Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
10107/17.0T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: IMPUGNAÇÃO PAULIANA
AVALISTAS
DIREITO DE REGRESSO
Nº do Documento: RP2021102810107/17.0T8PRT.P1
Data do Acordão: 10/28/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Para os efeitos da segunda parte da alínea a) do artigo 610º do Código Civil, enquanto alguns entendem que o dolo é o conhecimento e a vontade de realização do ato com o fim de frustrar a satisfação do crédito do futuro credor, outros sustentam que o dolo para os efeitos deste preceito é um artifício por parte do devedor tendente a criar no futuro credor a ilusão de que o bem alienado por meio do ato impugnado ainda faz parte do seu património, assim integrando a garantia patrimonial do futuro crédito.
II - Tendo em conta os interesses em jogo, nomeadamente que o futuro credor não tem que contar com a garantia patrimonial que existia antes da celebração do ato de que emerge o seu crédito, afigura-se-nos que se deverá entender que será dolosa para efeitos da segunda parte da alínea a) do artigo 610º do Código Civil a conduta do devedor que induza voluntariamente em erro o futuro credor quanto à composição da sua garantia patrimonial, impedindo este de ajuizar corretamente os riscos da operação em que se envolve.
III - Porém, sendo esta a ratio do preceito, o dolo no sentido mais exigente e tal como previsto em sede de vícios da vontade no Código Civil apenas será necessário nos casos em que a constituição do crédito exige a intervenção do credor, requerendo-se apenas o dolo enquanto modalidade de culpa qualificada nas situações em que o crédito se constitui independentemente de qualquer conduta do devedor.
IV - O direito de regresso de sucessores de um avalista contra outro co-avalista, nasce no momento em que procedem ao cumprimento da obrigação avalizada, nascendo esse crédito sem qualquer intervenção do outro co-avalista, pelo que nesse caso, para efeitos de impugnação pauliana, bastará que se comprove a prática dolosa do ato impugnado com a finalidade de obstar à satisfação de qualquer crédito de um futuro credor.
V - Não resultando da factualidade provada que os coavalistas tenham cuidado de determinar os termos em que seria exercido o direito de regresso entre eles e não resultando da simples relação de acionistas que os coavalistas têm com a sociedade avalizada os termos em que esse direito seria exercido, cada um dos coavalistas responde em partes iguais pela obrigação avalizada.
VI - A impugnação pauliana não é causa de invalidade do ato impugnado, razão pela qual, a procedência da impugnação pauliana não invalida a partilha impugnada.
VII - Por ser assim, o sentido prático-jurídico da procedência da impugnação pauliana só pode ser o de permitir que o crédito do credor impugnante seja satisfeito às custas dos bens objeto da partilha e que foram adjudicados ao cônjuge do devedor pois que, a impossibilidade da satisfação do crédito do credor impugnante resulta precisamente de terem sido adjudicados ao devedor inaptos para o efeito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 10107/17.0T8PRT.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 10107/17.0T8PRT.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
………………………………
………………………………
………………………………
***
*
***
Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório
Em 10 de maio de 2017, nos Juízos Centrais Cíveis do Porto, Comarca do Porto, B… e C… instauraram a presente ação declarativa sob forma comum contra D…, E…, F… e G… pedindo, na parte pertinente ao conhecimento do objeto do recurso:
a) a condenação solidária dos réus D… e E…, na qualidade de únicos responsáveis, em via de regresso, no pagamento aos autores dos montantes que estes já satisfizeram e houverem de satisfazer aos credores da H… que beneficiavam e beneficiem de livranças avalizadas pelo seu pai e pelo réu D…, montantes esses que, provisoriamente, se cifram em € 46.944,32 correspondentes à verba que os autores pagaram na execução que lhes foi movida pelo Banco I…, acrescidos de juros de mora à taxa legal, desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento, sem prejuízo de deverem os réus D… e E… também ser condenados solidariamente no pagamento aos autores dos montantes que estes houverem de satisfazer ao J…, caso os embargos por eles deduzidos à respetiva execução, e já sentenciados a seu favor, venham a ser julgados improcedentes em sede de recurso;
b) a condenação solidária dos réus D… e E… a pagar aos autores a quantia de € 8.245,98, a título de indemnização pelos prejuízos com os custos já suportados e a despender pelos autores nos diversos processos judiciais em que se viram envolvidos e a que os réus deram causa, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento;
c) a declaração do direito dos autores a executar os seus créditos nos seguintes bens do património da ré E…:
I. Fração autónoma designada pela letra “M”, correspondente à habitação .., tipo T3, no terceiro andar, com varandas, arrumo .. e aparcamento .. na 2.ª cave, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, n.º …/…, freguesia …, concelho do Porto, descrito sob o n.º 247/19960807, da 2ª Conservatória do Registo Predial do Porto, inscrito na matriz sob o artigo 2.951;
II. Fração autónoma designada pelas letras “HI”, correspondente a um aparcamento de um automóvel, n.º …, no primeiro piso, com entrada pelo n.º …, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, nºs. …, …, … e …, freguesia …, concelho do Porto, descrito sob o n.º 1143/20061106 da 2ª Conservatória do Registo Predial do Porto, inscrito na matriz sob o artigo 2.381;
III. Quota com o valor nominal de € 25.000,00 na sociedade comercial por quotas denominada K…, Unipessoal, Lda., com o NIPC e de Matrícula ………, com sede na Rua …, n.º …, 3.º Dt.º, …, Porto, com o capital social de € 25.000,00;
IV. Quota com o valor nominal de € 14.000,00 na sociedade comercial por quotas denominada L…, Lda., com o NIPC e de Matrícula ………, com sede na Rua …, n.º …, 3.º Dt.º, …, Porto, com o capital social de € 25.000,00;
V. Quota com o valor nominal de € 1.900,00 na sociedade comercial por quotas denominada M…, Lda., com o NIPC e de Matrícula ………, com sede na Rua …, n.º …, 3.º Dt.º, …, Porto, com o capital social de € 2.000,00;
VI. Saldos e/ou valores de quaisquer contas de depósitos, à ordem ou a prazo, poupança, fundos de investimento mobiliário e imobiliário, ações ou quaisquer outros instrumentos financeiros e valores depositados, que os réus, singular ou conjuntamente, possuam em qualquer Banco ou Instituição financeira a operar em Portugal em maio de 2012 e que tenham passado a ser titulados pela ré E… (isoladamente ou com outros titulares que não o réu D…);
d) a declaração do direito dos autores a executar o seu crédito no património do réu F… quanto à quota com o valor nominal de € 2.250,00 na sociedade comercial por quotas denominada L…, Lda., com o NIPC e de Matrícula ………, com sede na Rua …, n.º …, 3.º Dt.º, …, Porto, com o capital social de € 25.000,00.
Para fundamentar as suas pretensões, os autores alegaram, no essencial, que são filhos e os únicos e universais herdeiros de N…, falecido em 24 de fevereiro de 2013; o pai dos autores foi médico de profissão e com outros cerca de cem médicos radiologistas, constituiu no ano de 1990, a sociedade comercial anónima denominada H…, S.A. (doravante “H…”), pessoa coletiva n.º ………, com sede na …, n.º .., Maia e o capital social de € 325.000,00; a H… tinha como objetivo funcionar e atuar como uma espécie de “central de compras” de equipamentos e consumíveis de radiologia para a comunidade acionista (médicos), que permitisse uma maior economia de escala decorrente de preços mais competitivos relativamente àqueles que os médicos, individualmente, lograriam obter diretamente junto dos respetivos fabricantes e fornecedores; o pai dos autores era um pequeno acionista da H…, detendo ações correspondentes a, apenas, 1,74% do respetivo capital social; a administração da empresa esteve originariamente entregue exclusivamente aos acionistas médicos, sendo que o pai dos autores não foi, sequer, dos primeiros a assumir o cargo; como o cargo de administrador haveria de ser rotativo entre os médicos — não fazendo da H… a sua vida, era, na prática, um “frete” com que todos os acionistas médicos teriam de arcar, mais tarde ou mais cedo —, em 2002 coube ao pai dos autores assumir esse cargo; por razões e em data que os autores não sabem precisar, mas seguramente antes do ano de 1995, e muito antes de o pai dos autores ter sido designado administrador, foi efetuado um aumento de capital da H…, subscrito pelo réu D…, por via do qual este passou a deter 15,43% do capital social da sociedade e a ser, de longe, o seu maior acionista; realizado esse aumento de capital, aquele D…, economista de formação, passou a ser administrador da sociedade; na prática, o réu D… passou a ser o único administrador da H… e, sobretudo, o único com exercício efetivo de funções executivas; era, nomeadamente, o réu D… quem geria e dava instruções aos colaboradores e trabalhadores da H…, quem definia a política financeira e comercial da empresa, quem contratava com clientes e fornecedores, quem conhecia e controlava as contas da empresa e quem, em exclusivo, lidava e contratava com as instituições bancárias; todavia, e por forma a manter alguma ligação à matriz médica originária da sociedade, um médico radiologista haveria de integrar a respetiva administração, ainda que somente de direito, pois, na prática, aquele D… era o único administrador executivo e quem decidia todas e quaisquer matérias relativas à gestão e atividade da J…; o pai dos autores, além de assinar enquanto administrador da sociedade, assinou, a título pessoal, como avalista, livranças em branco subscritas pela H… em caução de financiamentos bancários a ela concedidos pelo, à data, O…, SA, hoje Banco I…, SA (doravante Banco I…) e, ainda, pelo Banco J…, SA. (doravante J…); a partir de 2009 e, seguramente, já em 2011, a H… sofreu uma importante e decisiva deterioração da sua situação económica e financeira que a impedia e a impediu de honrar os seus compromissos com fornecedores e com as instituições bancárias suas credoras; nesse ano de 2011, a H… apresentou prejuízos de € 178.689,49, e a respetiva certificação legal de contas foi emitida com ênfases; tal deterioração levou a que, no início de janeiro de 2013, a H… tivesse requerido um Processo Especial de Revitalização que, sob o processo nº 6/13.0TYVNG, correu termos no 3.º Juízo do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia; em 08 de junho de 2013, o administrador judicial provisório deu nota aos autos de que aquele PER havia sido reprovado, não tendo merecido a aprovação de qualquer credor; consequentemente, naqueles mesmos autos, em 06 de novembro de 2013, foi proferida sentença de declaração de insolvência da H…; porque não lograram obter no processo de insolvência a cobrança dos seus créditos sobre a Insolvente H…, os credores Banco I… e J… completaram o preenchimento e promoveram a execução judicial das referidas livranças-caução contra os avalistas; foi assim que os autores, na qualidade de herdeiros habilitados do seu falecido pai, foram citados como executados: (i) em julho de 2015, no Processo Executivo n.º 12686/15.7T8PRT, que correu termos pelo Juízo de Execução do Porto – Juiz 4, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, instaurado pelo Banco I… para pagamento da quantia de € 39.122,15, titulada por livrança subscrita pela H… e avalizada pelo pai dos autores e pelo réu D…; (ii) em novembro de 2016, no Processo Executivo n.º 21925/16.6T8PRT, a correr termos pelo Juízo de Execução do Porto – Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, instaurado pelo J… para pagamento da quantia de € 235.371,12, emergente de duas livranças subscritas pela H… e avalizadas pelo pai dos autores e pelo réu D…; entretanto, os embargos de executado deduzidos pelos autores na primeira execução (do Banco I…) foram julgados improcedentes por sentença notificada aos mesmos em 23 de fevereiro de 2017; por entenderem não haver fundamento viável para o recurso de apelação de tal sentença, em 03 de março de 2017, os autores procederam ao pagamento da quantia exequenda, acrescida de juros e custas de parte, no valor global de € 43.343,58, a que acrescem ainda os honorários e despesas do agente de execução, já liquidadas no valor de € 3.600,74; o réu D… foi declarado insolvente por sentença proferida em 25 de novembro de 2015, nos autos de insolvência que, sob o processo n.º 868/14.3T8VNG, correram termos pela 1.ª Secção de Comércio de Santo Tirso, Comarca do Porto-Juiz 1, processo de insolvência que foi encerrado por sentença de 13 de junho de 2016, data em que, simultaneamente, foi também proferido despacho inicial de exoneração do passivo restante do réu D…; bem cientes, pelo menos desde 2009, das dificuldades financeiras da H… e de que estas conduziriam necessariamente à insolvência dessa empresa e à sua responsabilização pessoal, os réus D… e E…, de forma deliberada e absolutamente concertada, trataram de retirar da esfera jurídica do réu-marido todos os bens próprios e os bens comuns do casal que respondiam ou pudessem responder pelo pagamento das referidas dívidas de que também era co-avalista; no dia 18 de maio de 2012, dia em que, a requerimento de ambos, foi proferida pela 3.ª Conservatória do Registo Civil do Porto e transitou a decisão da respetiva separação de pessoas e bens por mútuo consentimento, os réus, casados que eram sob o regime da comunhão de adquiridos, outorgaram naquela mesma Conservatória instrumento de Partilha do Património Conjugal, pela qual relacionaram os diversos bens comuns (ativos e passivos) e procederam à respetiva partilha; os bens partilhados, ativos e passivos, foram, distribuídos “no papel” de forma equitativa para que houvesse o menor valor possível de tornas a pagar e, fundamentalmente, para que ao réu D… não fossem atribuídos bens com qualquer valor penhorável, sendo adjudicados ao réu D… quotas e ações e à ré E… dois bens imóveis e duas quotas; ambos os ex-cônjuges, ora réus, ficaram com metade cada um das três dívidas ao P…, nos valores de, respectivamente, € 28.536,41, € 15.099,81 e € 73.776,05; a partilha dos bens comuns do casal D… e E… destinou-se exclusivamente a prejudicar credores, em concreto, os autores, subtraindo ao património próprio do réu D… e do património comum do casal os bens que pudessem vir a responder pelo crédito dos autores, atribuindo aos bens imóveis adjudicados à ré E… valores muito inferiores aos valores de mercado; mau grado a separação de pessoas e bens decretada naquela 3.ª Conservatória do Registo Civil do Porto, nunca o réu D… deixou de coabitar com a ré E… no mesmo andar onde o fazia até então e onde hoje ainda o faz, ambos continuando, assim, a agir e a viver em perfeita união conjugal, como até aí sempre haviam feito; além do pai dos autores e do réu D…, da administração da H… fazia também parte um amigo deste último, o réu F…, seu sócio na L…, a quem o réu D… tinha salvaguardado de prestar avales pessoais em livranças subscritas por aquela sociedade, sem que nunca de tal facto tivesse dado conta ao pai dos autores; este amigo dos réus D… e E…, em 04 de dezembro de 2012, adquiriu ao réu D…, pelo preço declarado de € 16.250,00, correspondente à soma dos respetivos valores nominais, as duas quotas de que este era titular na L…, respetivamente, uma com o valor nominal de € 14.000,00, que era bem próprio do réu D… e outra com o valor nominal de € 2.250,00, que havia ficado adjudicada ao réu D… na dita partilha pelo valor atribuído de € 5.000,00; de acordo com o último balanço conhecido da L… (2011), esta tinha um capital próprio de € 44.507,13, o que significa que a quota com o valor nominal de € 14.000,00 tinha um valor de, pelo menos, € 24.923,99 e a quota com o valor nominal de € 2.250,00 tinha um valor de, pelo menos, € 4.005,64; assim, não só o réu D… transmitiu ao réu F… a referida quota de € 2.250,00 por menos de metade do valor pela qual a havia adquirido na partilha menos de 7 meses antes, como o fez por valor substancialmente abaixo do respetivo valor de balanço; o réu F…, em 09 de setembro de 2013, transmitiu a quota na L… com o valor nominal da € 14.000,00 à ré E… pelo mesmo preço de € 14.000,00, isto é, com o mesmo valor por que nove meses antes havia adquirido ao réu D…; em 13 de fevereiro de 2015, nos autos de insolvência da H…, o único imóvel pertença desta foi adjudicado à sociedade “K…, Lda”, entretanto transformada em sociedade unipessoal por quotas, mercê da concentração das respetivas quotas na titularidade única da ré E…, “K…, Lda” essa que, em 2014, havia já apresentado uma proposta de compra do dito imóvel por valor mais baixo (€ 140.000,00), que não foi aceite por ser inferior ao anunciado, mas que tem a particularidade de, anexo à proposta, vir um cheque de € 28.000,00, sacado e emitido não pela “K…, Lda” mas pela L…; na sequência daquela adjudicação, em 27 de março de 2015, foi outorgada a respetiva escritura de compra do imóvel pela “K…, Unipessoal, Lda”, pelo preço de € 178.100,00; porém, não esteve o dito imóvel, sequer, um mês na propriedade e posse da “K…, Unipessoal, Lda” pois, em 24 de abril de 2015, esta revendeu-o pelo preço de € 250.000,00; embora só em 12 de março de 2015 tenha vindo informar os autos de insolvência da H…, em 29 de setembro de 2014, o Senhor Administrador Judicial havia já vendido àquela mesma “K…, Unipessoal, Lda” todos os bens móveis pertencentes à insolvente pelo valor de € 12.000,00; entre esses bens móveis, além de veículos e mobiliário, estão diversos aparelhos de Raio X, tais como mamógrafos, ecógrafos, negatoscópios e outros, aparelhos que, apesar de na fatura constarem como avariados ou sem valor comercial relevantes, não terão certamente sido irrelevantes para o início de atividade da M…, Lda (M…), sociedade com sede na Rua …, n.º …, 3.º (onde têm sede a M…, Unipessoal, Lda e a L…, e onde também teve sede a Q…, Lda, todas já atrás referidas); a M… foi constituída em 09 de janeiro de 2014, logo após o encerramento da H… ocorrido em finais de 2013, tendo como sócios a ré E… e a sociedade de que aquela é a única sócia, a “K…, Unipessoal, Lda.”; a M… tem a ré E… como gerente, sendo certo que esta jamais se dedicou à área da comercialização ou assistência de materiais e equipamentos médicos, M… essa que na sua página na internet (http://www.M....pt) informa que “Não obstante a M…, Lda, doravante denominada M…, ter iniciado a sua atividade em Janeiro de 2014, conta no entanto, com uma experiência de mais de vinte anos na área de Imagiologia Médica. Constituída com recursos técnicos e humanos de elevada competência e experiência, pretende prestar a todos os clientes um serviço de excelência, tanto no fornecimento de Equipamentos e Soluções Médicas como na prestação de Serviços de Assistência Técnica a equipamentos médicos de Radiologia, Imagiologia e TI”; o processo de insolvência do réu D… foi encerrado por sentença de 13 de junho de 2016, tendo nele ainda sido proferido despacho inicial de exoneração do passivo restante; livres dos engulhos da insolvência, e depois de em 21 de novembro de 2016, terem obtido a conversão da Separação de Pessoas e Bens em Divórcio, os réus, logo no dia seguinte, em 22 de novembro de 2016, voltaram a contrair casamento entre si, desta feita, no regime da separação de bens; a intenção da aludida partilha dos bens comuns do casal e de todos os subsequentes atos de transmissão de bens desse património comum foi passá-los para nome da ré E… e do réu F…, dificultando a penhora dos mesmos, procurando colocá-los a salvo dos credores, entre os quais, os autores; até 2008, além do pai dos autores e do réu D…, era administrador da H… o Senhor S…, e, até à cessação do respetivo mandato, era o réu D… e o Senhor S… quem assinava os financiamentos e prestava as respetivas garantias pessoais; cessado o mandato do Senhor S…, e atenta a sua força acionista e o desinteresse dos demais sócios na H…, o réu D… substituiu-o pelo seu amigo, o réu F…; e aí, aproveitando a enorme debilidade física e anímica em que se encontrava o pai dos autores, fruto das diversas doenças que o acometeram a partir de 2007 e que lhe vieram a causar a morte, passou a partir dessa data, a fazer com que os financiamentos (e garantias) fossem assinados e avalizados apenas por si (o que não poderia deixar de ser, pois de outro modo levantaria suspeitas) e pelo pai dos autores, a quem nunca terá explicado para que serviam, nem que o outro administrador (o amigo e aqui réu, F…) não prestava avales, limitando-se a remeter-lhe os contratos e as livranças em branco por estafeta, assinalando com “post-its” ou cruzes a lápis os locais onde deveria apor a sua assinatura, e dizendo que o tinha de fazer pois eram precisas duas assinaturas para vincular a H…; em qualquer caso, as responsabilidades pelo pagamento dos financiamentos bancários à H… seriam sempre diferentes (na proporção de 11,28% para os Autores e 88,72% para os réus D… e E…), já que o réu D… era titular de 15,43% do capital social da empresa enquanto o falecido pai dos autores era titular de tão só 1,74%; com os diversos processos judiciais em que se viram envolvidos, os autores despenderam já a quantia de € 3.245,98 em custas, cauções e registos e, ainda que muito reduzidos pelas relações de grande amizade e solidariedade entre colegas, haverão ainda de, com estes, a curto prazo, suportar a quantia de, pelo menos, € 5.000,00, a título de honorários do mandatário subscritor da petição inicial, pelo patrocínio naqueles processos.
Citados os réus, a ré E… veio pedir a prorrogação por trinta dias do prazo para contestar, invocando para fundamentar essa pretensão a extensão temporal dos factos que sustentam as pretensões dos autores e a multiplicidade de prova documental que carece de recolher para contestar, pretensão que foi deferida por despacho proferido em 22 de junho de 2017.
F… e E… contestaram alegando, em síntese, que o réu F… foi apenas administrador de direito da sociedade H…, que aceitou adquirir as quotas da sociedade L… a fim de evitar a entrada de terceiros no capital desta sociedade, tendo cedido a sua quota à ré E… para se exonerar do dever de prestar um aval à sociedade, que em 04 de dezembro de 2012 o réu F… desconhecia se o Sr. Dr. N1… tinha prestado algum aval ao Banco I…, assim como desconhecia a existência e o vencimento dessa obrigação cartular em 20 de fevereiro de 2015 e também não antecipou, nem podia antecipar por não ser facto de que devesse ter conhecimento, que a H…, SA viesse a ser declarada insolvente em 6 de novembro de 2013, assim como não antecipou, nem podia antecipar por não ser facto de que devesse ter conhecimento, que a sociedade subscritora e o avalista D… não pagassem a livrança executada, concluindo pela total improcedência da ação.
D… contestou comprovando ter requerido apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e requerendo a imediata suspensão dos presentes autos, enquanto não forem decididos de modo definitivo os embargos de executado no processo nº 21925/16.6T8PRT, que correm termos no Juízo de Execução do Porto – Juiz 3, comarca do Porto; invocou a caducidade da ação relativamente à separação de pessoas e bens do contestante e da ré E… ocorrida em 18 de maio de 2012; arguiu a ineptidão da petição inicial e impugnou a maior parte da factualidade alegada pelos autores referindo que o crédito destes é posterior aos atos impugnados, pelo que carecem de demonstrar que os atos impugnados foram dolosamente praticados com intenção de impedir a satisfação do futuro crédito dos mesmos; negou que o pai dos autores não estivesse inteirado dos assuntos da sociedade H…, tendo desempenhado as funções de administrador remunerado desta sociedade desde 16 de abril de 1999 até 07 de janeiro de 2013, sendo também remunerado pelos avales prestados; afirmou que o réu F…, em virtude de não ser acionista desta sociedade, impôs como condição nunca prestar qualquer aval à mesma; a insolvência da sociedade H… resultou da crise financeira internacional e da circunstância do credor J… ter inviabilizado a revitalização da sociedade; os credores J… e I… reclamaram os seus créditos na insolvência da sociedade M…, não estando ainda encerrada a liquidação; alegou que a separação entre os réus D… e E… teve na base reais desentendimentos entre ambos, originados por desavenças na gestão da sociedade familiar – Q…; a partilha dos bens comuns do casal teve por objetivo que o filho menor do casal ficasse a residir na habitação onde sempre residiu e, quanto à partilha das participações sociais visou-se atribuir a cada um dos partilhantes participações nas sociedades que cada um geria e onde trabalhava; devido à doença de que começou a padecer e que o impossibilitava de levar a sua vida habitual, propôs a transmissão para a ré E… das suas quotas na L…, proposta que esta recusou alegando dificuldades financeiras, pelo que transmitiu a sua posição na aludida sociedade para o réu F…, desconhecendo ulteriores cessões de quota na mesma sociedade deste réu para a ré E…; devido à evolução negativa da doença de que padece, a pedido de seu filho, o réu foi residir para a casa da ré E… e nesse contexto, voltou a casar com esta.
E… contestou invocando a caducidade da ação de impugnação pauliana, impugnou a generalidade dos factos articulados pelos autores para fundamentar as suas pretensões invocando, no essencial, os fundamentos invocando pelo corréu D… e concluindo pela total improcedência da ação.
Notificados das contestações, os autores ofereceram requerimento suscitando a extemporaneidade da contestação oferecida pelo réu D…, impugnaram a generalidade dos documentos oferecidos com as contestações e opuseram-se à prestação de depoimento como testemunha da mãe de ambos, tal como requerido pelos contestantes, oferecendo variada prova documental.
A ré E… pronunciou-se sobre a prova documental oferecida pelos autores.
Em 25 de outubro de 2017 foi proferido despacho a julgar intempestiva a contestação oferecida pelo réu D…, sendo os autores notificados para, querendo, se pronunciarem sobre as contestações dos réus F… e G… e E….
Os autores pronunciaram-se sobre a defesa por exceção deduzida nas contestações que não foram julgadas intempestivas, concluindo pela sua total improcedência e requereram a condenação da ré E… como litigante de má-fé em multa e em indemnização em montante a liquidar ulteriormente mas que provisoriamente fixaram em dez mil euros.
O réu D… interpôs recurso de apelação contra o despacho que julgou intempestiva a contestação por si oferecida.
A segurança social veio informar ter sido concedido o apoio judiciário requerido pelo réu D….
A ré E… pronunciou-se sobre a pretensão dos autores de que seja condenada como litigante de má-fé, pugnando pela sua improcedência.
Em 25 de janeiro de 2018 foi proferido despacho a julgar suspensa a instância até ao trânsito em julgado da decisão que não admitiu a contestação oferecida pelo réu E… e atento o recurso de apelação interposto por este e já admitido.
Tendo sido revogado o despacho que não admitiu a contestação oferecida pelo réu E…, declarou-se finda a suspensão da instância, sendo os autores de novo notificados para, querendo, se pronunciarem sobre a contestação apresentada pelo réu E….
Os autores pronunciaram-se sobre a defesa por exceção deduzida na contestação oferecida pelo réu E…, concluindo pela sua total improcedência e requereram a condenação do réu E… como litigante de má-fé em multa e em indemnização em montante a liquidar ulteriormente mas que provisoriamente fixaram em dez mil euros.
Realizou-se audiência prévia, frustrando-se a tentativa de conciliação entre as partes, sendo discutido um projeto quanto à fixação e objeto dos temas de prova.
No segundo dia seguinte ao da realização da audiência prévia, proferiu-se despacho por escrito, fixando-se o valor da causa no montante de € 55.190,30, julgaram-se improcedentes as exceções de ineptidão da petição inicial e de caducidade da ação, identificou-se o objeto do litígio e enunciaram-se os temas de prova, concedendo-se às partes o prazo de dez dias para, querendo, alterar os seus requerimentos probatórios.
Realizou-se a inquirição antecipada de uma testemunha e, após isso, a audiência final em duas sessões.
