Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1127/24.9T8PRD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISOLETA DE ALMEIDA COSTA
Descritores: COMPETÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO
AUTORIZAÇÃO DE VENDA DE IMÓVEL
Nº do Documento: RP202407041127/24.9T8PRD.P1
Data do Acordão: 07/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O artigo 2º, nº 1, do DL 272/2001 de 13/10, veio atribuir competência exclusiva ao Ministério Publico para a prática de atos relativos aos menores, pelos respetivos representantes, quando legalmente exigida.
II - O nº 2, desta norma, estabelece exceções a esta regra, designadamente, na alínea b) “quando esteja em causa autorização para outorgarem partilha extrajudicial e o representante legal concorra à sucessão com o seu representado, sendo necessário nomear curador especial, bem como nos casos em que o pedido de autorização seja dependente de processo de inventário ou de acompanhamento”.
III - Não se inclui na exceção de competência do nº 2, alínea b) do artigo 2º do DL 272/01 de 13/10, o caso em que o representante legal concorre à herança com o menor e apenas pretende vender um imóvel que faz parte da mesma.
IV - Saber se o pedido de autorização de venda de imóvel pertença de herança deve ser precedido pelo pedido de partilha extrajudicial ou cumulado com este é uma questão de mérito e não de competência.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 1127/24.9T8PRD.P1

Sumário (artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
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ACORDAM OS JUÍZES DA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

I. RELATÓRIO
AA, viúva, na qualidade de representante legal das filhas menores de idade:
- BB, e CC, todas com os sinais dos autos,
Invocando os artigos 1888.º e sgts. do Código Civil e artigo 1014.º e sgts. do CPC, veio requerer, Autorização Judicial para disposição de bens, com nomeação de curador especial.
Alegou (ao que aqui interessa) que foi casada, no regime de comunhão de adquiridos, com DD, até 25 de setembro de 2023, data em que o casamento se dissolveu por morte deste, que não deixou qualquer testamento ou disposição de última vontade, que lhe sucederam como únicos herdeiros, a Requerente e os seus 4 (quatro) filhos, dos quais 2 (duas) são menores de idade e que, enquanto cônjuge e herdeira, assumiu o cabecelato.
Conclui pretender autorização para:
1 - Proceder ao trespasse, dissolução e liquidação da sociedade “A..., UNIPESSOAL, LDA”, NIPC ..., cujo capital social de €3.000,00 (três mil euros), representado por uma única quota de igual valor, era detido única e exclusivamente pelo falecido e, por isso, veio a integrar o património da herança solicitando ainda (…) autorização para a dissolução e liquidação da mesma, através do procedimento simplificado, que a dissolução ocorreria no seguimento do trespasse, transferindo-se os créditos deste decorrentes aos sócios, nas respetivas proporções (…).
II - Proceder à venda do prédio urbano sito no Lugar ..., ... ..., inscrito na Conservatória de Registo Predial de Armamar com o n.º de inscrição ..., inscrito na matriz predial urbana sob o n.º ..., com o valor patrimonial de €9.030,16 (nove mil e trinta euro e dezasseis euros), e o prédio rústico, sito no Lugar ..., ... ..., inscrito na Conservatória de Registo Predial de Armamar com o n.º de inscrição ..., inscrito na matriz predial urbana sob o n.º ..., com o valor patrimonial de € 210,00 (duzentos e dez euros), que apesar de existirem duas descrições e duas matrizes estes dois imóveis são fisicamente unos, ou seja, são a casa e seu logradouro (…)
Alega também que a massa da herança é ainda composta por outro imóvel, o qual constitui a Casa de Morada de família, cuja morada consta no introito na identificação das Partes e que todos os herdeiros pretendem manter indivisa e na propriedade da herança, até porque, lá residem os seus familiares - Mãe e Irmãs.
Mais requer a nomeação de um curador especial (…) devendo as menores serem representadas/assistidas por pessoa diversa da sua representante legal, que sugere a nomeação da madrinha de batismo de ambas, EE, titular do cartão de cidadão n.º ..., emitido pela República Portuguesa, válido até 03/08/2031, NIF ..., casada, no regime de comunhão de adquiridos, com FF, titular do cartão de cidadão n.º ..., emitido pela República Portuguesa, válido até 03/08/2031, NIF ..., ambos residentes na Praceta ..., ..., ... Maia.
Por último requer seja ordenada a citação do Ministério Público para querendo, deduzir oposição/contestar o presente pedido e sejam concedidas as autorizações supramencionadas.

