Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | CARLOS PORTELA | ||
Descritores: | ACÇÃO DE INTERDIÇÃO INTERVENÇÃO ESPONTÂNEA | ||
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Nº do Documento: | RP201309192872/12.7TBGDM-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 09/19/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | No processo especial de interdição não é admissível a intervenção principal espontânea, porque nele apenas está em causa o interesse do requerido e este está acautelado pela actuação da pessoa a quem a lei reconhece legitimidade para requerer a interdição. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Apelação nº2872/12.7TBGDM-A.P1 Tribunal recorrido: 2º Juízo Cível de Gondomar Relator: Carlos Portela (494) Adjuntos: Des. Pedro Lima Costa Des. José Manuel de Araújo Barros Acordam na 3ª Secção (2ª Cível) do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório: Na presente acção especial de Interdição/Inabilitação em que é requerente B… e requerido C…, ambos devidamente identificados nos autos, foi a dado passo proferido o seguinte despacho cujo teor aqui damos por inteiramente reproduzido: “Do requerimento de intervenção espontânea Na presente acção especial de interdição instaurada por B… contra D…, veio a fls. 36 e ss. C… deduzir incidente de intervenção espontânea, alegando ser também ele filho do requerido e entender também que deve este ser declarado interdito, divergindo apenas quanto à composição do Conselho de Família e à pessoa a nomear como tutor. O requerente deste processo opôs -se a fls. 47 e ss., defendendo a inadmissibilidade do incidente de intervenção espontânea neste tipo de processo. * Os presentes autos seguem a forma de processo especial de interdição, pelo que, nos termos do disposto no art.º463.º, n.º1 do Código de Processo Civil, regem-se pelas disposições que lhe são próprias e pelas regras comuns, dentre as quais constam as que regem os incidentes da instância.Sobre a admissibilidade da intervenção espontânea no processo de interdição podem encontrar-se duas decisões divergentes na jurisprudência: - o acórdão da Relação de Lisboa de 05/05/2009 (disponível em www.dgsi.pt, com o n.º de processo: 5198/07.4TVLSB-A.L1-7) decidiu ser admissível tal incidente, dizendo que "o facto de estarmos perante um processo especial, em que não há “partes” em sentido técnico-jurídico, não permite retirar a conclusão de que no seu âmbito não há lugar á dedução de incidentes de terceiro, no caso, de intervenção principal espontânea. Limitar a intervenção daqueles que legitimamente podem estar presentes nos autos como intervenientes principais apenas porque um dos descendentes da interditanda se antecipou na apresentação da respectiva acção, para além de não fazer qualquer sentido sempre constituiria uma profunda injustiça e desvincularia os demais familiares da responsabilidade que devem assumir nas decisões a proferir no processo, mormente quando se verificam litígios entre esses mesmos familiares, como é o caso dos autos"; - o acordão da Relação de Coimbra de 29/05/2012 (disponível em www.dgsi.pt, com o n.º de processo: 114/11.1TBFIG.C1) pronunciou-se no sentido da sua inadmissibilidade, argumentando que "a circunstância de a lei conceder legitimidade a várias pessoas – que é concorrente e não subsidiária ou sucessiva – para requerer a interdição não significa que, quando já proposta, como é o caso, a acção de interdição por apenas uma de tais pessoas, qualquer uma das outras (a quem a lei também reconhece legitimidade para requerer a interdição) possa invocar, em relação ao objecto da acção pendente, um interesse igual ao do autor e, em consequência, deduzir intervenção principal espontânea. É que a legitimidade concedida às pessoas incluídas no círculo definido no art. 141.º do C. Civil não é a expressão ou reflexo dum direito ou interesse próprio de tais pessoas; isto é, não é o direito ou o interesse próprio de tais pessoas que justifica que lhes seja atribuída, pela lei, legitimidade para instaurar a acção de interdição. O único direito ou interesse próprio que está em causa na acção de interdição respeita ao requerido; que é o beneficiário do pedido". Salvo sempre o devido respeito pela primeira das posições vindas de referir, entendo que a razão está do lado da que defende a inadmissibilidade do incidente. Conforme refere a Relação de Coimbra, não estamos perante um processo de partes em que a várias pessoas seja reconhecida legitimidade por terem interesses próprios paralelos. O único interesse em jogo neste tipo de processos é o do requerido. O art.º 141.