Em 23 de dezembro de 2020 foi proferida sentença[1] que terminou com o seguinte dispositivo que na parte pertinente ao conhecimento do objeto do recurso se reproduz:
Pelo exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente, e, em consequência:
a) declara-se ineficaz relativamente aos autores, a partilha do património conjugal celebrada entre os réus D… e E… no dia 18 de Maio de 2012 na 3ª Conservatória do Registo Civil do Porto.
b) reconhece-se aos autores o direito a executar no património da ré E…, para pagamento do seu crédito [o direito a ½ dos seguintes bens imóveis:
1. fracção autónoma designada pela letra “M” do prédio urbano sito na freguesia …, Porto, descrita na 2ª Conservatória do Registo Predial sob o nº 247-M, inscrita na matriz sob o artigo 2951º-M;
2. fracção autónoma designada pelas letras “HI” do prédio urbano sito na freguesia …, Porto, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial sob o nº 1143.
Mais se julga improcedente o pedido formulado contra os Réus F… e G…
Custas a cargo de autores e réus na proporção dos respectivos decaimentos.”.
Em 16 de fevereiro de 2021, inconformados com a decisão que precede, D… e E… interpuseram recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões[2]:
1. A sentença recorrida não merece sustentação por se nos afigurar flagrante a violação dos artigos, 390.º, 405.º e 406.º do Código das Sociedades Comerciais, 342.º, 610.º a 612.º do Código Civil.
2. A decisão proferida padece de erro na apreciação da matéria de facto e de direito.
3. Na verdade, não foram tomadas as conta as provas carreadas para os autos, seja por via documental, seja por via testemunhal e que forçosamente teriam conduzido a uma decisão oposta quanto à matéria de facto e, consequentemente, à clara improcedência da ação.
4. Encontra-se incorretamente julgado o vertido no ponto 9.º dos Factos Provados, onde se afirma “O Réu D… passou a ser o único administrador da H… com exercício efetivo de funções executivas”.
5. São inúmeros os documentos levados aos autos, suficientes e capazes de demonstrar que o Conselho de Administração da H… era composto por 3 administradores em exercício de funções, que participavam na toma de tomas as decisões, como usual numa sociedade anónima com administração plural: documento 3 junto com a petição inicial; documento 3 junto com a contestação do Réu D…; documento 9 junto com a contestação do Réu D…; documento 10 junto com a contestação do Réu D…; documento 11 junto com a contestação do Réu D…; documento 12 junto com a contestação do Réu D…; documento 18 junto com o Requerimento dos Autores com a Ref Citius 26835278; documento 21 junto com o Requerimento dos Autores com a Ref Citius 26835278.
6. Em sede de prova testemunhal, recorrendo à transcrição parcial dos depoimentos das testemunhas que de forma mais precisa se pronunciaram sobre o tema em apreço, justificam decisão diversa:
Declarações de parte da Ré E… Audiência de julgamento de 09/10/2020 Min. 10:01:09 – 11:30:39 […]
- U… Audiência de julgamento de 09/10/2020 Min. 11:58:29 – 12:37:52 Min. 14:19:54 – 15:15:15 […]
- V… Audiência de julgamento de 09/10/2020 Min. 15:17:14 – 15:44:34 […]
- S… Audiência de julgamento de 14/10/2020 Min. 09:56:52 – 10:22:36 […]
7. A prova carreada para os autos pelos Autores/Recorridos não teve o condão de demonstrar o alegado por eles no Ponto 9 da sua petição inicial.
8. Todas as testemunhas inquiridas sobre a matéria foram unânimes confirmando, entre outras coisas, que se realizavam as normais reuniões de Conselho de Administração e eram elaboradas as respetivas atas.
9. Os factos constantes do Ponto 9.º deverão dados como não provados.
10. Entendimento diverso será sempre violador do disposto nos artigos 390.º, 405.º e 406.º do Código das Sociedades Comerciais.
11. Com base nos depoimentos supra transcritos, assim como dos documentos juntos aos autos, conclui-se também que mal andou o Tribunal recorrido ao levar aos factos provados o constante no Ponto 10 – que corresponde à afirmação dos Autores no Ponto 10 da sua petição inicial - porquanto não ficou minimamente demonstrada a exclusividade de contactos do Réu D….
12. A única conclusão que pode retirar-se é a de que o Réu D… era Administrador da H… em regime de dedicação total, sendo um importante pilar na execução das decisões do Conselho de Administração.
13. Considerou provado o Tribunal recorrido - Ponto 15.º dos Factos Provados - que “a partir de 2009 e, seguramente, já em 2011, a H… sofreu uma importante e decisiva deterioração da sua situação económica e financeira que a impedia de honrar os seus compromissos com fornecedores, nomeadamente as instituições bancárias suas credores”, o que corresponde integralmente à afirmação dos autores no Ponto 13 da sua petição inicial, que pretenderam provar através da junção da certidão permanente da empresa e declaração de prestação de contas referente ao ano de 2011 e do depoimento da testemunha U… que se revelou totalmente não credível como de infra se demonstrará.
14. A certidão permanente da empresa, quanto à prestação de contas de 2011 refere que a certificação legal das contas pelo Revisor Oficial de Contas foi emitida sem reservas, com ênfases, o que foi devidamente clarificado pelo ROC em audiência de julgamento – W… – explicando que os ênfases existiram durante toda a vida da empresa por serem decorrência do setor de atividade, o que não impedia a empresa de honrar qualquer compromisso nem era, sequer, motivo de preocupação.
15. O que saiu evidenciado sem margem para dúvidas pela junção aos autos das certificações legais de contas dos anos anteriores – documentos 1 a 8 junto com o Requerimento de 13.10.2020, Ref.ª Citius 36783368 e documentos 1 a 4 juntos com o requerimento de 13.10.2020, Ref.ª Citius 36777427.
16. A H…, como quase todas as empresas, ora aumentava, ora diminuía a faturação, o que ficou demonstrado pelo documento n.º 6 junto pelos próprios Autores com o requerimento Ref.ª Citius 26835278 e o documento n.º 7 junto com o mesmo requerimento, sem que isso representasse uma situação de insolvência pois a empresa era sólida, apresentando capitais próprios elevados.
17. Já a declaração de prestação de contas junta pelos Autores, esta reporta-se às contas do ano de 2011, submetida a 11 de junho de 2012, isto é, em data posterior ao ato impugnado. Mais ainda, considerando-se que o processo de separação judicial de pessoas e bens com partilha foi entregue pelos Réus/Recorrentes na Conservatória de Registo Civil em dezembro de 2011, nessa data, a prestação de contas conhecida era a de 2010. Logo, nenhuma relevância probatória tem este documento.
18. Não se pode destes documentos concluir que a partir de 2009, e já em 2011, a H… sofreu uma importante deterioração da sua situação económica.
19. Aliás, a própria declaração de prestação de contas refere na página 27 “(…) a empresa não apresenta dívidas ao estado em situação de mora” e ainda que “(…) a situação da empresa perante a Segurança Social se encontra regularizada (…)”.
20. Compulsados os autos, escrutinada toda a prova produzida – documental e testemunhal – não há sustentação para tal conclusão, não foram capazes os Autores de fazer a prova que lhe competia pelo que se impunha ao Tribunal diferente conclusão nos termos do artigo 342.º do Código Civil.
21. Não provaram os Autores provar a existência de qualquer incumprimento por parte da H…, seja perante fornecedores ou instituições bancárias.
22. Não provaram os Autores e H… fosse demandada em qualquer ação judicial.
23. Não provaram os Autores que a H… tivesse sido interpelada ao pagamento de qualquer dívida.
24. Não provaram os Autores que a H… tivesse prestação salarial em atraso para com os seus funcionários.
25. NADA! A verdade é que não existia nenhuma situação de incumprimento, pelo que o Ponto 15.º dos factos provados deverá ser eliminado.
26. Já a Ré E… juntou aos autos a certificação legal de contas referente a 2009, 2010, as conhecidas à data do início do processo de partilha (ato impugnado), para demonstrar a inexistência de qualquer incumprimento.
27. Deixando de lado para já a profusa prova documental constante dos autos, designadamente as certificações legais de contas da H…, que só por si impunham um resposta diferente tendo em conta o seu expresso teor, afigura-se-nos relevante recorrer aos testemunhos gravados que sobre esta matéria incidiram, abordando a análise das situação económico-financeira.
28. Sem desprezar o depoimento das demais testemunhas que devidamente transmitiram ao tribunal o seu conhecimento sobre a matéria, importa aqui reter o que disse a testemunha W…, Revisor Oficial de Contas da H… durante toda a sua existência, isto é, desde a sua constituição até à sua declaração de insolvência.
- W… Audiência de julgamento de 09/10/2020 Min. 15:46:19 – 16:46:30 […]
29. Também a testemunha V…, funcionário da H…, prestou depoimento esclarecedor: - V… Audiência de 09/10/2020 Min. 15:17:14 – 15:44:34 […]
30. Assim como a Ré/Recorrente E… já o havia dito em declarações de parte: - E… Audiência de julgamento de 09/10/2020 Min. 10:01:09 – 11:30:39 […]
31. À semelhança das demais empresas portuguesas, a evolução dos negócios da H…, e não obstante os esforços para manter ao nível de 2007/2010, sofreu uma redução no ano 2011 e seguintes, mas teve SEMPRE CAPITAIS PRÓPRIOS POSITIVOS.
32. Apesar disso, e da crise generalizada do país, ao contrário do alegado pelos Autores, em 2011 e 2012, NADA FAZIA PREVER que a sociedade viesse a deixar de poder cumprir as suas obrigações, designadamente as assumidas perante a banca.
33. A H… fechou as contas de 2012 com capitais próprios positivos no valor de 135.868,00 € - documentos n.º 20 e 21 juntos pela Ré E… com a sua contestação.
34. O PER surge no início do 2013, perante o decréscimo do volume de negócios da empresa, como medida de gestão, sendo imperioso/necessário ajustar a sua estrutura de custos, designadamente ao nível dos recursos humanos, à nova realidade da sociedade e do país em geral.
35. Deverá ser eliminado o Ponto 16.º dos factos provados, respeitante aos prejuízos apresentados pela H… em 2011 porquanto se revela totalmente inútil para a boa decisão destes autos porquanto.
Pois,
36. Se é indubitável que a separação judicial de pessoas e bens dos Réus E… e D… foi decretada em 18 de maio de 2012, momento em que eram conhecidas as contas da H… referentes ao ano de 2011, quer na data em que ocorreu a separação e facto do casal – julho de 2001, quer na data em que é submetido o processo de separação judicial de pessoas e bens na Conservatória – novembro de 2011, as contas conhecidas eram as de 2010.
37. Erro gritante na apreciação da prova levada a cabo pelo Tribunal recorrido encontra-se no ponto 27 dos factos provados.
38. Impunha-se ao Tribunal levar os factos provados que o requerimento dos Réus com vista à separação de pessoas e bens com partilha do património conjugal foi apresentado na 3.ª Conservatória do registo Civil do Porto em 12 de dezembro de 2011, conforme demonstrado pelo documento 1 junto aos autos com a contestação do Réu D… e documento 23 junto pela Ré E… com a sua contestação.
39. Ao invés, ignorou o Tribunal o alegado e provado pelos Réus e limitou-se a reproduzir, uma vez mais, a alegação do Autores no ponto 33 da petição inicial.
40. Daqui decorre a necessidade de alteração da redação do ponto 27.º dos factos provados por forma a constar a data da separação de facto do casal e da entrega do processo na Conservatória de Registo Civil, Julho e 12 de Dezembro de 2011 respetivamente.
41. Merece igualmente censura a qualificação como provado a factualidade vertida no Ponto 44.º porquanto foi junto pela Ré E… na audiência de julgamento de 14.10.20 documento que comprova que a aquisição não foi efetuada directamente à massa insolvente da H… mas à empresa X…,”.
42. O Ponto 46 dos factos provados deverá ser excluído porquanto não foi feita qualquer prova quanto à relevância ou irrelevância dos equipamentos adquiridos para o início de atividade da M…. Também aqui, o Tribunal recorrido aderiu, em pleno, à alegação feita pelo Autor no artigo 53.º da petição, o que não se concebe nem entende pois apesar de sobre eles recair o ónus da prova, nada lograram demonstrar, seja por via for.
43. Avançando para a fundamentação da sentença, ali intitulada de “suporte da convicção do Tribunal”, não pode passar sem reparo desde logo a afirmação de que o artigo 27.º dos factos provados para além de estar suportados documentalmente foi aceite pelas partes. Equivocou-se o Tribunal certamente ao produzir tal afirmação por conforme já aqui se disse foi comprovado por documento que o requerimento que iniciou o processo de separação judicial de pessoas e bens foi entregue na Conservatória de Registo Civil em 12 de dezembro de 2011 e não em Maio de 2012 como vem referido.
44. É igualmente merecedor de censura este Tribunal alicerçar a sua convicção quanto ao valor das quotas das sociedades Q…, L… e H… pelo relatório de uma perícia levada a cabo noutro processo judicial, sob os quesitos, documentos e diligências alheias a estes autos.
45. Quanto à situação financeira da H… sabemos hoje todos que a H… veio a ser declarada insolvente! Mas, a questão que se deve fazer é se em meados de 2011 era previsível que isso viesse a acontecer? Se em Julho de 2011 os Réus colocaram a hipótese de que tal viesse a acontecer? Se os Réus tinham a convicção que isso ia acontecer? A resposta em face da prova produzida é naturalmente que NÃO!
46. No tocante à apreciação crítica da prova testemunhal que alicerçou a decisão do Tribunal é flagrante a parcialidade do depoimento da testemunha U…, que não se coibiu de propalar sob juramento factos que sabe serem falsos, com notória intenção de auxiliar a procedência da ação.
47. O procedimento cautelar de arrolamento decretado por apenso a estes autos assentou quase exclusivamente no depoimento da Sr.ª U…, prestado sem contraditório dos Requeridos, onde ela não se coibiu de afirmar uma panóplia de factos falsos como “(…) quanto à deterioração da situação económica e financeira da H… a partir de 2009 e, principalmente, de 2011, o que foi percepcionado na altura pela testemunha e pelos demais funcionários, que viram reduzidos os seus salários, revelando também a testemunha que havia cheques devolvidos e que as contas caucionadas em todos os bancos estavam utilizadas), 27) (quando os Requeridos se separaram de pessoas e bens, a H… ainda estava a laborar e apesar da separação os Requeridos continuaram sempre a viver juntos), (…) referindo ser o braço direito do Requerido, que conhecia bem, assim como a esposa deste, a co-Requerida E… (…)” – cf. sentença que decretou o procedimento cautelar apenso aos presentes autos.
48. Isto, conjugado com o vertido pelos autores no Ponto 29.º da petição inicial “(…)depois de haverem tomado conhecimento por uma antiga funcionária da H…, que o Réu D… se tinha separado de pessoas e bens da Ré E…, os Autores empreenderam aprofundada investigação sobre ambos por forma a poderem conferir conteúdo prático ao direito de regresso que têm sobre aqueles” e com o seu depoimento na audiência de julgamento: - U… Audiência de julgamento de 09/10/2020 Min. 11:58:29 – 12:37:52 Min. 14:19:54 – 15:15:15 […]
49. A testemunha U… falta à verdade descaradamente, revelando contradições insanáveis, não sendo minimamente crível na globalidade o seu depoimento.
50. O valor pago pelos Autores ao I… é respeitante a dívida originária da H…, avalizada pelo aqui Réu D… e pelo pai do Autores.
51. Pelo que o crédito do Autores encontra fundamento no direito de regresso que, contrariamente ao peticionado pelos Réus, é apenas relativamente a metade do valor. Assim conclui a sentença recorrida dizendo “(…) no caso em apreço e na falta de convenção em contrário ou de outros elementos que afastem a aplicação das regras das obrigações solidárias, entende-se que os Autores têm direito de regresso relativamente a 50% da quantia que desembolsaram”.
52. Como refere a sentença recorrida, neste ponto não nos merece censura, o crédito dos Autores é posterior ao ato impugnado, o que nos atira, no campo do Direito, para a necessidade da prova da atuação dolosa dos Réus com vista a impedir a satisfação do direito dos Autores.
53. Assim como julgou, e bem, o Tribunal recorrido que “considerando que no caso em apreço o partilhante ficou sujeito à obrigação do pagamento de tornas, deve concluir-se a partilha se deve qualificar como ato oneroso”.
54. Tratando-se o ato impugnado de um ato oneroso exige-se a demonstração de que os Réus/Recorrentes tenham agido com má-fé.
55. Não se provou a alegação dos Autores de que nunca o Réu D… deixou de coabitar com a Ré E….
56. Por tudo quanto acima se expôs facilmente se conclui que perante a errónea apreciação da prova produzida a fundamentação de direito se encontra igualmente inquinada levando à procedência da ação.
57. No campo estritamente jurídico, para que a impugnação pauliana proceda é necessário que se verifique o preenchimento, através da prova, dos requisitos constantes dos artigos 610.º a 612.º do Código Civil, sendo que apenas quanto ao contido no 611.º o ónus da prova é do devedor, pelo que os restantes ficam a cargo dos Autores.
58. Com base na factualidade dada como provada foi entendimento do Tribunal recorrido que a má-fé se verificou. Dizendo “(…) não se pode deixar de considerar que os Réus D… e E… quando outorgaram a partilha tinham a percepção da situação patrimonial do primeiro e dos efeitos do ato que praticaram bem como se aperceberam que com a sua conduta podiam impossibilitar os credores de obterem a satisfação integral do seu crédito, e que não obstante prosseguiram com a partilha nos termos supra expostos”.
59. Com o rigor jurídico e em síntese, por má-fé deve entender-se a consciência, a intenção de causar prejuízo, in casu, aos Autores. Apelando aos ensinamentos de RAUL GUICHARD. “Da relevância jurídica do conhecimento no direito civil”, Porto: Universidade Católica Portuguesa, 1996, p. 1311, para o Direito, a “consciência do prejuízo é um processo psicológico pertencente ao domínio da representação ou ideação, assumindo uma natureza intelectiva”
60. Mas, in casu, haveria de provar-se também o dolo, o qual, por força da redação do artigo 253.º do Código Civil supõe intenção de enganar.
61. Para.
62. O que não sucedeu!
63. Mas esta não é a convicção da excelentíssima juiz do tribunal a quo ao afirmar concluir para existência de um comportamento com má-fé e doloso por parte do devedor (Réu D…) e do terceiro (Ré E…), necessário seria que tivessem sido julgados provados factos que demonstrassem que um e outro tinham consciência do prejuízo que a partilha iria causar aos Autores e que tivessem atuado com intenção de os enganar “Revertendo ao caso em apreço, verifica-se que até 18 de Maio de 2012 (data da partilha do património conjugal) os credores, entre os quais se incluem os aqui Autores, do Réu D… tinham legítima expectativa de poder contar, como garantia da satisfação dos seus créditos, do direito a ½ do património do casal (…)”, constituído pelo apartamento e respetiva garagem e as participações sociais nas empresas K…, lda, Q…, Lda, L…, Lda e H…, SA.
64. Desde logo, labora em erro o Tribunal ao dizer que os Autores eram credores do Réu em 18 de maio de 2012, conclusão que se encontra em contradição com a afirmação irrefutável de que o crédito é posterior.
65. Acresce que, não existia, quer à data da separação de facto, quer à data da efectivação da partilha e cessão de quotas, qualquer credor do Réu D… ou da H….
66. Afirma ainda o Tribunal recorrido que “O réu D… abriu mão de um imóvel que considerando o lugar de aparcamento teria um valor de mercado a rondar os € 250.000,00/260.000,00 (sem prejuízo de continuar a assumir a obrigação de pagar a dívida do casal que onerava aquele e que, nessa data, ascendia a € 117.421,30 – ou seja, cerca de 60% do valor atribuído para efeitos de partilha) e recebeu como contrapartida ações de sociedades que (…) não tinham qualquer valor”.
67. Quanto ao imóvel, como acima de disse, era o único bem imóvel do casal, que constituía a casa de morada de família, tendo sido adjudicado à Ré porque o filho menor com ela ficou a residir, sendo que ficou ela responsável por, na prática, suportar os créditos associados ao mesmo. Uma vez atribuída à Ré E… a casa de morada de família, ao Réus D… restavam as participações sociais.
68. A partilha de bens efetuada no âmbito do processo de separação judicial de pessoas e bens teve por base o acordo alcançado entre ambos, visando a satisfação do que eram as suas vontades reais e a distribuição equitativa do património comum.
69. Quanto ao valor atribuído aos bens para efeitos de partilha foi o valor patrimonial tributário quanto ao imóvel e o valor nominal quanto às participações sociais.
70. Não existiam nessa data quaisquer credores, nem se perspetivava que viessem a existir, pelo que não podia haver intenção de prejudicar quem quer que fosse.
71. Os Réus são cidadãos comuns, desconhecendo os meandros do Direito, apresentaram o requerimento de separação na Conservatória de Registo Civil sozinhos, sem intervenção de Advogado, tendo sido aconselhados na própria Conservatória a indicar o valor patrimonial tributário para os imóveis e valor nominal para as participações sociais.
72. Em momento algum os Réus pensaram em valor de venda ou de mercado porque os bens estavam a ser partilhados e não vendidos.
73. Assim como não se perspetivava que o Réu viesse a ficar gravemente doente e que tal o incapacitasse em absoluto para o trabalho.
74. Sem prescindir, sempre se dirá que tal comportamento estava conforme com o vertido no Código de Processo Civil que no tocante à elaboração da relação de bens ordenava que os imóveis fossem relacionados pelo valor patrimonial tributário.
75. Assim o disse a Ré E…, aqui Recorrente, em sede de declarações de parte: - Réu E… Audiência de 09/10/2020 Min. 10:01:09 – 11:30:39 […]
76. Assenta ainda o Tribunal a quo a má-fé no facto de o próprio D… viria a ser declarado insolvente em 2015, tendo-lhe sido deferido o pedido de exoneração do passivo restante.
77. Mas o Tribunal recorrido faz uma afirmação gravíssima, complemente desprovida de sustentação em factos provado quando diz que “(…) em 2012, o réu D… seguramente já tinha conhecimento” dos créditos que foram reclamados na sua insolvência que tinham o valor global e quase meio milhão de euros.
78. Esta afirmação é totalmente desprovida de suporte factual.
79. Foi junta aos autos a sentença que decretou a insolvência de D…, a qual foi requerida pelo J…, sendo que aquele não a contestou por estar, no momento da citação, a lutar pela vida, sem forças e vontade de se envolver em qualquer batalha judicial
80. Quanto às alegadas dificuldades da H…, sendo certo que houve uma queda nas vendas, a empresa apresentava capitais próprios positivos. Se a empresa estivesse notoriamente falida nunca conseguiria financiar-se na banca, como sucedeu em 2012. A este respeito remete-se, por uma questão de economia processual para tudo quanto se expôs supra.
81. Se não era previsível para a Banca porque deveria ser para os RR? Em particular a Ré E… que desempenhando as funções de TOC da empresa verificava que esta tinha capitais próprios muito positivos.
82. Tão pouco ficou demonstrado nos autos que a Ré E… tivesse conhecimento dos avales pessoais prestados pelo Réu D… à H…, porque efetivamente não tinha. O que nunca teria permitido ou autorizado.
83. Apelamos novamente aqui ao depoimento supra transcrito do ROC da H… – W…, assim como do V…, sendo que ambos foram peremptórios em afirmar que não era previsível a insolvência da empresa. Não existia em 2011 um único credor, uma única situação de incumprimento.
84. Não lograram os Autores demonstrar a existência de uma única situação de incumprimento.
85. Já a referida ata n.º 88, datada de 27.04.2012, referida na fundamentação da sentença, sendo posterior à entrada (12/12/2011) do processo na Conservatória de Registo Civil não tem a virtualidade de demonstrar ou indiciar o que quer que seja pois é posterior ao ato impugnado.
86. O mesmo se diga relativamente à venda do imóvel na insolvência da H… e mesmo dos bens móveis. Estamos perante factos que nada contribuem para a apreciação da matéria nos presentes autos, aqui invocados apenas para distração da questão de fundo e verdadeiramente relevante.
87. Sendo que relativamente aos bens móveis o tribunal afirma erradamente que estes foram vendidos pelo Administrador Judicial à K…, Unipessoal, Lda, ignorando a prova documental junta aos autos – documentos juntos em audiência de 14.10.2020.
88. Concluí o Tribunal que “tendo em conta esta factualidade, não se pode deixar de considerar que os Réus D… e E… quanto outorgaram a partilha tinham a percepção da situação patrimonial do primeiro e dos efeito do acto que praticaram bem como se aperceberam que com a sua conduta podiam impossibilitar os credores de obter a satisfação integral do seu crédito, e que não obstante prosseguiram com a partilha nos termos supra expostos.
89. Finaliza o Tribunal recorrido com a subtil conclusão de que “sem fazer apreciações quanto aos atos de natureza pessoal (separação judicial de pessoas e bens, divórcio e casamento) atente-se que os aqui Réus conseguiram alterar o regime de bens do casamento de comunhão de adquiridos a separação de bens”. Não se compreendendo muito bem qual o alcance de tal conclusão desde já se questiona, perante a suposta má-fé que o tribunal diz ter existido, engendrando tão meticuloso plano, porque voltariam os Réus a casar?
90. A resposta é simples! Os Réus atuaram sempre de boa-fé. A Ré E… explicou porque voltaram a casa: - Réu E… Audiência de 09/10/2020 Min. 10:01:09 – 11:30:39 […]
91. A procedência da ação assentou assim no entendimento da existência de um comportamento doloso pelos Réus.
92. E é precisamente neste aspeto que os Recorrentes discordam, questionando a fundamentação de Direito presente na sentença do tribunal a quo, pelo que importa a interpretação das seguintes normas legais: artigos 253.º, 610.º, 611.º, 612.º do Código Civil, relativos ao conceito de dolo e ao requisito da má-fé no âmbito da impugnação pauliana.
93. Os recorrentes viveram uma crise conjugal que culminou com a separação de facto do casal em Julho de 2011, com o abandono da casa de morada de família por parte deste último.
94. Nessa sequência, em 12 de Dezembro de 2011, deram início a processo de separação de pessoas e bens, que apenas veio a ser decretado em Maio de 2012.
95. Em 18 de Maio de 2012, foi decretada pela Conservatória de Registo Civil a separação de pessoas e bens e a partilha dos bens comuns, da seguinte forma:
96. a) verba 1 - fracção autónoma designada pela letra “M” do prédio urbano sito na freguesia …, Porto, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial sob o n.º 247. Valor atribuído: € 119.013, 47;
b) verba 2 - fracção autónoma designada pelas letras “HI” do prédio urbano sito na freguesia …, Porto, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial sob o n.º 1143. Valor atribuído: € 3.801,00;
c) verba 3 – quota no valor nominal de € 18.750,00 na sociedade “K…, Ldª”, com matricula e NIPC ………. Valor atribuído: € 18.750,00;
d) verba 4 – quota no valor nominal de € 6.250,00 na sociedade “K…, Ldª”, com matricula e NIPC ………. Valor atribuído: € 6.250,00;
e) verba 5 - quota no valor nominal de € 45.000 na sociedade “Q…, Ldª”, com matrícula e NIPC ……….. Valor atribuído: € 45.000, 00;
f) verba 6 – quota no valor nominal de € 5.000,00 na sociedade “Q…, Ldª”, com matricula e NIPC ………: € 7.500, 00;
g) verba 7 - quota no valor nominal de € 2.250,00 na sociedade “L…, Ldª”, com matricula e NIPC ………. Valor atribuído: € 5.000,00;
h) verba 8 – 10 029 acções da sociedade “H…, SA”, com NIPC ………. Valor atribuído: € 90.000,00.
97. No âmbito dessa partilha os R. acordaram em adjudicar: ao réu D… as verbas n.º 5, 6, 7 e 8; e, à ré, aqui Recorrente, E…, as restantes.
98. Ora, analisando este acto de partilha de bens, há o esforço de uma composição equilibrada dos quinhões de cada um dos R., além da existência de tornas.