EM FACE DO REQUERIMENTO INCIAL FOI PROFERIDO O SEGUINTE DESPACHO (AO QUE INTERESSA AO RECURSO):

Da competência material deste Juízo de Família e Menores de Paredes:

(…)

Determina o artigo 1889º, 1, alínea a), do Código Civil que os pais sem autorização do tribunal, não podem, como representantes dos filhos: a). Alienar ou onerar bens, salvo tratando-se de alienação onerosa de coisas suscetíveis de perda ou deterioração; (…)
O artigo do DL 272/2001, de 13 de outubro, veio determinar a atribuição e transferência de competências relativas a um conjunto de processos especiais dos tribunais para o Ministério Público e para as Conservatórias de Registo Civil, regulando os correspondentes procedimentos.
Estabelece o artigo 2º, n.º 1, al. b) do DL n.º 272/2001, de 13.10 que «São da competência exclusiva do Ministério Público as decisões relativas a pedidos de:

(…) b) Autorização para a prática de atos pelo representante legal do menor ou do maior acompanhado, quando legalmente exigida; (…) 2 - O disposto no número anterior não se aplica: (…) b) Às situações previstas na alínea b), quando esteja em causa autorização para outorgarem partilha extrajudicial e o representante legal concorra à sucessão com o seu representado, sendo necessário nomear curador especial, bem como nos casos em que o pedido de autorização seja dependente de processo de inventário ou de acompanhamento.

(…)

A - São da competência exclusiva do Ministério Público as decisões relativas a pedidos de autorização para a prática de atos pelo representante legal do menor/incapaz, quando legalmente exigida.
B - A competência deixa de ser do Ministério Público e transita para o Tribunal, quando esteja em causa:
1 - Autorização para outorgar partilha extrajudicial e o representante legal concorra à sucessão com o seu representado, sendo necessário nomear curador especial.
2 - Nos casos em que o pedido de autorização seja dependente de processo de inventário ou de interdição.

Por conseguinte, salvo o devido respeito por melhor opinião, este Juízo de Família e Menores apenas é competente para conhecer de um pedido de autorização para a representante legal de filhos menores outorgar partilha extrajudicial, em que concorra também à sucessão com o seu representado e em que é necessário nomear curador especial, o que não é o caso ora trazido à colação, que através do pedido presente a representante legal das referidas filhas menores pretende obter autorização para proceder ao trespasse, dissolução e liquidação da identificada sociedade e à venda do referido prédio urbano que fazem parte da identificada herança ilíquida e indivisa e não à partilha da herança.
Tanto assim é que a própria Requerente alega que a massa da herança é ainda composta por outro imóvel, o qual constitui a Casa de Morada de família, e que todos os herdeiros pretendem manter tal prédio na propriedade dessa herança.
Donde resulta claro que em causa não está um qualquer pedido de outorga de partilha extrajudicial, mas tão um pedido de autorização para se proceder à oneração de bens da herança e repercute-se que, nos termos do artigo 2º, n.º 2, al. b) do DL 272/2001, se exclui a competência exclusiva do MP para a autorização para a prática de atos pelo representante legal do menor quando esteja em causa autorização para outorgarem partilha extrajudicial e o representante legal concorra à sucessão com o seu representado, sendo necessário nomear curador especial.
Nesse sentido veja-se:
- O Acórdão da Relação de Lisboa de 03.04.2008, em que foi relator o Exmo. Desembargador Neto Neves, (…) O Acórdão do STJ de 09 de Outubro de 2003 (Processo 03B1382), (…) O Acórdão da Relação do Porto de 08.05.2003, processo n.º 0332282, em que foi relator o Exmo. Desembargador Dr. Viriato Bernardo (…)
Não se desconhece o decidido no Acórdão da Relação do Porto de 24.09.2020, em que foi relatora a Exma. Desembargadora Ana Lucinda Cabral, (…), salvo o devido respeito, que é muito, não se perfilha tal posição (…)

(…) terá que se concluir pela incompetência material deste tribunal para preparar e julgar a presente ação, cabendo tal competência ao Ministério Público.
A incompetência em razão da matéria constitui uma exceção dilatória de conhecimento oficioso e pode ser conhecida neste momento (artºs 577º, 578º, 64º, 96º, 98º, 99º, todos do CPC).

