Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
732/21.0TXPRT-G.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA PIRES
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
PRESSUPOSTOS
DECISÃO JUDICIAL
ACTO JUDICIAL RELEVANTE
FUNDAMENTAÇÃO
REQUISITOS
MEIO DA PENA
LIMITES
Nº do Documento: RP20240117732/21.0TXPRT-G.P1
Data do Acordão: 01/17/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO DO CONDENADO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – A decisão que aprecia a concessão da liberdade condicional é um acto decisório do juiz, constituindo um despacho que, não sendo de mero expediente, não é uma sentença, porquanto não conhece a final do objeto do processo, e o grau de exigência na fundamentação das sentenças é superior ao dos despachos, pois que estes estão apenas sujeitos ao dever geral de fundamentação.
II – O instituto da liberdade condicional constitui o principal instrumento de adequação da pena de prisão ao estado do processo de readaptação do condenado, o qual será colocado em liberdade condicional logo que se mostre preparado para conduzir a sua vida no futuro sem cometer crimes e desde que estejam asseguradas as necessidades de prevenção geral e cumprida uma parte relevante da pena, constituindo a concessão da liberdade condicional uma etapa normal da execução das penas de prisão.
III – Para os indivíduos condenados pela prática de crimes que têm maior impacto na sociedade, como os crimes contra as pessoas, a reintegração social, mas, em especial, a prevenção geral, torna-se mais difícil, pois que a sociedade tende a revelar-se receosa, inflexível e até mesmo revoltada, e por muito que na metade do cumprimento da pena o recluso demonstre estar preparado para ser libertado, as necessidades preventivas gerais têm de impor-se como limite às necessidades preventivas especiais.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 732/21.0TXPRT-G.P1
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Acordam em Conferência no Tribunal da Relação do Porto:
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1-RELATÓRIO
No Processo n.º 732/21.0TXPRT-G do Tribunal de Execução das Penas do Porto, Juízo de Execução das Penas do Porto - Juiz 5, em 19-09 -2023, foi proferida decisão de não colocar o condenado AA em liberdade condicional.
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Não se conformando com esta decisão, recorreu o condenado, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:
«- Por douta sentença proferida pelo Tribunal de Execução de Penas, foi determinado não conceder ao recorrente a liberdade condicional a metade do cumprimento da pena.
- Como decorre de tal Douta Decisão, estriba-se a mesma na circunstância de se não encontrarem preenchidos os pressupostos consignados na lei, e concretamente, aqueles que visam acautelar o cumprimento dos princípios da proteção geral e especial das penas.
- Com tal Decisão não pode o recorrente conformar-se, entendendo que a mesma encerra não só erro de julgamento quanto à factualidade dada por assente, como, de igual modo, traduz uma errónea interpretação e aplicação do direito, e, concretamente, do disposto no artº 61, nº 1 e 2, a) e b) do Código Penal.
- No que concerne à decisão sobre a matéria de facto, a discordância do recorrente assenta desde logo na inclusão na mesma de conclusões, juízos de valor e conceitos jurídicos e clara violação da lei.
- Concretamente, deu o Douto Tribunal por provado no seu ponto identificado com a alínea p) que “Confrontado com a prática criminal o recluso não admite a prática dos factos na sua totalidade e, relativamente aos que admite, não admite a culpa pessoal, apresentando uma postura de desculpabilização com a influência de terceiros e um discurso autocentrado nos custos da reclusão, sem reflexão sobre a gravidade dos crimes e as consequências nefastas dos crimes para a sociedade.”
- Salvo melhor opinião, a alínea em causa não contem tão somente uma mera exposição dos factos, mas contem já um juízo de valor que se traduz nomeadamente numa utilização de conceitos tais como “culpa pessoal”, “postura de desculpabilização”, “discurso autocentrado”, “sem reflexão sobre a gravidade dos crimes e as consequências nefastas dos crimes”
- A utilização de tais expressões revela pois a utilização de conceitos que, em muito, ultrapassam a mera exposição de factos, pelo que, como tal, deverão ser considerados por não escritas e assim retiradas do elenco da factualidade dada por assente.
- Por outro lado, e mesmo que assim se não entendesse, sempre se dirá que, de igual modo, tal matéria “fáctica” teria se ser considerada por assente numa errada apreensão por parte do julgador, das declarações prestadas pelo ora recorrente.
- De facto, o teor dos factos que foram integrados na mencionada alínea p), necessariamente teriam de decorrer das declarações prestadas pelo recorrente no âmbito do estipulado no artº 176º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.
- Ora, salvo o devido e merecido respeito, de tais declarações não resulta qualquer conduta desculpabilizante por parte do recorrente, que afirmando ter-se arrependido, justificou a sua atuação, por influência de terceiros, algo que apenas traduz a realidade dos factos, já que, como comprovado, nos autos que conduziram à prolação do Acórdão condenatório, o crime em causa foi praticado em coautoria.
- Como tal, por inexistir nos autos qualquer elemento probatório que pudesse contribuir para o apuramento da factualidade vertida na alínea e referencia, sempre a mesma deveria ser eliminada.
Sem conceder,
- Contrariamente ao doutamente decidido, entende o recorrente que, dada a factualidade dada por assente, a decisão a proferir deveria ser outra, ou seja, deveria ter sido no sentido de conceder ao recorrente a liberdade condicional.
- Com efeito, e como é pacificamente entendido pela jurisprudência e doutrina maioritárias, o instituto a liberdade condicional justifica-se à luz da finalidade preventiva especial da reintegração do agente na sociedade e da finalidade preventiva - geral da tutela de bens jurídicos, sendo que, estas duas finalidades justificam que no decurso da execução da pena de prisão seja ponderada a necessidade de continuar a executar a sanção em meio prisional.
- Como tal, a ponderação de conceder ou não a liberdade condicional estará sempre dependente de se saber se as necessidades de prevenção geral e da prevenção especial se encontrem ou não acauteladas na situação fáctica prevista nas alíneas a) e b) do nº 2 do artº 61º do Código Penal.
- De acordo com este normativo, quando o recluso tiver já cumprido metade da pena, deverá o Tribunal conceder liberdade condicional, quando for fundadamente de esperar que o recluso uma vez em liberdade conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável sem cometer crimes, e, tal libertação se revele compatível com a defesa jurídica e da paz social.
- O normativo referido entronca nos princípios vazados no artº 42º do Código Penal, que, basicamente nos dizem da intenção do legislador em que a execução das penas se encontra subordinada à respetiva finalidade principal, qual seja, a de proteger os bens jurídicos e reintegrar o agente na sociedade.
- No caso sub judice, entende o recorrente que a sua entrada no regime de liberdade condicional em nada faz perigar as finalidades a pena de prisão, quer no que respeita às necessidades da prevenção geral, quer no que concerne às necessidades da prevenção especial.
- No que concerne à prevenção geral, entendeu o Douto Tribunal recorrido que dada a acentuada gravidade do crime fiscal cometido, e ao facto de tal crime ter sido cometido de forma reiterada, e com consequências tão nefastas, os objetivos da pena não se conseguiriam alcançar caso se determinasse a concessão da liberdade condicional, atenta a necessidade dissuasão e da prevenção da justiça social.
- Sucede que, no caso em apreço tal necessidade já não se vislumbra, não havendo fundamento algum para que se negasse a concessão do instituto em causa.
- Com efeito, desde logo a necessidade da reprovação e da reposição da paz social foi já alcançada aquando da determinação concreta da pena, pois que certamente que o Tribunal ao fixar uma pena de prisão mais próxima do limite máximo do que do limite mínimo, sopesou já a gravidade do crime em causa, e a necessidade de reposição dos valores que foram violados com a prática do crime.
- Acresce que, é notório que a prática do crime ocorreu já há mais de dezassete anos, encontrando-se já diluída no tempo a repercussão da prática do crime, em termos da sociedade não sendo crível que a libertação do recorrente tivesse na sociedade um qualquer efeito negativo quanto à impunibilidade da infração cometida ou do desvalor das normas punitivas.
- Pelo contrário, volvidas quase duas décadas, será adequado ter por certo que se tenham já esbatido na sociedade os efeitos negativos do crime e a necessidade da execução da pena.
- Assim, e mesmo tendo em conta a gravidade do crime cometido, (já devidamente considerado em termos de fixação de pena) nenhuma razão existe para que se entenda que a colocação do recluso em liberdade pudesse pôr em crise os princípios e a necessidade da prevenção geral.
- Por outro lado, se tal sucede a nível de prevenção geral o mesmo se dirá no quer concerne à prevenção especial.
- Com efeito, contrariamente ao decidido a Douta Decisão recorrida, entende-se que o cumprimento da pena pelo período de dois anos consciencializou já o recluso da gravidade da sua conduta, e da necessidade de preservação dos valores que as normas violadas pretendiam acautelar.
- Para além das suas declarações, em que objetivamente se afirmou arrependido, confessando a prática do crime em apreço, haverá que valorizar todas as circunstâncias que resultaram provadas e que devem ser ponderadas e termos adequadas.
- Nestas, ter-se-ão de evidenciar aquelas que resultam do registo criminal do aqui recorrente que, certifica que não praticou o recluso qualquer outro crime, e que o mesmo após a prática do ilícito de natureza criminal exerceu de forma continua e regular a sua profissão sem qualquer registo de infração.
- De igual modo, seriam de ponderar todas as circunstâncias referentes ao período de reclusão, em que não se registou qualquer incidente, sendo certo que resulta também dos autos que sempre cumpriu o recorrente com os seus deveres, mesmo quando em gozo das saídas precárias, devendo também dar-se realce ao facto de ter aproveitado para trabalhar no estabelecimento prisional enquanto cumpria a pena de prisão.
- Tal atuação do recluso não pode deixar de ser valorada, como tradutora de uma crescente consciencialização da necessidade de cumprimento dos seus deveres, e assim da sua ressocialização.
- Sendo que, deveria ter assumido especial relevo, e não assumiu, a circunstância de ser expectável que o recluso, no seguimento do contrato celebrado, venha a exercer atividade profissional remunerada, logo que posto em liberdade, podendo refazer a sua vida, pois que para tal tem habitação adequada, e um centro familiar estável, que se encontra perfeitamente inserido no respetivo meio social.
- Ora, salvo o devido e merecido respeito, todas estas circunstâncias não foram devidamente ponderadas pelo Tribunal, no sentido de as considerar como adequadas a um juízo favorável no que concerne à concessão da liberdade condicional, pelo que, incorreu o Tribunal recorrido em errada apreensão da factualidade dada por assente, e, por consequência, em errónea aplicação do direito.
- Consequentemente e por força da errada fixação da matéria de facto, (no que respeita à aliena p) que assim deverá ser eliminada) e por força ainda da aplicação errónea do direito e violação do disposto nos artºs 42º, nº 1, 62º, nº 2, a) e b), ambos do Código Penal, deverá a Douta Decisão recorrida ser revogada e substituída por outra, que determine a concessão da liberdade condicional, pois que,
- “I-A concessão da liberdade condicional depende não só da verificação dos requisitos formais, mas também dos pressupostos materiais.”
- II- Verificando-se que o arguido/ recluso não regista, em meio prisional, sanções disciplinares, não foi condenado por outros crimes, antes ou depois daquele cuja pena cumpre, e assumiu a prática do crime, verificam-se os pressupostos materiais para que lhe seja concedida a liberdade condicional.” (Conf. Acórdão do TRL, de 12/05/2016, Proc. 1727/14.5TXLSB-D.L1 9ª Secção, in
https://www.pgdlisboa.pt/jurel/jur_mostra_doc.php?codarea=57&nid=5131