99. A realidade factual altera-se posteriormente a esta partilha e entre finais de 2012, sem que nada o fizesse prever, a empresa H…, SA deixou de poder cumprir as suas obrigações, e foi, em 2013, 2 anos depois, declarada insolvente.
100. Perante esta realidade, o excelentíssimo juiz do tribunal a quo considera que os Réus procederam à partilha com intenção de impossibilitar os credores de obter a satisfação integral do seu crédito.
101. No campo teórico, quando os intervenientes do ato agem com o propósito de lesar o credor, inviabilizando a satisfação do seu crédito, estaremos diante do dolo em sentido estrito, ou dolo direto.
102. O Tribunal deve ajuizar, dentro de um plano de razoabilidade e normalidade, pela existência de má-fé, tendo presente que está a apreciar o intuito do devedor, ou uma vontade subjetiva. As intenções e os pensamentos ainda ninguém os consegue decifrar…
103. Pode ocorrer a possibilidade de as partes envolvidas lesarem o interesse dos credores por absoluta inobservância do dever de cuidado, subjacente ao negócio jurídico celebrado, caracterizando-se então a negligência, não um dolo.
104. A prova do dolo haveria de ter sido feita pelos Autores e não foi. Neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08-10-2012, Processo n.º 6709/10.3TBVNG.P1, in www.dgsi.pt, “Recai sobre o credor o ónus da prova do montante das dívidas, conforme decorre do art. 611º CC e bem assim, da consciência do prejuízo que o ato causa ao credor”.
105. A nossa posição é suportada pela jurisprudência portuguesa no Acórdão do STJ 9.2.2015, in www.dgsi.pt, Processo 2233/07.0TBCBR.C1.S1 “II - A má-fé, enquanto requisito da impugnação pauliana, com ressalva da situação em que o acto a atacar for anterior à constituição do crédito, consiste na consciência do prejuízo que o mesmo causa ao credor, ou seja, na diminuição da garantia patrimonial do crédito, o que requer, tão-só, a verificação do elemento intelectual, comum ao dolo eventual e à negligência consciente, e não já do elemento volitivo, não sendo, por isso, necessário demonstrar a intenção de originar tal prejuízo”.
106. Fica assim claro que entendeu o legislador que a redação do n.º 2 do artigo 612.º do Código Civil, consagraria a má-fé como a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor.
107. De forma muito esclarecedora o Tribunal da Relação de Guimarães, no Acórdão datado de 18.05.2020, in www.dgsi.pt concluiu “(…) 2 – Daí que a má fé seja a consciência, por parte do devedor e do terceiro adquirente, de que o ato em causa vai provocar a impossibilidade para o credor de obter a satisfação integral do seu crédito ou um agravamento dessa impossibilidade. 3 – E para que haja tal “consciência”, basta que devedor e terceiro adquirente tenham previsto as consequências danosas como possíveis, ou seja, a negligência consciente é suficiente para haver má fé. 4 – Mas não existirá má fé nos casos de negligência inconsciente, isto é, nos casos em que por manifesta falta de cuidado, o devedor e o terceiro adquirente não tenham sequer representado a possibilidade de lesarem a garantia patrimonial dos credores. 5 – Assim, dar-se tão só como provado que o terceiro adquirente tinha conhecimento da obrigação do devedor não preenche o requisito da má fé”.
108. Outro assunto ERRADAMENTE julgado na sentença recorrida é o pressuposto de o ato impugnado ter causado impossibilidade ou agravamento para o credor de satisfação do seu crédito. Neste campo, a sentença é totalmente omissa quanto às repercussões da insolvência do Réu D… no seu património pois que sempre este, fosse ele qual fosse, sempre seria apreendido a favor da massa.
109. Um dos requisitos gerais exigidos para o decretamento da ação pauliana é o prejuízo causado pelo ato impugnado à garantia patrimonial.
110. É pacífico que para a procedência de uma acção pauliana é necessária a prova – que incumbe ao Autor - da verificação do acto impugnado que, para ser relevante, nos termos do disposto no art.º 610º do CC, tem de envolver pelo menos uma diminuição da garantia patrimonial do crédito em causa, sendo necessário que do ato resulte a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito ou o agravamento dessa impossibilidade.
111. O Réu foi declarado insolvente e se não tivesse ocorrido o ato impugnado, também os aqui Autores não teriam a possibilidade de executar a sua meação no imóvel porquanto esta teria sido apreendida a favor da massa insolvente e ali alienada para pagar aos credores com créditos reconhecidos.
112. Isto porque, no caso (hipotético) dos bancos credores, terem executado o R. D…, antes da sua Separação de Pessoas e Bens, esta hipotética execução só poderia incidir sobre a meação do R. D…, já que a R. E…, não era nem nunca foi avalista.
113. Logo, a “partilha” dos bens do casal teria obrigatoriamente sempre que ocorrer, de modo a que só a meação do avalista viesse a responder pela divida oportunamente avalizada.
114. Por outro lado, e não menos relevante, o J…, credor originário, como resulta dos autos, em 2015, decidiu não optar por executar o R. D… e requereu a sua insolvência, a qual foi decretada em 25 de Novembro de 2015.
115. Também neste vértice não se encontram preenchidos os requisitos previstos no artº 610º do CC, designadamente o do acto impugnável ter contribuído para a impossibilidade do credor (AA.) obter a satisfação do seu crédito ou até o agravamento dessa possibilidade
116. Ora, no caso sub judice, são alegados factos pelos próprios Autores nos presentes autos que forçosamente levam à conclusão que a verificação do acto impugnado, por todas as circunstâncias a ele inerentes, nunca afetaria a garantia patrimonial destes.
117. Do exposto resulta que, por não estarem preenchidos estes requisitos – o de redundar do ato a impossibilidade para o credor de obter a satisfação do seu crédito ou, sequer o agravamento, dessa impossibilidade e perante a demonstrada inexistência de má-fé e dolo - tem a presente ação, salvo melhor opinião, nos termos e com o pedido que foi proposta em juízo de improceder.
118. Acresce que, uma nota ainda se impõe relativamente ao invocado direito de regresso, consagrado legalmente no artigo 524.º do Código Civil.
119. Pretendem os Autores exercer o direito de regresso em virtude de terem sido chamados a responder pela dívida da H…, devedora originária, dívida esta avalizada pelo pai dos Autores e pelo 1.º Réu.
120. Apelando assim aos ensinamentos de Vaz Serra (Vaz Serra, RLJ, 105º114) “Se os fiadores forem solidários, respondendo, por isso, cada um deles pela totalidade da dívida, o que fizer esta prestação sub-roga-se nos direitos do credor contra os outros fiadores, na medida das quotas destes, de acordo com as regras das obrigações solidária, e, de harmonia com as mesmas regras, reparte-se entre todos, se algum estiver insolvente, a quota deste, proporcionalmente às suas próprias quotas, (…)”.
121. Deverá assim a dívida ser paga apenas pelos Autores.
122. Para finalizar, ao abrigo da prerrogativa conferida pelos artigos 651.º, n.º 1, 425.º do CPC, requer-se a junção aos autos do relatório da fidúcia da insolvência pessoal do réu que encerra este ano de 2021 o período de exoneração do passivo restante, demonstrativo de que o Réu/Recorrente D… possuí rendimentos suficientes para satisfazer o crédito os autores. A necessidade da junção do documento revelou-se em resultado do julgamento proferido na 1.ª instância, nomeadamente da conclusão de que o Réu não possuí bens penhoráveis.
123. A sentença recorrida deverá ser revogada porque viola todas as normas legais referidas supra, impondo-se concluir pelo não preenchimento dos requisitos de que depende a procedência da presente ação.
Em 18 de fevereiro de 2021, também inconformados com a sentença, B… e C… interpuseram recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
A - Das Nulidades da Sentença:
I. Os Autores pediram a condenação dos Réus D… e E… no pagamento, em via de regresso, do crédito de € 46.944,32, emergente da quantia exequenda, juros, custas, despesas e honorários do Agende de Execução, que pagaram no âmbito do processo executivo identificado na alínea (i), do facto provado n.º 20, pagamento esse que foi dado por provado – Facto provado n.º 22.º;
II. Cabia ao Tribunal a quo reconhecer e declarar na decisão final qual o montante do crédito dos Recorrentes, pelo menos, sobre o Recorrido D…, com referência, por um lado, ao valor dos encargos que suportaram com a execução do I… e, por outro lado, à percentagem, que entendesse fixar, da responsabilidade de cada co-avalista (o Pai dos Autores e o Reu D…) no pagamento da quantia referida no número anterior;
III. Contudo, a sentença a quo omite qualquer pronúncia sobre esta questão específica do pedido deduzido na acção pelos Recorrentes, em manifesta oposição com os fundamentos de facto e de direito da própria decisão (n.ºs 20.º, al. (i), 21.º, 22.º e 23.º dos Factos provados), assim tendo violado as disposições dos art.ºs 607.º, n.º 2, e 608.º, n.º 2, do CPC;
IV. Essa omissão de pronúncia comina a sentença a quo de vício de nulidade, nos termos da al. d), do n.º 1, do art.º 615.º do CPC;
V. De igual modo, a sentença a quo é nula, nos termos da al. d), do n.º 1, do art.º 615.º do CPC, por não se ter pronunciado sobre o pedido deduzido na alínea ii (Cf. pedido formulado na acção), relativa a um crédito por outros encargos suportados pelos Recorrentes nos várias processos judicias em que se viram envolvidos, apesar de ter ficado demonstrado e provado que incorreram numa despesa global de, pelo menos, € 5.914,38;
VI. Em relação a tal verba de despesas, tinha o Tribunal de 1.ª Instância a obrigação de se pronunciar, fixando em relação a ela a percentagem do crédito dos Autores sobre os Réus D… e E…;
VII. Nada decidindo sobre esta questão, a sentença recorrida violou também as disposições dos art.ºs 607.º, n.º 2, e 608.º, n.º 2, do CPC, sendo nula por foça da al. d), do n.º 1, do art.º 615.º do CPC
VIII. Apesar de ter declarado ineficaz relativamente aos autores, a partilha do património conjugal celebrada entre os Réus D… e E…, o Tribunal a quo, sem qualquer explicação ou fundamentação, apenas reconheceu o direito dos Autores a executar o património da Ré E…, para pagamento do seu crédito, sobre ½ dos bens imóveis, quando devia tê-lo feito em relação à quota de € 25.000,00 no capital social da “K…, Unipessoal, Lda.” e aos saldos bancários e valores mobiliários que pertenciam aos dois, já que tais bens lhe advieram da mesma partilha;
IX. A não sujeição desses bens ao alcance do direito de execução reconhecido aos Autores consubstancia uma oposição entre os fundamentos e a decisão, inquinando a sentença recorrida de vício de nulidade, previsto na al. b), do n.º 1, do art.º 615.º do CPC;
X. A sentença decidiu as “Custas a cargo de autores e réus na proporção dos respectivos decaimentos”, mas não indicou a responsabilidade percentual de cada parte, com o que violou o n.º 1, do art.º 527.º, e o n.º 6, do art.º 607.º, ambos do CPC, tornando-a também nula por obscuridade, nos termos da al. c), do n.º 1, do art.º 615.º do CPC;
B – Da impugnação da matéria de facto:
XI. O ponto 13 dos factos provados, na medida em que pode percepcionar que o Pai dos Autores era remunerado pelos avales prestados, é desmentido por documentos e por confissão dos Réus D… e E… que, simultaneamente, situam a data até à qual o pai dos Autores foi remunerado (final de 2007), e a data a partir da qual passou a prestar avales (2008), pelo aquele facto provado está incorrectamente julgado, devendo ser eliminado ou, no menos, corrigido da forma que se sugere:
13º
Os Administradores, eram remunerados pelos avales prestados mas tal não sucedeu com o Pai dos Autores, pelo menos a partir de 2008.
XII. O Tribunal a quo errou na apreciação da matéria de facto quando considerou que nada se provou — a mé fé — quanto ao facto de a cessão de quotas de € 14.00,00 e € 2.250,00, no capital da L…, transmitidas pelo Réu D… ao Réu F… e mulher, e, depois, da cessão da quota de € 14.000,00, na mesma sociedade, transmitida pelo Réu F… e mulher à Ré E…, foram feitas de má fé, com o único intuito de sonegar tais bens aos credores do Réu D…, incluindo os autores;
XIII. Porque relevante para a decisão do mérito da causa, e porque foi feita prova documental e testemunhal bastante, e considerando as regras da experiência, impõe-se rectificar os factos provados dos n.ºs 38 e 40, conferindo-se-lhes as seguintes redacções:
38º
O Réu F… em 04/1DEZ/2012, adquiriu ao Réu D…, pelo preço declarado de € 16.250,00, correspondente à soma dos respectivos valores nominais, as duas quotas de que este era titular na L…, respectivamente, uma com o valor nominal de € 14.000,00 e outra com o valor nominal de € 2.500,00, não tendo sido nem pago nem recebido qualquer preço.”
40º
O Réu F…, em 09/SET/2013, transmitiu a quota na L… com o valor nominal da € 14.000 à Ré E… pelo mesmo preço de € 14.000,00, isto é, com o mesmo valor por que 9 meses antes havia adquirido ao Réu D…, sem que tenha sido recebido ou pago qualquer preço. “
XIV. Nos termos do art.º 612.º, n.º 1 do Código Civil, a impugnação daquelas sucessivas cessões de quotas do capital social da L… deverá proceder independentemente de má fé, uma vez que todas elas foram transmissões gratuitas — o contrário não foi provado pelos Réus cessionários, para além de resultar das declarações de parte da Ré E… —, pelo que deve a sentença recorrida ser alterada no sentido de declarar que tais cessões são ineficazes em relação aos Autores e de reconhecer a estes o direito a executar, em pagamento do seu crédito, a quota de € 2.250,00 no património do Réu F… e mulher, e a quota de € 14.000,00, no património da Ré E…;
XV. Ficou provado documentalmente e por não impugnação dos Réus D… e E…, que os Autores suportaram uma despesa global de € 5.914,38 com encargos processuais, no valor de € 914,38, e honorários ao seu mandatário, no montante de € 5.000,00, pelo patrocínio das várias acções e execuções em que se viram envolvidos;
XVI. Por ser essencial à procedência (parcial) do pedido formulado no final da p.i., na alínea ii, importa, por isso, que seja aditado no rol dos Factos provados um novo número com o seguinte facto:
….º
Os Autores despenderam a verba de global de € 5.914,38 (€ 914,38 + € 5.000,00), em custos com os processos judiciais em que se viram envolvidos”
XVII. Embora da “Fundamentação de Direito” da sentença seja dito que os bens referentes às verbas n.ºs 5, 6 e 8, adjudicados ao Réu D… na partilha do património conjugal, não tinham qualquer valor, tal realidade, porém, não ficou reflectida na matéria de facto, quando devia, já que se tratam de factos essenciais para se aferir da má fé na referida partilha, tendo sido celebrada com o único fito sonegarem todo o património do Réu D… aos credores;
XVIII. E porque essa matéria ficou amplamente demonstrada e provada nos autos, deverá ser acrescentado à matéria assente, porventura a seguir ao n.º 28, um novo número com o seguinte outro facto:
…º
As verbas 5, 6 e 8 adjudicadas ao Réu D… na partilha não tinham qualquer valor”
XIX. Também pelas mesmas razões e por ser relevante para a decisão da causa, impõe-se ainda acrescentar um outro ponto à matéria de facto provada, com o seguinte teor fáctico:
…º
“A diferença entre o valor declarado dos imóveis adjudicados à Ré E… face ao seu valor real é muito superior e dilui a zero o valor pelo qual foi adjudicada ao Reu D… a quota de € 2.250 na L… (verba 7)”
XX. O que antecede conduz forçosamente a que a “partilha” entre aqueles Réus seja qualificada como negócio gratuito, uma vez que aos bens recebidos pela Ré E… não correspondeu qualquer contrapartida atribuída ao Réu D…, sendo que a quota de € 2.250,00 na L… que recebeu, apesar de ter valor, o mesmo foi consumido pela diferença entre os valores declarados e os valores de mercado dos bens imóveis adjudicados à Ré D…;
XXI. Deve por isso ser aditado um novo facto à matéria assente, nos seguintes termos:
…º
A diferença entre o valor declarado dos imóveis adjudicados à Ré E… e o seu valor real é muito superior e dilui a zero o valor pelo qual foi adjudicada ao Réu D… a quota com o valor nominal € 2.250 na L… (verba 7)
C – Da impugnação da matéria de direito
XXII. Como as presunções são ilações que a lei ou o julgador tiram de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, então quando o facto pretensamente desconhecido é afinal um facto conhecido (relação jurídica entre os dois avalistas do mesmo avalizado), desnecessário se torna o uso da presunção;
XXIII. A presunção deve ceder perante o conhecimento do facto que através dela se pretendia firmar;
XXIV. Considerando que a relação que existia entre os devedores/avalistas (o Pai dos Autores e o Réu D…) era uma relação societária, a repartição das responsabilidades pelos avales prestados terá de ser definida com referência às diferentes posições societárias relativas (11,28% vs. 88,72%);
XXV. Por conseguinte, devia a Sentença ter conferido aos Autores o direito de regresso sobre 88,72% daquilo que desembolsaram (pagamento da quantia exequenda, juros, custas e outras despesas associadas à execução, mais outras despesas);
XXVI. Não o tendo feito, a sentença a quo fez errada aplicação do disposto nos art.ºs 349.º e art.º 516.º do Código Civil, violando as respectivas prescrições.
F… e G…, primeiramente e depois D… e E…, em peças processuais autónomas, contra-alegaram pugnando os segundos pela não admissão do recurso e todos pela total improcedência do recurso de apelação interposto pelos autores.
Notificados do recurso de apelação interposto por D… e E…, B… e C… contra-alegaram pugnando pelo convite aos recorrentes para aperfeiçoamento das conclusões, sob pena de não conhecimento do objeto do recurso e, em todo o caso, pela total improcedência do recurso de apelação interposto por D… e E… e pela não admissão do documento oferecido com esse recurso e bem assim da transcrição da prova pessoal produzida na produção antecipada de prova e nas duas sessões da audiência final[3].
Notificados das contra-alegações de recurso oferecidas por F… e G…, B… e C… apresentaram requerimento em que pedem a eliminação dos “Pontos 19 a 22 da contra-alegação em apreço, sob pena de rejeição, ou, se assim não se entender, devem os mesmos ser considerados como não escritos.
Os recursos foram admitidos como de apelação, com subida imediata[4] e no efeito meramente devolutivo.
Em 25 de junho de 2021, B… e C… reiteraram o requerimento em que pedem a eliminação dos “Pontos 19 a 22 da contra-alegação em apreço [trata-se das contra-alegações apresentadas por F… e G…], sob pena de rejeição, ou, se assim não se entender, devem os mesmos ser considerados como não escritos.
Manteve-se o efeito e o modo de subida dos recursos fixado no despacho proferido no tribunal recorrido e que admitiu os recursos interpostos, indeferiu-se a junção do documento oferecido pelos recorrentes D… e E…, admitiu-se a junção aos autos da transcrição da prova pessoal produzida nos autos, decidiu-se não se ter em consideração os pontos 19 a 22 das contra-alegações apresentadas por F… e G…, não se admitindo o documento incluído no ponto 22 das mesmas contra-alegações, decidiu-se não se justificar o convite a D… e E… para sintetizarem as suas alegações de recurso e concluiu-se não se verificar a perda do direito ao recurso por efeito de aceitação da decisão recorrida por parte dos recorrentes B… e C….
Colhidos os vistos dos restantes membros do coletivo, cumpre agora apreciar e decidir.
2. Questões a decidir tendo em conta os objetos dos recursos delimitados pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil)[5], por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
2.1 Da apelação dos autores:
2.1.1 Da nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia, por oposição dos fundamentos com a decisão e por obscuridade;
2.1.2 Da reapreciação dos pontos 13, 38 e 40 dos factos provados e da ampliação da decisão da matéria de facto provada com inclusão na mesma da matéria vertida nas conclusões XVI, XVIII e XXI das alegações dos autores[6];
2.1.3 Da gratuitidade das cessões de quotas da L…;
2.1.4 Da gratuitidade da partilha;
2.1.5 Da repartição da responsabilidade entre os co-avalistas na proporção do capital social de que cada um é titular na sociedade avalizada.
2.2 Da apelação dos réus D… e E…:
2.2.1 Da reapreciação dos pontos 9, 10, 15, 27 e 44 dos factos provados e da eliminação dos factos provados dos pontos 16 e 46 destes factos;
2.2.2 Do dolo dos réus recorrentes na efetivação da partilha impugnada e tendo em vista impedir a satisfação do direito dos autores[7];
2.2.3 Da impossibilidade ou agravamento da satisfação do crédito dos autores;
2.2.4 Do direito de regresso dos autores.
3. Fundamentos
3.1 Da nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia, por oposição dos fundamentos com a decisão e por obscuridade (questões da apelação dos autores)
Os recorrentes autores invocam a nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia, por oposição dos fundamentos com a decisão e ainda por obscuridade, substanciando estas arguições nas conclusões, do seguinte modo:
II. Cabia ao Tribunal a quo reconhecer e declarar na decisão final qual o montante do crédito dos Recorrentes, pelo menos, sobre o Recorrido D…, com referência, por um lado, ao valor dos encargos que suportaram com a execução do I… e, por outro lado, à percentagem, que entendesse fixar, da responsabilidade de cada co-avalista (o Pai dos Autores e o Reu D…) no pagamento da quantia referida no número anterior;
(…)
V. a sentença a quo é nula, nos termos da al. d), do n.º 1, do art.º 615.º do CPC, por não se ter pronunciado sobre o pedido deduzido na alínea ii (Cf. pedido formulado na acção), relativa a um crédito por outros encargos suportados pelos Recorrentes nos várias processos judicias em que se viram envolvidos, apesar de ter ficado demonstrado e provado que incorreram numa despesa global de, pelo menos, € 5.914,38;
VI. Em relação a tal verba de despesas, tinha o Tribunal de 1.ª Instância a obrigação de se pronunciar, fixando em relação a ela a percentagem do crédito dos Autores sobre os Réus D… e I…;
VIII. Apesar de ter declarado ineficaz relativamente aos autores, a partilha do património conjugal celebrada entre os Réus D… e I…, o Tribunal a quo, sem qualquer explicação ou fundamentação, apenas reconheceu o direito dos Autores a executar o património da Ré E…, para pagamento do seu crédito, sobre ½ dos bens imóveis, quando devia tê-lo feito em relação à quota de € 25.000,00 no capital social da “K…, Unipessoal, Lda.” e aos saldos bancários e valores mobiliários que pertenciam aos dois, já que tais bens lhe advieram da mesma partilha;
IX. A não sujeição desses bens ao alcance do direito de execução reconhecido aos Autores consubstancia uma oposição entre os fundamentos e a decisão, inquinando a sentença recorrida de vício de nulidade, previsto na al. b), do n.º 1, do art.º 615.º do CPC;
X. A sentença decidiu as “Custas a cargo de autores e réus na proporção dos respectivos decaimentos”, mas não indicou a responsabilidade percentual de cada parte, com o que violou o n.º 1, do art.º 527.º, e o n.º 6, do art.º 607.º, ambos do CPC, tornando-a também nula por obscuridade, nos termos da al. c), do n.º 1, do art.º 615.º do CPC”.
Cumpre apreciar e decidir.
O artigo 615º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Civil prevê que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
O vício previsto na primeira parte da alínea em análise verifica-se sempre que a fundamentação de facto e de direito da sentença proferida apontam num certo sentido e, depois, inopinadamente, surge um dispositivo que de todo não se coaduna com as premissas, sendo assim um vício na construção da sentença, um vício lógico nessa peça processual distinto do erro de julgamento que ocorre quando existe errada valoração da prova produzida, errada qualificação jurídica da factualidade provada ou errada determinação ou interpretação das normas legais aplicáveis.
Já o vício previsto na segunda parte da aludida previsão legal, decorrente da eliminação do fundamento de esclarecimento da sentença previsto anteriormente na alínea a), do nº 1, do artigo 669º do Código de Processo Civil, na redação que vigorava antes da vigência do atual Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, ocorre sempre que alguma ambiguidade ou obscuridade, torne a decisão ininteligível. Ocorre ambiguidade sempre que certo termo ou frase sejam passíveis de uma pluralidade de sentidos e inexistam meios de, com segurança, determinar o sentido prevalecente. Verifica-se obscuridade, sempre que um termo ou uma frase não têm um sentido que seja percetível, determinável. Quer a ambiguidade, quer a obscuridade têm que se projetar na decisão, tornando-a incompreensível, insuscetível de ser apreciada criticamente por não se alcançarem as razões subjacentes e comprometendo a sua própria execução por força de tais vícios.
Nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, a sentença é nula sempre que o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Estabelece-se nesta previsão legal a consequência jurídica pela infração do disposto no artigo 608º, primeira parte do nº 2, do Código de Processo Civil. No entanto, como ressalva a segunda parte do número que se acaba de citar, o dever de o juiz apenas conhecer das questões suscitadas pelas partes cede quando a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
As questões a decidir são algo de diverso dos argumentos aduzidos pelas partes para sustentar as posições que vão assumindo ao longo do desenvolvimento da lide[8]. As questões a decidir reconduzem-se aos concretos problemas jurídicos que o tribunal tem que necessariamente solver em função da causa de pedir e do pedido formulado, das exceções e contra-exceções invocadas.
Importa salientar que a vinculação do tribunal às concretas questões ou problemas suscitados pelas partes é compatível com a sua liberdade de qualificação jurídica (artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Por isso, o tribunal pode, sem violação da sua vinculação à problemática invocada pelas partes, qualificar juridicamente de forma diferente essas questões.
Debrucemo-nos sobre a primeira nulidade imputada à sentença recorrida pelos autores, por omissão de pronúncia e decorrente de não se ter pronunciado sobre o montante do crédito dos autores, ao menos sobre o réu D….
Em sede de fundamentação jurídica da sentença recorrida, depois de um excurso doutrinal e jurisprudencial, escreveu-se o seguinte[9]:
Ora, no caso em apreço e na falta de convenção em contrário ou de outros elementos que afastem a aplicação das regras das obrigações solidárias, entende-se que os autores têm direito de regresso relativamente a 50% da quantia que desembolsaram (pagamento da quantia exequenda, juros, custas e outras despesas associadas à execução).
Porém, porventura porque o tribunal recorrido se focou exclusivamente sobre a problemática da impugnação pauliana na vertente da ineficácia das transmissões impugnadas, olvidando o reconhecimento do direito de crédito dos autores[10], enquanto sucessores de um co-avalista que honraram o aval prestado pelo seu antecessor, esta conclusão em sede de fundamentos de direito não teve qualquer respaldo no dispositivo, não se definindo aí a medida do direito de regresso dos autores e os sujeitos passivos desse direito de regresso[11], nem se absolvendo os réus D… e E… desta pretensão do autores e isso, não obstante o primeiro pedido formulado pelos autores no final da sua petição inicial.
Neste ponto há que reconhecer que o tribunal recorrido omitiu pronúncia sobre questão que devia apreciar, não obstante o que escreveu em sede de fundamentação jurídica e que acima se reproduziu, enfermando a sentença recorrida, nesta parte, de nulidade por omissão de pronúncia, nulidade que deverá ser oportunamente suprida neste tribunal (artigo 665º, nº 1, do Código de Processo Civil).
A segunda nulidade imputada à sentença recorrida, também por omissão de pronúncia, resultaria de “não se ter pronunciado sobre o pedido deduzido na alínea ii (Cf. pedido formulado na acção), relativa a um crédito por outros encargos suportados pelos Recorrentes nos várias processos judicias em que se viram envolvidos, apesar de ter ficado demonstrado e provado que incorreram numa despesa global de, pelo menos, € 5.914,38” e ainda por em “relação a tal verba de despesas, tinha o Tribunal de 1.ª Instância a obrigação de se pronunciar, fixando em relação a ela a percentagem do crédito dos Autores sobre os Réus D… e E…”.