Pelo exposto e atento o disposto nos preceitos legais citados julga-se este Juízo de Família e Menores absolutamente incompetente, em razão da matéria, para conhecer da presente ação, e, em consequência, indefere-se liminarmente o presente requerimento inicial.

DESTA DECISÃO APELOU O MP TENDO FORMULADO AS SEGUINTES CONCLUSÕES:
1- Já correu termos no Ministério Público junto do Juízo de Família e menores de Paredes o processo para autorização para prática de atos n.º 2331/23.2T9PRD no qual AA, na qualidade de representante legal das suas filhas menores BB, nascida em ../../2011 e CC, nascida ../../2011 veio requerer, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea b), e 3.º n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de Outubro, autorização para a venda de bens de que as menores são herdeiras, nomeadamente:
2- 3/16 do prédio urbano, Rua ..., Lugar ..., ..., na freguesia ..., concelho de Armamar, descrito na Conservatória do Registo Predial de Armamar, sob o número ..., da referida freguesia, inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artigo ... e ... do prédio rústico, Rua ..., Lugar ..., ..., na freguesia ..., (…)
2- A 18-11-2023, a Magistrada do Ministério Público exarou decisão, considerando não ter o Ministério Público competência decisória no caso em apreço, por entender estar a mesma excecionada nos termos do artigo 2.º, n.º 2 do DL nº 272/2001, de 13 de outubro e decidiu indeferir o peticionado, em conformidade com o estatuído no citado artigo 2.º, n.ºs 1 e 2 e 3.º, n.º 5 do aludido diploma legal.
3- A questão decidenda nos presente auto consiste em apurar se existe factualidade suscetível de legitimar a concessão da requerida autorização para disposição dos bens que integram a herança deixada por óbito de DD, em representação das suas filhas menores.
4- Dispõe o art.º 1889º, n.º 1, do Código Civil que: “Como representantes do filho não podem os pais, sem autorização do tribunal: a) Alienar bens (...)”.
Esta disposição legal, tendo em vista garantir a efetiva defesa dos interesses do menor, faz depender de autorização do tribunal ou do Ministério Público, nos termos do disposto no art.º 2º, n.º 1, al. b), do Decreto-Lei n.º 272/01, de 13/10), a alienação de bens dos menores.
5- Compulsados os autos e do próprio requerimento inicial, constata-se que não foi outorgada qualquer partilha extrajudicial, nem houve lugar a inventário judicial por óbito de DD (…).
6- Ora, “antes da partilha existe comunhão, a herança indivisa constitui uma universalidade de direito, com conteúdo próprio, sendo os herdeiros apenas titulares de um direito indivisível, enquanto não se fizer a partilha”.
7- Com a entrada em vigor do DL n.º 272/2001, de 13/10, a autorização para a prática de atos pelo representante legal do incapaz, quando legalmente exigida, passou a ser da competência exclusiva do Ministério Público (cfr. artigo 2.º, nº 1, al. b) do referido diploma), com exceção dos casos em que (cfr. artigo 2.º, n.º 2):
- esteja em causa autorização para outorga de partilha extrajudicial e o representante legal concorra à sucessão com o seu representado, sendo, neste caso, necessário nomear curador especial (nos termos do artigo 17.º CPC) e
- o pedido de autorização seja dependente de processo de inventário ou de interdição,
Sendo que, em tais situações, a competência não pertence ao Ministério Público, mas sim ao juiz, na medida em que haverá um conflito de interesses e a necessidade de nomear um curador especial nos termos do artigo 17.º CPC.
8- Quando assim seja, o representante legal do incapaz terá que recorrer ao processo especial previsto no artigo 1439.º do CPC.
9-(…), não foi ainda efetuada a partilha, a requerida autorização não pode ser concedida, na medida em que as menores não são (ainda) titulares de direito real de propriedade sobre os bens, mas apenas titulares do direito à herança indivisa por óbito do seu pai.
10- Caso a requerente pretenda efetuar a venda e trespasse, dissolução e liquidação dos bens identificados nos autos, terá de proceder previamente à partilha dos bens que integram a herança.
11- Poderá consegui-lo através de inventário judicial ou, se assim o entender, através de partilha extrajudicial, devendo, porém, ter em atenção que, por concorrer à sucessão com as suas filhas, se verifica um conflito de interesses que a impede de outorgar na partilha em representação daquelas (cfr. art.º 1889º, n.º 1, al. l), in fine, do CC).
12- Dessa forma, deverá requerer junto do Tribunal de Família e Menores autorização para proceder à aludida partilha extrajudicial, assim como a nomeação de curador especial para nela outorgar em representação das menores (cfr. artigo 1890.º, n.º 4, do CC).
13- Por outro lado, a ter existido processo de inventário, sempre não seria da competência do Ministério Público a apreciação do pedido formulado.