º do Código Civil confere legitimidade a várias pessoas por serem as que a lei presume estarem em melhores condições de avaliar a situação do requerido. Instaurada a acção por uma delas, fica satisfeita a intenção do legislador, não havendo lugar a interesses conflituantes ou paralelos dos demais. E mais se diga, conforme decidiu a Relação de Coimbra no acórdão citado, que questões relacionadas com o exercício da tutela não podem justificar a intervenção dos demais familiares, pois "a tal respeito – quanto à pessoa a nomear como tutor e quanto à composição do conselho de família – a lei não permite grande margem de discricionaridade, estabelecendo os critérios a que o tribunal terá que obedecer nas designações que obrigatoriamente terá que efectuar". Nestes termos, e pelo exposto, indefiro o incidente de intervenção espontânea deduzido por C… a fls. 36 e ss., não admitindo a sua intervenção enquanto parte principal nos autos. Notifique.” Inconformado com tal decisão dela veio recorrer o requerente C…, apresentando desde logo as suas alegações. Não foram apresentadas contra alegações. Foi proferido despacho que por tempestivo e legal, admitiu o recurso como sendo de Apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo. Recebido o processo nesta Relação foi proferido despacho que teve o recurso por válido, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados. Colhidos os vistos legais e nada obstando ao seu conhecimento, cumpre apreciar e decidir o recurso em apreço. * II. Enquadramento de facto e de direito:Atentas respectivamente as datas em que foi proposta a presente acção (13.07.2012) e em que foi proferida a decisão ora recorrida (23.11.2012) considerando o disposto nos artigos 11º, nº1 e 12º, nº1 do D.L. nº303/2007 de 24 de Agosto, entende-se que a este recurso devem ser aplicadas as regras processuais postas a vigorar por este ultimo diploma legal, na redacção anterior à da Lei nº41/2013 de 26 de Junho. Ora como é por demais sabido, o objecto o presente recurso e sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pelo Apelante nas suas alegações de recurso (cf. artigos 660º, nº2, 684º, nº3 e 685º-A, nº1 do CPC). E é o seguinte o teor das mesmas: 1ª- O douto despacho recorrido não discrimina os factos em que assenta a douta decisão, pelo que é nulo, em face do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil. 2ª O requerimento do incidente de intervenção espontânea é tempestivo. 3ª- A lei não proíbe o incidente requerido. 4ª- A lei não prevê que a acção de interdição deve ser instaurada só por uma das pessoas indicadas no artigo 141º do Código Civil, ou apenas pelo Ministério Público. 5ª- Ao prever o núcleo de pessoas familiares mais próximas para instaurar a acção, e na falta delas ou da inacção deles o Ministério Público, visa as pessoas que mais garantias dão de defender os interesses do interditando. 6ª- O tutor, regra geral, advém da indicação dos pais, e, por norma, é nomeado de entre os familiares, pelo Conselho de Família, ou pelo Tribunal a indicação deste, nos casos em que intervém, por inépcia dos familiares, ou pela falta deles. 7ª- Se a lei visa as pessoas que mais garantias dão de bem defender os interesses do interditando, é porque se sustenta em deveres morais e sociais dos parentes, além da protecção da família. 8ª- Sendo assim, os sucessíveis, como o recorrente, têm interesse na interdição em defesa do interditando, do seu dever de proteger os familiares, do amor-próprio aos familiares, e por interesses económicos, revelados, essencialmente, na administração de bens comuns, e no instituto sucessório. 9ª- O recorrente alega factos que relevam, mais do que os do requerimento inicial, em prol do interditando, da defesa do seu estado de saúde, das suas condições de vida e de dignidade moral, pelo que têm interesse na boa decisão da causa. 10ª- Opõem-se à nomeação do requerente do pedido inicial, seu irmão, como tutor, em defesa dos interesses económicos e morais do interditando, pelo que deve ser atendido o pedido formulado 11ª- Indica tutor independente, porque os filhos do interditando tem interesses económicos que colidem com o do interditando, pelo que deve proceder o pedido. 12ª- Sugere a composição do Conselho de Família com a substituição da filha porque, como alega, o pai vive em condições impróprias conjuntamente com a filha, pelo que deve ser atendido o proposto. 13ª- O Conselho de Família deve ser composto pelo requerente e pelo recorrente. 14ª- A situação concreta dos autos impõe a nomeação de um tutor independente da família. 15ª- Na situação dos autos a rejeição da intervenção do recorrente pode constituir um risco de prejuízo ou dano para o próprio interditado. 16ª- A discordância da nomeação da pessoa do tutor e do Conselho de Família, entre dois familiares do mesmo grau, é um facto importante que deve ser analisado em termos do interesse do incapaz, uma vez suscitada a dúvida da pessoa indicada para tutor, e a dívida do bom desempenho do Conselho de Família indicado. 17ª- O 463º, n.º 1 do Código de Processo Civil prevê que ao processo de interdição se aplica as disposições do processo comum, designadamente as do artigo 320º do mesmo diploma. 18ª- O espírito da lei visa a intervenção do maior número possível de familiares, preferencialmente os mais próximos, na acção de interdição, designadamente na perfilhação dos factos e na representação do necessitado de protecção. 