Vejamos.
O segundo pedido formulado pelos autores nesta ação era o seguinte:
ii. devem os Réus D… e E… ser solidariamente condenados a pagar aos Autores a quantia de € 8.245,98 correspondente a título de indemnização pelos prejuízos com os custos já suportados e a despender pelos Autores nos diversos processos judiciais em que se viram envolvidos e a que os Réus deram causa, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento”.
Em sede de fundamentação jurídica da sentença, o tribunal recorrido escreveu a dado passo o seguinte[12]:
Importa referir que apenas se considera o crédito relativo ao pagamento feito pelos autores em sede da execução já identificado uma vez que em relação a outros créditos eventualmente existentes importa fazer um novo juízo acerca da possibilidade de fundamentarem uma acção de impugnação pauliana.
Porém, uma vez mais, esta posição do tribunal recorrido não teve qualquer projeção em sede de dispositivo, razão pela qual, à semelhança do que se decidiu anteriormente e pelos mesmos fundamentos, forçosa é a conclusão de que a sentença recorrida enferma também nesta parte de nulidade por omissão de pronúncia, nulidade que deverá ser oportunamente suprida nesta instância, ex vi artigo 665º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Apreciemos agora a nulidade por oposição dos fundamentos com a decisão e que resultaria da circunstância de tendo o tribunal recorrido declarado ineficaz relativamente aos credores a partilha do património comum do ex-casal formado pelo réu D… e E…, apenas reconhece aos autores o direito a executar metade dos imóveis adjudicados nessa partilha à ré E…[13], quando devia também tê-lo feito em relação à quota de € 25.000,00 no capital social da “K…, Unipessoal, Lda.” e aos saldos bancários e valores mobiliários que pertenciam aos dois, já que tais bens lhes advieram da mesma partilha.
Será assim?
Não o cremos pois que, como se referiu anteriormente, a nulidade por oposição dos fundamentos com a decisão verifica-se sempre que a fundamentação de facto e de direito da sentença proferida apontam num certo sentido e, depois, inopinadamente, surge um dispositivo que de todo não se coaduna com as premissas, sendo assim um vício na construção da sentença, um vício lógico nessa peça processual distinto do erro de julgamento que ocorre quando existe errada valoração da prova produzida, errada qualificação jurídica da factualidade provada ou errada determinação ou interpretação das normas legais aplicáveis.
Ora, no caso, não existe uma tal dissonância entre a fundamentação de facto e de direito e o dispositivo, antes uma total falta de explicação e de decisão para que os outros bens objeto da partilha declarada ineficaz não sejam passíveis de execução por parte dos autores, ainda que no património da ré D….
Nesta medida, afigura-se-nos que se trata de mais uma nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia sobre o direito dos autores a executar os outros bens adjudicados à ré D… na partilha impugnada, omissão a suprir no momento próprio e nos termos previstos no artigo 665º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Apreciemos agora a última nulidade assacada à sentença recorrida e que resulta, na perspetiva dos autores recorrentes, de a condenação tributária enfermar de obscuridade.
Na sentença recorrida, decidiu-se a responsabilidade tributária das partes nos termos que seguem:
Custas a cargo de autores e réus na proporção dos respectivos decaimentos.
É obscura esta condenação?
Não o cremos, sendo bem claro o sentido da condenação tributária proferida pelo tribunal recorrido. Afirmar que as custas recaem sobre autores e réus na proporção dos decaimentos é uma forma de indicação da proporção em que as custas incidem sobre cada uma das partes e que corresponde à exata medida em que cada uma das partes sucumbe ou é vencida.
Questão diversa e que no fundo é a que os autores recorrentes colocam é a da correção jurídica da aludida condenação tributária.
Desde logo, tendo os réus F… e G… sido absolvidos do pedido, não poderia sobre estes impender qualquer responsabilidade tributária. De todo o modo, sendo a responsabilidade aferida pelo decaimento, deve entender-se, necessariamente, que não recai sobre estes réus qualquer responsabilidade tributária.
Por outro lado, tendo sido deduzidos pedidos ilíquidos, a sucumbência não se determina por mero cálculo aritmético.
Neste contexto, não enfermando a decisão tributária de obscuridade, improcede a nulidade arguida pelos autores recorrentes, sem prejuízo desse segmento da decisão recorrida ser reapreciado e corrigido, se enfermar de erro de julgamento.
Pelo exposto, procedem parcialmente as arguições de nulidade da sentença recorrida, nos termos precedentemente expostos, patologias que serão oportunamente supridas, tal como será oportunamente reapreciado o acerto jurídico da condenação tributária.
3.2 Da reapreciação dos pontos 9, 10, 13, 15, 27, 38, 40 e 44 dos factos provados, da ampliação da decisão da matéria de facto provada com inclusão na mesma da matéria vertida nas conclusões XVI, XVIII e XXI das alegações dos autores e da eliminação dos factos provados dos pontos 16[14] e 46 destes factos (questões da apelação dos autores e dos réus D… e E…
Os autores impugnam a decisão da matéria de facto do tribunal recorrido pedindo a reapreciação dos pontos 13, 38 e 40 dos factos provados e a ampliação da decisão da matéria de facto provada com inclusão na mesma da matéria vertida nas conclusões XVI, XVIII e XXI das suas alegações.
Por seu turno, os réus D… e E… impugnam a mesma decisão da matéria de facto pedindo a reapreciação dos pontos 9, 10, 15, 27 e 44 dos factos provados e a eliminação dos factos provados dos pontos 16 e 46 destes factos.
As razões que os recorrentes aduzem para substanciar as suas pretensões e, começando pelos autores, são, em síntese, as seguintes:
- no que respeita ao ponto 13 dos factos provados, os autores afirmam que é “desmentido por documentos [ata de 24 de julho de 1997, documento nº 4 oferecido com a contestação da ré E…; recibos de vencimento do pai dos autores oferecidos como documento nº 14 da contestação da ré E…, referentes a um período anterior à prestação de avales por parte do pai dos autores] e por confissão dos Réus D… e E… que, simultaneamente, situam a data até à qual o pai dos Autores foi remunerado (final de 2007), e a data a partir da qual passou a prestar avales (2008), pelo aquele facto provado está incorrectamente julgado, devendo ser eliminado ou, no menos, corrigido da forma que sugerem;
- quanto aos pontos 38 e 40 dos factos provados, os autores recorrentes pretendem que aos mesmos seja aditado que não foi recebido ou pago qualquer preço, pretensão que, em síntese, fundam em prova documental que indicam[15] e avaliam criticamente, em prova pessoal, nas passagens que identificam e ainda nas regras da experiência comum que não curam de precisar quais sejam;
- quanto à ampliação da matéria de facto com inclusão nos factos provados da factualidade vertida na décima sexta conclusão, os autores recorrentes sustentam esta pretensão na circunstância de tal prova ter sido oferecida com o seu requerimento de 11 de junho de 2018, que não mereceu qualquer impugnação por parte dos réus;
- no que respeita à ampliação da matéria de facto com inclusão da factualidade vertida na décima oitava e na vigésima primeira conclusão, os autores recorrentes apoiam-se nos documentos nºs 5, 6, 7, 25 e 26 da petição inicial e ainda nas declarações da ré E… nas passagens que transcrevem, localizando-as temporalmente.
Por seu turno, os réus D… e E… pedem a reapreciação dos pontos 9, 10, 15, 27 e 44 dos factos provados e a eliminação dos factos provados dos pontos 16 e 46 destes factos, invocando, para tanto, as seguintes razões:
- no que respeita ao ponto 9 dos factos provados, os recorrentes D… e E… afirmam que o tribunal recorrido desconsiderou o documento nº 3 junto com a petição inicial, os documentos nºs 3 e 9 a 12 da contestação do réu D…, os documentos nºs 18 e 21 oferecidos pelos autores com o requerimento cuja referência citius é a nº 26835278[16] e bem assim as declarações de parte da ré E…, nos segmentos que transcrevem e localizam temporalmente, os depoimentos de U…, V… e S…, também nos segmentos que transcrevem e localizam temporalmente;
- no que tange ao ponto 10 dos factos provados, os recorrentes D… e E… sustentam que com base nos depoimentos supra transcritos, assim como dos documentos juntos aos autos, que mal andou o Tribunal recorrido ao levar aos factos provados o constante no ponto 10, porquanto não ficou minimamente demonstrada a exclusividade de contactos do réu D…;
- quanto ao ponto 15 dos factos provados, os recorrentes D… e E… assentam a sua pretensão nos documentos oferecidos com os requerimentos de 13 de outubro de 2020, com as referências nºs 36777427 e 36783368[17], os documentos nºs 4, 6 e 7 oferecidos pelos autores com o seu requerimento de 22 de setembro de 2017, já antes referido, os documentos nºs 20 e 21 oferecidos pela ré D… com a sua contestação e o depoimento das testemunhas W… e V…, nos segmentos que transcrevem e localizam temporalmente e ainda nas declarações de parte da ré E…, nas partes que transcrevem, situando-as temporalmente;
- relativamente ao ponto 16 dos factos provados, os recorrentes D… e E… sustentam a sua total inutilidade para a boa decisão da causa e, em todo o caso, na data da separação do casal e bem assim no momento da instauração do processo de separação judicial de pessoas e bens na Conservatória do Registo Civil, as contas conhecidas eram as de 2010, apoiando-se nos documentos nºs 20 e 21 oferecidos pela ré E… com a sua contestação e nos documentos nºs 1 a 4 oferecidos com o requerimento com a referência 36777427 e nos depoimentos das testemunhas W… e V…, nos segmentos que transcrevem e localizam temporalmente e ainda nas declarações de parte da ré E…, nas partes que transcrevem, situando-as temporalmente;
- quanto ao ponto 27 dos factos provados, os recorrentes D… e E… assentam a sua pretensão de alteração do conteúdo deste ponto de facto no teor do documento nº 1 oferecido com a contestação do réu D… e que é idêntico ao documento nº 23 oferecido com a sua contestação pela ré E…;
- no que respeita ao ponto 44 dos factos provados, os recorrentes D… e E… sustentam a sua pretensão recursória no teor do documento oferecido pela ré E… na sessão da audiência final realizada em 14 de outubro de 2020;
- relativamente ao ponto 46 dos factos provados afirmam que nenhuma prova dessa matéria foi produzida na audiência final.
Os pontos de facto impugnados pelos recorrentes têm o seguinte teor:
- O réu D… passou a ser o único administrador da H… com exercício efetivo de funções executivas (ponto 9 dos factos provados);
- Era o réu D… quem geria e dava instruções aos colaboradores e trabalhadores da H…, quem definia a política financeira e comercial da empresa, quem contratava com clientes e fornecedores, quem conhecia e controlava as contas da empresa e quem, em exclusivo, lidava e contratava com as instituições bancárias (ponto 10 dos factos provados);
- Os Administradores, eram remunerados pelos avales prestados (ponto 13 dos factos provados);
- A partir de 2009 e, seguramente, já em 2011, a H… sofreu uma importante e decisiva deterioração da sua situação económica e financeira que a impedia e a impediu de honrar os seus compromissos com fornecedores, nomeadamente as instituições bancárias suas credoras (ponto 15 dos factos provados);
- Nesse ano de 2011, a H… apresentou prejuízos de € 178.689,49, e a respetiva certificação legal de contas foi emitida [com] reservas e ênfases (ponto 16 dos factos provados);
- No dia 18 de maio de 2012, dia em que, a requerimento de ambos, foi proferida pela 3.ª Conservatória do Registo Civil do Porto e transitou a decisão da respetiva separação de pessoas e bens por mútuo consentimento, os réus, casados que eram sob o regime da comunhão de adquiridos, outorgaram naquela mesma Conservatória instrumento de Partilha do Património Conjugal, pela qual relacionaram os diversos bens comuns (ativos e passivos) e procederam à respetiva partilha (ponto 27 dos factos provados);
- O réu F… em 04 de dezembro de 2012, adquiriu ao réu D…, pelo preço declarado de € 16.250,00, correspondente à soma dos respetivos valores nominais, as duas quotas de que este era titular na L…, respetivamente, uma com o valor nominal de € 14.000,00 (ponto 38 dos factos provados) [e outra com o valor nominal de € 2.250,00];
- O réu F…, em 09 de setembro de 2013, transmitiu a quota na L… com o valor nominal da € 14.000 à ré E… pelo mesmo preço de € 14.000,00, isto é, com o mesmo valor por que 9 meses antes havia adquirido ao réu D… (ponto 40 dos factos provados);
- Em 29 de setembro de 2014, o Senhor Administrador Judicial havia já vendido àquela mesma “K…, Unipessoal, Lda.” todos os bens móveis pertencentes à insolvente pelo valor de € 12.000,00 (ponto 44 dos factos provados);
- Aparelhos que não terão sido irrelevantes para o início de atividade da M…, Lda. (M…), sociedade com sede na Rua …, n.º …, 3.º (onde têm sede a K…, Unipessoal, Lda. e a L…, e onde também teve sede a Q…, Lda., todas já atrás referidas) (ponto 46 dos factos provados).
Os pontos de facto que os autores recorrentes pretendem ver incluídos nos factos provados por ampliação da referida matéria são os seguintes:
- Os Autores despenderam a verba de global de € 5.914,38 (€ 914,38 + € 5.000,00), em custos com os processos judiciais em que se viram envolvidos (conclusão XVI das alegações de recurso);
- As verbas 5, 6 e 8 adjudicadas ao Réu D… na partilha não tinham qualquer valor (conclusão XVIII das alegações de recurso);
- A diferença entre o valor declarado dos imóveis adjudicados à Ré E… e o seu valor real é muito superior e dilui a zero o valor pelo qual foi adjudicada ao Réu D… a quota com o valor nominal € 2.250 na L… (verba 7) (conclusão XXI das alegações de recurso).
O tribunal a quo motivou a sua decisão sobre a matéria de facto, na parte referente à matéria questionada pelos recorrentes nos seus recursos da forma que segue:
Os factos que constam sob os nºs 1º a 7º, 11º, 12º, 16ºa 30º, 38º, 40º, 44º, 45º, 53º, 54º e 66º dos “Factos Provados” para alem de estarem suportados documentalmente foram aceites pelas partes.
O tribunal fundamentou a sua convicção quanto aos demais factos que considerou provados e não provados na análise crítica e integrada da globalidade da prova produzida nos autos, designadamente dos documentos juntos aos autos, em conjugação com o depoimento/declarações de parte e das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento, articulados entre si, de acordo com as regras da experiência comum, como oportunamente se especificará:
A vastíssima prova documental existente nos autos alicerça a convicção do tribunal quanto:
- ao valor das quotas das sociedades “Q…, Lda”, L…, e H… encontra-se nos documentos de fls. 912 v a fls. 931 (relatório de uma perícia levada a cabo num outro processo em que os Réus D… e E… tiveram oportunidade de exercer o contraditório) e são coerentes com outros informações que constam nos autos, como por exemplo, a insolvência da H… e os diversos relatórios anuais de certificação de contas:
- a doença (cancro) que atingiu o réu encontra-se vastamente documentada nos elementos clínicos que constam de fls. 345 a fls. 363 e 460 a 476. Salienta-se que o réu ora indicava como residência a rua …, nº …, 3º como a Av. …, …, 4ºA, Matosinhos.
- a constituição da sociedade L… – fls. 179 a 183
- a actividade da M… – fl. 189 a 201.
- despesas relativas aos processos executivos – fls. 134 a 137.
O tribunal valorizou especialmente as actas do Conselho de administração da “H…, Lda” de fls. 630 a 648 para apurar a situação financeira daquela sociedade e o conhecimento que o reu D… tinha daquela.
Das declarações de parte, além dos factos confessados (relativos à aquisição de bens no âmbito da insolvência da H… e a sua utilização na empresa M…), atendendo à forma espontânea e sentida do depoimento prestado pela ré, o tribunal ficou convencido da existência de uma forte relação de interajuda entre os réus apesar das vicissitudes do seu casamento e da necessidade sentida por ambos de proteger o filho do casal.
A testemunha Y… (amiga do casal desde longa data – cerca de 30 anos) assumiu a autoria do documento de fls. 508 (intitulado contrato de comodato) e acrescentou que o casal, D… e E…, que trabalhava até à exaustão, se desentendeu em 2011. Entre 2011 e 2015 emprestou a sua casa (T3) ao réu D… porque estava a trabalhar fora do Porto e só vinha a casa aos fins de semana. Por vezes o réu pagava a agua e luz. Explicou a necessidade de elaborar o contrato com existência de um crédito à habitação. Não queria que o Banco pensasse que tinha alugado o apartamento. Também referiu a grave doença do réu. Na mesma linha encontram-se os depoimentos dos amigos do casal Z… e AB… que confirmam a separação do casal no ano de 2011, a boa relação existente entre ambos e a reconciliação já quando o reu se encontrava gravemente doente. Esta ultima testemunha referiu igualmente que teve conhecimento que o Réu, após a separação, habitou num apartamento em Matosinhos. Por sua vez, a sobrinha AC… adiantou foi o cansaço motivado pela actividade profissional intensa dos réus D… e E… com a razão da sua separação. Confirmou que apesar disso, sempre foram muito companheiros e estão de novo juntos. Salientou a vulnerabilidade do tio por causa da doença.
A testemunha AD… (agente imobiliário e avaliador oficial há vinte anos) estimou o valor do apartamento (T3 com estacionamento e arrumos) nos … em € 250.000,00 à data da partilha. Hoje valerá € 500.000, 00 em condições normais. A este propósito veja-se também os documentos de fls. 164 a 166 e de fls. 934 a 967 que estão de acordo com as tendências do mercado imobiliário registadas na cidade do Porto.
No que concerne ao funcionamento interno da sociedade H… (administração) foi relevante o depoimento da testemunha S…, (fundador da H… em 1990 da qual foi administrador, tendo saído em Janeiro de 2008) que confirmou que o Drº D… era o presidente do conselho de administração da H… e que as reuniões daquele órgão, de que fazia parte juntamente com o Dr. N1…, ocorriam informalmente no restaurante AE…, na cidade do Porto, embora já não se recorda da forma como era elaboradas e assinadas as actas. Apesar do Dr. D… lhes dar explicações acerca da sociedade, ele era o único que tinha conhecimentos técnicos para a gerir e que na pratica era o gestor da H…. A funcionária U… estava a par de tudo e tratava da recolha das assinaturas para os cheques e para a prestação de avales. Quando prestava aval tinha uma remuneração de 2 ou 3% (era uma pratica que vinha das administrações anteriores). Não sabe nada de concreto relativamente ao Dr. N1…. A testemunha AF… não se recordava de nada em concreto relacionado com a H….
Para apurar a situação económica e financeira da H1… [aliás H…] e do conhecimento da mesma por parte dos réus D… e E… o depoimento de W…, atenta a sua condição Revisor Oficial de Contas que prestou serviços para a H… desde a sua fundação até 2012) foi particularmente esclarecedora. Acresce ainda que é o autor dos diversos relatórios anuais de certificação de contas nomeadamente os que se encontram a fls. 441 a 443. Explicou, pois, que H… era uma empresa com grande potencial, mas que os anos de 2011 e 2012 foram muito difíceis devido ao assédio das grandes companhias. As reservas que formulou estavam relacionadas com o valor elevado de créditos não cobrados por muito tempo o que significava perdas certas. Essa foi uma pratica corrente da empresa e no ano de 2011, apesar de discutir as contas ao detalhe e difícil situação da empresa, o Dr. D… ainda acreditava que era possível reverter a situação. Mesmo quando deu entrada ao PER acreditava na recuperação, mas em Setembro /Outubro de 2012 a empresa deixou de fazer pagamentos. A Drª E… era sócia da L… (sociedade que se encarregava da contabilidade de H…) e estava em condições de conhecer a situação económica da empresa.
A testemunha U…, (trabalhou para H… durante cerca de 20 anos, mais ou menos desde Fevereiro de 1994 até 19.12.2013, na área dos serviços administrativos e financeiros da empresa) conhecedora do funcionamento da sociedade reiterou que aquela era gerida pelo Dr. D… (questões do dia a dia, relações com fornecedores, clientes e pagamentos). O Conselho de administração era constituído por mais dois membros (médicos) em sistema rotativo por três anos que reunia de forma informal e não tinha intervenção na gestão da sociedade. O Drº F… não prestava garantias mas o Dr. N1… prestava. Era contacto previamente pelo Dr. D… de depois a testemunha recolhia as assinaturas. Apesar de se lembrar da doença do pai dos autores não relatou qualquer situação de incapacidade de compreender o que estava a assinar. Aliás, era uma situação recorrente a assinatura de cheques, documentos e garantias. O Dr. N1… recebia uma quantia mensal de € 200,00 que pensa ser relativo a “ajudas de custo”, o sócio F… como não era administrador executivo não recebia qualquer remuneração. Os salários dos funcionários da H… eram processados pela “L…) e as operações de pagamento finalizados pelo Dr. D…. Quantos pagamentos, quer a fornecedores quer a clientes era entre os 30 e os 60 dias, embora alguns clientes precisem de mais prazo. Relativamente à vida pessoal dos réus (separação e reconciliação) verificou-se que parte desse conhecimento resultou de outra audiência de julgamento em que participou e não parece crível que a testemunha que mantinha apenas relações estritamente profissionais como o réu soubesse onde ele habitava ou se devido aos seus problemas de saúde e à boa relação com o seu filho e mãe deste passava períodos, mais ou menos longos, na sua companhia. Apercebeu de uma quebra da actividade da empresa entre 2008/2009.
A testemunha V… (director comercial que trabalhou para a EH… até 2012 e depois a partir de 2013 para a M…). Assumiu que contribui para a descrição técnica do site da M…. Reconheceu o Dr. D… como o administrador e director técnico e financeiro da H… e que os “outros não riscavam nada”. Até a decisão final sobre os contratos cabia ao dr. D…. Era igualmente do seu conhecimento a existência de um volume elevado de incumpridores (incobráveis) e que o ROC estava preocupado com aquela dividas que geravam distorções materialmente relevantes.
Uma vez que os recorrentes observaram de forma suficiente os ónus que impendem sobre quem impugna a decisão da matéria de facto, procedeu-se ao exame crítico da extensa prova documental junta aos autos e que tenha sido admitida pelo tribunal recorrido e ouviu-se a prova pessoal produzida numa inquirição antecipada de testemunha e em duas sessões da audiência final.
Antes ainda de passar à análise crítica da prova documental e pessoal produzida, importa determinar se a ampliação da decisão da matéria de facto requerida pelos autores recorrentes é legalmente admissível, isto é, se respeita a matéria alegada ou que ao menos se possa enquadrar na alínea b), do nº 2, do artigo 5º do Código de Processo Civil.
A matéria que os recorrentes pretendem ver inserida na factualidade provada por ampliação é a seguinte:
- Os Autores despenderam a verba de global de € 5.914,38 (€ 914,38[18] + € 5.000,00[19]), em custos com os processos judiciais em que se viram envolvidos (conclusão XVI das alegações de recurso);
- As verbas 5, 6 e 8 adjudicadas ao Réu D… na partilha não tinham qualquer valor (conclusão XVIII das alegações de recurso);
- A diferença entre o valor declarado dos imóveis adjudicados à Ré E… e o seu valor real é muito superior e dilui a zero o valor pelo qual foi adjudicada ao Réu D… a quota com o valor nominal € 2.250 na L… (verba 7) (conclusão XXI das alegações de recurso).
A factualidade contida na décima sexta conclusão das alegações de recurso resulta do que foi alegado nos pontos ii a vi do artigo 4º e do artigo 5º do requerimento dos autores de 11 de junho de 2018. Sublinhe-se que no artigo 4º deste requerimento os autores alegaram o seguinte: “Entretanto, por via das acções cambiárias que contra eles foram propostas, os Autores já suportaram os custos a seguir discriminados – deduzidos das custas de parte que receberam do Banco J… em virtude da procedência dos referidos embargos de executado –, deste modo corrigindo o que vai referido no art.º 82.º da PI, e trazendo agora aos autos os documentos que nesse articulado haviam protestado juntar.”
No artigo 82º da petição inicial os autores alegaram o que segue: “Ao que acresce que, com os diversos processos judiciais em que se viram envolvidos, os Autores despenderam já a quantia de € 3.245,98 em custas, cauções e registos e, ainda que reduzidos pelas relações de grande amizade e solidariedade entre colegas, haverão ainda de, com estes, a curto prazo, suportar a quantia de, pelo menos, € 5.000,00, a título de honorários do mandatário subscritor desta peça, pelo patrocínio naqueles processos. Estes custos são indemnizáveis pelos Réus D… e E… por terem sido eles quem lhes deram causa nos termos supra expostos (documentos que protestam juntar).”
Pelo que precede, pode concluir-se que esta matéria que os recorrentes autores pretendem ver incluída na factualidade provada por via de ampliação respeita a matéria já alegada na petição inicial e documentalmente instruída com o requerimento de 11 de junho de 2018, com as referências 29396555 e 19100548, sendo por isso legalmente admissível.
No que respeita à matéria vertida na décima oitava conclusão, a mesma está alegada nas alíneas c) e d), do artigo 38º da petição inicial, razão pela qual se pode concluir, com segurança, que a pretendida ampliação é deste ponto de vista legalmente admissível.
Debrucemo-nos agora sobre a matéria incluída na vigésima primeira conclusão das alegações de recurso dos autores recorrentes e que estes pretendem ver incluída na factualidade provada por via de ampliação.
Esta matéria não se acha alegada na petição inicial nem nas respostas às contestações e, em todo o caso, tem natureza conclusiva, razão pela qual não deve ser inserida nos fundamentos de facto, não tendo por isso suporte legal esta pretensão de ampliação da matéria de facto e por isso se indeferirá.
Passemos agora ao conhecimento da reapreciação e ampliação da decisão da matéria de facto requerida pelos recorrentes.
A descrição que o tribunal recorrido fez na sua motivação do conteúdo da prova pessoal produzida nos autos retrata com fidelidade o que de essencial resultou das declarações e depoimentos produzidos na inquirição antecipada e nas duas sessões da audiência final, não se repetindo por isso essa descrição, antes se procedendo à análise crítica do declarado pelos diversos depoentes em função da diversa matéria impugnada, sendo certo que dado o objeto do pleito, mais importante do que o que foi declarado pelas diversas pessoas que prestaram depoimento é a aferição crítica do que foi declarado à luz da extensa prova documental que instrui os autos.
Reapreciemos os pontos 9 e 10 dos factos provados, contra os quais se insurgem os réus D… e E… afirmando, quanto ao primeiro ponto, que o tribunal recorrido desconsiderou o documento nº 3 junto com a petição inicial, os documentos nºs 3 e 9 a 12 da contestação do réu D…, os documentos nºs 18 e 21 oferecidos pelos autores com o requerimento cuja referência citius é a nº 26835278[20] e bem assim as declarações de parte da ré E…, nos segmentos que transcrevem e localizam temporalmente, os depoimentos de U…, V… e S…, também nos segmentos que transcrevem e localizam temporalmente; e quanto ao segundo ponto, alegam os mesmos recorrentes que com base nos depoimentos supra transcritos, assim como dos documentos juntos aos autos, que mal andou o Tribunal recorrido ao levar aos factos provados o constante no ponto 10, porquanto não ficou minimamente demonstrada a exclusividade de contactos do réu D….
O documento nº 3 junto com a petição inicial é a cópia da certidão permanente da H… e da qual resulta que o seu conselho de administração era composto, no mínimo, por três elementos.