E assim, se decidindo, se fará inteira, cabal e já costumada JUSTIÇA»
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O Ministério Público, nas suas alegações de resposta, pronunciou-se pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida
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Nos termos do artigo 414º, nº 4, do Código de Processo Penal (aplicável ex vi do artigo 239º do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade), a Mmª Juíza a quo sustentou a decisão recorrida.
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Nesta sede, o Exmo. Procurador-geral Adjunto emitiu parecer também no sentido da improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida.
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Foi cumprido que o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP.
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Colhidos os vistos e indo os autos à Conferência, cumpre apreciar e decidir.
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2-FUNDAMENTAÇÃO
2.1-QUESTÕES A DECIDIR
Conforme Jurisprudência constante e assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, as questões a apreciar e decidir são:
- Impugnação da matéria de facto constante da decisão com pedido de exclusão da alínea “p” dos factos provados, atento o seu cariz conclusivo; se assim não se entender, atenta a errada interpretação efetuada das palavras do condenado.
- Verificação ou não dos pressupostos de que depende a concessão da liberdade condicional.
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2.2- A DECISÃO RECORRIDA:
É o seguinte o teor da decisão recorrida:
«I. Relatório
Corre termos o presente processo de liberdade condicional referente ao recluso AA, devidamente identificado nos autos, o qual cumpre a pena de 3 anos e 9 meses de prisão à ordem do Processo nº 378/03.4TASTS da Comarca do Porto – Vila do Conde – JC Criminal – Juiz 4.
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Foi realizada a instrução, com elaboração dos pertinentes relatórios e junção de CRC atualizado.
Reunido o Conselho Técnico, procedeu-se à audição do recluso, o qual consentiu na aplicação da liberdade condicional.
Os elementos do Conselho Técnico emitiram parecer desfavorável, por maioria ( com voto favorável do representante do serviço de reinserção social e do representante da área da vigilância e segurança do EP) à concessão da liberdade condicional.
O Ministério Público teve vista do processo, emitindo igualmente parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional
II. Factos com interesse para a decisão
Com relevo para a decisão a proferir, mostram-se assentes os seguintes factos:
A. No âmbito do processo da pena em execução – Processo nº378/03.4TASTS da Comarca do Porto – Vila do Conde – JC Criminal – Juiz 4, foi o recluso condenado na pena de 3 anos e 9 meses de prisão, pela prática de um crime de fraude Fiscal qualificada, p.p. pelo artº 103º, nº 1, a) e c) e nº 3 e artº 104, nº1, d) e nº 2da Lei 15/2001, de 5 de Junho - Regime Geral das Infrações Tributárias ( RGIT) (factos praticados no período de 2001 a 2006, nos termos dados como provados no acórdão condenatório, dos quais resultou um prejuízo para o Estado de 1.641.568,94 euros ) .
B. O recluso atingiu o meio da pena em 12.08.2023, os dois terços serão atingidos em 28.03.2024, estando o termo previsto para 28.06.2025.
C. Não tem averbada no seu Certificado do Registo Criminal qualquer outra condenação.
D. O recluso:
a) Nasceu em .../.../1954.
b) Iniciou o seu percurso académico em idade regulamentar, possuindo o ensino secundário.
c) Iniciou-se laboralmente pelos 18 anos de idade, no setor têxtil. Pelos 21 anos coletou-se passando a exercer atividade no setor têxtil por conta própria.
d) No período que antecedeu a sua reclusão, encontrava-se ativo laboralmente como comercial/revendedor no setor têxtil.
e) Em liberdade mantém o apoio do seu agregado familiar, constituído unicamente pela companheira, com 57 anos de idade.
f) A companheira reside numa habitação térrea, arrendada, de tipologia 2, com condições de habitabilidade, sita numa freguesia do concelho de Vila do Conde, sem registo de fenómenos de exclusão social.
g) A dinâmica familiar é descrita como gratificante.
h) No meio social não há sinais de rejeição à presença do recluso.
i) Apresenta contrato-promessa de trabalho nos termos que constam de fls. 157.
j) Numa primeira fase, até que aufira os seus próprios rendimentos, a sua subsistência será assegurada pelo salário da sua companheira, ativa laboralmente, como técnica superior da administração pública, auferindo um vencimento líquido mensal de €1.050.
l) O agregado possui de despesas mensais de € 500,00 inerentes ao arrendamento da habitação e de € 400,00 relativos aos consumos domésticos, para além dos gastos alimentares.
m) Encontra-se em RAI desde 21/7/2023.Benefciou de uma licença de saída jurisdicional e uma licença de saída de curta duração, sem registo de incidentes.
n) No EP trabalha na lavandaria.
o) Tem comportamento ajustado ao normativo institucional.
p) Confrontado com a prática criminal o recluso não admite a prática dos factos na sua totalidade e, relativamente aos que admite, não admite a culpa pessoal, apresentando uma postura de desculpabilização com a influência de terceiros e um discurso autocentrado nos custos da reclusão, sem reflexão sobre a gravidade dos crimes e as consequências nefastas dos crimes para a sociedade.
q) Ouvido, prestou as declarações que constam do auto de fls.158, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
III. Motivação da matéria de facto
Para prova dos factos acima descritos o tribunal atendeu aos seguintes elementos constantes dos autos, analisados de forma objetiva e criteriosa:
- Certidão do acórdão condenatório e liquidação da pena;
- Ficha biográfica;
- Relatório dos serviços de educação;
- Relatório dos serviços de reinserção social;
- Certificado do Registo Criminal;
- Declarações do recluso de fls. 158.
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IV. Fundamentação jurídica
O instituto da liberdade condicional, enquanto incidente de execução da pena de prisão que antecipa a libertação do condenado, visa eliminar ou, pelo menos, esbater, o efeito criminógeno da pena e consequente aumento das dificuldades dos condenados em regressarem, de forma integrada, ao seio da comunidade, terminado que seja o respetivo cumprimento (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, págs. 528 e 542).
Pode ler-se, a propósito, no ponto 9 do Preâmbulo do C. Penal (1982):
«Definitivamente ultrapassada a sua compreensão como medida de clemência ou de recompensa por boa conduta, a liberdade condicional serve, na política do Código, um objetivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.».
Não estamos, assim, perante um instituto concebido como medida de clemência ou como mera compensação pela boa conduta prisional, mas antes, como um incentivo e auxílio ao condenado, uma vez colocado em meio livre, a não recair na prática de novos delitos, permitindo-lhe uma adaptação gradual à nova realidade e a consequente adequação da sua conduta aos padrões sociais.
Daí que, sejam razões de prevenção geral positiva e de prevenção especial de socialização que estão na base do instituto, em plena conformidade, aliás, com as finalidades das penas assinalados no art. 40º, nº 1, do Código Penal (cfr. Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 528).
Estatui o art. 61º do Código Penal que:
1 - A aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado.
2 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.
3 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior.
4 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena.
5 - Em qualquer das modalidades a liberdade condicional tem uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de cinco anos, considerando-se então extinto o excedente da pena.
A concessão da liberdade condicional depende da verificação de pressupostos formais e substanciais.
São pressupostos de natureza formal de tal instituto os seguintes:
a) O consentimento do condenado (artigo 61º, nº 1, do Código Penal (CP);
b) O cumprimento de, pelo menos, seis meses da pena de prisão ou da soma das penas de prisão que se encontram a ser executadas (artigos 61º, nº 2 e 63º, nº 2, do CP);
c) O cumprimento de 1/2, 2/3 ou 5/6 da pena de prisão ou da soma das penas de prisão que se encontram a ser executadas (artigos 61º, nºs 2, 3 e 4 e 63º, nº 2, do CP).
A liberdade condicional quando referida a 1/2 ou a 2/3 da pena (liberdade condicional facultativa) consiste num poder-dever do tribunal vinculado à verificação de todos os pressupostos formais e materiais estipulados na lei, sendo que estes últimos são em número diferente consoante estejamos perante o final do primeiro ou do segundo dos supra referidos períodos de execução da pena de prisão.
Por seu turno, são requisitos substanciais (ou materiais) da concessão da liberdade condicional (exceto na situação do n.º 4):
a) que, de forma consolidada, seja de esperar, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer crimes, tendo-se para tanto em atenção as circunstâncias do caso, a sua vida anterior, a respetiva personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão (que constituem índices de ressocialização a apurar no caso concreto); e
b) a compatibilidade da libertação com a defesa da ordem e da paz social (exceto, também, na situação do n.º 3).
Ora, no que se reporta aos requisitos da liberdade condicional, é comummente aceite e lido que a alínea a) se reporta e assegura finalidades de prevenção especial, ao invés da alínea b) que antes visa finalidades de prevenção geral.
Como tal, dando o efetivo relevo ao fito de reinserção social por parte da liberdade condicional, vislumbrável através da condução de vida por parte do libertado condicional de modo socialmente responsável e sem cometer crimes, haverá para tanto que no caso em análise, para efeitos da alínea a) – no propósito de prevenção especial inerente – atender-se, fundadamente, a tais dimensões subjetivas pelas seguintes vias:
1) circunstâncias do caso: tal análise deve ser concretizada na valoração concreta dos crimes cometidos e pelos quais operou condenação em pena de prisão, o que se deve fazer por via da apreciação da natureza dos crimes e das realidades normativas que deram azo à efetiva determinação concreta da pena, face ao art. 71.º CP e, por efeito inerente, à medida concreta da pena, assim se atendendo ao grau de ilicitude do facto, ao concreto modo de execução deste, bem como à gravidade das suas consequências e ao grau de violação dos deveres impostos ao agente; determinando a intensidade do dolo ou da negligência considerada; atendendo aos provados sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; acompanhando as condições pessoais do agente e a sua situação económica; atentando na conduta anterior ao facto e na posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; considerando a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta foi censurada através da aplicação da pena.
2) consideração da vida anterior: tal análise deve ser concretizada na valoração concreta do constante do CRC – simples existência, ou não, de antecedentes criminais.
3) personalidade do condenado: tal análise deve ser concretizada na valoração concreta, ainda que por via estatística, do passado criminal postulado nos existentes antecedentes criminais, elemento este que se pode revelar como fortemente indiciador de uma personalidade disforme ao direito e, como tal, não merecedora da liberdade condicional, tudo com o firme propósito de aquilatar e compreender se o determinado percurso criminoso do condenado se gerou em circunstâncias que o mesmo não controlou, ou não controlou inteiramente (a chamada culpa pela condução de vida).
4) evolução da personalidade do condenado durante a execução da pena de prisão: tal análise deve ser concretizada na valoração concreta, não só pelos comportamentos assumidos institucionalmente pelo condenado no seio prisional (a vulgar esfera interna psíquica do condenado), mas essencialmente por via dos padrões comportamentais firmados de modo duradouro e que indiciem um concreto e adequado processo evolutivo de preparação para a vida em meio livre, sempre temperados nos limites da liberdade condicional.
Por último, em termos de duração da liberdade condicional, fixa o nº5 do art. 61º do Cód. Penal, que esta tem uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de cinco anos, considerando-se então extinto o excedente da pena.
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No caso em apreço nos autos, está em causa a primeira apreciação de viabilidade/possibilidade de concessão de liberdade condicional, sendo que estamos em fase igual ao ½ de cumprimento da pena, alcançado em 12/08/2023.
Perante a factualidade apurada com relevo para a decisão a proferir, no que se reporta aos pressupostos formais da concessão da liberdade condicional podemos concluir pelo seu preenchimento, porquanto o recluso cumpriu ½ da pena de prisão em que se mostra condenado e declarou aceitar a aplicação da liberdade condicional.
Verificados que estão os pressupostos formais para a concessão da liberdade condicional, cumpre avaliar o preenchimento dos respetivos requisitos de natureza material, os quais, dada a presente fase da execução da pena, são os estabelecidos no artigo 61º, nº2, alíneas a) e b), do Código Penal.
Em primeira linha, cumpre considerar que o crime fiscal em apreço, sobretudo quando praticados de forma reiterada como é o caso dos autos, se reveste de muito acentuada gravidade, resultando fortes as (notórias) exigências de prevenção ao nível geral que operam no caso em análise, atento o elevado número de vezes que tal tipo de crime é cometido entre nós, assim como a correlativa e consabida danosidade social.
Trata-se, neste âmbito, de preservar a ideia da reafirmação da validade e vigência da norma penal violada com a prática desse crime (v., a propósito do requisito da alínea b) do nº2 do artigo 61º do Código Penal, as Actas da Comissão de Revisão do Código Penal, ed. Rei dos Livros, 1993, p. 62), o que se mostra incompatível com a aplicação do regime da liberdade condicional nesta fase do cumprimento da pena de prisão, antes demandando acrescido período de prisão efetiva.
Tal como se entendeu no acórdão de 14.07.2010, proferido pelo Tribunal da Relação do Porto no âmbito do Recurso n.º 2318/10.5TXPRT-C.P1, processo n.º 2318/10.5TXPRT-C, do 1.º Juízo deste TEP do Porto, cumpre “que se tenha em consideração que, como se salienta no Ac. R. de Lisboa de 28/10/2009, Proc. nº 3394/06.TXLSB-3, em www.dgsi.pt, “em caso de conflito entre os vetores da prevenção geral e especial, o primado pertence à prevenção geral. No caso de se encontrar cumprida apenas metade da pena, a prevenção geral impõe-se como limite, impedindo a concessão de liberdade condicional quando, não obstante o prognóstico favorável sobre o comportamento futuro do condenado, ainda não estiverem satisfeitas as exigências mínimas de tutela do ordenamento jurídico”, sob pena de se fazer tábua rasa da tutela dos bens jurídicos, se banalizar a prática de crimes (incluindo os de gravidade significativa) e, no fundo, se defraudarem as expectativas da comunidade, criando nos seus membros forte sentimento de insegurança, potenciando a perda de confiança dos cidadãos no próprio Estado como principal regulador da paz social” (v., também, em www.dgsi.pt).