19ª- O douto despacho consubstancia erro de julgamento. 20ª- O douto despacho viola, além de outras normas, as dos artigos, 141º do Código Civil, 320º, 463, 944º a 958º inclusive do Código de Processo Civil. TERMOS em que, e nos de direito, com o douto suprimento que se roga, deve ser revogada a douta decisão impugnada e substituída por douta decisão que admita o incidente de intervenção espontânea e ordene o prosseguimento dos autos. ASSIM SE FARÁ ACOSTUMADA JUSTIÇA. * Os elementos a ter em conta para a decisão aqui a proferir são todos aqueles que ficaram melhor descritos no ponto I. deste acórdão.E a única questão que importa apreciar, é a de saber se é ou não admissível o pedido de intervenção espontânea no âmbito da acção em apreço. Ora salvo melhor opinião, é nosso entendimento que a resposta deve ser negativa, sendo as razões que justificam tal conclusão as que ficaram a constar no citado Acórdão da Relação de Coimbra de 29.05.2012, proferido no processo nº114/11.1TBFIG.C1, dado a conhecer em www.dgsi.pt/jtrc, os quais e com o respeito que é devido, passamos aqui a subscrever. Assim, aqui como ali é invocado, para a admissibilidade da intervenção principal espontânea é necessário ter o Apelante em relação ao objecto da causa um interesse igual ao do Autor, nos termos do art.º27º do CPC (cf. art.º320º, alínea a) do CPC). Não se discute que o mesmo Apelante (filho do interditando), assim como o Autor, é uma das pessoas incluídas no círculo definido no art.º 141º do C. Civil, ou seja, não se questiona que o mesmo é uma pessoa a quem a lei também confere legitimidade para requerer a interdição. No entanto e como superiormente se afirma no dito aresto, “a circunstância de a lei conceder legitimidade a várias pessoas – que é concorrente e não subsidiária ou sucessiva – para requerer a interdição não significa que, quando já proposta, como é o caso, a acção de interdição por apenas uma de tais pessoas, qualquer uma das outras (a quem a lei também reconhece legitimidade para requerer a interdição) possa invocar, em relação ao objecto da acção pendente, um interesse igual ao do autor e, em consequência, deduzir intervenção principal espontânea”. Também nós consideramos que a legitimidade concedida às pessoas incluídas no círculo definido no antes citado artº141º do C. Civil não é a expressão ou reflexo dum direito ou interesse próprio de tais pessoas, Dito de outra forma, não é o direito ou o interesse próprio de tais pessoas que justifica que lhes seja atribuída, pela lei, legitimidade para instaurar a acção de interdição. Antes, o único direito ou interesse próprio que está em causa na acção de interdição respeita ao requerido que é o beneficiário do pedido. Nas palavras do Desembargador Emídio Santos, Das Interdições e Inabilitações, a pág. 49/50, “Partindo-se, certamente, das regras da experiência comum, atribui-se legitimidade àquelas pessoas que provavelmente estarão próximas do incapaz e que, por isso, estarão em condições de requerer ao tribunal as medidas de protecção. A atribuição de legitimidade concorrente a uma pluralidade de pessoas é, pois, inequivocamente feita em benefício do incapaz. Assim sendo, requerida a protecção por uma das pessoas a quem a lei reconhece legitimidade para tanto, fica alcançado o objectivo pretendido pelo legislador com a atribuição da legitimidade plural concorrente. Em suma, as restantes pessoas não têm direito ou interesse próprio, paralelo ao do autor ou réu, que justifiquem a sua intervenção na acção.” E como igualmente se afirma no supra aludido acórdão, não poderão ser apenas conveniências porventura conflituantes e/ou presumíveis divergências quanto à pessoa a nomear como tutor e quanto à composição do conselho de família que podem fundamentar a intervenção às pessoas que, com legitimidade para instaurar a acção, o não fizeram; aliás, a tal respeito – quanto à pessoa a nomear como tutor e quanto à composição do conselho de família – a lei não permite grande margem de discricionaridade, estabelecendo os critérios a que o tribunal terá que obedecer nas designações que obrigatoriamente terá que efectuar. * Sumário (art.º713º, nº7 do CPC): 1.O único interesse próprio que está em causa na acção de interdição respeita ao requerido enquanto beneficiário do pedido. 2.A lei concede legitimidade (concorrente, e não subsidiária ou sucessiva) a várias pessoas para requerer a interdição, mas quando a acção de interdição foi proposta por apenas uma dessas pessoas, as restantes não poderão vir aos autos deduzir pedido de intervenção principal espontânea. * III. Decisão:Pelo exposto, julga-se improcedente a presente Apelação e, consequentemente, confirma-se a decisão recorrida. * Custas a cargo do Apelante (cf. art.446º, nºs 1 e 2 do CPC).* Notifique.Porto, 19 de Setembro de 2013 Carlos Jorge Ferreira Portela Pedro André Maciel Lima da Costa José Manuel Ferreira de Araújo Barros |