O documento nº 3 da contestação do réu D… é a ata nº 38, do Conselho de Administração da H…, incompleta, de 24 de julho de 1997 e na qual, no final, constam três assinaturas, a primeira de D…, a segunda de AG… [apelido ilegível] e de S…, sendo que as assinaturas destas duas últimas pessoas se acham antecedidas de uma cruz de …[21].
Os documentos 9 a 12 da contestação do réu D… são, respetivamente:
- ata nº 61, do conselho de administração da H…, de 18 de fevereiro de 2005, em que se refere a presença de todos os seus membros, Dr. D…, Dr. N1… e o Sr. S…, ata na qual no seu final estão manuscritas três assinaturas sendo legíveis os nomes de D…, N1… e S…;
- ata nº 62, do conselho de administração da H…, de “xx” do mês de maio de 2005, em que se refere a presença de todos os seus membros, Dr. D…, Dr. N1… e o Sr. S…, ata que termina com a data de 31 de maio de 2005 e na qual de seguida estão manuscritas três assinaturas sendo legíveis os nomes de D…, N1… e S…;
- ata nº 63, do conselho de administração da H…, de 22 do mês de julho de 2005, em que se refere a presença de todos os seus membros, Dr. D…, Dr. N1… e o Sr. S…, ata na qual no seu final estão manuscritas duas assinaturas sendo legíveis os nomes de D… e N1…;
- ata nº 64, do conselho de administração da H…, de 14 do mês de outubro de 2005, em que se refere a presença de todos os seus membros, Dr. D…, Dr. N1… e o Sr. S…, ata na qual no seu final estão manuscritas duas assinaturas sendo legíveis os nomes de D… e N1….
Os documentos nºs 18 e 21 oferecidos pelos autores com o requerimento de 22 de setembro de 2017 são os seguintes:
- ata nº 87, do conselho de administração da H…, de 09 de dezembro de 2011, em que se refere a presença de todos os seus membros, ata na qual no seu final estão manuscritas três assinaturas sendo legíveis os nomes de F…, N… e de D…;
- ata nº 90, do conselho de administração da H…, de 20 de dezembro de 2012, em que se refere a presença do Dr. D… e do Dr. N…, ata na qual no seu final estão manuscritas duas assinaturas sendo legíveis os nomes de D… e de N….
Este ponto de facto impugnado pelos réus D… e E…, ao contrário do que afirmam, não faz letra morta das regras societárias, dos estatutos da sociedade H…, nem olvida o que resulta de alguma da documentação que antes se enunciou. O que nele se dá por assente é que o réu D… passou a ser o único administrador da H… com exercício efetivo de funções executivas, a partir de certo momento.
Cura-se neste ponto de uma realidade de facto e não de uma realidade normativa, realidade de facto exuberantemente confirmada pelos depoimentos prestados por U…, assistente de tesouraria e empregada da H… durante cerca de vinte anos, S… e AF…, estes que foram ambos membros do conselho de administração da sociedade H… quando o réu D… exercia também estas funções, evidenciando especialmente a testemunha S… que o réu D… era o único com preparação técnica para o exercício esclarecido de tais funções e descrevendo como decorriam as reuniões do conselho de Administração em que o réu D… se limitava a informar os restantes membros do que era necessário fazer, obtendo invariavelmente a concordância dos restantes membros do conselho de administração, profanos em matéria financeira e de gestão.
As declarações prestadas pela ré E…, pelo seu manifesto interesse na causa e pelas incongruências quando referiu que a opção do casal que formava com o réu D… pela separação judicial de pessoas e bens se deveu a razões de ordem religiosa, razões que não impediram esta ré de se divorciar do réu D… e de, no dia seguinte, se voltar a casar com o mesmo, no regime da separação de bens, quando nada o impunha (artigo 1720º do Código Civil), tendo celebrado para tanto convenção antenupcial, quando bastava a reconciliação para fazer “revivescer” o casamento (artigos 1795º-B e 1795º-C, ambos do Código Civil). A explicação para este procedimento conveniente para consolidar a “delapidação” da garantia patrimonial do réu D…, com novo casamento em regime de separação de bens e que teria sido pretensamente adotado na sequência de um conselho dado pela Conservatória do Registo Civil não tem qualquer plausibilidade pois que a reconciliação era o meio mais expedito e simples para pôr termo à separação de pessoas e bens entre os réus E… e D…, não sendo crível que na Conservatória do Registo Civil não se tivesse presente este meio processual mais adequado à imediata manutenção do vínculo conjugal e ao respeito das alegadas convicções religiosas.
E os documentos nºs 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 19 e 20 oferecidos pelos autores com o seu requerimento de 22 de setembro de 2017 e que são atas do conselho de administração da H… no período compreendido entre 14 de dezembro de 2007 e 21 de setembro de 2012[22], apenas se acham assinados por uma pessoa, sendo legível em cada uma dessas atas o nome de D…, o que comprova o papel preponderante deste no conselho de administração da H….
Assim, tudo sopesado, deve manter-se intocado o ponto 9 dos factos provados, improcedendo, nesta parte, a reapreciação requerida pelos réus D… e E….
Ajuizemos agora a reapreciação do ponto 10 dos factos provados.
Os recorrentes D… e E… pugnam por que se julgue não provado este ponto de facto, com base nos documentos juntos aos autos que não curam minimamente de identificar e ainda com base nos depoimentos que anteriormente transcreveram.
À semelhança do que se afirmou relativamente ao ponto anterior, tendo em conta especialmente o depoimento da testemunha S… e que ao longo de vários anos foi membro do conselho de administração da H…, resultou claro o domínio da administração desta sociedade por parte do réu D…, que aliás tinha uma qualificação profissional adequada ao efeito e que foi contratado por causa dessa proficiência, sendo a intervenção dos restantes membros do conselho de administração meramente formal, depoimento que tem respaldo na documentação acima evidenciada relativa às reuniões do conselho de administração, na sua maior parte apenas subscrita pelo réu D….
Por isso, deve manter-se intocado o ponto 10 dos factos provados, improcedendo a reapreciação da decisão da matéria de facto neste segmento.
Detenhamo-nos agora sobre o ponto 13 dos factos provados, cuja reapreciação foi requerida pelos autores.
Este ponto de facto suportou-se probatoriamente, em alguma prova pessoal, como seja especialmente o depoimento de S… e no documento nº 8, oferecido pelo réu D… com a sua contestação e que é a ata nº 5 da Assembleia Geral da H… realizada em 22 de maio de 1992, constando do ponto 4º da ordem de trabalhos a necessidade de deliberar “sobre o regime a estabelecer com os administradores e directores que garantam, pessoalmente, dívidas da sociedade perante terceiros”.
Nesta mesma ata consta a proposta do conselho de administração quanto a esta matéria e com o seguinte teor: “O Conselho de Administração propõe que os avales e garantias prestados, a título individual pelos Administradores e Directores, sejam remunerados com 1,75% (um vírgula setenta e cinco por cento) ao ano, do seu valor, e liquidados trimestralmente”, proposta que foi votada favoravelmente pelos accionistas presentes, com exceção “do voto Senhor Doutor AH… que se absteve.”
Porém, o mesmo réu D… ofereceu com a sua contestação o documento nº 3, que é a ata nº 38, do conselho de administração da H…, realizada em 24 de julho de 1997, constando do ponto 4 da ordem de trabalhos, além do mais, a questão da Remuneração dos avales, estando exarado nesta ata relativamente a esta problemática o seguinte: “Também foi referido a remuneração dos avales, a partir do ano de 1996 de acordo com a situação vivida pela empresa. Relativamente aos anos anteriores foi decidido não os remunerar, para não agravar demasiado a situação da empresa.”
Além disso, o mesmo réu D… ofereceu com a sua contestação o documento nº 7, que é a conta corrente relativa a N…, extraída no dia 05 de junho de 2017, nos períodos compreendidos entre Janeiro de 2001 a dezembro de 2007, estando lançados nesse conta corrente os valores de € 334,19, a título de vencimento, nos meses de janeiro de 2001 a janeiro de 2002, a que acrescem subsídios de férias e de Natal de igual montante, de € 348,01, ao mesmo título, nos meses de fevereiro de 2002 a dezembro de 2002, a que acrescem subsídios de férias e de Natal de igual montante, de € 373,01, ao mesmo título, nos meses de janeiro de 2003 a dezembro de 2003, a que acrescem subsídios de férias e de Natal de igual montante, de € 373,01, ao mesmo título, nos meses de maio de 2004 a dezembro de 2004, a que acrescem subsídios de férias e de Natal de igual montante, de € 375,00, ao mesmo título, nos meses de janeiro de 2005 a janeiro de 2006, a que acrescem subsídios de férias e de Natal de igual montante, de € 385,90, ao mesmo título, nos meses de fevereiro de 2006 a janeiro de 2007, a que acrescem subsídios de férias e de Natal de igual montante e de € 403,00, ao mesmo título, nos meses de fevereiro de 2007 a dezembro de 2007, a que acresceu o subsídio de Natal de igual montante.
Na mesma conta corrente, a título de outros abonos, estão lançados os valores de € 13,82, no mês de fevereiro de 2002, € 10,90, no mês de fevereiro de 2006 e de € 17,10 no mês de fevereiro de 2007.
Não existem documentos nos autos que permitam localizar temporalmente o aval prestado pelo pai dos autores e que fundamenta a sua pretensão de regresso sobre o co-avalista D….
Ao invés do que afirmam os autores recorrentes, não se divisa qualquer confissão do réu D…, rectius admissão, de que o pai dos autores passou a prestar avales apenas a partir de 2008, bastando para tanto atentar nos artigos 50 a 53 da contestação do réu D….
Se é certo que da contestação da ré E… (artigos 46 a 51 da contestação desta ré) consta a alegação de que o pai dos autores apenas foi remunerado até dezembro de 2007, certo é que esta alegação está em contradição com o que foi afirmado pelo corréu D…, razão pela qual não pode operar a pretendida admissão (veja-se a alínea a), do artigo 568º do Código de Processo Civil).
Assim, tudo sopesado, não obstante a existência de uma deliberação da Assembleia Geral da H… no sentido da remuneração dos avales prestados pelos Administradores, existe decisão do conselho de administração posterior a limitar esta regra no período anterior a 1996, inexistindo qualquer prova documental que comprove que o pai dos autores foi remunerado pelos avales que prestou, razão pela qual se deve julgar não provado o ponto 13 dos factos provados, procedendo, nesta parte, a pretensão de reapreciação dos autores recorrentes.
Detenhamo-nos agora sobre o ponto 15 dos factos provados cuja reapreciação foi requerida pelos réus D… e E….
Antes de entrar na reapreciação propriamente dita, deve começar por referir-se que os documentos oferecidos pela ré E… com os requerimentos de 13 de outubro de 2020, foram objeto de despacho de não admissão proferido em 29 de outubro de 2020, na parte referente ao requerimento com a referência aposta na face com o nº 36777427, referência citius 27001896 e que respeita às certificações das contas da H… nos anos de 2007 a 2010, despacho que por não ter sido impugnado transitou em julgado. Por outro lado, quanto aos documentos oferecidos pela mesma ré E… com o requerimento com a referência aposta na face com o nº 36783365, referência citius 27006652, o tribunal recorrido não os admitiu nem indeferiu a sua admissão.
No circunstancialismo que se acaba de descrever, não podem ser relevados probatoriamente os documentos oferecidos pela ré E… com os requerimentos de 13 de outubro de 2020.
Os restantes documentos que os recorrentes D… e E… indicam para sustentar a pretensão de reapreciação deste ponto 15 dos factos provados são os documentos nºs. 4, 6 e 7 oferecidos pelos autores com o seu requerimento de 22 de setembro de 2017 com a referência aposta na face com o nº 26835278 e a referência citius nº 16210565 e, ainda, os documentos nºs 20 e 21 oferecidos pela ré E… com a sua contestação.
O documento nº 4 acima mencionado é uma ata do conselho de administração da H… com o nº 73, datada de 07 de março de 2008, na qual está aposta uma assinatura legível de D… e na qual, além do mais, foi exarado o seguinte: “Da análise das contas do exercício de 2007 releva o aumento do volume de negócios em cerca de 8% e o aumento do Resultado Liquido. Após análise de outros aspectos operacionais da actividade foram aprovadas as contas e relatório para apresentação à Assembleia Geral.”
O documento nº 6 oferecido com o aludido requerimento de 22 de setembro de 2017 é uma ata do conselho de administração da H… com o nº 75, datada de 04 de agosto de 2008, na qual está aposta uma assinatura legível de D… e na qual, além do mais, foi exarado o seguinte: “Da análise das contas do 1ª. Semestre de 2008, verifica-se uma ligeira redução do volume de negócios e uma quebra na margem bruta comercial. Este facto é consequência da redução dos consumíveis e das novas condições da AI…. Em face de alguns negócios em curso, espera-se um crescimento do volume de negócios para o fim do ano. Contudo, a contínua redução da margem bruta comercial associado com o crescimento dos encargos financeiros por virtude do aumento das taxas de juro e do endividamento pode levar a resultados menos positivos.”
O documento nº 7 oferecido com o aludido requerimento de 10 de setembro de 2017 é uma ata do conselho de administração da H… com o nº 76, datada de 10 de novembro de 2008, na qual está aposta uma assinatura legível de D… e na qual, além do mais, foi exarado o seguinte: “Da análise das contas até Setembro de 2008, verifica-se um aumento de 16,6% no volume de negócios e uma redução dos custos operacionais. O aumento dos custos financeiros pressionam os resultados da empresa de forma muito significativa. Por outro lado continua a verificar-se uma quebra acentuada da margem bruta comercial, facto que advém não só de uma maior pressão do mercado com processos de consolidação que esmagam margens, com também em redução de condições por parte de fornecedores- AI…. A previsão para fim do ano é de que o volume de negócios tenha um crescimento de cerca de 6 a 7%, a redução das margens comerciais e do crescimento dos custos financeiros.”
Os documentos nºs 20 e 21 oferecidos pela ré E… com a sua contestação são as certificações legais das contas dos anos 2009 e 2010 da sociedade H…, subscritas mediante a aposição de uma rubrica sobre um carimbo de “AJ…, lda.”, constando do documento nº 20, datado de 01 de março de 2010, além do mais, que em 2009, a aludida sociedade teve um resultado líquido de € 5.545,00 e a seguinte reserva: “Para a constituição do ajustamento contabilístico para incobráveis em contas de clientes não vêm sendo considerados como determinantes os indiciadores de riscos associados à mora. Entendemos que, não obstante a alegada sustentação em práticas correntes no sector, as perdas potenciais não previstas poderão eventualmente vir a revelar-se significativas, visto ascenderem a 264.000 euros (327.000 em 2008) os valores com regularização pendente e vencidos há mais de um ano.”
No documento nº 21, datado de 12 de março de 2011, consta, além do mais, que em 2010, a aludida sociedade teve um resultado líquido de € 17.558,00 e a seguinte reserva: “Para a constituição do ajustamento contabilístico para incobráveis em contas de clientes não vêm sendo considerados como determinantes os indiciadores de riscos associados à mora. Entendemos que, não obstante a alegada sustentação em práticas correntes no sector, as perdas potenciais não previstas poderão eventualmente vir a revelar-se significativas, visto ascenderem a cerca de 177.000 euros (264.000 em 2009) os valores com regularização pendente e vencidos há mais de um ano, estimativa cuja variação inclui o efeito do ajustamento feito directamente por capitais próprios, no valor de 48.000 euros.”
Porém, além destes documentos indicados pelos recorrentes D… e E… para fundamentar a sua pretensão recursória, em sentido oposto ao por eles pretendido, importa relevar o documento nº 4 oferecido pelos autores com a sua petição inicial e que é a prestação de contas da H… relativa ao ano 2011, declaração entregue em 11 de julho de 2012 e da qual consta um resultado líquido do período no montante negativo de € 178.689,49, constando ainda como resultados transitados negativos no valor de € 43.710,00, apresentando como passivo corrente, € 138.652,88 a fornecedores, € 12.652,20 de adiantamentos de clientes, € 26.949,78 ao Estado e outros entes públicos, € 557.353,21 de financiamentos obtidos e € 90.702,74 de outras contas a pagar.
Também importa relevar o que resulta das seguintes atas do conselho de administração, todas subscritas apenas pelo réu D…:
- nº 77, de 20 de março de 2009, na qual, além do mais, consta que da “análise das contas do exercício de 2008 verifica-se um crescimento de cerca de 7%, mas em face do crescimento das despesas financeiras, da redução da margem comercial e a um acréscimo dos Custos Extraordinários, originados pelo negócio da AK…, provocaram Resultados Liquidos negativos próximos dos €11.265.”;
- nº 80, de 26 de fevereiro de 2010, na qual, além do mais, consta que da “análise das contas provisórias de 2009 verifica-se um crescimento de 24% nos Proveitos não obstante a redução de 22% nas Prestações de Serviços. A Margem Bruta Comercial verificada em 2009, foi inferior à verificada em 2008 em cerca de 20%. O Resultado Líquido foi positivo em 5.545 €. Face ás perspectivas económicas apontadas para 2010, prevê-se um ano difícil para a evolução dos negócios da H….”;
- nº 81, de 17 de julho de 2010, na qual, além do mais, consta que da “análise dos resultados do 1º. Quadrimestre de 2010, verifica-se uma redução dos Proveitos na ordem de 43%, esta situação decorre das dificuldades na concretização de negócios neste período, esperando contudo que a situação se inverta.”;
- nº 82, de 24 de setembro de 2010[23], na qual, além do mais, consta que da “análise dos resultados do 1º. Semestre de 2010, verifica-se uma redução dos Proveitos na ordem de 31%. Esta redução encontra a sua justificação pela redução dos consumíveis e na venda de equipamento.”;
- nº 83, de 12 de novembro de 2010, na qual, além do mais, consta que da “análise das contas até Setembro de 2010, verifica-se uma redução dos Proveitos de 26%, que são justificados pela situação da conjuntura económica portuguesa e pelo adiamento de alguns negócios para o fim do ano. As perspectivas para final do ano são de uma redução na ordem de 15% dos Proveitos, em relação a 2009. No entanto esperam-se resultados positivos.”;
- nº 84, de 12 de fevereiro de 2011, na qual, além do mais, consta que da “análise das contas provisórias de 2010, verifica-se uma redução dos Proveitos na ordem de 14%, essencialmente justificada pela redução de vendas em 16%. As perspectivas para 2011, apresentam-se muito preocupantes com a instabilidade política e os PECS a serem constantemente alterados e com as expectativas negativas dos agentes económicos, pelo que se prevêem sérias dificuldades na concretização de negócios.”;
- nº 85, de 03 de junho de 2011, na qual, além do mais, consta que da “análise dos resultados do 1º. Semestre de 2011, constata-se uma forte quebra nos Proveitos – cerca de 45%, em relação a 2010. Esta situação decorre da instabilidade política vivida e da situação económica que está a condicionar o investimento e consumo.”;
- nº 86, de 21 de outubro de 2011, na qual, além do mais, consta que da “análise dos resultados até Setembro de 2011, constata-se uma forte quebra nos Proveitos – cerca de 42%, em relação a 2010. A situação é preocupante porque não se perspectiva uma inversão da situação até final doa ano. O ambiente económico que se vive é de forte contracção o que implica a redução do consumo interno e do investimento. Dadas as dificuldades financeiras que se fazem sentir, foi decido iniciar as negociações de um empréstimo com o P…, para normalizar a situação financeira da empresa e permitir a reestruturação de algum endividamento.”;
- nº 88, de 27 de abril de 2012, na qual, além do mais, consta que da “análise das contas de 2011, constata-se a forte quebra nos Proveitos Globais de 42%, em relação a 2010. O Resultado Liquido apurado foi de 178.689 euros negativos. As medidas de austeridade que estão a ser implementadas criaram um ambiente recessivo na economia portuguesa condicionando desta forma as decisões de consumo e investimento. Para fazer face ao abaixamento do volume de negócios e tendo em consideração que a retoma pode não ser rápida, foram tomadas algumas medidas de redução de despesas, como a rescisão de contratos com 2 colaboradores – AL… e AM… e ademissão de outro – AN… se procedeu à não opção de compra da viatura em fim de contrato em renting que estava afecta ao Eng. V…. Estima-se desta forma um redução de gastos em FSE e Pessoal na ordem dos 45.000€/ano.”
Tendo em conta todo o acervo documental que se destacou, não obstante os depoimentos “optimistas” do revisor oficial de contas W… e de V…, a falta de credibilidade das declarações produzidas pela ré E…, pelas razões já expostas, forçosa é a conclusão de que o tribunal recorrido bem andou em dar como provada esta matéria, ainda que a mesma deva ser objeto de um pequeno acerto, na medida em que as entidades bancárias não são fornecedores.
Assim, improcede a reapreciação do ponto 15 dos factos provados requerida pelos réus D… e E… e o mesmo passará a ter a seguinte redação:
- A partir de 2009 e, seguramente, já em 2011, a H… sofreu uma importante e decisiva deterioração da sua situação económica e financeira que a impedia e a impediu de honrar os seus compromissos com fornecedores, bem como com as instituições bancárias suas credoras.
Vejamos agora o ponto 16 dos factos provados que os recorrentes D… e E… sustentam ser totalmente inútil para a boa decisão da causa e, em todo o caso, afirmam que na data da separação do casal e bem assim no momento da instauração do processo de separação judicial de pessoas e bens na Conservatória do Registo Civil, as contas conhecidas eram as de 2010, apoiando-se nos documentos nºs 20 e 21 oferecidos pela ré E… com a sua contestação e nos documentos nºs 1 a 4 oferecidos com o requerimento com a referência 36777427 e nos depoimentos das testemunhas W… e V…, nos segmentos que transcrevem e localizam temporalmente e ainda nas declarações de parte da ré E…, nas partes que transcrevem, situando-as temporalmente.
Os documentos 20 e 21 oferecidos pela ré E… são a certificação legal das contas de 2009 e 2010 da H… e de que já se deu conta em momento anterior deste acórdão.
Os documentos nºs 1 a 4 oferecidos com o requerimento com a referência 36777427 não foram admitidos por força do despacho proferido em 29 de outubro de 2020, já transitado em julgado.
Este ponto de facto, ao invés do que afirmam os recorrentes D… e E…, releva para compreender a racionalidade subjacente à conduta destes recorrentes face ao conhecimento que tinham na data em que foi feita a partilha impugnada e que foi, recorde-se, 18 de maio de 2012, no próprio dia em que se separaram de pessoas e bens por mútuo acordo e ainda, à proficiência que ambos têm em matéria de gestão e contabilidade, pois que o réu D… é economista e a ré E… é técnica oficial de contas, sendo sócia e gerente da sociedade que fazia a contabilidade da sociedade H….
Nessa data, como resulta da ata nº 88, de 27 de abril de 2012, assinada pelo réu D…, na qual, além do mais, consta que da “análise das contas de 2011, constata-se a forte quebra nos Proveitos Globais de 42%, em relação a 2010. O Resultado Liquido apurado foi de 178.689 euros negativos.”
A ré E…, como já se referiu, além de técnica oficial de contas, era sócia e gerente da sociedade L… que fazia a contabilidade da sociedade H…e, por isso, tinha conhecimento desta factualidade, até porque respeitava a uma sociedade gerida pelo seu então marido.
As provas pessoais indicadas pelos recorrentes D… e E… não infirmam o dado objetivo constante deste ponto de facto.
Assim, tudo sopesado, deve manter-se intocado o ponto 16 dos factos provados, improcedendo, nesta parte, a reapreciação da decisão da matéria de facto requerida pelos réus D… e E….
Reapreciemos agora o ponto 27 dos factos provados.
Nestes autos, além do mais, está em causa a impugnação da partilha do património conjugal realizada por acordo dos réus D…e E… no dia 18 de maio de 2012.
Por isso, é totalmente irrelevante a data em que foi requerida a separação judicial de pessoas e bens, devendo por isso manter-se o ponto 27 dos factos provados, ainda que com alteração da sua redação, a fim de clarificar a que pessoas respeita, improcedendo nesta parte a reapreciação requerida pelos réus D… e E….
Deste modo, o ponto 27 dos factos provados passará a ter a seguinte redação:
- No dia 18 de maio de 2012, dia em que a requerimento de D… e E…, foi proferida pela 3.ª Conservatória do Registo Civil do Porto e transitou a decisão da respetiva separação de pessoas e bens por mútuo consentimento, os mesmos, casados que eram sob o regime da comunhão de adquiridos, outorgaram naquela mesma Conservatória instrumento de Partilha do Património Conjugal, pela qual relacionaram os diversos bens comuns (ativos e passivos) e procederam à respetiva partilha.
Analisemos agora a reapreciação dos pontos 38 e 40 requerida pelos autores recorrentes.
A matéria que os autores recorrentes pretendem ver incluída nestes pontos de facto, o alegado não pagamento de qualquer contraprestação pelas cessões das quotas, não consta da petição inicial ou das respostas à contestação.
A nosso ver, está em causa matéria que permite o enquadramento do caso em causa de pedir diversa da que foi vertida na petição inicial, na medida em que pode apontar para a existência de uma simulação negocial relativa, em que a cessão onerosa de quotas afinal corresponderia a um negócio gratuito e tendo em mira a destinação final da quota de maior valor à ré E….
Ora, como é sabido, em sede de impugnação pauliana a onerosidade ou a gratuitidade do negócio impugnado tem um enorme relevo já que, no primeiro caso, o impugnante fica onerado com a prova da má-fé do devedor e do terceiro, enquanto na segunda hipótese, a impugnação procede ainda que o devedor e o terceiro atuem de boa-fé (artigo 612º, nº 1, do Código Civil).
Salvo melhor opinião, deste ponto de vista, a introdução da referida matéria colide com o disposto no nº 1, do artigo 5º do Código de Processo Civil e não se trata de factualidade instrumental, complementar ou concretizadora da que os autores alegaram na sua petição inicial (vejam-se as alíneas a) e b), do nº 2, do artigo 5º do Código de Processo Civil), mas sim da introdução de nova factualidade relevante à luz de causa de pedir ao menos parcialmente diversa daquela que foi articulada na petição inicial.
Acresce que além disso sempre se tratará de factualidade parcialmente inócua pois que ainda que se demonstrasse a gratuitidade do negócio de cessão de quota, uma vez que o crédito dos autores para cuja tutela lançaram mão da impugnação pauliana se constituiu posteriormente ao negócio impugnado, incumbe-lhes a demonstração de factos que revelem que o ato impugnado foi realizado dolosamente pelo devedor com o fim de impedir a satisfação dos créditos dos autores que ulteriormente se constituíram[24].
Admite-se que poderá tal factualidade ter relevo instrumental para demonstração da má-fé dos réus D…, E… e F…, pelo que poderia ser atendível nos termos previstos na alínea a) do nº 2, do artigo 5º do Código de Processo Civil. Porém, dada a função probatória desempenhada pelos factos instrumentais, não tem de haver sobre os mesmos uma expressa pronúncia judicial, bastando que sejam enunciados na motivação da decisão da matéria de facto[25], sendo certo, em todo o caso, que os recorrentes se abstêm de indicar a factualidade essencial que com recurso a esta matéria pretendem seja dada como provada.
Assim, tudo ponderado, porque a reapreciação da decisão da matéria de facto não é um instrumento destinado à introdução de nova factualidade que não foi oportunamente alegada, como devia, tendo sido alegada factualidade oposta à que ora se pretende introduzir e, além disso, porque não se destina à introdução de factualidade juridicamente inócua em parte, indefere-se, neste segmento, a reapreciação destes pontos de facto pelos autores recorrentes.
Ajuizemos agora a reapreciação do ponto 44 dos factos provados requerida pelos réus D… e E…, assente exclusivamente no teor do documento oferecido pela recorrente E… na sessão da audiência final realizada em 14 de outubro de 2020.
Porém, este documento não foi admitido por despacho proferido em 29 de outubro de 2020 e já transitado em julgado.