No acórdão do mesmo tribunal superior proferido em 16.05.2012 (Recurso n.º 2412/10.2TXPRT-H.P1), considerou-se que as exigências de prevenção geral “não ficam satisfeitas pela circunstância de não se verificar rejeição social no meio em que a mesma [condenada] se insere, já que o que está em causa é ‘a suportabilidade comunitária do risco da libertação’, entendendo-se aqui a comunidade jurídica e não apenas o meio social restrito em que a arguida se encontra inserida”. Na decisão sumária proferida pelo Tribunal da Relação do Porto em 03.07.2012 (Recurso n.º 1350/11.6TXPRT-D.P1), entendeu-se que o preenchimento do requisito da alínea b) do artigo 61.º, n.º 2, do Código Penal, “não pode satisfazer-se com a mera diluição dos aspetos negativos da sua [do condenado] imagem e com a ausência de sinais de rejeição ao seu regresso no meio comunitário restrito a que pertence e a parte de cujos membros certamente terá laços senão familiares, pelo menos afetivos”. E no acórdão, também proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, com data de 13.03.2013 (Recurso n.º 1574/10.3TXPRT-J.P1), quanto ao conceito de comunidade jurídica, considerou-se que “o que releva ao nível da prevenção geral é a sociedade ou comunidade em geral e não unicamente o meio familiar e social em que a condenada se insere”.
Noutra vertente, concretamente no que se prende com as circunstâncias do caso sub judice (artigo 61.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal), cumpre considerar que o desvalor objetivo dos factos subjacentes ao crime aparece como muito acentuado, manifestado, nomeadamente, no modo de atuação, no prolongamento no tempo e grau de organização da atividade na qual o recluso (ao contrário do que afirma) assumia papel de relevo e liderança, como se refere no acórdão condenatório: “o arguido AA, verdadeiro “arquiteto” da atividade criminosa em questão”- cfr. fls. 116 verso dos autos.
Como resulta da factualidade provada no acórdão condenatório o recluso foi o mentor, o estratega da complexa execução do plano criminoso que causou relevante prejuízo causado ao Estado factos que, a par dos demais provados no Acórdão condenatório, revelam uma personalidade vincadamente desviante, indiferente à violação dos bens jurídicos em causa e persistente no propósito criminoso. O recluso levou a cabo esta atividade durante um período de, pelo menos, 5 anos.
Trata-se de uma atividade organizada em alta escala cujo desenvolvimento o recluso liderou.
Ora, assim sendo, tratando-se de atividade tão nefasta para a sociedade mas que permite facilmente a obtenção de proveitos tão aliciantes, quer a necessidade de dissuasão quer de justiça social sempre impediriam a concessão da liberdade condicional nesta fase da pena.
No dizer de Fernanda Palma (in “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva”, nas “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, ed. 1998, AAFDL, pág. 25), “a proteção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A proteção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial”.
No que se prende especificamente com a criminalidade fiscal, como tem vindo o TRP a insistir [1]
“a sociedade espera sem dúvida alguma que o tipo de crime (…) seja efetivamente punido, pois só desse modo se cria e fortalece a expectativa de validade da ordem jurídica” sobretudo, acrescenta-se num quadro de vida socioeconómica tal como o agora vivido entre nós, em que se impõe com especial acuidade a proteção do valor da segurança do comércio jurídico [2].
De facto, a prevenção geral – aquela que para o juiz é, também, um exercício de análise e ponderação sobre os fatores, níveis e exteriorizações do pulsar de coração social, do sentir coletivo e do querer comum da sociedade em cada momento, gerando, deste modo, uma necessidade de constante atualização sobre esses expressares bem como uma contínua e sólida visão do sentido de regra de experiência de vida – não está assegurada nas suas exigências no presente momento em termos de neutralização do efeito negativo do crime na comunidade, da dissuasão e do fortalecimento do seu sentimento de justiça e de confiança na validade da norma violada, considerando a natureza e gravidade dos crimes praticados.
Como refere Costa Andrade “A nova lei dos crimes contra a economia (Dec. Lei nº 28/84 de 20 de Janeiro) à luz do conceito de “Bem Jurídico”, in Direito Penal Económico, CEJ, ciclo de estudos Coimbra 1985, pág. 93, “Os estudos de criminologia têm com efeito revelado a frequência com que os delinquentes de “ colarinho branco” praticam os crimes contra a economia a coberto da racionalização da lealdade aos valores últimos da vida económica, só por eles autenticamente interpretados e assumidos. O que se não pode deixar de ter reflexos v.g. no regime do erro, pode igualmente encurtar o campo das opções de política criminal quanto aos modelos de reação. Não será, por exemplo, em absoluto desrazoável acreditar que, em certas áreas só o recurso às reações criminais, com o cotejo de emoções que suscitam e os rituais que as acompanham, despertará o consciente coletivo para a danosidade destas práticas”
Assim as exigências de prevenção geral, muito fortes no caso em apreço, sempre impedem a libertação antecipada neste momento da execução da pena.
Ora, não obstante o bom trajeto prisional que vem efetuando, a verdade é que, esse percurso, que efetivamente é meritório, permitiu ao condenado realizar o seu percurso de aproximação ao meio livre, onde dispõe de apoio familiar, através do gozo de licenças de saída jurisdicional e de curta duração, tendo ascendido a RAI em 21/07/2023, mas não é suficiente para satisfazer as necessidades de prevenção geral que se verificam.
Mas também as necessidades de prevenção especial se fazem sentir.
Como se refere no Ac. da RC de 25/2/2015 (disponível em www.dgsi.pt) "I – Para se poder concluir por um juízo de prognose favorável tendente à concessão da liberdade condicional, não basta que o condenado tenha em reclusão bom comportamento, e que aparente uma perspetiva de vida de acordo com as regras sociais vigentes.
II – Para além da vontade subjetiva do condenado, o que releva decisivamente é a sua "capacidade objetiva de readaptação ", de modo que as expectativas de reinserção sejam manifestamente superiores aos riscos que a comunidade deverá suportar com a antecipação da sua restituição à liberdade."
Ora, do ponto de vista do seu posicionamento relativamente ao ilícito cometido, o recluso apresenta uma consciência critica muito incipiente, desde logo, negando parte dos factos provados, no que respeita ao seu papel de estratega e mentor do plano de execução da atividade criminosa, optando por apresentar uma versão em que imputa a responsabilidade a terceiros, que o terão influenciado a participar no negócio, apresentando um discurso de desculpabilização e até de vitimização, completamente incompatível com a que resulta dos factos dados como provados no acórdão condenatório.
Ora, é manifesto que o recluso necessita, desde logo, dada a dimensão da prática delituosa, de evoluir ao nível da consciência critica genuína quanto à gravidade do crime e na reflexão sobre as consequências nefastas do mesmo para a sociedade ( note-se que o recluso nega que diretamente com a sua conduta tenha causado prejuízo ao Estado… e nem se lembra se foi condenado a pagar alguma indemnização…!).
Sem uma consciência critica satisfatória a estes níveis as necessidades de prevenção especial também se mantém elevadas, pois, o recluso a qualquer momento pode estar novamente exposto a contactos, possibilidades e tentações de obtenção de dinheiro fácil.
É certo que no período em que decorreu o processo e no período que mediou entre o trânsito em julgado da decisão condenatória (5/4/2017) e o início do cumprimento da pena (28/09/2021) não houve notícia de comportamentos desviantes por parte do recluso mas não se pode esquecer de que se tratava de uma situação especial vivenciada pelo recluso e o que se pretende com o juízo de prognose favorável não é apenas que o recluso não cometa crimes num período em que decorre contra si um processo crime ou no período da liberdade condicional mas sim que se afaste definitivamente da prática criminosa, para o que se mostra essencial que alcance uma consciência critica satisfatória a todos os níveis.
Como supra dissemos, não há dúvida que para ser concedida a liberdade condicional no presente momento têm de estar preenchidas as razões de prevenção especial
– [a): reinserção do condenado e prevenção da reincidência - não voltar a delinquir] e as razões de prevenção geral – [b): a pena já cumprida seja sentida pela comunidade como já suficiente para a proteção dos bens jurídicos e para a reinserção do condenado (reforçando o sentimento prevalecente de que a norma violada mantém a sua validade)], sendo tais requisitos de natureza cumulativa, demonstrativos do carácter excecional da concessão da liberdade condicional, nesta fase – neste sentido Cfr. o Ac da RP de 20jan2010 in www.dgsi.pt/jtrp - NUIPC 2997/09.6TXPRT-A.P1.
Esta avaliação não é posta em causa pelos pareceres favoráveis emitidos por dois dos membros do Conselho Técnico, uma vez que, para além de se tratar de pareceres não vinculativos, consistem em avaliações que se situam a níveis diferentes da avaliação imposta ao tribunal, pois, como se explica no Acórdão da Relação do Porto de 20/06/2020, in www.dgsi.pt: as motivações que estão na origem dos Pareceres emitidos pelos membros do Conselho Técnico: “centram-se eminentemente na pessoa do recluso e deixam na sombra as repercussões sociais dos crimes e os efeitos da pena na recomposição da confiança comunitária do Direito, como fator de estabilidade e bem-estar, por tais crimes abalada.”
Em conclusão, apesar do positivo percurso interno do condenado, e apesar ainda do apoio familiar de que dispõe no exterior, nesta fase da execução da pena, face as exigências de prevenção geral e especial que se verificam , não se mostram preenchidos os requisitos substanciais de que depende a concessão da liberdade condicional, ao nível das als. a) e b) do n.º 2 do art. 61.º do CP, razão pela qual não pode a mesma ser concedida.
V. Decisão
Pelo exposto, tudo visto e ponderado, atentas as disposições legais citadas e as considerações expendidas, decide-se não conceder a liberdade condicional ao condenado AA, pelo que o cumprimento efetivo da pena de prisão se manterá.
Notifique o condenado, a IM e o Ministério Público.
Após trânsito em julgado, comunique à equipa de Reinserção Social da DGRSP e ao processo da condenação.
Consigno que para efeitos de renovação de instância se deve atender à data de 28 de Março de 2024 (Alarme Citius/Habilus) correspondente aos ⅔ de pena.
Deve a secção, em 28 de Dezembro de 2023 levar a cabo as solicitações de referência ao art. 173º do CEP (solicitar relatório aos serviços prisionais e aos serviços de reinserção social).
D.N.»
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2.3- APRECIAÇÃO DO RECURSO.
2.3.1- - Impugnação da matéria de facto constante da sentença com pedido de exclusão da alínea p dos factos provados, atento o seu alegado cariz conclusivo ou, se assim não se entender, que se conclua pela errada interpretação efetuada das palavras do condenado.
Entende o Recorrente que:
« - Concretamente, deu o Douto Tribunal por provado no seu ponto identificado com a alínea p) que “Confrontado com a prática criminal o recluso não admite a prática dos factos na sua totalidade e, relativamente aos que admite, não admite a culpa pessoal, apresentando uma postura de desculpabilização com a influência de terceiros e um discurso autocentrado nos custos da reclusão, sem reflexão sobre a gravidade dos crimes e as consequências nefastas dos crimes para a sociedade.
- Salvo melhor opinião, a alínea em causa não contem tão somente uma mera exposição dos factos, mas contem já um juízo de valor que se traduz nomeadamente numa utilização de conceitos tais como “culpa pessoal”, “postura de desculpabilização”, “discurso autocentrado”, “sem reflexão sobre a gravidade dos crimes e as consequências nefastas dos crimes”
- A utilização de tais expressões revela pois a utilização de conceitos que, em muito, ultrapassam a mera exposição de factos, pelo que, como tal, deverão ser considerados por não escritas e assim retiradas do elenco da factualidade dada por assente.»
Vejamos.
A decisão que aprecia a concessão da liberdade condicional é, nos termos conjugados dos artigos 177º, n.º 2, do CEPMPL e 97º, n.º 1, al, b) do CPP, um ato decisório do juiz, constituindo um despacho que, não sendo de mero expediente, não é uma sentença, porquanto não conhece a final do objeto do processo.
Sendo uma decisão judicial está sujeita a fundamentação, nos termos do artigo 205º, n.º1 da Constituição da República: «As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.»
E compreende-se a razão de ser desta imposição quer na decisão judicial em geral quer no processo penal, pois a fundamentação da decisão, dando a conhecer aos destinatários da decisão, à comunidade em geral e, em caso de recurso, ao tribunal da instância superior, as razões pelas quais o Tribunal decidiu num sentido ou noutro, é uma exigência do Estado de Direito e do direito a um processo justo e equitativo, onde constitui uma garantia de defesa, desde logo através do direito ao recurso, assegurado pelo artigo 32º, n.º 1 da Constituição.
Este princípio constitucional do dever de fundamentação das decisões judiciais é depois concretizado pelo legislador ordinário, variando o grau de fundamentação exigido de acordo com as matérias e relevância das decisões em causa, o que é claramente percetível no Código de Processo Penal na diferença de tratamento dada às sentenças, aos despachos e aos despachos de mero expediente.
Com efeito de acordo com o artigo 97.º, n.º 5 do CPP, «Os atos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.», o mesmo dizendo o artigo 146º, n.º 1 do CEPMPL.
O grau de exigência na fundamentação das sentenças é superior ao dos despachos, conforme se retira do disposto nos artigos 374º, 375º e 379º do CPP.
A decisão que aprecia a liberdade condicional, embora sujeita ao dever geral de fundamentação do artigo 97º, n.º 5 do CPP, não está sujeita às exigências de fundamentação das sentenças, pois o artigo 374º do CPP é aplicável apenas às sentenças, conforme resulta logo da sua inserção sistemática.
É certo que na decisão que aprecia a liberdade condicional devem ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão, e se estes por fundamentação deficiente tornem difícil a sindicância da decisão pelo Tribunal de recurso, verifica-se um vício/erro daquela.