(…)

15- Decidiu, nessa consonância, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 983/20.4T8PRD.P1, relator Ama Lucinda Cabral, de 24-09-2020,in www.dgsi.pt:
«Sumário: I - O Ministério Público carece de competência para apreciar e decidir pedido da mãe de dois menores para a autorizar, como representante legal deles, a alienar bens imóveis pertencentes à herança indivisa aberta por óbito do seu marido e pai dos menores.
II - Tal alienação terá de ser precedida de partilha com inventário obrigatório, na qual a representante legal concorre à sucessão com os seus representados.
III - Proferida decisão pelo Ministério Público num pedido dessa natureza a decisão é inexistente, tudo se passando como se nunca tivesse sido proferida».
16- Aliás, deve o Ministério Público diligenciar pela integral salvaguarda dos direitos dos menores, pelo que tem de assegurar, após a eventual prolação de decisão de autorização, pelo depósito em conta bancária aberta em nome das menores, a movimentar pelas mesmas apenas após a maioridade, do produto da venda e do trespasse que corresponde à sua quota-parte no produto das alienações. Ora, tais operações de cálculo, para fiscalização da atuação da legal representante, já representam operações de partilha, pelo que não se concebe que o Tribunal se agarre ao elemento literal, argumentando que não é peticionada a outorga de partilha extrajudicial.

(…)

19- Ora, para o efeito, teriam que ser praticados atos de partilha, na qual a requerente é interessada, na herança aberta por óbito do seu falecido marido, conjuntamente com as duas filhas em comum.
20- Autorizando a venda, estaria o Ministério Público indiretamente a autorizar também a partilha extrajudicial da herança, (….).
21- Em suma, o Ministério Público não tem competência decisória no caso em apreço, por entendermos estar a mesma excecionada nos termos do artigo 2.º, n.º 2 do DL. n.º 272/2001, de 13 de outubro.
Pelo que se impõe, por isso, julgar procedente o recurso interposto, revogando-se a decisão exarada, exarando-se decisão que considere que o Tribunal é materialmente competente para decisão sobre o requerido nos autos.
Nada obsta ao mérito.

II.O OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as matérias que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do código de processo civil).
Atentas as conclusões da recorrente a única questão a decidir é a de aferir se o Tribunal é competente em razão da matéria para conhecer do pedido formulado pela Requerente por efeito do disposto no art.º 2, n.º 2, alínea b) do DL 272/2001, de 13 de outubro.

III.O MÉRITO DO RECURSO:

III.1FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

Dá-se aqui por reproduzida a fundamentação supra.

III.2 FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:

III.2.1

A competência material é um pressuposto processual que se determina pelo modo como o autor configura o pedido e a respetiva causa de pedir. (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 74 e 75; Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, II, 1970, 379).
Com efeito, os pressupostos processuais constituem as condições mínimas de que depende o exercício da função jurisdicional e, no caso da competência, visam assegurar a justiça da decisão, a garantia de que a mesma é dimanada do Tribunal mais idóneo (Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, II, 1970, 379 e 380), donde que para que o Tribunal possa decidir sobre a procedência ou o mérito de um pedido, é indispensável que a ação seja proposta perante o tribunal competente para a sua apreciação, o que significa também, que deve haver uma relação direta entre a competência e o pedido (Castro Mendes, Direito Processual Civil, I, 557).
A competência de um tribunal em razão da matéria é assim a medida do objeto material da sua jurisdição. A infração das regras de competência em razão da matéria, de conhecimento oficioso, determina a incompetência absoluta do tribunal, exceção dilatória típica, em princípio insanável, que implica a absolvição dos réus/requeridos da instância (artigos 99.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, alínea a), 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea a), todos do Código de Processo Civil).