Assim, neste contexto probatório, não podendo ser valorado o documento em que os recorrentes assentam exclusivamente a sua pretensão recursória, a mesma improcede, mantendo-se deste modo intocado o ponto 44 dos factos provados.
Analisemos agora a reapreciação que os recorrentes D… e E… requerem do ponto 46 dos factos provados alegando para tanto que nenhuma prova dessa matéria foi produzida nos autos.
A conclusão da não irrelevância dos equipamentos adquiridos pela M… para o início da sua atividade em 09 de janeiro de 2014 resulta, em primeiro lugar, do simples confronto dos objetos sociais das sociedades H… e M…, tal como se acham descritos nos documentos pertinentes[26], pois que enquanto o objeto social da H… era descrito como “Importação, exportação, comércio de todo o material ligado ao exercício médico e hospitalar e serviços correlativos”, na M… esse objeto social é descrito como “Importação, exportação, comércio de todo o material ligado ao exercício médico e hospitalar e serviços correlativos. Desenvolvimento e comercialização de sistemas informáticos. Construção e desenvolvimento de páginas web”, sendo assim nítido que o objeto social da M… recobre na totalidade o objeto social da sociedade H….
Em segundo lugar, essa conclusão firma-se na natureza dos aparelhos adquiridos que, recorde-se, como consta do ponto 45º dos factos provados, foram diversos aparelhos de Raio X, tais como mamógrafos, ecógrafos, negatoscópios e outros.
Por outro lado, a afirmação de que as sociedades M…, Lda., K…, Unipessoal, Lda., L…, Lda. e Q…, Lda. têm todas sede no mesmo local resulta do documento nº 39 oferecido na petição inicial[27], do documento nº 33 oferecido na petição inicial[28], do documento nº 29 oferecido na petição inicial[29] e do documento nº 26 oferecido na petição inicial[30].
Assim, ao contrário do que afirmam os recorrentes D… e E…, foi produzida prova que permita suportar a matéria dada como provada no ponto 46 dos factos provados, improcedendo deste modo a reapreciação deste ponto de facto que se mantém inalterado.
Debrucemo-nos agora sobre as pretensões de ampliação da decisão da matéria de facto formuladas pelos recorrentes autores e tendo em vista a inclusão nos factos provados da factualidade vertida nas décima sexta e décima oitava conclusões das suas alegações de recurso, cujo teor é o seguinte:
- Os Autores despenderam a verba de global de € 5.914,38 (€ 914,38 + € 5.000,00), em custos com os processos judiciais em que se viram envolvidos (conclusão XVI das alegações de recurso);
- As verbas 5, 6 e 8 adjudicadas ao Réu D… na partilha não tinham qualquer valor (conclusão XVIII das alegações de recurso).
Para fundamentarem a pretensão de ampliação da matéria vertida na décima sexta conclusão das suas alegações de recurso, os autores recorrentes sustentam que essa prova foi oferecida com o seu requerimento de 11 de junho de 2018[31], que não mereceu qualquer impugnação por parte dos réus.
Vejamos.
A documentação oferecida pelos autores recorrentes com o seu requerimento de 11 de junho não foi impugnada por qualquer dos réus. Porém, isso não significa que a factualidade que os autores recorrentes pretendem que seja dada como provada o esteja efetivamente.
O que importa é o que resulta dos documentos que não foram impugnados pelos réus e não o que os autores alegaram no requerimento para justificar o oferecimento dessa documentação pois não se trata de um articulado e muito menos de uma liquidação da pretensão ilíquida formulada na petição inicial.
O documento nº 1 é constituído por um comprovativo de pagamento de taxa de justiça no montante de € 612,00, com referência a “Oposições à execução ou à penhora/embargos de terceiro – Tabela II”, datado de 03 de setembro de 2015, pelas 11h27m58s, com a referência de pagamento 702 580 046 919 279 e por uma certificação de pagamentos ao Estado, por meio do “AO…”, operação efetuada pelo Dr. C…, no dia 03 de setembro de 2015, no valor de € 612,00, com a referência ………… 279.
O documento nº 2 é constituído por uma fatura/recibo com os nºs 2016/3011 e 3017/2016, respetivamente, datada de 21 de novembro de 2016, endereçada a C…, referente a uma cópia de escritura, à constituição de hipoteca no valor de € 39.122,15, aos honorários do Notário e ao imposto de selo, tudo no valor de € 572,98, por um comprovativo de pagamento por multibanco, de 21 de novembro de 2016, da quantia de € 572,98, por AP…, por uma certidão de documento extraída de folhas cento e quarenta e seis a cento e quarenta e sete, do livro de escrituras diversas número trezentos e quarenta e três do cartório notarial de que é titular AQ… e por uma cópia de uma escritura pública de constituição de hipoteca, no dia 21 de novembro de 2016, no Cartório Notarial de AQ…, outorgada por C… e na qual este declarou constituir hipoteca voluntária sobre o prédio urbano composto por casa sobradada, com dependência e quinteiro, sito no …, da União de Freguesia …, concelho de Felgueiras, inscrito na matriz urbana sob o artigo 1.050 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o nº 520, a favor do Banco I…, S.A., como caução, caução essa que se destina a obter a suspensão do processo executivo nº 12686/15.7T8PRT, que corre termos na Comarca do Porto, Instância Central, Primeira Secção de Execução, J4, em que são executados o outorgante e B…, pela quantia exequenda fixada de € 39.122,15, que corresponde à dívida exequenda.
O documento nº 3 é constituído por uma cópia de um pedido de registo OnLine, de uma hipoteca voluntária sobre o prédio descrito sob o nº 520, da freguesia …/Felgueiras, com o custo de € 225,00, com a referência Multibanco ………, sendo a entidade identificada com o nº ….. e por um comprovativo de pagamento por intermédio de Multibanco à entidade nº ….., com a referência ………, no montante de € 225,00.
O documento nº 4 é constituído por um comprovativo de pagamento de taxa de justiça no montante de € 51,00, com referência a “Incidentes e Procedimentos – Tabela II A”, datado de 13 de outubro de 2016, pelas 16h39m42s, com a referência de pagamento …………… e por uma certificação de pagamentos ao Estado, por meio do “AO…”, operação efetuada pelo Dr. C…, no dia 13 de outubro de 2016, no valor de € 51,00, com a referência …………….
O documento nº 5 é um recibo datado de 11 de maio de 2017, emitido pela Unidade Central do Porto, Tribunal Judicial do Porto, no qual se declara o recebimento de C…, da importância de € 20,40 relativa ao pagamento de “Atos avulsos – Certidão/Traslado/Cópia Certificada”, com referência ao processo nº 12686/15.7T8PRT-B do Juízo de Execução do Porto – Juiz 1.
O documento nº 6 é constituído por um pedido de registo predial online, apresentado por C… – Ordem dos Advogados, em que se visa o cancelamento da apresentação nº …, de 21 de novembro de 2016 – hipoteca voluntária definitiva, relativa ao prédio nº 520 de …/Felgueiras, apresentando para o efeito certidão do despacho que ordena a libertação da caução constituída por hipoteca cujo registo de cancelamento se requer, sendo o valor do preparo de € 45,00 e por uma certificação de pagamento de serviços, por meio do “AO…”, no dia 11 de maio de 2017, no valor de € 45,00, sendo a entidade identificada com o nº ….. e a referência ……….
Serão estes documentos por si só bastantes para dar como provada a matéria que os autores recorrentes alegam na décima sexta conclusão do seu recurso de apelação?
Em primeiro lugar, não há qualquer prova de pagamento de honorários.
Relativamente a despesas com processos judiciais apenas no documento nº 2 se estabelece a ligação com um processo judicial identificado nestes autos mas o pagamento a que se respeita foi realizado por AP…. Também no documento nº 5 se estabelece uma ligação com um processo judicial identificado nestes autos mas, respeitando a um ato avulso, não se pode dar como provado que o autor tenha despendido o valor de € 20,40 titulado nesse documento em custos com os processos judiciais em que o mesmo se viu envolvido.
Deste modo, deve julgar-se não provado que os autores despenderam a verba de global de € 5.914,38 (€ 914,38 + € 5.000,00), em custos com os processos judiciais em que se viram envolvidos, improcedendo a pretensão de ampliação da factualidade provada requerida pelos autores recorrentes.
Debrucemo-nos agora sobre a pretensão de ampliação da factualidade provada formulada pelos autores recorrentes e no sentido de inclusão da matéria que propõem na conclusão décima oitava das suas alegações de recurso.
No que respeita à ampliação da matéria de facto com inclusão da factualidade vertida na décima oitava conclusão das suas alegações de recurso, os autores recorrentes apoiam-se nos documentos nºs 5, 6, 7, 25 e 26 da petição inicial e ainda nas declarações da ré E… nas passagens que transcrevem, localizando-as temporalmente.
O documento nº 5 oferecido com a petição inicial é uma cópia de uma publicação no âmbito do processo nº 6/13.0TYVNG, do 3º Juízo do Tribunal de Comércio do Porto, em que é devedora a sociedade H…, S.A. e na qual se dá conta de que em 07 de janeiro de 2013 foi proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório à sociedade devedora, o Sr. AS…, sendo fixados os deveres e as competências do referido administrador, ou seja, que o administrador tem direito de acesso à sede e às instalações empresariais da devedora e de proceder a quaisquer inspeções e a exames, designadamente dos elementos da sua contabilidade, ficando a devedora obrigada a fornecer-lhe todas as informações necessárias ao desempenho das suas funções.
O documento nº 6 oferecido na petição inicial[32] é um requerimento endereçado por AS… ao processo nº 6/13.0TYVNG, do 3º Juízo de Comércio de Gaia, datado de 08 de julho de 2013, com o seguinte conteúdo: “1. Foi, oportunamente, apresentado aos Credores, pelo Devedor, Plano Recuperação; 2. Que não mereceu acolhimento por parte daqueles pois não foi recepcionado qualquer voto favorável; 3. Todos os votos expressos foram no sentido do seu não acordo. O que cabe comunicar a V. Exa nos termos e para efeitos do art. 17º-G/1 CIRE.”
O documento nº 7 oferecido na petição inicial[33] é a cópia de um anúncio elaborado em 12 de novembro de 2013, no processo nº 6/13.0TYVNG, no qual consta, além do mais, que no Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, 1º Juízo, no dia 06 de novembro de 2013, pelas 16h45m, foi proferida sentença de declaração de insolvência da sociedade H…, S.A.
O documento nº 25 oferecido na petição inicial[34] é a prestação de contas referente à sociedade Q…, Lda., apresentada em 09 de julho de 2012 e relativa ao ano de 2011 e na qual está inscrito o resultado líquido negativo do período de € 22.857,09, os resultados negativos transitados no montante de € 273.314,27, sendo o total do capital próprio no valor negativo de € 245.911,76.
O documento nº 26 oferecido na petição inicial[35] é cópia da publicação do ato societário e de outras entidades relativo à sociedade Q…, Lda., na qual consta a inscrição 6, resultante da apresentação 40/20150612, relativa à dissolução e encerramento da liquidação, sendo depositário D…, com residência na Avenida …, nº …, 4º A, ….-… – Matosinhos.
Além destes documentos indicados pelos recorrentes autores, importa ainda ter em atenção a cópia do relatório de perícia singular oferecido no âmbito do processo nº 10105/17.3T8PRT e que constitui o documento nº 4 oferecido com o requerimento dos autores de 14 de novembro de 2019, com a referência citius 24227282, no qual se conclui que “em maio de 2012, o valor patrimonial da Q… para os sócios – ou valor do seu capital próprio ou da sua situação líquida – será tendencialmente próximo do zero, inexpressivo ou manifestamente baixo” e, relativamente à sociedade Q… que “[s]eria muito pouco razoável afirmar que no final do exercício de 2012 a sociedade teria um valor patrimonial para os sócios correspondente ao valor dos capitais próprios (ou situação líquida), isto é 135.867.86 euros. Em princípio, este valor teria sido integralmente absorvido se as menos valias subjacentes aos bens existentes no ativo tivessem sido consideradas. Adicionalmente, a realidade em que a empresa vinha a operar, de contínua degradação das suas condições de funcionamento, reforça esta convicção. Nestes termos, o valor da sociedade em maio de 2012 poderia variar entre um máximo de 135.867.86 euros e um montante próximo do zero, inexpressivo ou manifestamente baixo. Para obtenção de um número em concreto, a média entre estes dois montantes será uma aproximação defensável, isto é: [135.867.86 + 0.00] / 2 = 67.933,93 euros.” Mais adiante, em sede de respostas aos quesitos, escreve-se a propósito da sociedade H… que “[c]onsiderando que esta empresa valeria nesta data [18 de maio de 2012] 67.933.93 euros, a participação de 10.029 ações representativas do capital social de 325.000 euros da H… teria um valor de 2096,34 euros.”
Assim, tudo sopesado, entende-se dever aditar-se à factualidade provada que as verbas nºs 5 e 6 adjudicadas ao réu D… na partilha não tinham qualquer valor e que a verba nº 8 adjudicada ao mesmo réu tinha o valor de € 2.096,34, procedendo parcialmente a pretensão de ampliação dos autores recorrentes, no que respeita esta matéria.
Pelo exposto, procede parcialmente a reapreciação da decisão da matéria de facto requerida pelos autores, julgando-se não provada a matéria constante do ponto 13 dos factos provados e ampliando-se a factualidade dada como provada incluindo-se aí que as verbas nºs 5 e 6 adjudicadas ao réu D… na partilha não tinham qualquer valor e que a verba nº 8 adjudicada ao mesmo réu tinha o valor de € 2.096,34 e julgando-se não provado que os autores despenderam a verba de global de € 5.914,38 (€ 914,38 + € 5.000,00), em custos com os processos judiciais em que se viram envolvidos, improcedendo totalmente a reapreciação da decisão da matéria de facto requerida pelos réus D… e E… e alterando-se a redação dos pontos 15 e 27 dos factos provados nos termos antes enunciados.
3.3 Fundamentos de facto exarados na sentença recorrida com as alterações e a ampliação decorrentes da reapreciação da decisão da matéria de facto que precede e ainda das alterações de redação dos pontos 15 e 27 dos factos provados
3.3.1 Factos provados
3.3.1.1
Os autores são filhos e os únicos e universais herdeiros de N…[36], falecido que foi em 24 de fevereiro de 2013 (doravante, “pai dos autores”).
3.3.1.2
O pai dos autores, que foi médico de profissão, e outros cerca de 100 médicos radiologistas, constituíram no ano de 1990, a sociedade comercial anónima denominada H…, S.A. (doravante “H…”), pessoa coletiva n.º ………, com sede na …, n.º .., Maia e o capital social de € 325.000,00.
3.3.1.3
A H… tinha como objetivo funcionar e atuar como uma espécie de “central de compras” de equipamentos e consumíveis de radiologia para a comunidade acionista (médicos), que permitisse uma maior economia de escala decorrente de preços mais competitivos relativamente àqueles que os médicos, individualmente, lograriam obter diretamente junto dos respetivos fabricantes e fornecedores.
3.3.1.4
O pai dos autores era um acionista da H…, detendo acções correspondentes a 1,74% do respetivo capital social.
3.3.1.5
A administração da empresa esteve originariamente entregue exclusivamente aos acionistas-médicos, sendo que o pai dos autores não foi dos primeiros a assumir o cargo.
3.3.1.6
Como o cargo de administrador haveria de ser rotativo entre os médicos em 2002 coube ao pai dos autores assumir esse cargo.
3.3.1.7
No ano de 1997 foi efetuado um aumento de capital da H…, subscrito pelo réu D…, por via do qual este passou a deter 15,43% do capital social da sociedade e a ser, de longe, o seu maior acionista.
3.3.1.8
Realizado esse aumento de capital, aquele D…, economista de formação, passou a ser administrador da sociedade.
3.3.1.9
O réu D… passou a ser o único administrador da H… com exercício efetivo de funções executivas.
3.3.1.10
Era o réu D… quem geria e dava instruções aos colaboradores e trabalhadores da H…, quem definia a política financeira e comercial da empresa, quem contratava com clientes e fornecedores, quem conhecia e controlava as contas da empresa e quem, em exclusivo, lidava e contratava com as instituições bancárias.
3.3.1.11
Por imposição estatutária, um médico radiologista haveria de integrar a respetiva administração.
3.3.1.12
O seu pai[37] foi eleito administrador da sociedade, em 16 de abril de 1999, de acordo com a deliberação da assembleia geral de acionistas, dessa data e manteve-se ininterruptamente como administrador da sociedade, até 07 de janeiro de 2013.
3.3.1.13
O pai dos autores, além de assinar enquanto administrador da sociedade, assinou, a título pessoal, como avalista, livranças em branco subscritas pela H… em caução de financiamentos bancários a ela concedidos pelo, à data, Banco O…, SA, hoje Banco I…, SA (doravante Banco I…) e, ainda, pelo Banco J…, SA (doravante J…).
3.3.1.14
A partir de 2009 e, seguramente, já em 2011, a H… sofreu uma importante e decisiva deterioração da sua situação económica e financeira que a impedia e a impediu de honrar os seus compromissos com fornecedores e com as instituições bancárias suas credoras.
3.3.1.15
Nesse ano de 2011, a H… apresentou prejuízos de € 178.689,49 e a respetiva certificação legal de contas foi emitida [com] reservas e ênfases.
3.3.1.16
Tal deterioração levou a que, no início de janeiro de 2013, a H… tivesse requerido um Processo Especial de Revitalização que, sob o n.º 6/13.0TYVNG, correu termos no 3.º Juízo do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia.
3.3.1.17
Todavia, em 08 de junho de 2013, o administrador judicial provisório deu nota aos autos de que aquele PER havia sido reprovado, não tendo merecido a aprovação de qualquer credor.
3.3.1.18
Naqueles mesmos autos, em 06 de novembro de 2013, foi proferida sentença de declaração de insolvência da H….
3.3.1.19
Porque não lograram obter no processo de insolvência a cobrança dos seus créditos sobre a Insolvente H…, os credores Banco I… e J… completaram o preenchimento e promoveram a execução judicial das referidas livranças-caução contra os avalistas.
3.3.1.20
Foi assim que os autores, na qualidade de herdeiros habilitados do seu falecido pai, foram citados como executados:
(i) Em julho de 2015, no Processo Executivo n.º 12686/15.7T8PRT, que correu termos pelo Juízo de Execução do Porto – Juiz 4, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, instaurado pelo Banco I… para pagamento da quantia de € 39.122,15 titulada por livrança subscrita pela H… e avalizada pelo pai dos autores e pelo réu D….
(ii) Em novembro de 2016, no Processo Executivo n.º 21925/16.6T8PRT, a correr termos pelo Juízo de Execução do Porto – Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, instaurado pelo J… para pagamento da quantia de € 235.371,12, emergente de duas livranças subscritas pela H… e avalizadas pelo pai dos autores e pelo réu D….
3.3.1.21
Os embargos de executado deduzidos pelos autores na primeira execução (do Banco I…) foram julgados improcedentes por sentença notificada aos mesmos em 23 de fevereiro de 2017.
3.3.1.22
Por entenderem não haver fundamento viável para o recurso de apelação de tal sentença, os autores procederam, em 03 de março de 2017, ao pagamento da quantia exequenda, acrescida de juros e custas de parte, no valor global de € 43.343,58, a que acrescem ainda os honorários e despesas do agente de execução, já liquidadas no valor de € 3.600,74.
3.3.1.23
Na execução movida pelo Banco I…, além dos autores, é também executado o réu D… e na execução requerida pelo J…, apenas os autores são executados.
3.3.1.24
A requerimento do J…, a que o réu D… se não opôs, este último ter sido [foi?] declarado insolvente por sentença proferida em 25 de novembro de 2015, nos autos de insolvência que, sob o processo n.º 868/14.3T8VNG, correram termos pela 1.ª Secção de Comércio de Santo Tirso, Comarca do Porto-Juiz 1.
3.3.1.25
Processo de insolvência [que] foi encerrado por sentença de 13 de junho de 2016, data em que, simultaneamente, foi também proferido despacho inicial de exoneração do passivo restante do réu D….
3.3.1.26
A execução movida pelo J… encontra-se finda, porquanto as livranças reclamadas na execução já estavam prescritas aquando da citação dos autores, conforme decisão proferida no processo nº 21925/16.6T8PRT (Juízo de execução do Porto – J3) já transitada em julgado.
3.3.1.27
No dia 18 de maio de 2012, dia em que a requerimento de D… e E…, foi proferida pela 3.ª Conservatória do Registo Civil do Porto e transitou a decisão da respetiva separação de pessoas e bens por mútuo consentimento, os réus, casados que eram sob o regime da comunhão de adquiridos, outorgaram naquela mesma Conservatória instrumento de Partilha do Património Conjugal, pela qual relacionaram os diversos bens comuns (ativos e passivos) e procederam à respetiva partilha.
3.3.1.28
Ao réu D… foram adjudicados os bens e atribuídos os valores a seguir indicados:
a) Verba 5 - Quota com o valor nominal de € 45.000,00 na sociedade comercial por quotas sob a firma “Q…, Lda”, com sede na Rua …, n.º …, 3.º Dt.º, …, Porto, com o capital social de € 50.000,000, integralmente realizado, com Matrícula e NIPC ………, com o valor atribuído de € 45.000,00;
b) Verba 6 - Quota com o valor nominal de € 5.000,00 na mesma sociedade “Q…, Lda”, com o valor atribuído de € 5.000,00;
c) Verba 7 - Quota com o valor nominal de € 2.250,00 na sociedade comercial por quotas sob a firma “L…, Lda” (L…), com sede na Rua …, n.º …, 3.º Dt.º, …, Porto, com o capital social de € 25.000,00, integralmente realizado, com a Matrícula e NIPC ………, com o valor atribuído de € 5.000,00;
d) Verba 8 – 10.029 ações da “H…”, com o valor atribuído de € 90.000,00.
3.3.1.29
Por seu turno, à ré E… foram adjudicados os bens e atribuídos os valores a seguir indicados:
a) Verba 1 – Fração autónoma designada pela letra “M”, correspondente à habitação .., tipo T3, no terceiro andar, com varandas, arrumo .. e aparcamento .. na 2.ª cave, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, n.ºs …/…, freguesia …, concelho do Porto, descrito sob o n.º 247/19960807 da 2.ª Conservatória do Registo Predial do Porto, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 2.951, com o valor patrimonial tributário de € 119.013,47, e igual valor atribuído de € 119.013,47;
b) Verba 2 – Fração autónoma designada pelas letras “HI”, correspondente a um aparcamento de um automóvel n.º …, no primeiro piso, com entrada pelo n.º …, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, n.ºs …, …, … e …, freguesia …, concelho do Porto, descrito sob o n.º 1143, da 2.ª Conservatória do Registo Predial do Porto, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 2.381, com o valor patrimonial tributário de € 3.801,00, e igual valor atribuído de € 3.801,00;
c) Verba 3 - Quota com o valor nominal de € 18.750,00 na sociedade comercial por quotas sob a firma “K…, Lda.”, com sede na Rua …, n.º …, 3.º Dt.º, …, Porto, com o capital social de € 25.000,00, integralmente realizado, com a Matrícula e NIPC ………, com o valor atribuído de € 18.750,00;
d) Verba 4 - Quota com o valor nominal de € 6.250,00 na mesma “K…, Lda.”, com o valor atribuído de € 6.250,00.
3.3.1.30
Ambos os ex-cônjuges[[38], ora réus [D… e E…], ficaram com metade cada uma das 3 dívidas ao P…, nos valores de, respetivamente, € 28.536,41, € 15.099,81 e € 73.776,05, ou seja, no valor total de € 117.412,27.
3.3.1.31
As verbas nºs 5 e 6 adjudicadas ao réu D… na partilha não tinham qualquer valor e a verba nº 8 adjudicada ao mesmo réu tinha o valor de € 2.096,34.
3.3.1.32
O valor de mercado da fração autónoma correspondente à Verba nº 1, terceiro andar T3 nos …, no Porto, não é inferior a € 250.000,00 e o valor de mercado da fração autónoma correspondente à Verba nº 2, estacionamento nos …, no Porto, não é inferior a € 9.000,00.
3.3.1.33
A sociedade Q…, Lda apresentava no último balanço conhecido à data da partilha (2011) capitais próprios negativos (situação líquida) de € 245.911,76, tendo aliás vindo a ser liquidada em 2015.
3.3.1.34
As ações da H… tinham o valor nominal de € 5,00 cada, e representativas de 15,43% do capital social daquela.
3.3.1.35
Existiam créditos vencidos há mais de 2 anos, superiores a € 166.000,00, não refletidos nas contas o que, de imediato, faria baixar aquele capital próprio para € 137.833,77.
3.3.1.36
Quanto às dívidas ao P…, constantes das verbas n.ºs 9, 10 e 11, em 14 de dezembro de 2015, o credor hipotecário emitiu autorização de levantamento das hipotecas[39].
3.3.1.37
Além do pai dos autores e do réu D…, da administração da H… fazia também parte o réu F…, seu sócio na L…, que não prestava avales pessoais em livranças subscritas por aquela sociedade.
3.3.1.38
O réu F… em 04 de dezembro de 2012, adquiriu ao réu D…, pelo preço declarado de € 16.250,00, correspondente à soma dos respetivos valores nominais, as duas quotas de que este era titular na L…, respetivamente, uma com o valor nominal de € 14.000,00 [e outra com o valor nominal de € 2.250,00].
3.3.1.39
De acordo com o último balanço conhecido da L… (2011), esta tinha um capital próprio de € 44.507,13.
3.3.1.40
O réu F…, em 09 de setembro de 2013, transmitiu a quota na L… com o valor nominal de € 14.000,00 à ré E… pelo mesmo preço de € 14.000,00, isto é, com o mesmo valor por que 9 meses antes havia adquirido ao réu D….
3.3.1.41
Nos autos de insolvência da H…, em 13 de fevereiro de 2015, o único imóvel pertença desta foi adjudicado à já atrás referida “K…, Lda.” — entretanto transformada em sociedade unipessoal por quotas, mercê da concentração das respetivas quotas na titularidade única da ré E….
3.3.1.42
Na sequência daquela adjudicação, em 27 de março de 2015, foi outorgada a respetiva escritura de compra do imóvel pela “K…, Unipessoal, Lda.”, pelo preço de € 178.100,00.
3.3.1.43
A sociedade “K…, Unipessoal, Lda.”, em 24 de abril de 2015, revendeu-o pelo preço de € 250.000,00.
3.3.1.44
Em 29 de setembro de 2014, o Senhor Administrador Judicial havia já vendido àquela mesma “K…, Unipessoal, Lda.” todos os bens móveis pertencentes à insolvente pelo valor de € 12.000,00.
3.3.1.45
Entre esses bens móveis, além de veículos e mobiliário, estão diversos aparelhos de Raio X, tais como mamógrafos, ecógrafos, negatoscópios e outros.
3.3.1.46
Aparelhos que não terão sido irrelevantes para o início de atividade da M…, Lda. (M…), sociedade com sede na Rua …, n.º …, 3.º (onde têm sede a K…, Unipessoal, Lda. e a L…, e onde também teve sede a Q…, Lda., todas já atrás referidas).
3.3.1.47
Esta M… foi constituída em 09 de janeiro de 2014, logo após o encerramento da H… ocorrido em finais de 2013, tendo como sócios a ré E… e a sociedade de que aquela é a única sócia, a “K…, Unipessoal, Lda.”, que, recorde-se, adquiriu todo o património da H….
3.3.1.48
A M… tem a ré E… como gerente, sendo certo que esta jamais se dedicou à área da comercialização ou assistência de materiais e equipamentos médicos.
3.3.1.49
M… essa que na sua página na internet (http://www.M....pt) informa que “Não obstante a M…, Lda, doravante denominada M…, ter iniciado a sua atividade em Janeiro de 2014, conta no entanto, com uma experiência de mais de vinte anos na área de Imagiologia Médica.