Atenta a redação do art.º 179º, nº 1 do CEPMPL, aí se prevê que o recurso é limitado à questão da concessão ou recusa da liberdade condicional.
A este respeito se pronunciou, entre outros, o Acórdão do TRE de 24/01/23, proferido no processo nº 357/16.1TXEVR-J.E1, em que foi relator Moreira das Neves, e onde se refere que: “(…) Com efeito, a decisão recorrida não é um «acórdão» nem uma «sentença» (cf. artigo 97.º, § 1.º e 2.º CPP), sendo que só destas decisões finais, previstas nos artigos 374.º a 377.º CPP, é cabível a impugnação ampla, nos termos previstos no artigo 412.º, § 3.º CPP. Mas do que aqui deveras se trata é de um despacho judicial, proferido em fase pós-sentencial, antecedido do procedimento especialmente previsto nos artigos 173.º a 177.º CEPMPL. A isso acresce que o juízo em que assentou a factualidade que o tribunal considerou relevante para a decisão que lhe cabe proferir, traz impregnada a valoração judicial de todos os dados recolhidos nos autos, nela expressamente referidos, inclusivamente quanto às questões suscitadas pelo recorrente. Deste modo, singelo, improcede este fundamento do recurso.(…)”
Impõe-se, assim, concluir que, nesta matéria, cabe apenas ao Tribunal de recurso verificar se o Tribunal a quo, ao formar a sua convicção, fez um bom uso do princípio de livre apreciação da prova, aferindo da legalidade do caminho prosseguido até se chegar à matéria fáctica dada como provada e não provada, devendo tal apreciação ser feita com base na motivação elaborada pelo Tribunal de primeira instância e na fundamentação da sua escolha, ou seja, no cumprimento do disposto no art.º 374º, nº 2 do Cód. de Proc. Penal.
Avancemos, então.
No caso em apreço o Recorrente invoca que da alínea “p” dos factos provados não constam factos, mas “juízos de valor” e que, como tal, deve ser considerada não escrita.
Transpondo para a prática o que acima escrevemos a matéria de facto pode ser sindicada pela via de erro de julgamento, quando esse erro se prende com a questão vertida no artigo 179º, nº 1, do CEPMPL (questão da concessão ou recusa da liberdade condicional).
Com efeito, a decisão recorrida reveste a forma de despacho, proferido após o procedimento previsto nos artigos 173º a 177º do CEPMPL, ponderando os elementos considerados com interesse para a decisão, resultantes da Instrução do processo, do Parecer do Conselho Técnico, da audição do recluso e do Parecer do Ministério Público.
Será que, no caso concreto, foi extraída para a matéria de facto qualquer conclusão patentemente errada, ilógica ou arbitrária – designadamente na aludida alínea p) dos Factos Provados?

