 o montante a esse arbitrado pela 1.a instância, mantendo-se, quanto ao restante, o valor fixado pela 1.a instância.

DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente, em função do que alteram para € 36.500 (trinta e seis mil e quinhentos euros), o montante da indemnização a cargo da Ré apelante, mantendo-se, quanto ao mais, a sentença recorrida.
Custas em ambas as instâncias na proporção do decaimento.

Porto, 2010/05/11
João Carlos Proença de Oliveira Costa
Carlos António Paula Moreira
Maria da Graça Pereira Marques Mira