III.2.2

A competência material afere-se pelo “quid disputatum” ou “quid decidendum”, em antítese com aquilo que, mais tarde, será o “quid decisum”, isto é, a determina-se pelo pedido do autor, o que não depende da legitimidade das partes, nem da procedência da ação, mas antes dos termos em que a mesma é proposta, seja quanto aos seus elementos objetivos, como acontece com a natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, seja quanto aos seus elementos subjetivos (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 91).
Da estruturação da causa, tal como é estabelecida pelo autor ou requerente, nomeadamente do pedido formulado, e dos factos donde derivam o direito para o qual se pretende a tutela, resulta não só o tema a decidir, mas também a definição do âmbito da competência, não estando esta dependente de outros pressupostos processuais, dos termos da contestação ou oposição deduzida, e maxime da procedência da pretensão.

II.2.3

Como questão prévia ponderamos que não é para o âmbito deste recurso relevante a alegação do Recorrente a sustentar que já correu termos no Ministério Público junto do Juízo de Família e Menores de Paredes o processo para autorização para prática de atos n.º 2331/23.2T9PRD, no qual, a requerente formulou pedido equivalente tendo nos respetivos autos sido exarada decisão indeferindo o peticionado por se ter entendido que face ao disposto nos artigo 2.º, n.ºs 1 e 2 e 3.º, n.º 5 e 2.º, n.º 2 do DL nº 272/2001, de 13 de outubro não lhe assistir competência para conhecer do pedido.
Como é de meridiana evidência, este procedimento apresentado junto do MP e respetiva decisão, não vinculam, nem podem vincular o tribunal, sendo certo, ainda, que nada a este respeito foi invocado no requerimento inicial, nem esta ação é proposta ao abrigo do disposto no artigo 3º, nº 6, do DL 272/2001 norma que prevê quando o pedido de autorização é apresentado ao MP: “ no prazo de 10 dias contados da notificação da decisão, pode o requerente ou qualquer interessado que tenha apresentado oposição, requerer a reapreciação da pretensão através da propositura da correspondente ação no tribunal referido no n.º 1 do presente artigo”.

III.3

Isto posto, e quanto à concreta questão da competência material do tribunal para decidir o(s) pedido(s) formulados relembra-se que o artigo 1889º do CC sob a epígrafe “Atos de cuja validade depende a autorização do tribunal” prescreve no nº 1, que: “como representantes dos filhos não podem os pais sem autorização do tribunal” praticar os atos elencados nas alíneas a) a o).
Por sua vez, o DL 272/2001, de 13 de outubro, publicado ao abrigo da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 82/2001, de 3 de agosto, operou a transferência de competência decisória em determinados processos de jurisdição voluntária dos tribunais judiciais para o Ministério Público e conservatórias, podendo ler-se no respetivo preâmbulo que “procede o presente diploma à transferência da competência decisória em processos cujo principal rácio é a tutela dos interesses dos incapazes ou ausentes, do tribunal para o Ministério Público, estatutariamente vocacionado para a tutela deste tipo de interesses, sendo este o caso das ações de suprimento do consentimento dos representantes, de autorização para a prática de atos, bem como a confirmação de atos em caso de inexistência de autorização”.
Visou o referido diploma como se acentua ainda no preâmbulo: “Colocar a justiça ao serviço da cidadania é um dos objetivos estratégicos fundamentais assumidos pelo Governo nesta área, concretizado nomeadamente na tutela do direito a uma decisão em tempo útil. Neste sentido, importa desonerar os tribunais de processos que não consubstanciem verdadeiros litígios, permitindo uma concentração de esforços naqueles que correspondem efetivamente a uma reserva de intervenção judicial. Assim, aproxima-se a regulação de determinados interesses do seu titular, privilegiando-se o acordo como forma de solução e salvaguardando-se simultaneamente o acesso à via judicial nos casos em que não seja possível obter uma composição pelas próprias partes”.
Nada disto é controverso nos autos.