No Auto de Audição de Recluso com vista à LIBERDADE CONDICIONAL (art. 176º do CEP) consta o seguinte:
«(…)
Inquirido declarou o recluso:
Relativamente ao crime pelo qual cumpre pena assume a sua prática referindo que o praticou por influência de amigos que lhe propuseram intermediar o negócio da venda de cimento. Afirma que fez mal porquanto tinha autorização da empresa espanhola para depositar os cheques da venda do cimento na sua conta pessoal e depois fazia a transferência direta do pagamento para a Empresa Espanhola quando devia ter levantado o dinheiro e fazer a transferência no balcão da instituição bancária.
Afirma que pela intermediação da venda do cimento recebia 3% de comissão valor que declarava em Espanha e que calcula num valor global de cerca de 6.000.00 euros.
Entende que ele diretamente não causou qualquer prejuízo ao Estado porque quem tinha que pagar o IVA eram as empresas que adquiriam o cimento, sendo que dois dos Diretores fugiram desconhecendo o seu paradeiro.
Afirma que só trabalhava com uma empresa Espanhola da qual não recorda o nome mas que tinha sede em Vigo.
No período de 2001 a 2006 para além da referida atividade também mantinha atividade na área têxtil, agenciando e vendendo tecidos e produto acabado.
Relativamente ao pagamento da indemnização afirma não se recordar de tal condenação.
Quando em Liberdade irá viver para Vila do Conde com a companheira de há 18 anos ativa profissionalmente como funcionária pública. Vai diligenciar pela obtenção da reforma. Tem proposta de trabalho nos termos que consta do contrato promessa junto aos autos; enquanto não obtiver rendimentos próprios será auxiliado pelos rendimentos da companheira.
As licenças de saída têm sido passadas com a companheira.
NO EP trabalha na Lavandaria.
Questionado sobre o facto de vir a ser detido apenas em 28-9-2021refere que não se apresentou porque foi uma decisão que tomou continuando a trabalhar na área têxtil. Mais refere que também tinha interposto um recurso para o Tribunal Dos Direitos do Homem.
Afirma-se arrependido e tendo tentado ter um comportamento adequado e adaptado ao cumprimento da pena.
Aceita a Liberdade CondicionalFIM DA TRANSCRIÇÃO