3.3.1.50
Constituída com recursos técnicos e humanos de elevada competência e experiência, pretende prestar a todos os clientes um serviço de excelência, tanto no fornecimento de Equipamentos e Soluções Médicas como na prestação de Serviços de Assistência Técnica a equipamentos médicos de Radiologia, Imagiologia e TI-.
3.3.1.51
Ao aceder a esta empresa através do motor de busca “Google”, a indicação desta M… aparece exactamente ao lado da H…, e se se carregar no local que indica o acesso ao “website” da H…, é-se de imediato reencaminhado para a página da internet da M….
3.3.1.52
O PER [da H…, entenda-se] não recolheu nenhum voto favorável, nem sequer do réu D…, da L… ou da K…, que, todos eles, faziam parte da lista de credores.
3.3.1.53
Depois de em 21 de novembro de 2016, terem obtido a conversão da Separação de Pessoas e Bens em Divórcio, os réus, logo no dia seguinte, em 22 de novembro de 2016, voltaram a contrair casamento entre si, desta feita, no regime da separação de bens.
3.3.1.54
Como resulta do acordo de Regulação das Responsabilidades Parentais, o referido menor[40], ficou à guarda e aos cuidados da mãe, aliás, com quem aliás sempre viveu.
3.3.1.55
Para o casal, apesar de desavindo em termos pessoais, o fator mais importante para eles, era o bem-estar do filho de ambos.
3.3.1.56
Embora separados, o réu D…, manteve sempre uma relação cordial e muito próxima do seu filho.
3.3.1.57
Em novembro de 2014 foi-lhe diagnosticado através de RM “Tumor maligno oculto”, que veio decorrido pouco tempo a confirmar-se ser um mieloma múltiplo (cancro de medula), doença que até hoje ainda não se conhece a cura.
3.3.1.58
Em janeiro de 2015, o aqui réu D…, iniciou tratamento com quimioterapia.
3.3.1.59
Tendo por isso, logo na segunda semana de tratamento, perdido por completo a mobilidade, ficando totalmente dependente (a única tarefa que executava sozinho era a alimentação), permanecendo em cadeira de rodas desde janeiro de 2015 até abril de 2016.
3.3.1.60
A única família que o réu D…, tinha no Porto era o seu filho menor na altura (16 anos).
3.3.1.61
Quando terminou o internamento no AT…, o réu D…, regressou à casa onde tinha vivido com a ré e o filho.
3.3.1.62
O réu F… foi sócio fundador da L…, com uma quota de € 8.750,00.
3.3.1.63
Tendo a sua constituição sido registada em 29 de dezembro de 1989.
3.3.1.64
Tendo por objeto a consultadoria de gestão e organização empresarial.
3.3.1.65
A ré E… é gerente da L….
3.3.1.66
Os réus D… e E… são contabilistas certificados de profissão.
3.3.2 Factos não provados
3.3.2.1
Nunca o réu D… deixou de coabitar com a ré E… no mesmo andar onde o fazia até então e onde hoje ainda o faz, ambos continuando, assim, a agir e a viver em perfeita união conjugal, como até aí sempre haviam feito.
3.3.2.2
O réu D… aproveitando a enorme debilidade física e anímica em que se encontrava o pai dos autores, fruto das diversas doenças que o acometeram a partir de 2007 e que lhe vieram a causar a morte, passou a partir dessa data, a fazer com que os financiamentos (e garantias) fossem assinados e avalizados apenas por si (o que não poderia deixar de ser, pois de outro modo levantaria suspeitas) e pelo pai dos autores, a quem nunca terá explicado para que serviam, nem que o outro administrador (o amigo e aqui réu, F…) não prestava avales, limitando-se a remeter-lhe os contratos e as livranças em branco por estafeta, assinalando com post-its ou cruzes a lápis os locais onde deveria apor a sua assinatura, e dizendo que o tinha de fazer pois eram precisas duas assinaturas para vincular a H….
3.3.2.3
O réu D… entendeu sair da gestão da L… e ceder totalmente a sua posição societária para enfrentar todos os problemas surgidos na H…, que levaram à apresentação do PER em janeiro de 2013, bem como não acompanhar a gestão na empresa L…, que implicava enfrentar a outra sócia – ré E….
3.3.2.4
Em face disso, propôs à ré E… que esta adquirisse as suas quotas, já que não se sentia em condições físicas para continuar a assumir qualquer responsabilidade da sociedade L….
3.3.2.5
Ao contrário das suas expetativas, a ré E… informou-o que não tinha qualquer disponibilidade financeira para comprar as referidas quotas, tendo assim recusado o negócio.
3.3.2.6
Em face deste condicionalismo, o réu D…, propôs a aquisição ao outro sócio na referida sociedade – Dr. F…, que se mostrou interessado em adquirir a sua participação, o que veio a ser feito em 04 de dezembro de 2012.
3.3.2.7
Tendo o réu D…, a partir dessa data, abandonado totalmente a gestão da referida sociedade L….
3.3.2.8
No ano de 2012 o sócio D… comunicou ao réu F… que pretendia ceder as quotas da L…, que representavam 65% do capital social.
3.3.2.9
Para evitar que um terceiro entrasse no capital social da sociedade como sócio maioritário, o réu F… aceitou adquirir as referidas quotas pelo respetivo valor nominal.
3.3.2.10
Subsequentemente e no desenvolvimento da sua atividade, a sobredita gerente E… comunicou ao réu F… que era necessário contrair um empréstimo bancário para a sociedade.
3.3.2.11
Devendo o sócio prestar o seu aval nesse empréstimo.
3.3.2.12
O que não foi aceite pelo réu F…, porque não geria a L….
3.3.2.13
Nem podia geri-la em face do regime de dedicação exclusiva a que estava adstrito na banca.
3.3.2.14
Para resolver esta situação, o réu F… aceitou então ceder a quota de € 14.000,00 à ré E…, exonerando-se assim da prestação do aval.
3.3.2.15
Os Administradores da H… eram remunerados pelos avales prestados.
3.3.2.16
Os autores despenderam a verba de global de € 5.914,38 (€ 914,38 + € 5.000,00), em custos com os processos judiciais em que se viram envolvidos.
4. Fundamentos de direito
4.1 Do dolo dos réus recorrentes na efetivação da partilha impugnada e tendo em vista impedir a satisfação do direito dos autores (questão dos recorrentes D… e E…)
Os recorrentes D… e E… insurgem-se contra a sentença recorrida porque, na sua perspetiva, sendo o crédito dos autores posterior aos atos impugnados, impunha-se a alegação e prova de “que um e outro tinham consciência do prejuízo que a partilha iria causar aos Autores e que tivessem atuado com intenção de os enganar”, sendo o dolo requerido pela segunda parte da alínea a) do artigo 611º similar ao dolo previsto enquanto patologia do negócio jurídico no artigo 253º do Código Civil.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do disposto no corpo e na alínea a) do artigo 610º do Código Civil, os “atos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito e não sejam de natureza pessoal podem ser impugnados pelo credor, se concorrerem as circunstâncias seguintes:
a) Ser o crédito anterior ao ato ou, sendo posterior, ter sido o ato realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor”.
Historicamente este regime teve como fonte os estudos do Professor Vaz Serra, em sede de trabalhos preparatórios do atual Código Civil, compilados sob o título “Responsabilidade Patrimonial” e publicados no Boletim do Ministério da Justiça nº 75, abril de 1958, páginas 5 a 410, especialmente as páginas 206 e 207[41].
Posteriormente, em sede de revisões ministeriais, a redação adotada para a impugnação de atos anteriores à constituição do crédito seria a que presentemente vigora, dividindo-se a doutrina sobre o alcance normativo do dolo previsto no preceito.
Na verdade, enquanto alguns entendem que o dolo é o conhecimento e a vontade de realização do ato pelo devedor com o fim de frustrar a satisfação do crédito do futuro credor[42], outros sustentam que o dolo para os efeitos deste preceito é um artifício por parte do devedor tendente a criar no futuro credor a ilusão de que o bem alienado por meio do ato impugnado ainda faz parte do seu património, assim integrando a garantia patrimonial do futuro crédito[43].
Uma vez que o conceito de dolo não é no Código Civil unívoco, pois que tanto abrange a patologia negocial passível de conduzir à invalidação do negócio jurídico (artigo 253º do Código Civil), como os casos em que, numa perspetiva clássica, constitui uma modalidade de culpa (assim, por exemplo, na primeira parte do nº 1, do artigo 814º, na alínea a), do nº 1 do artigo 853º, ambos do Código Civil), a fim de não fomentar dúvidas interpretativas quanto ao alcance do preceito, cremos que se impunha maior assertividade na determinação do que era dolo para os efeitos da segunda parte da alínea a), do artigo 610º do Código Civil.
Pela nossa parte, tendo em conta os interesses em jogo, ponderando nomeadamente que o futuro credor não tem que contar com a garantia patrimonial que existia antes da celebração do ato de que emerge o seu crédito, afigura-se-nos que se deverá entender que será dolosa para efeitos do normativo em análise a conduta do devedor que induza voluntariamente em erro o futuro credor quanto à composição da sua garantia patrimonial, impedindo este de ajuizar corretamente os riscos da operação em que se envolve.
Porém, sendo esta a ratio do preceito, o dolo no sentido mais exigente e tal como previsto em sede de vícios da vontade no Código Civil apenas será necessário nos casos em que a constituição do crédito exige a intervenção do devedor, requerendo-se apenas o dolo enquanto modalidade de culpa qualificada nos casos em que o crédito se constitui independentemente de qualquer conduta do devedor[44].
Na hipótese em apreço, o crédito dos autores que, recorde-se, constitui o exercício do direito de regresso de sucessores de um avalista contra outro co-avalista, nasceu no momento em que procederam ao cumprimento da obrigação avalizada, nascendo esse crédito sem qualquer intervenção do outro co-avalista.
Por isso, nos casos dos autos bastará que se comprove uma conduta dolosa do réu D… no sentido de com conhecimento e vontade subtrair bens do seu património, com a finalidade de obstar à satisfação de qualquer crédito de um futuro credor.
Vejamos então se os factos provados[45] permitem afirmar a existência de uma conduta dolosa do réu D… e pelo menos má-fé da ré E… na efetivação da partilha impugnada.
Provou-se:
- No dia 18 de maio de 2012, dia em que a requerimento de D… e E…, foi proferida pela 3.ª Conservatória do Registo Civil do Porto e transitou a decisão da respetiva separação de pessoas e bens por mútuo consentimento, os réus, casados que eram sob o regime da comunhão de adquiridos, outorgaram naquela mesma Conservatória instrumento de Partilha do Património Conjugal, pela qual relacionaram os diversos bens comuns (ativos e passivos) e procederam à respetiva partilha (ponto 3.3.1.27 dos factos provados);
- Ao réu D… foram adjudicados os bens e atribuídos os valores a seguir indicados:
a) Verba 5 - Quota com o valor nominal de € 45.000,00 na sociedade comercial por quotas sob a firma “Q…, Lda”, com sede na Rua …, n.º …, 3.º Dt.º, …, Porto, com o capital social de € 50.000,000, integralmente realizado, com Matrícula e NIPC ………, com o valor atribuído de € 45.000,00;
b) Verba 6 - Quota com o valor nominal de € 5.000,00 na mesma sociedade “Q…, Lda”, com o valor atribuído de € 5.000,00;
c) Verba 7 - Quota com o valor nominal de € 2.250,00 na sociedade comercial por quotas sob a firma “L…, Lda” (L…), com sede na Rua …, n.º …, 3.º Dt.º, …, Porto, com o capital social de € 25.000,00, integralmente realizado, com a Matrícula e NIPC ………, com o valor atribuído de € 5.000,00;
d) Verba 8 – 10.029 ações da “H…”, com o valor atribuído de € 90.000,00 (ponto 3.3.1.28 dos factos provados);
- Por seu turno, à ré E… foram adjudicados os bens e atribuídos os valores a seguir indicados:
a) Verba 1 – Fração autónoma designada pela letra “M”, correspondente à habitação .., tipo T3, no terceiro andar, com varandas, arrumo .. e aparcamento .. na 2.ª cave, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, n.ºs …/…, freguesia …, concelho do Porto, descrito sob o n.º 247/19960807 da 2.ª Conservatória do Registo Predial do Porto, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 2.951, com o valor patrimonial tributário de € 119.013,47, e igual valor atribuído de € 119.013,47;
b) Verba 2 – Fração autónoma designada pelas letras “HI”, correspondente a um aparcamento de um automóvel n.º …, no primeiro piso, com entrada pelo n.º …, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, n.ºs …, …, … e .., freguesia …, concelho do Porto, descrito sob o n.º 1143, da 2.ª Conservatória do Registo Predial do Porto, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 2.381, com o valor patrimonial tributário de € 3.801,00, e igual valor atribuído de € 3.801,00;
c) Verba 3 - Quota com o valor nominal de € 18.750,00 na sociedade comercial por quotas sob a firma “K…, Lda.”, com sede na Rua …, n.º …, 3.º Dt.º, …, Porto, com o capital social de € 25.000,00, integralmente realizado, com a Matrícula e NIPC ………, com o valor atribuído de € 18.750,00;
d) Verba 4 - Quota com o valor nominal de € 6.250,00 na mesma “K…, Lda.”, com o valor atribuído de € 6.250,00 (ponto 3.3.1.29 dos factos provados);
- Ambos os ex-cônjuges, ora réus [D… e E…], ficaram com metade cada uma das 3 dívidas ao P…, nos valores de, respetivamente, € 28.536,41, € 15.099,81 e € 73.776,05, ou seja, no valor total de € 117.412,27 (ponto 3.3.1.30 dos factos provados);
- As verbas nºs 5 e 6 adjudicadas ao réu D… na partilha não tinham qualquer valor e a verba nº 8 adjudicada ao mesmo réu tinha o valor de € 2.096,34 (ponto 3.3.1.31 dos factos provados);
- O valor de mercado da fração autónoma correspondente à Verba nº 1, terceiro andar T3 nos …, no Porto, não é inferior a € 250.000,00 e o valor de mercado da fração autónoma correspondente à Verba nº 2, estacionamento nos Pinhais da Foz, no Porto, não é inferior a € 9.000,00 (ponto 3.3.1.32 dos factos provados);
- A sociedade Q…, Lda apresentava no último balanço conhecido à data da partilha (2011) capitais próprios negativos (situação líquida) de € 245.911,76, tendo aliás vindo a ser liquidada em 2015 (ponto 3.3.1.33 dos factos provados);
- As ações da H… tinham o valor nominal de € 5,00 cada, e representativas de 15,43% do capital social daquela (ponto 3.3.1.34 dos factos provados);
- Existiam créditos vencidos há mais de 2 anos, superiores a € 166.000,00, não refletidos nas contas o que, de imediato, faria baixar aquele capital próprio para € 137.833,77 (ponto 3.3.1.35 dos factos provados);
- Quanto às dívidas ao P…, constantes das verbas n.ºs 9, 10 e 11, em 14 de dezembro de 2015, o credor hipotecário emitiu autorização de levantamento das hipotecas (ponto 3.3.1.36 dos factos provados);
- Depois de em 21 de novembro de 2016, terem obtido a conversão da Separação de Pessoas e Bens em Divórcio, os réus, logo no dia seguinte, em 22 de novembro de 2016, voltaram a contrair casamento entre si, desta feita, no regime da separação de bens (ponto 3.3.1.53 dos factos provados);
- Os réus D… e E… são contabilistas certificados de profissão (ponto 3.3.1.66 dos factos provados).
Da factualidade que se acaba de rememorar resulta que o réu D…, co-avalista da obrigação satisfeita pelos autores, partilhou o património que integrava a comunhão conjugal do casamento que mantinha com a ré E…, recebendo bens de nulo ou reduzido valor mas estes últimos ainda assim fortemente sobreavaliados.
Os réus D… e E…, ambos contabilistas certificados, casados um com o outro, não podiam deixar de ter conhecimento preciso da situação patrimonial em que o réu D… se encontrava e bem assim da sociedade pelo mesmo avalizada, nomeadamente por força dos avales por este subscritos enquanto administrador da H…, sendo esse conhecimento que permite compreender por que razão apenas foram adjudicados ao primeiro bens de valor nulo, reduzido ou evanescente, ficando a segunda com todos os bens de valor apreciável, nomeadamente os imóveis, havendo contudo divisão rigorosamente igualitária do passivo entre ambos.
Este conhecimento dos réus D… e E… e a conduta adotada por ambos quer na partilha, quer posteriormente, inclusivamente com novo casamento dos mesmos, mas, convenientemente, no regime da separação de bens, permitem inferir de forma segura que o propósito subjacente a tais comportamentos foi o de esvaziar, na maior medida possível, a garantia patrimonial dos futuros credores do réu D…, nomeadamente os autores.
Atente-se que depois da aludida partilha, ao longo de vários anos, o réu D… não voltou a adquirir quaisquer bens que pudessem servir de garantia patrimonial aos créditos constituídos depois da partilha em que se despojou dos bens integrantes da sua meação conjugal em benefício da ré E….
Neste circunstancialismo, só se pode concluir, que os réus D… e E… dolosamente outorgaram a partilha impugnada com o fim de impedir a satisfação de futuros credores do réu D…, nomeadamente os autores, preenchendo-se assim também necessariamente o requisito da má-fé requerido pela primeira parte do nº 1, do artigo 612º do Código Civil quanto ao devedor e ao terceiro.
Assim, face ao exposto, improcede esta questão recursória.
4.2 Da impossibilidade ou agravamento para os autores credores da satisfação do seu crédito (questão dos recorrentes D… e E…)
Os recorrentes D… e E… sustentam que a factualidade provada não permite concluir que da partilha impugnada resultou para os autores a impossibilidade ou o agravamento de satisfação do crédito dos autores, na medida em que se acaso não se tivesse procedido a tal partilha, “também os aqui Autores não teriam a possibilidade de executar a sua meação no imóvel porquanto esta teria sido apreendida a favor da massa insolvente e ali alienada para pagar aos credores com créditos reconhecidos” e isto “porque, no caso (hipotético) dos bancos credores, terem executado o R. D…, antes da sua Separação de Pessoas e Bens, esta hipotética execução só poderia incidir sobre a meação do R. D…, já que a R. E…, não era nem nunca foi avalista” e, logo “a “partilha” dos bens do casal teria obrigatoriamente sempre que ocorrer, de modo a que só a meação do avalista viesse a responder pela divida oportunamente avalizada.”
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos da alínea b) do artigo 610º do Código Civil, um dos requisitos gerais necessários à procedência de uma impugnação pauliana é o de que resulte do ato impugnado a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou o agravamento dessa impossibilidade.
De acordo com o disposto no artigo 611º do Código Civil, incumbe ao credor a prova dos montantes das dívidas, e ao devedor ou a terceiro interessado na manutenção do ato a prova de que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor.
A argumentação dos recorrentes pressupõe que a impugnação pauliana envolve a invalidação do ato impugnado, pois só desse modo se compreende que ficcionem o que sucederia na eventualidade da inexistência da partilha impugnada.
Porém, a procedência da impugnação pauliana determina unicamente a ineficácia relativa do ato impugnado e apenas aproveita ao credor que a requereu (artigo 616º, nº 4, do Código Civil) e isto mesmo no caso de insolvência do devedor (artigo 127º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), pelo que não é lícito ficcionar a não ocorrência de partilha para aferir da verificação da impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou o agravamento dessa impossibilidade.
Na verdade, se acaso os credores da insolvência do recorrente D… pretendiam obter a satisfação dos seus créditos à custa dos bens objeto de partilha anterior à declaração de insolvência do réu D…, tinham o ónus de propor ação de impugnação pauliana em que alegassem e provassem os factos necessários à sua procedência.
Não tendo os credores da insolvência procedido à impugnação pauliana da partilha, a mesma subsistiu incólume, não tendo isso qualquer efeito preclusivo do direito potestativo de impugnação pauliana por parte de outros credores, nomeadamente os autores que não eram sequer credores da insolvência (veja-se o artigo 47º, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), já que o seu crédito se constituiu em data posterior ao encerramento do processo de insolvência do devedor.
Acresce que a construção jurídica dos recorrentes D… e E… envolve uma evidente antinomia axiológica porquanto, a pretexto de que se não tivesse ocorrido a partilha impugnada, nada sobraria para a satisfação do crédito dos autores, pugnam pela inatacabilidade do ato impugnado e isto, sem que qualquer dos credores, sejam os da insolvência, sejam os autores satisfaçam total ou parcialmente os seus créditos às custas dos bens por eles maliciosamente partilhados.
Pelo exposto, conclui-se pela total improcedência desta questão recursória, sendo ostensiva a verificação de impossibilidade de satisfação do crédito dos autores, tanto mais que os recorrentes D… ou E… nem sequer tentaram no momento azado a alegação e prova de que o devedor possuía bens penhoráveis de igual ou maior valor aos que foram partilhados.
4.3 Da gratuitidade da partilha e das cessões de quotas da L… (questão dos recorrentes autores)
Os recorrentes autores pugnam por que quer a partilha, quer as cessões de quotas por si impugnadas, em face da procedência da reapreciação da decisão da matéria de facto que requereram sejam qualificadas como atos gratuitos, estando por isso sujeitas à impugnação pauliana independentemente de má-fé do devedor e dos terceiros intervenientes nos atos impugnados.
Cumpre apreciar e decidir.
Tal como já se foi adiantando em momentos anteriores deste acórdão, ainda que se concluísse pela gratuitidade da partilha e das cessões de quotas impugnadas pelos autores, isso não dispensava os autores da necessidade de demonstração de factos reveladores de que os atos impugnados foram realizados dolosamente com o fim de impedir a satisfação dos seus créditos que ulteriormente se constituíram.
Só assim não será para quem sustente que o requisito previsto na segunda parte da alínea a) do artigo 610º do Código Civil é inaplicável sempre que o ato impugnado tiver natureza gratuita[46].
A nosso ver, o requisito previsto na segunda parte da alínea a) do artigo 610º do Código Civil para os casos em que o crédito é de constituição posterior ao ato impugnado tem natureza geral, aplicando-se a todos estes créditos, sejam eles gratuitos ou onerosos.
Este requisito suplementar para que o crédito de constituição ulterior ao ato impugnado beneficie da tutela da impugnação pauliana tem plena justificação à luz dos interesses em presença, só se justificando a ineficácia dos atos anteriores à constituição do crédito quando os mesmos tenham sido ao menos praticados com o propósito de frustrar a satisfação do crédito do futuro credor, pois que no momento da constituição do crédito do futuro credor, os bens a que respeita a impugnação pauliana não faziam já parte do património do devedor, não podendo o credor, em condições normais, contar com eles para a garantia patrimonial do seu crédito.
Tendo-se já concluído em momento anterior deste acórdão que foi feita prova do requisito previsto na segunda parte da alínea a), do artigo 610º do Código Civil e que a prova de tal requisito consome a má-fé do devedor e do terceiro na celebração do ato impugnado[47], fica necessariamente prejudicada a apreciação da gratuitidade da partilha.
As razões que levaram a concluir relativamente aos bens objeto da partilha pela prova de factos objetivos que com a necessária segurança permitem inferir que tal negócio foi realizado pelo devedor com o fim de impedir a satisfação dos futuros credores, entre os quais os ora autores, também se verificam no que respeita à cessão da quota da L… que não foi objeto da partilha impugnada, até pela proximidade temporal com a partilha impugnada e também pelo facto de a quota de € 2.250,00 na L… que coube ao réu D… na partilha impugnada, avaliada em € 5.000,00, inexplicavelmente ter sido cedida ao réu F… pelo seu valor nominal, ou seja, por menos € 3.750,00.
Porém, afigura-se-nos que a factualidade provada é insuficiente para concluir que o réu F… tinha consciência do prejuízo que tais negócios acarretavam para futuros credores do réu D….
Além disso, de acordo com o disposto no artigo 613º do Código Civil, nos casos de transmissões posteriores, para lá da verificação dos requisitos da impugnabilidade referidos nos artigos anteriores relativamente à primeira transmissão, importa que se comprove a má-fé tanto do alienante como do posterior adquirente, no caso de a nova transmissão ser a título oneroso.
Ora, no caso dos autos nem se comprova a má-fé do réu F… na aquisição das duas quotas da L… ao réu D…, nem foi feita prova da gratuitidade desta cessão de quotas e bem assim da subsequente à ré E…, factualidade que como já antes se referiu não foi oportunamente alegada pelos autores e, pelo contrário, foi alegada factualidade de sentido oposto.
Assim, por tudo quanto precede, conclui-se que a questão da gratuitidade da partilha impugnada está prejudicada pela prova de que esse ato foi praticado pelo devedor e pela outra outorgante na partilha com o propósito de prejudicar os futuros credores do devedor, improcedendo a questão da gratuitidade das cessões de quotas da L….
4.4 Da repartição da responsabilidade entre os coavalistas (questão comum aos autores e aos réus D… e E…).
Os recorrentes autores pugnam por que em vez de uma repartição igualitária entre os autores e o réu D…, seja o conteúdo do seu direito de regresso determinado na exata proporção do capital detido na sociedade beneficiária dos avales por cada um dos coavalistas[48].
Pelo contrário, os recorrentes D… e E… sustentam que os autores não têm direito de regresso sobre o réu D…, pois que este foi declarado insolvente.
Cumpre apreciar e decidir.
Não vem questionada pelos recorrentes a existência de direito de regresso entre os avalistas do mesmo avalizado numa livrança, nem que o regime jurídico desse direito é o que se acha estabelecido para as obrigações solidárias, tal como se sustentou no acórdão de uniformização de jurisprudência nº 7/2012 publicado na primeira série do Diário da República de 17 de julho de 2012.
De acordo com o disposto no artigo 516º do Código Civil, nas relações entre si presume-se que os devedores ou credores solidários comparticipam em partes iguais na dívida ou no crédito, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes, ou que só um deles deve suportar o encargo da dívida ou obter o benefício do crédito.
“O devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe competir tem direito de regresso contra cada um dos condevedores, na parte que a estes compete” (artigo 524º do Código Civil).
“Se um dos devedores estiver insolvente ou não puder por outro motivo cumprir a prestação a que está adstrito, é a sua quota-parte repartida proporcionalmente entre todos os demais, incluindo o credor de regresso e os devedores que pelo credor hajam sido exonerados da obrigação ou apenas do vínculo da solidariedade” (artigo 526º, nº 1, do Código Civil).
“Ao credor de regresso não aproveita o benefício da repartição na medida em que só por negligência sua lhe não tenha sido possível cobrar a parte do seu condevedor na obrigação solidária” (artigo 526º, nº 2, do Código Civil).
No caso dos autos, ambos os coavalistas eram acionistas da sociedade beneficiária do aval de que nasceu o direito de regresso dos autores, sendo diferente a percentagem do capital social por cada um deles detido por força das ações de que eram titulares.
Será isto bastante para afirmar que a medida do direito de regresso entre os dois coavalistas se define, proporcionalmente, pela referida percentagem no capital social da sociedade avalizada?
Não o cremos, tanto mais que a percentagem do capital social detida pelos dois coavalistas se fica pelos 17,17% do total do capital social da sociedade avalizada. Diferente seria o nosso juízo se acaso os dois co-avalistas fossem os únicos titulares das ações representativas do capital social da sociedade avalizada, caso em que, na falta de regulação diversa, seria normal que cada um deles respondesse na proporção das ações que cada um detivesse.
No caso em apreço, não resulta da factualidade provada que os coavalistas tenham cuidado de determinar os termos em que seria exercido o direito de regresso entre eles.
Neste circunstancialismo, afigura-se-nos que cada um dos coavalistas responde em partes iguais pela obrigação avalizada, pelo que os autores têm apenas direito a haver do outro coavalista metade do valor que pagaram na qualidade de sucessores de um dos dois coavalistas da sociedade H….