De resto, como vem sustentado na decisão recorrida e também não é controverso que:

“O artigo 1º do DL 272/2001, de 13 de outubro, veio determinar a atribuição e transferência de competências relativas a um conjunto de processos especiais dos tribunais para o Ministério Público e para as Conservatórias de Registo Civil, regulando os correspondentes procedimentos.

Estabelece o artigo 2º, n.º 1, al. b) do DL n.º 272/2001, de 13.10 que «São da competência exclusiva do Ministério Público as decisões relativas a pedidos de:

(…) b) Autorização para a prática de atos pelo representante legal do menor ou do maior acompanhado, quando legalmente exigida; (…)

2 - O disposto no número anterior não se aplica: (…)

b) Às situações previstas na alínea b), quando esteja em causa autorização para outorgarem partilha extrajudicial e o representante legal concorra à sucessão com o seu representado, sendo necessário nomear curador especial, bem como nos casos em que o pedido de autorização seja dependente de processo de inventário ou de acompanhamento”.

III.4

O dissenso entre o MP e a decisão recorrida radica:

(i) no entendimento do MP de que nesta ação dado que “não foi ainda efetuada a partilha, a requerida autorização não pode ser concedida, na medida em que as menores não são (ainda) titulares de direito real de propriedade sobre os bens, mas apenas titulares do direito à herança indivisa por óbito do seu pai” (clª 9ª) e de que “Caso a requerente pretenda efetuar a venda e trespasse, dissolução e liquidação dos bens identificados nos autos, terá de proceder previamente à partilha dos bens que integram a herança” (Clª 10). (…) Dessa forma, deverá requerer junto do Tribunal de Família e Menores autorização para proceder à aludida partilha extrajudicial, assim como a nomeação de curador especial para nela outorgar em representação das menores” (cfr. artigo 1890.º, n.º 4, do CC) (clª 12ª), convocando a favor da sua posição o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 983/20.4T8PRD.P1, relator Ana Lucinda Cabral, de 24-09-2020, in www.dgsi.pt em cujo sumário se pode ler “I - O Ministério Público carece de competência para apreciar e decidir pedido da mãe de dois menores para a autorizar, como representante legal deles, a alienar bens imóveis pertencentes à herança indivisa aberta por óbito do seu marido e pai dos menores. II - Tal alienação terá de ser precedida de partilha com inventário obrigatório, na qual a representante legal concorre à sucessão com os seus representados”.
(ii) enquanto que para a Mma Juíza à quo não estando em causa “ um qualquer pedido de outorga de partilha extrajudicial, mas tão só um pedido de autorização para se proceder à oneração de bens da herança e repercute-se que, nos termos do artigo 2º, n.º 2, al. b) do DL 272/2001”, não é de excluir a competência exclusiva do MP.

III.4.1.

Antes do mais importa refletir que o acórdão convocado pelo MP foi proferido numa ação intentada ao abrigo do disposto no artigo 3º, nº 6, do DL 272/2001 com objetivo de reverter a decisão do MP que autorizou a mãe e representante dos menores a praticar atos de alienação de bens da herança, por morte do marido desta e pai dos menores, de que todos eram contitulares, tendo esta ação sido intentada pelos avós das crianças foi a petição inicial indeferida, por ilegitimidade daqueles, tendo o recurso interposto desta decisão visado a revogação da mesma quanto à decidida ilegitimidade ativa .

No acórdão recorrido veio a entender-se que “No presente caso estamos perante um pedido de autorização por parte da mãe de dois menores, como representante legal deles, para alienar bens imóveis pertencentes à herança indivisa, aberta por óbito do pai dos mesmos e seu marido.

Bem atentando neste cenário, essa alienação terá de ser precedida de partilha com inventário obrigatório, sendo que esta representante legal concorre à sucessão com os seus representados.
Trata-se precisamente do mencionado caso previsto no nº 2 do artigo 2º do Decreto-Lei 272/01.
Portanto, o Ministério Público atuou em matéria para a qual a lei excluiu expressamente a sua intervenção. Praticou ato para o qual a lei não lhe conferiu atribuições, logo, com falta de jurisdição.
Ora, tal falta de jurisdição é um vício essencial do ato praticado em que se consubstanciou a autorização concedida, o qual não constitui uma nulidade, mas antes inexistência jurídica do ato”.