Relativamente aos factos dados como provados no ponto p) da decisão recorrida dir-se-á que as conclusões do mesmo constante não se podem ter como apenas “juízos de valor” arbitrários e ilógicos; são as conclusões que a Srª Juíza a quo extraiu do teor das declarações prestadas pelo recorrente em sede de Conselho Técnico.
Das mesmas se pode verificar que o Recorrente desculpou-se pela prática dos factos com a influência de terceiros querendo dizer que foi inocentemente levado à prática do crime … e que o problema foi a forma como os pagamentos foram feitos. Todavia da decisão condenatória consta que foi “o arguido AA, verdadeiro “arquiteto” da atividade criminosa em questão”
Acresce que de tais declarações resulta que o recorrente não revela ter noção do prejuízo causado ao Estado – num total de € 1.655.646,55 – dizendo não se recordar de ter sido condenado a pagar qualquer indemnização, circunstância que também apoia aquela alínea “p” dos factos provados.
Tudo para concluirmos que a alínea “p” dos factos provados não se limita a meros juízos de valor, mas que são conclusões extraídas do teor das suas declarações e que, como tal, assim devem ser considerados.
Improcede, pois, o pedido do Recorrente no sentido de considerar não escrita a aludida alínea “p” dos factos provados.

2.3.2- Verificação dos pressupostos de que depende a concessão da liberdade condicional.
Entende o recorrente que se verificam os pressupostos previstos no artigo 61º, n.º 2, als. a) e b) do Código Penal, os quais determinam que beneficie do regime de liberdade condicional.
Por decisão proferida a 19/09/2023, foi negada a concessão de liberdade condicional ao recorrente AA, que cumpre uma pena de 3 anos e 8 meses de prisão pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada (factos praticados no período de 2001 a 2006, dos quais resultou um prejuízo para o Estado de € 1.641.568,94) cujo meio da pena foi atingido em 18/08/2023, o cumprimento de dois terços vai alcançar-se em 28/03/2024 e o seu termo está previsto para 28/06/2025.

Considerou-se na decisão recorrida que “a prevenção geral (…) não está assegurada nas suas exigências no presente momento em termos de neutralização do efeito negativo do crime na comunidade, da dissuasão e do fortalecimento do seu sentimento de justiça e de confiança na validade da norma violada, considerando a natureza e gravidade dos crimes praticados”, de forma que tais exigências “…muito fortes no caso em apreço, sempre impedem a libertação antecipada neste momento da execução da pena”.
Assim como se entendeu, quanto às necessidades de prevenção especial, que estas também se fazem sentir com particular acuidade, pois que “…o recluso apresenta uma consciência critica muito incipiente, desde logo, negando parte dos factos provados, no que respeita ao seu papel de estratega e mentor do plano de execução da atividade criminosa, optando por apresentar uma versão em que imputa a responsabilidade a terceiros, que o terão influenciado a participar no negócio, apresentando um discurso de desculpabilização e até de vitimização, completamente incompatível com a que resulta dos factos dados como provados no acórdão condenatório”.
E “Sem uma consciência critica satisfatória a estes níveis as necessidades de prevenção especial também se mantém elevadas, pois, o recluso a qualquer momento pode estar novamente exposto a contactos, possibilidades e tentações de obtenção de dinheiro fácil”.