Porém, sustentam os recorrentes D… e E… que tendo o primeiro sido declarado insolvente, deve a responsabilidade pelo cumprimento da obrigação avalizada recair inteiramente nos autores, na qualidade de sucessores do outro coavalista.
Será assim?
Não o cremos.
A nosso ver, quando a lei se refere à insolvência do condevedor tem em vista uma situação de impossibilidade de facto de satisfação do crédito emergente do direito de regresso, não configurando a mera declaração de insolvência como circunstância exoneradora da responsabilidade do condevedor. Atente-se que na data em que nasceu o crédito de regresso dos autores (03 de março de 2017 – factos provados sob o nº 3.3.1.22 deste acórdão), há já muito estava encerrado o processo de insolvência do réu D… (13 de junho de 2016 – factos provados sob o nº 3.3.1.25 deste acórdão).
Ora, no caso dos autos, por força do mecanismo jurídico da impugnação pauliana é viável a satisfação do crédito de regresso dos sucessores do coavalista às custas do património do outro coavalista e de que este se desfez para prejudicar os seus futuros credores, como é o caso dos autores que, recorde-se, não reuniam as condições para poderem ser qualificados como credores da insolvência do réu D….
Pelo exposto, conclui-se que a circunstância do réu D… ter sido declarado insolvente antes do nascimento do direito de regresso dos sucessores de um co-avalista, não obsta a que este direito seja contra ele exercido se por efeito de impugnação pauliana a responsabilidade deste co-avalista se puder efetivar sobre bens que eram da sua titularidade e que foram alienados a terceiro para se eximir ao cumprimento de obrigações futuras, nomeadamente em face dos sucessores de outro coavalista.
Deste modo, afigura-se-nos que bem andou a decisão recorrida em reconhecer aos autores o direito a haver às custas do património que era do réu D… o correspondente a metade do valor que aqueles foram coagidos judicialmente a cumprir.
4.5 Do suprimento das nulidades da sentença recorrida
Em momento anterior concluiu-se que a sentença recorrida enferma de várias nulidades por omissão de pronúncia, cumprindo agora proceder ao suprimento de tais vícios.
Estas omissões de pronúncia resultam:
a) de não se ter conhecido o primeiro pedido formulado pelos autores, omitindo-se a medida do direito de regresso dos autores e os sujeitos passivos desse direito;
b) de não se ter tomado conhecimento do segundo pedido formulado pelos autores na petição inicial;
c) por não ter havido pronúncia sobre o direito dos autores a executar os outros bens adjudicados à ré E… na partilha impugnada.
O primeiro pedido formulado pelos autores foi o seguinte:
- a condenação solidária dos réus D… e E…, na qualidade de únicos responsáveis, em via de regresso, no pagamento aos autores dos montantes que estes já satisfizeram e houverem de satisfazer aos credores da H… que beneficiavam e beneficiem de livranças avalizadas pelo seu pai e pelo réu D…, montantes esses que, provisoriamente, se cifram em € 46.944,32 correspondentes à verba que os autores pagaram na execução que lhes foi movida pelo Banco I…, acrescidos de juros de mora à taxa legal, desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento, sem prejuízo de deverem os réus D… e E… também ser condenados solidariamente no pagamento aos autores dos montantes que estes houverem de satisfazer ao J…, caso os embargos por eles deduzidos à respetiva execução, e já sentenciados a seu favor, venham a ser julgados improcedentes em sede de recurso.
Antes de entrar propriamente no conhecimento deste pedido importa vincar que processualmente nada obsta a que seja cumulado com o pedido típico de impugnação pauliana um pedido de condenação no cumprimento da obrigação que se visa tutelar com a impugnação pauliana, podendo essa pretensão condenatória respeitar a variados créditos (veja-se o artigo 555º do Código de Processo Civil).
Apreciemos agora o primeiro pedido deduzido pelos autores.
Provou-se que no Processo Executivo n.º 12686/15.7T8PRT, que correu termos pelo Juízo de Execução do Porto – Juiz 4, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, instaurado pelo Banco I… para pagamento da quantia de € 39.122,15 titulada por livrança subscrita pela H… e avalizada pelo pai dos autores e pelo réu D…, os autores procederam, em 03 de março de 2017, ao pagamento da quantia exequenda, acrescida de juros e custas de parte, no valor global de € 43.343,58, a que acrescem ainda os honorários e despesas do agente de execução, já liquidadas no valor de € 3.600,74 (pontos 3.3.1.20 e 3.3.1.22 dos fundamentos de facto deste acórdão).
Ao procederem ao pagamento dos montantes acima indicados no total de € 46.944,32, na qualidade de sucessores de coavalistas do pai de ambos, os autores constituíram-se titulares de um direito de regresso contra o outro coavalista, o réu D….
A ré E… não assumiu qualquer responsabilidade cambiária que a responsabilize perante os autores e nem foram alegados factos que pudessem convocar uma responsabilidade comum do casal à data da prestação do aval.
Deste modo, os autores não têm título que permita a responsabilização em via de regresso da ré E…, que por isso deve ser absolvida deste primeiro pedido dos autores.
A medida do direito de regresso dos autores contra o réu D… já foi definida no ponto anterior deste acórdão e para aí se remete, tendo assim os autores direito a haver do aludido réu a quantia de € 23.472,16 (metade do valor que pagaram na qualidade de sucessores de coavalista de livrança), a que acrescem juros de mora à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento dado tratar-se de obrigação pecuniária que se considera vencida desde a citação do réu na presente ação (artigos 805º, nº 1 e 806º, nºs 1 e 2, ambos do Código Civil), improcedendo no mais o primeiro pedido formulado pelos autores.
Debrucemo-nos agora sobre o segundo pedido dos autores e que foi o seguinte:
- a condenação solidária dos réus D… e E… a pagar aos autores a quantia de € 8.245,98, a título de indemnização pelos prejuízos com os custos já suportados e a despender pelos autores nos diversos processos judiciais em que se viram envolvidos e a que os réus deram causa, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento.
No que respeita esta pretensão dos autores, consta dos fundamentos de facto deste acórdão, nos factos não provados (ponto 3.3.2.16), que os autores despenderam a verba de global de € 5.914,38 (€ 914,38 + € 5.000,00), em custos com os processos judiciais em que se viram envolvidos.
Em face desta matéria de facto não provada, é inequívoco que esta segunda pretensão dos autores improcede, devendo os réus D… e E… ser absolvidos deste pedido.
Ajuizemos agora a terceira pretensão dos autores que não foi apreciada pelo tribunal recorrido e que resulta de não ter havido pronúncia sobre o direito dos autores a executar os outros bens adjudicados à ré E… na partilha impugnada, além dos bens imóveis e que foram duas quotas numa sociedade comercial e ainda os saldos bancários e valores mobiliários que pertenciam ao casal, pois que, afirmam os recorrentes autores, estes últimos bens lhes advieram da mesma partilha.
Antes de mais, importa determinar o alcance da declaração da ineficácia relativa da partilha em relação aos autores credores.
Esta questão não tem tido resposta unívoca na jurisprudência[49], porventura dado o perfil próprio da partilha que, tendo efeitos reais, na medida em que os titulares de um património ilíquido e indiviso passam a ter titulares exclusivos dos bens que lhes são adjudicados em partilha, não consiste numa típica aquisição derivada mas sim numa transformação da referida posição ilíquida e indivisa numa posição sobre bens certos e determinados, num fenómeno com algumas semelhanças com a concentração das obrigações genéricas.
É inequívoco que a impugnação pauliana não é causa de invalidade do ato impugnado, razão pela qual, a procedência da impugnação pauliana não invalida a partilha impugnada. Mas se assim é, o sentido prático-jurídico da procedência da impugnação pauliana só pode ser o de permitir que o crédito do credor impugnante seja satisfeito às custas dos bens objeto da partilha e que foram adjudicados ao cônjuge do devedor pois que, a impossibilidade da satisfação do crédito do credor impugnante resulta precisamente de terem sido adjudicados ao devedor inaptos para o efeito.
Nesta perspetiva, pela satisfação do crédito do credor impugnante respondem os bens adjudicados ao cônjuge do devedor, na sua totalidade, e não metade de cada um dos bens, como já sentenciou o tribunal recorrido relativamente aos dois imóveis, sem que tal decisão tenha merecido impugnação por parte dos autores ou dos réus D… e E….
Na verdade, com a condenação proferida, insuscetível de ser alterada por esta instância por não ter sido impugnada, criou-se uma realidade jurídica nova, uma contitularidade sobre dois imóveis, contitularidade que nunca existiu, nem sequer antes da efetivação da partilha impugnada, pois que até então existia era um património coletivo.
Neste enquadramento, conclui-se que os autores recorrentes têm de facto direito a executar no património da ré E… os outros bens além dos bens imóveis que lhe foram adjudicados na partilha impugnada e celebrada em 18 de maio de 2012.
Por assim ser, para satisfação do seu crédito no montante de € 23.472,16 (metade do valor que pagaram na qualidade de sucessores de coavalista de livrança), a que acrescem juros de mora à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento, os autores têm o direito a executar no património da ré E… a Quota com o valor nominal de € 18.750,00 na sociedade comercial por quotas sob a firma “K…, Lda.” e a Quota com o valor nominal de € 6.250,00 na mesma “K…, Lda.”.
Quanto a saldos bancários e outros valores mobiliários não tendo os mesmos sido objeto de divisão na partilha impugnada nem havendo qualquer alegação e prova da existência de tais bens na comunhão dos réus D… e E…, forçosa é a conclusão de que nesta parte improcede a pretensão dos autores.
Pelo exposto, conclui-se pela total improcedência do recurso dos réus D… e E… e pela parcial procedência do recurso interposto pelos autores, nos termos que antes se expuseram.
As custas do recurso de apelação dos réus D… e E… são da responsabilidade destes recorrentes, pois que decaíram em toda a linha (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
As custas do recurso de apelação dos autores são da responsabilidade destes e dos réus D… e E…, na proporção de metade para cada um, sendo as custas da ação, na mesma proporção, da responsabilidade dos autores e dos réus D… e E… (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto por D… e E… e parcialmente procedente o recurso de apelação interposto por B… e C… com as alterações introduzidas em sede de fundamentos de facto, nos termos supra enunciados e, em consequência, suprindo as nulidades da decisão recorrida por omissão de pronúncia decide-se o seguinte:
I. julga-se parcialmente procedente o primeiro pedido formulado pelos autores e, em consequência, condena-se D… a pagar a B… e C… a quantia de vinte e três mil quatrocentos e setenta e dois euros e dezasseis cents (€ 23.472,16), correspondente a metade do valor que pagaram na qualidade de sucessores do coavalista pai de ambos, a que acrescem juros de mora à taxa legal desde a citação nesta ação até efetivo e integral pagamento, improcedendo no mais este pedido dos autores, sendo consequentemente absolvida deste pedido a ré E…;
II. julga-se totalmente improcedente o segundo pedido formulado pelos autores e, consequentemente, absolvem-se deste pedido os réus D… e E…;
III. julga-se parcialmente procedente o terceiro pedido formulado pelos autores, sem prejuízo do já decidido nesta vertente pelo tribunal recorrido quanto à ineficácia relativa da partilha celebrada em 18 de maio de 2012 e que se mantém e, consequentemente, reconhece-se a B… e C… o direito a executar no património da ré E… para garantia do pagamento da quantia de vinte e três mil quatrocentos e setenta e dois euros e dezasseis cents (€ 23.472,16), a que acrescem juros de mora à taxa legal desde a citação nesta ação até efetivo e integral pagamento a Quota com o valor nominal de € 18.750,00 na sociedade comercial por quotas sob a firma “K…, Lda.” e a Quota com o valor nominal de € 6.250,00 na mesma “K…, Lda.”, julgando-se, no mais, improcedente este terceiro pedido formulado pelos autores;
IV. no mais, mantém-se a sentença recorrida proferida em 23 de dezembro de 2020;
V. as custas do recurso de apelação de B… e C… são da responsabilidade destes e dos réus D… e E…, na proporção de metade para cada um, sendo as custas da ação, na mesma proporção, da responsabilidade de B… e C… e dos réus D… e E…, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça dos recursos.
***
O presente acórdão compõe-se de noventa e quatro páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 28 de outubro de 2021
Carlos Gil
Mendes Coelho
Joaquim Moura
_____________
[1] Notificada às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 04 de janeiro de 2021.
[2] Expurgadas das extensas transcrições dos depoimentos em que sustentam as suas pretensões de alteração da decisão da matéria de facto.
[3] Posteriormente, em 01 de maio de 2021, os autores deram de novo entrada a estas contra-alegações, tendo no mesmo dia requerido o desentranhamento das mesmas em virtude de terem sido apresentadas por lapso, requerimento que não foi conhecido pelo tribunal recorrido.
[4] É recorrente nos despachos de admissão de recursos de apelação a afirmação de que o recurso tem subida imediata, quando desde há muito desapareceu a distinção entre recursos com subida diferida ou com subida imediata, sendo hoje a distinção entre as decisões que são passíveis de recurso autónomo e aquelas que o não são e que, por isso, apenas podem ser impugnadas com o recurso interposto da decisão final.
[5] Apesar das questões a decidir serem enunciadas separadamente em função do respetivo recorrente, em sede de decisão, seguir-se-á a ordem lógica e, sempre que as questões assim o permitam, agregando-as independentemente do concreto recorrente que as suscita.
[6] Na conclusão décima nona os autores recorrentes pugnam pela ampliação da matéria de facto provada com inclusão da mesma matéria que referiram na vigésima primeira conclusão e daí que apenas se faça menção desta última conclusão.
[7] Esta questão consome a má-fé destes recorrentes no ato impugnado e por isso não se autonomizou esta última problemática enquanto tal. A propósito e neste sentido veja-se Impugnação Pauliana, 3ª Edição Revista e Aumentada, Almedina 2020, João Cura Mariano, página 138, primeiro período do terceiro parágrafo.
[8] Sobre esta questão veja-se, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª edição, Coimbra Editora 2017, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, páginas 712 a 714 e 737. Não obstante os argumentos não sejam questões, do ponto de vista retórico e da força persuasiva da decisão, há interesse na sua análise e refutação.
[9] No primeiro parágrafo da página 33 da sentença recorrida.
[10] A impugnação pauliana é um instituto jurídico para tutela da garantia patrimonial de um certo ou de certos créditos (artigo 611º do Código Civil) e apenas aproveita ao credor que a tenha requerido (artigo 616º, nº 4, do Código Civil), inclusivamente havendo insolvência do devedor (artigo 127º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).
[11] Implicitamente o tribunal recorrido terá procedido a essa definição quando restringiu a impugnação pauliana a metade dos bens imóveis adjudicados à ré E…, daqui se podendo inferir que a metade que competiria a esta ré não responde pela satisfação do crédito dos autores em virtude de a ré não estar para com eles obrigada.
[12] No terceiro parágrafo da página 43 da sentença recorrida.
[13] Note-se que os autores recorrentes não se insurgem contra este segmento da decisão que lhes reconheceu o direito a executar metade de cada um dos bens imóveis adjudicados na partilha do património conjugal à ré E….
[14] Na sentença recorrida há dois pontos 16 nos factos provados, mas atendendo ao conteúdo das alegações de recurso dos réus D… e E… é inequívoco que ambos pretendem a eliminação do primeiro ponto dos factos provados a que foi atribuído tal número.
[15] Documentos nºs. 17, 28, 29 e 31 da petição inicial, documento nº 13 da contestação do réu D… (idêntico ao documento nº 47 oferecido pela ré E… com a sua contestação), documentos nºs 21, 22 e 48 da contestação da ré E…, documentos oferecidos na penúltima sessão da audiência final (os autores recorrentes afirmam que esse oferecimento se deu na “última cessão [sic] de julgamento”, mas tal não corresponde à verdade, pois que o último oferecimento de prova documental verificou-se na sessão que se realizou em 14 de outubro de 2020, documentos que aliás não foram admitidos por despacho proferido em 29 de outubro de 2020, notificado às partes em expediente eletrónico elaborado em 30 de outubro de 2020 e que não mereceu qualquer impugnação pelas partes, sendo certo que os autores, ora recorrentes, não dispunham de legitimidade para o efeito pois que pugnaram pelo indeferimento da referida junção).
[16] Trata-se do requerimento oferecido pelos autores em 22 de setembro de 2017, com a referência 26835278 aposta na sua face, sendo a referência que identifica este requerimento no processo eletrónico a nº 16210565.
[17] Na verdade, nesta data o requerimento que se mostra junto aos autos tem na sua face a referência 36783365.
[18] Este valor corresponde ao somatório das despesas mencionadas nos pontos ii a vi do requerimento dos autores de 11 de junho de 2018, não se percebendo por que razão foi excluído desse somatório o valor de € 612,00 aí mencionado no ponto i.
[19] Valor que alegadamente os autores terão de pagar a título de honorários e como foi alegado no ponto 5º do requerimento de 11 de junho de 2018.
[20] Trata-se do requerimento oferecido pelos autores em 22 de setembro de 2017, com a referência 26835278 aposta na sua face, sendo a referência que identifica este requerimento no processo eletrónico é a nº 16210565.
[21] Anote-se que esta sinalização indicia fortemente que o documento foi apresentado para assinatura a estes dois subscritores, indicando-se-lhe o local onde o deviam fazer.
[22] O documento nº 13, ata nº 82, tem no seu cabeçalho a data de 24 de setembro de 2010 mas no final, antes da assinatura que nela se acha aposta, figura a data de 17 de julho de 2010.
[23] Esta é a data que figura no cabeçalho da ata. Porém, imediatamente antes da assinatura do réu D… consta a data de 17 de julho de 2010.
[24] Só assim não será para quem sustente que o requisito previsto na segunda parte da alínea a) do artigo 610º do Código Civil é inaplicável sempre que o ato impugnado tiver natureza gratuita, como se defendeu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21 de janeiro de 2020, proferido no processo nº 64/17.8T8GRD.C1, acessível na base de dados da DGSI, posição que mereceu a crítica de João Cura Mariano in Impugnação Pauliana, 3ª Edição Revista e Aumentada, Almedina 2020, página 138, terceiro parágrafo. Na realidade, o requisito previsto na segunda parte da alínea a) do artigo 610º do Código Civil para os casos em que o crédito é de constituição posterior ao ato impugnado tem natureza geral, aplicando-se a todos estes créditos, sejam eles gratuitos ou onerosos.
[25] Neste sentido veja-se O Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2ª Edição, Almedina 2020, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, página 32, anotação 16.
[26] Certidão permanente da sociedade H…, oferecida como documento nº 3 com a petição inicial e informação da Conservatória do Registo Comercial do Porto referente à sociedade M…, oferecida como documento nº 39 com a petição inicial.
[27] Embora oferecido na petição inicial, por limitação da capacidade do sistema citius, veio a ser junto com o requerimento de 11 de maio de 2017, com a referência citius 14890144.
[28] Reitera-se a observação que consta da nota de rodapé precedente.
[29] Reitera-se a observação que consta da nota de rodapé que precede a que antecede.
[30] Embora oferecido na petição inicial, por limitação da capacidade do sistema citius, veio a ser junto com o requerimento de 11 de maio de 2017, com a referência citius 14890140.
[31] Com a referência citius 19100548, tendo na sua face aposta a referência 29396555.
[32] Na realidade, por motivos de “capacidade” do citius, este documento foi oferecido no requerimento de 11 de maio de 2017, com a referência citius 14890139.
[33] Reitera-se o conteúdo da nota de rodapé que precede.
[34] Na realidade, por motivos de “capacidade” do citius, este documento foi oferecido no requerimento de 11 de maio de 2017, com a referência citius 14890140.
[35] Reitera-se o conteúdo da nota de rodapé que precede.
[36] “Únicos e universais herdeiros” é uma conclusão jurídica que se extrai de um certo complexo factual, designadamente, da circunstância do de cujus ter falecido intestado, do seu estado civil quando faleceu, do grau de parentesco dos afirmados herdeiros, da existência ou não de repúdio da herança. Por isso, em rigor não deve constar da factualidade provada e apenas não se desconsiderará por não constituir matéria em que haja dissídio entre as partes nem constituir questão nuclear que nestes autos deva ser resolvida.
[37] Entenda-se o pai dos autores.
[38] Esta formulação é incorreta na medida em que a separação de pessoas e bens não dissolve o vínculo conjugal (veja-se o artigo 1795º-A do Código Civil).
[39] Neste ponto de facto eram indicadas duas datas contraditórias (14 de dezembro de 2012 e dezembro de 2015), uma constante da alínea e) do artigo 38º da petição inicial e outra resultante do documento nº 27 que os autores ofereceram na petição inicial para prova desta alegação factual, sendo esta última data a que deve prevalecer.
[40] Uma vez mais se reproduz acriticamente o artigo 101 da contestação do réu D…, sem curar de precisar que “o referido menor” é o filho dos réus D… e E….
[41] Para justificar a impugnação pauliana de ato anterior à constituição do crédito, escreveu o Professor Vaz Serra, além do mais, o seguinte: “Mas, se é certo que a acção pauliana tem o fim de restabelecer a garantia patrimonial dos credores e, portanto, não pode, em regra, ser concedida a credores posteriores ao acto, também o é que, tendo o ato sido feito com a intenção de prejudicar um credor futuro, o que se passa é o seguinte: o devedor faz crer ao credor que os bens ainda lhe pertencem na data da constituição do crédito, quando já os tinha alienado.” Na sequência desta fundamentação propôs-se o artigo 6º, nº 1, 1º, com o seguinte conteúdo: “O acto de disposição patrimonial, celebrado pelo devedor, pode ser impugnado pelo seu credor, se: 1.º - O crédito for anterior ao dito acto, ou, sendo posterior, se provar que o acto foi praticado com o fim de iludir a realização do futuro credor”.
[42] Neste sentido, por ordem cronológica vejam-se: Anotação do Professor Mário Júlio Almeida e Costa ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Janeiro de 1992, publicado na Revista de Legislação e Jurisprudência nº 3846, Ano 127º, páginas 274 a 278 e especialmente nas páginas 275 e 276 e nota de rodapé nº 4; Garantias de Cumprimento, 4ª Edição, Almedina 2003, Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, página 23, III, primeiro parágrafo e nota 32; Garantias das Obrigações, Almedina 2006, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, página 90, primeiro parágrafo; Direito das Obrigações, 12ª Edição Revista e Actualizada, 4ª Reimpressão, Almedina 2016, Mário Júlio de Almeida Costa, página 861 e nota 1.
[43] Neste sentido, também por ordem cronológica vejam-se: Parecer do Professor Menezes Cordeiro publicado na Colectânea de Jurisprudência, Ano XVII – 1992, Tomo III, páginas 55 a 64, especialmente na página 60 (anote-se que este autor não é claro em obras posteriores sobre o alcance do dolo para os efeitos deste preceito, nomeadamente no Código Civil Comentado, II – Das Obrigações em Geral, Almedina 2021, páginas 683 e 684, anotação 8 e no Tratado de Direito Civil, X, Direito das Obrigações, Garantias, Almedina 2015, páginas 376 e 377, ponto 179, sendo certo que na página 376, nota 1019, cita um acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que adere à tese sustentada no Parecer antes citado deste Professor); Código Civil Anotado, Volume I, 4ª Edição Revista e Actualizada, Reimpressão, Coimbra Editora 2011, Pires de Lima e Antunes Varela, com a colaboração de M. Henrique Mesquita, anotação 7, página 627, terceiro parágrafo; Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Portuguesa 2018, página 699 e 700, anotação III; Código Civil Anotado, Volume I, 2ª Edição Revista e Atualizada, Almedina 2019, sob a coordenação de Ana Prata, página 827, anotação 6; Impugnação Pauliana, 3ª Edição Revista e Aumentada, Almedina 2020, João Cura Mariano, páginas 136 e 137.
[44] Seguimos a posição de João Cura Mariano, na obra antes citada, página 138 e bem assim a jurisprudência citada na nota 346 publicada na base de dados da DGSI e que consultámos.
[45] Em rigor, a intenção dos réus ao realizarem os atos impugnados devia constar na fundamentação de facto, seja como factualidade provada, seja como matéria não provada. No entanto, tendo em conta que o dolo, como facto interno, não é passível de prova direta, é defensável que em face da factualidade provada se infira ou não pela verificação do aludido dolo.
[46] Neste sentido veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21 de janeiro de 2020, proferido no processo nº 64/17.8T8GRD.C1, acessível na base de dados da DGSI, posição que mereceu a crítica de João Cura Mariano in Impugnação Pauliana, 3ª Edição Revista e Aumentada, Almedina 2020, página 138, terceiro parágrafo.
[47] A propósito e neste sentido, quanto ao devedor, veja-se Impugnação Pauliana, 3ª Edição Revista e Aumentada, Almedina 2020, João Cura Mariano, página 138, primeiro período do terceiro parágrafo. No caso dos autos a consunção opera também quanto à terceira, dada a relação familiar que mantinha com o devedor, a sua qualidade profissional e o conhecimento que necessariamente tinha da situação financeira do devedor.
[48] Na perspetiva dos autores recorrentes, detendo o pai de ambos ações representativas de 1,74% do capital social da sociedade avalizada e detendo o recorrente D… ações representativas de 15,43% do mesmo capital social, deveriam os autores, na qualidade de sucessores do primeiro coavalista, responder por 11,28% da dívida avalizada, enquanto o réu D… deveria responder por 88,72% da mesma dívida. A nosso ver, com uma regra de três simples em que 17,17% (correspondente à soma da percentagem de ações detidas pelos dois coavalistas - 1,74% + 15,43%= 17,17%) está para 100%, assim como 1,74% está para X, verifica-se que X corresponde a 10,13% (1,74 x 100= 1740: 17,17 = 10,13395457192, enquanto 15,43% correspondem a 89,8660452807222% (15,43% x 100 = 1543: 17,17 = 89,8660452807222). Procedendo aos necessários arredondamentos, na lógica dos recorrentes autores competir-lhes-ia suportar definitivamente 10,13% da dívida avalizada, cabendo ao réu D… suportar definitivamente 89,87% da mesma dívida. Porém, ainda que se venha a concluir que o direito de regresso dos coavalistas seria proporcional ao capital social representado pelas ações detidas por cada um dos dois coavalistas, vinculados como estamos pelo pedido e pela proibição da reformatio in pejus e porque os valores que se nos afiguram corretos são mais gravosos para o réu D…, sempre deveria prevalecer o cálculo dos autores.
[49] Assim, apontam no sentido de que a ineficácia relativa da partilha por efeito da procedência da impugnação pauliana determina que o credor impugnante possa executar o direito à meação do devedor, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de abril de 2005, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Oliveira Barros, no processo acessível na base de dados da DGSI sob o nº 05B725 e o acórdão do mesmo alto tribunal de 09 de fevereiro de 2012, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Hélder Roque, no processo nº 2233/07.0TBCBR.C1.S1, também acessível na base de dados da DGSI. No sentido de que a procedência da impugnação pauliana. No sentido de que a procedência da impugnação pauliana possibilita ao credor impugnante obter a satisfação do seu crédito às custas dos bens concretamente adjudicados na partilha impugnada ao cônjuge não devedor veja-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14 de julho de 2008, relatado pelo então Juiz Desembargador Pinto de Almeida e publicado na Colectânea de Jurisprudência Ano XXXIII, Tomo III/2008, páginas 196 a 201. Embora sobre hipótese distinta da impugnação da partilha da meação conjugal, retiram-se elementos doutrinários relevantes da anotação da Professor Paula Costa e Silva ao acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11 de fevereiro de 2003, publicada nos Cadernos de Direito Privado, nº 7, Julho/Setembro 2004, páginas 52 a 63.