III.4.2

Ora, salvo o devido respeito, que é muito, não sufragamos o entendimento do acórdão citado, pois, na nossa opinião, quando se coloca a questão de não poder ser autorizada a venda de bens da herança sem a prévia partilha, não estamos no domínio da competência, mas do mérito, isto é, de acordo com o que foi entendido em tal aresto a partilha constitui um pressuposto prévio/ questão prejudicial/condição para deferir o pedido de alienação dos bens integrantes da herança, donde que, a ser assim, no nosso entendimento, a sua ausência levaria à improcedência do pedido de autorização, decisão esta que é de mérito e supõe o reconhecimento prévio da competência – em face da pretensão formulada.
É que a questão da competência como pressuposto processual que é, assume-se meramente formal – afere-se em face do pedido formulado e destina-se a reconhecer que pode o tribunal emitir pronuncia negativa ou positiva sobre tal pedido precedendo tal pronuncia que é de mérito.
Já a questão de saber se a autorização para a venda de imóvel que faz parte de herança exige a partilha da herança, é uma questão substantiva que se insere na decisão de mérito a proferir a final (entendendo-se que, sim, o pedido de autorização improcede por falta de requisitos, entendendo-se que, não, e, verificados os demais pressupostos, o pedido de autorização é atendido).
Para responder à questão suscitada no recurso há, portanto, que esclarecer que sendo a decisão sobre a competência, uma decisão meramente formal e portanto aferida pelo pedido e causa de pedir formulados a mesma precede qualquer decisão sobre o mérito.
Daqui que, não acompanhamos este acórdão nas suas conclusões e decisão.

III.4.3.

Antes, perfilhamos o entendimento expresso de forma escorreita no acórdão do STJ de 09 de outubro de 2003 (Processo n.º 03B1382), em que foi relator o Exmo. Conselheiro Dr. Ferreira de Almeida (Conflito de Jurisdição), citado na Decisão recorrida, que decidiu: “Com o “DL 272/01 de 13/10, (…) Passaram assim a ser «da competência exclusiva do Ministério Público, por foça do disposto no art.º. 2º desse diploma, entre outras, as decisões relativas a pedidos de "autorização para a prática de atos pelo representante legal do incapaz, quando legalmente exigida " - conf. nº. 1 al. b).
Na hipótese «sub-specie», o representante legal da menor pretendia, através do requerimento apresentado em 28- 6-02, obter autorização para a venda de um prédio urbano que - conjuntamente com a menor - havia herdado (herança ainda não partilhada) por óbito de sua mulher (e progenitora da menor) ocorrida em 24-4-96, autorização essa diretamente subsumível na estatuição-previsão da al. a) do nº. 1 do artº. 1889º do C. Civil, nos termos da qual «como representantes do filho não podem os pais, sem autorização do tribunal ... alienar ou onerar bens ...».
Temos assim que, por mor da citada al. b) do nº. 1 do artº. 2º do DL 272/01, a exigida autorização do «tribunal», ou seja, do respetivo Juiz, passou a ser da «exclusiva» competência do respetivo Agente do Ministério Público.
Quer o Exmo. Magistrado do Mº Público junto do 1º Juízo do Tribunal de Família e Menores do Porto, quer o Exmo. Procurador-Geral Adjunto ora requerente, dizem que se depararia no caso vertente uma hipótese em tudo análoga à da exceção contemplada na al. b) do nº. 2 do mesmo DL, segundo a qual o disposto no nº. anterior (nº. 1) não se aplica «às situações previstas na al. b) (do nº. 1), quando esteja em causa autorização para outorgarem partilha extrajudicial e o representante legal concorra à sucessão com o seu representado, sendo necessário nomear curador especial, bem como nos casos em que o pedido de autorização seja dependente de processo de inventário ou interdição».
Ora, basta compulsar o teor do requerimento em apreço, para logo se alcançar que se não encontra em causa um qualquer pedido de «outorga de partilha extrajudicial», situação esta última que, face à eventualidade da existência de interesses contraditórios e até conflituantes, sempre recomendaria, de resto, a respetiva aceitação beneficiária, mediante a instauração do competente processo de inventário por iniciativa do Mº Público, «ex-vi» do disposto no nº. 2 do art.º. 2102º do C. Civil.
Vem apenas, e tão singelamente, formulado um pedido de autorização para «alienação» de bens, o que logo reconduz esse pedido ao âmbito da competência «genérica» do Ministério Público instituída na al. b) do nº. 1 do art.º. 2 do supracitado DL 274/01.
E, tal como acontece com a generalidade dos pressupostos processuais, a competência decisória deve aferir-se em função da causa de pedir enunciada e do pedido concretamente deduzido pelo interessado-requerente da providência.
Já o saber se esse requerimento-pedido de autorização, ou de suprimento do consentimento, pretende «mascarar», na realidade, um outro «desideratum» ínvio, v.g a autorização para a realização de um verdadeiro ato de partilha extrajudicial, poderá ser objeto de uma conclusão aposteriorística que se prende com o «fundo» ou o bom fundamento (mérito) do pedido, a extrair pela entidade com competência decisória primária na matéria.
Tratar-se-ia então de um "posterius", que não de um "prius", para não dar já como assente o que sempre careceria de demonstração”.
Esta jurisprudência foi sufragada pelo acórdão da Relação de Lisboa de 03.04.2008 (NETO NEVES) 1397/2008-2 e já anteriormente tinha sido afirmada no acórdão deste Tribunal da Relação de 08-05-2003 (VIRIATO BERNARDO) 0332282, ambos, citados na decisão recorrida, sendo certo que neste ultimo aresto se afirma expressamente (…) “Mas não há que proceder à partilha da herança como medida prévia à venda e compra anunciadas.