Vejamos.
Dispõe o artigo 61º do Código Penal o seguinte:
«1 - A aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado.
2 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.
(…)
5 - Em qualquer das modalidades a liberdade condicional tem uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de cinco anos, considerando-se então extinto o excedente da pena.» - negrito nosso

O instituto da liberdade condicional assume um carácter de última fase de execução da pena a que o delinquente foi condenado e, assim, a natureza jurídica – que ainda hoje continua a ser-lhe predominantemente assinalada – de um incidente (ou de uma medida) de execução da pena de prisão[3].
Constitui o principal instrumento de adequação da pena de prisão ao estado do processo de readaptação do condenado, o qual será colocado em liberdade condicional logo que se mostre preparado para conduzir a sua vida no futuro sem cometer crimes e desde que estejam asseguradas as necessidades de prevenção geral e cumprida uma parte relevante da pena.
Aliás, a concessão da liberdade condicional constitui uma etapa normal da execução das penas de prisão, podendo afirmar-se que, por regra, uma execução de pena bem sucedida, cumpridora das finalidades que lhe estão atribuídas no n.º 1 do artigo 42º do CP, culminará na concessão da liberdade condicional.
O agente, uma vez cumprida parte substancial da pena de prisão a que foi condenado (pelo menos metade como no caso em apreço) vê recair sobre ele um juízo de prognose favorável sobre o seu comportamento futuro em liberdade, eventualmente condicionado pelo cumprimento de determinadas condições – substancialmente análogas aos deveres e regras de conduta que fazem parte das penas de substituição da suspensão da execução da prisão – que lhe são aplicadas[5].
Foi, desta forma, uma finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização que conformou a intenção político-criminal básica da liberdade condicional desde o seu surgimento[6].

Resulta do citado artigo 61º que a liberdade condicional em sentido próprio, enunciada nos seus ns.º 2, 3 e 4, depende de pressupostos formais e materiais[7].
Constituem pressupostos formais:
a) O consentimento do condenado (artigo 61.º, nº1, do Código Penal);
b) O cumprimento de, pelo menos, seis meses da pena de prisão ou da soma das penas de prisão que se encontram a ser executadas (artigos 61.º, nº2 e 63.º, nº2, ambos do Código Penal);
c) O cumprimento de 1/2, 2/3 ou 5/6 da pena de prisão ou da soma das penas de prisão que se encontram a ser executadas (artigos 61.º, nº2 e 63.º, nº2, do Código Penal).
Constituem pressupostos de natureza material:
a) O juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado quando colocado em liberdade (art.º 61.º, nº 2, al a) do Código Penal);
b) O juízo de prognose favorável sobre o reflexo da libertação do condenado na sociedade (juízo atinente à prevenção geral positiva), dito de outro modo, sobre o seu impacto nas exigências de ordem e paz social (artigo 61.º nº 2, al b) do Código Penal).
Uma vez verificados os pressupostos – formais e materiais – de que depende, o Tribunal de Execução de Penas tem o poder-dever de colocar o condenado em liberdade condicional.

Não estando em causa a ausência de algum pressuposto formal, importa centrar a análise do presente recurso na verificação do pressuposto substancial da concessão da liberdade condicional quando se mostra cumprida metade da pena de prisão ou seja quando for fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e que impacto nas exigências de ordem e paz social tem a libertação deste condenado em concreto.
É o que resulta ainda do disposto no art.º 42.º, n.º 1, do CPenal e no art.º 2.º, n.º 1, do Código da Execução das Penas e Medidas de Segurança Privativas da Liberdade, de acordo com o qual “A execução das penas e medidas de segurança privativas da liberdade visa a reinserção do agente na sociedade, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, a proteção dos bens jurídicos e a defesa da sociedade.”
De tal normativo resulta que a ressocialização é perspetivada pela lei portuguesa como principal objetivo do ius puniendi. Acresce que, também a ressocialização dos condenados se apresenta, no nosso Estado de Direito, como um imperativo de carácter ético e constitucional. Como refere Figueiredo Dias, In Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Notícias Editorial, p.529, 553 - a “finalidade da execução da pena é simultaneamente mais modesta, mais nobre – e mais difícil. Do que se trata, verdadeiramente, é de oferecer ao delinquente o máximo de condições favoráveis ao prosseguimento de uma vida sem praticar crimes, ao seu ingresso numa vida fiel ou conformada com o dever-ser jurídico-penal – visando a prevenção da reincidência através da colaboração voluntária e ativa daquele”.

O impacto da natureza dos crimes e a gravidade dos mesmos não deverá ser desprezado, havendo sempre necessidade de garantir, como a lei expressamente exige, na al. b) do nº 2 do art.º 61º da CP, que a libertação ocorra sem prejudicar gravemente a paz social e sem beliscar a confiança da comunidade na ordem jurídica.
Temos como quase certo que, para os indivíduos condenados pela prática de crimes que têm maior impacto na sociedade, como os crimes contra as pessoas, a reintegração social, mas, em especial, a prevenção geral, torna-se mais difícil. A sociedade tende a revelar-se receosa, inflexível e até mesmo revoltada. Por muito que a metade do cumprimento da pena o recluso demonstre estar preparado para ser libertado, as necessidades preventivas gerais têm de impor-se como limite às necessidades preventivas especiais.
Tal interdependência é justificada, desde logo, porque a ressocialização dos criminosos apresenta-se como concretização de um dever de solidariedade e de auxílio - auxílio esse que terá de partir não apenas do Estado mas também da própria comunidade. Por tudo o que fica acima referido quando, in casu, tal conjuntura se verifique, o condenado, ao cumprir os demais pressupostos, é colocado em liberdade condicional.

O juízo de prognose vai muito para além da avaliação do condenado, uma vez que a confiança na ordem jurídica e o alcance social que a libertação terá são também determinantes. Possibilitar, numa fase “prematura”, a concessão de liberdade condicional, obriga a que as exigências materiais sejam maiores. Não obstante tais exigências, no nosso entender, a oportunidade de beneficiar da liberdade condicional mais cedo continua a ser um estímulo para o recluso fazer notar-se com sucesso pela evolução do seu comportamento, com seriedade, esforço, responsabilidade e vontade, quer dentro, como fora do estabelecimento prisional, uma vez que é de seu conhecimento que tal situação coloca-o mais perto de alcançar a meta e conseguir a liberdade definitiva.

Analisada a decisão recorrida, percebemos que a não concessão da liberdade condicional se alicerça na dúvida que se expressa por causa de o Recorrente tentar desculpar a sua atuação com o envolvimento com outras pessoas (mas efetivamente o crime foi cometido em coautoria) e na forma de execução do mesmo crime, facilitado – como ele refere - pelo facto de receber os cheques e passar a depositar na sua conta em lugar de logo transferir para quem de direito crime. A decisão recorrida acaba também por cair no chavão já tantas vezes ouvido que a comunidade ficará com a ideia de que “o Crime Compensa”.
É certo que não podemos esquecer as razões endógenas ligadas à personalidade do arguido e à gravidade do ilícito criminal cometido, que levantaram, reservas à formulação de um prognóstico favorável no sentido supramencionado, isto é, que é seguro que o arguido em liberdade não vai cometer novos crimes e vai manter uma conduta conforme ao direito.
A vida anterior do agente e a sua personalidade têm também que ser ponderadas na decisão de concessão da liberdade condicional, não podemos esquecer que o que estamos a fazer é “um juízo de prognose”.