De facto, estando-se perante a plenitude dos herdeiros, nenhum obstáculo existe que impeça a venda, ainda que avulsa, de um bem dela integrante – cfr. art.2091º do CC e obra citada, pág.89 e segs.

É certo que tal partilha só poderá ser feita, por via judicial através de inventário, e ou através de partilha extrajudicial, dos bens em causa, por escritura púbica, o que escapa à competência do Mº Pº (v. art. 2º, 2, al. b) do DL 272/01, citados).

Mas não sendo caso de partilha, antes e apenas da venda de uma fração habitacional, integrante da herança comum, e em sua substituição adquirir bem semelhante, mas melhor e mais valioso, mantendo a menor os mesmos direitos em relação à nova aquisição, nada obsta, em princípio e, nos termos da lei, que impeça o Mº Pº de exercer as suas competências ao caso adequadas, em conformidade com a lei citada”.

III.4.4

No caso dos autos a requerente, viúva na qualidade de representante legal das filhas menores, vem pedir autorização para:
“concretizar o negócio de trespasse de estabelecimento identificado no requerimento inicial ou, em alternativa, trespassar o negócio por valor nunca inferior a € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros);
proceder à dissolução e liquidação da sociedade “A..., UNIPESSOAL, LDA”, praticando todos os atos necessários a tal fim;
vender os imóveis sitos em Armamar, também identificados no requerimento inicial, por valor nunca inferior a € 100.000,00 (cem mil euros)”.
Invoca (ao que à questão da competência interessa) que tais bens fazem parte da herança indivisa composta ainda por um outo imóvel e deixada pelo seu falecido marido pai das crianças.
De acordo com todo o exposto, este pedido de autorização para a prática de ato está abrangido pela alínea a) do artigo 1889 do CC “ Alienar ou onerar bens (…) ” , não sendo de incluir na alínea i) (…) “convencionar partilha extrajudicial”, pelo que a decisão quanto a tais pedidos de autorização firmados nos autos não é da competência do TFM, tal como ficou afirmado de forma assertiva e claramente justificado no despacho recorrido (artigo 2º nº 1 alínea b) do Dl 272/2001 de 13/10 e artigos 96º, 278.º, n.º 1, alínea a), 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea, todos do CPC).

Não se acolhe, por consequência, o recurso.

SEGUE DELIBERAÇÃO:

NÃO PROVIDO O RECURSO, CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA

Sem custas (artigo 4º do RCP)

Porto, 4-07-2024
Isoleta de Almeida Costa
Ana Vieira
Judite Pires