Quanto a estes aspetos está provado que:
-O Recorrente nasceu em 1954, tem quase 70 anos.
- Os factos ilícitos foram praticados há mais de 17 anos.

Dos factos provados resulta ainda que:
«No período que antecedeu a sua reclusão, encontrava-se ativo laboralmente como comercial/revendedor no setor têxtil.
Em liberdade mantém o apoio do seu agregado familiar, constituído unicamente pela companheira, com 57 anos de idade.
A companheira reside numa habitação térrea, arrendada, de tipologia 2, com condições de habitabilidade, sita numa freguesia do concelho de Vila do Conde, sem registo de fenómenos de exclusão social.
A dinâmica familiar é descrita como gratificante.
No meio social não há sinais de rejeição à presença do recluso.
Apresenta contrato-promessa de trabalho nos termos que constam de fls. 157.
Numa primeira fase, até que aufira os seus próprios rendimentos, a sua subsistência será assegurada pelo salário da sua companheira, ativa laboralmente, como técnica superior da administração pública, auferindo um vencimento líquido mensal de €1.050.
O agregado possui de despesas mensais de € 500,00 inerentes ao arrendamento da habitação e de €400,00 relativos aos consumos domésticos, para além dos gastos alimentares.
Encontra-se em RAI desde 21/7/2023. Beneficiou de uma licença de saída jurisdicional e uma licença de saída de curta duração, sem registo de incidentes.
No EP trabalha na lavandaria.
Tem comportamento ajustado ao normativo institucional.»

De todo o circunstancialismo provado não resulta nada de objetivo no sentido de que o condenado não está arrependido nem que não interiorizou suficientemente o desvalor da sua conduta. Repare-se que do teor do auto de audição do Condenado (que acima transcrevemos na totalidade) a nosso ver, não se pode dali retirar que o condenado não está arrependido (ele afirma-se arrependido) ou não reconhece totalmente o desvalor da sua conduta (tenta, isso sim, desculpar-se e minimizar o impacto da mesma).
O caminho a percorrer com vista à ressocialização é um caminho longo cuja avaliação deve resultar de muitos momentos no percurso prisional e que se espelha nas atitudes, empenhamento, motivação, resultados alcançados pelo recluso, sem prejuízo naturalmente da importância das declarações prestadas.
O que concluímos é que as declarações do arguido (ao desculpar-se com a influência de terceiros e com o modo de pagamento que facilitou a prática co crime; e confessando não se lembrar da condenação de pagamento ao Estado) não são de molde a infirmarem os elementos muito positivos constantes dos factos provados atinentes ao seu comportamento: demonstrou sempre vontade de trabalhar (trabalha na Lavandaria); teve sempre comportamento adequado e bem adaptado. Está em RAI; já beneficiou de duas saídas sem registo de qualquer incidente.
A tudo isto acresce que não há no meio social qualquer sinal de rejeição à sua libertação nem presença.
No exterior dispõe de apoio familiar consistente, por parte da sua companheira há 18 anos; vai diligenciar pela obtenção da reforma; tem promessa de trabalho (conforme contrato junto aos autos).

Parece-nos claro que os elementos dos autos revelam empenhamento por parte do recluso no processo de readaptação social e de manutenção de conduta socialmente adequada. E tal deve ser valorizado em termos de juízo de prognose favorável quanto ao futuro comportamento do condenado, se em liberdade.

Como se escreve no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7.7.2016 (processo n.º 824/13.9-TXLSB-J.L1-3), in dgsi.pt:
“(…)Se a aplicação das penas tem em vista o afastamento do arguido do percurso criminoso, então, há que passar à prática a teoria e testar a liberdade condicional, ainda que possa parecer ao cidadão comum uma benesse.(…) (…) E ainda como diz o mesmo desembargador (Vaz Pato): “Assim sendo, não se afigura que no caso vertente, seja fundamento suficiente para negar a concessão da liberdade condicional que o condenado desvalorize a gravidade do crime (…) se dessa sua postura não resulta que há perigo de ele vir a cometer novos crimes.” – sublinhado e negrito nossos.
É o que se nos afigura nos presentes autos.

Perante o exposto, conclui-se que o sistema prisional cumpriu a sua função e é o momento de o recluso demonstrar que já consolidou os valores necessários à convivência em sociedade, através do instituto da liberdade condicional, mostrando-se, pois, verificados os pressupostos indicados na alínea a) e b) do nº 2 do art. 61º do Código Penal.

O Recorrente revela capacidade de readaptação social e o meio social envolvente entende que o cumprimento de metade de uma pena de 3 anos e 8 meses, ou seja 22 meses de prisão, e a sua libertação condicional, neste caso concreto (prática de um crime de fraude fiscal qualificada; factos cometidos há mais de 17 anos; não tendo averbado no seu CRC qualquer outra condenação; condenado com 70 anos de idade; com apoio familiar da sua companheira de há 18 anos; e com contrato promessa de trabalho apresentado; e, ainda, com possibilidade de diligenciar pela reforma), não faz perigar qualquer expectativa comunitária; o impacto da libertação não é negativo.
Quer isto dizer que se por um lado não nos encontramos naquelas áreas de criminalidade para as quais a comunidade exige uma tutela acrescida, como por exemplo no homicídio, nos roubos e sequestros à mão armada, na violência doméstica, na violação ou no abuso sexual de menores, acresce que se trata também da prática de um só crime. Tudo para concluirmos, mais uma vez, que a comunidade não se sente traída com a libertação prematura do aqui Recorrente.

Assim, considerando os elementos existentes nos autos e os factos apurados extraídos de tais elementos, há que concluir que se mostram verificados também os pressupostos materiais que fundamentam a concessão da liberdade condicional, julgando-se o recurso procedente.

3- DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso e, em consequência revoga-se a decisão recorrida, concedendo-se a liberdade condicional ao recorrente AA, sujeita às seguintes condições:
1) apresentar-se no prazo de cinco dias úteis na equipa da DGRSP da área da sua residência, cuja direção lhe será indicada no ato de libertação, tomando-se do facto o competente registo;
2) residir na morada indicada nos autos, no Concelho de Vila do Conde;
3) colaborar com os serviços de reinserção social que ficarão responsáveis pelo acompanhamento da medida;
4) manter boa conduta, com observância dos padrões normativos vigentes.

Sem custas.
Comunique ao TEP, ao EP e à DGRSP e passe, de imediato, mandados de libertação.
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Porto, 17 de Janeiro de 2014
PAULA PIRES
HORÁCIO CORREIA PINTO
MARIA DEOLINDA DIONÍSIO
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[1] Cfr. o Ac. do TRP de 16mai2012 no NUIPC 1789/10.4TXPRT-E.P1 d 1.º Juízo deste TEP-Porto
[2] No mesmo sentido, os Ac. de 13mar2013 do TRP no NUIPC 1574/10.3TXPRT-J.P1 e de 3abr2013, no NUIPC159/11.1TXPRT-K, respetivamente do 1.º e do 2.º Juízo deste TEP-Porto
[3] Cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, p. 528; Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2018, Reimpressão, p. 97.
[4] Cfr. Joaquim Boavida, A Flexibilização da Prisão, 2018, p. 123-124.
[5] Cfr. Figueiredo Dias, op. e loc. cit.
[6] Cfr. Figueiredo Dias, op. e loc. cit.
[7] Sobre os pressupostos da liberdade condicional, ver, entre outros, os Acórdãos: TRC de 16/12/2015, 27.09.2017 e 21-02-2018 (VASQUES OSÓRIO); TRP de 14.07.2010 (Artur Vargues); TRP de 15.09.2010 (Élia São Pedro); TRP de, 03/10/2012 (JOAQUIM GOMES); TRP de 25/05/2016 (ELSA PAIXÃO); TRP de 24/09/2014 e de 8/03/2017 (PEDRO VAZ PATO); TRP de 03/08/2018 (MANUEL SOARES); do TRE de 05/02/2019 (António Latas), todos disponíveis em dgsi.pt.