Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
96492/21,8YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARTUR DIONÍSIO OLIVEIRA
Descritores: MANDATO
REVOGAÇÃO UNILATERAL
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
Nº do Documento: RP2024071096492/21.8YIPRT.P1
Data do Acordão: 07/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – A liberdade de revogação do mandato prevista no artigo 1170.º, n.º 1, do CC, significa que a mesma pode fazer-se unilateralmente, a todo o tempo e não carece de justa causa, bastando que uma das partes declare que não quer a renovação ou a continuação do contrato, podendo esta declaração ser expressa ou tácita, nos termos do disposto no artigo 217.º do Código Civil.
II – Mas a revogação unilateral do contrato pode gerar a obrigação de indemnizar a parte contrária, nos termos e nas situações previstas no artigo 1172.º do CC, a não ser que exista justa causa para aquela revogação, assente em factos imputáveis à parte contrária.
III – A previsão da al. a) deste artigo 1172.º baseia-se no respeito pela vontade das partes; a previsão da al. b) pressupõe a irrelevância dessa vontade quando a mesma contraria a liberdade de revogação consagrada no artigo 1170.º, n.º 1, do CC, visando apenas atenuar as consequências dessa livre revogabilidade; as demais alíneas do artigo 1172.º, pressupondo igualmente a livre revogabilidade do contrato, mesmo quando esta fere as legítimas expectativas dos contraentes, procuram salvaguardar os interesses da contraparte assentes nas suas expectativas de permanência do vínculo contratual, ou seja, baseiam-se na tutela da confiança.
IV – Há revogação sem antecedência conveniente quando a mesma não permite à contraparte organizar-se de forma a anular ou atenuar os danos normalmente decorrentes da cessação do contrato.
V – Configurando a obrigação de indemnizar prevista nas alíneas b) a d), do artigo 1172.º, do CC, uma contrapartida, conferida pela lei, pela imperatividade do regime e livre revogabilidade dos contratos de mandato/prestação de serviços, nos casos em que esta contraria a liberdade contratual ou as exigências de boa-fé contratual e tutela da confiança, não restam dúvidas sobre a inderrogabilidade da referida obrigação de indemnização.
VI – Embora esta obrigação de indemnização não assente nos requisitos gerais da responsabilidade civil, pois não pressupõe a prática de um facto ilícito e culposo, configurando uma verdadeira responsabilidade por factos lícitos, tal obrigação depende da existência de um dano, cuja prova cabe ao lesado, e a sua fixação obedece às regras consagradas nos artigos 562.º e seguintes do CC.
VII – Estando demonstrado que a autora deixou de prestar os serviços sem pré-aviso, mas não que isso tenha gerado uma efectiva diminuição dos lucros da ré, não podemos afirmar a existência de qualquer dano.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 96492/21.8YIPRT.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
A..., Lda., com domicílio na Rua ..., ..., ..., Porto, intentou contra B..., S.A., com domicílio na Estrada ..., ..., ..., procedimento de injunção para cobrança da quantia de 17.645,42 €, correspondente ao preço dos serviços discriminados nas facturas que identifica, que prestou à requerida e que esta não pagou, acrescida dos juros de mora vencidos, no montante de 534,68 €, e vincendos, bem como de uma indemnização de 100,00 €, pelos custos suportados com a cobrança da dívida.
A requerida deduziu oposição, na qual arguiu a ineptidão do requerimento inicial e, presumindo que este se reporta a um contrato por via do qual a requerente ficou responsável pelo desenvolvimento da loja on-line da requerida, em contrapartida de 15% sobre o valor das vendas sem IVA e líquido de custos de entrega, alegou que, em 26.05.2021, a requerente resolveu unilateralmente e sem fundamento esse contrato, causando prejuízos à requerida no valor de 300.000,00 €, que peticiona a título reconvencional.
Após distribuição dos autos como acção com processo comum, a autora apresentou réplica, onde reconheceu ter posto fim à prestação de serviços na área do “marketing” digital das vendas “on line” dos produtos da marca “...” que havia acordado com a ré, esclarecendo que não se tratou de uma resolução, mas sim de uma denúncia, mais alegando a liberdade para o fazer de acordo com os termos contratuais. Para o caso de assim não se entender, alegou ainda a possibilidade de livre revogação do contrato de prestação de serviços, nos termos do disposto no artigo 1170.º, n.º 1, do CC, e a inexistência, no caso concreto, da obrigação de indemnizar à luz do disposto no artigo 1172.º, do CC. Por fim, impugnou os prejuízos invocados pela reconvinte e terminou pugnando pela improcedência do pedido reconvencional.
Admitida a reconvenção, foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a invocada nulidade de todo o processo com fundamento da ineptidão da petição inicial, após o que foi identificado o objecto do processo, enunciados os temas de prova, apreciados os requerimentos probatórios e designada data para audiência de julgamento.
Veio a ser proferida sentença, que termina com o seguinte dispositivo:
«1. Julgo a acção procedente, e, em consequência, reconheço à A. o crédito de 17.645,42 € (dezassete mil seiscentos e quarenta e cinco euros e quarenta e dois cêntimos) sobre a R..
2. Julgo a reconvenção parcialmente procedente, e, em consequência, reconheço à R. o crédito de 13.362,00 € (treze mil trezentos e sessenta e dois euros) sobre a A., que absolvo do restante pedido.
3. Julgo a extinção recíproca dos referidos créditos por força da correspondente compensação, e condeno a R. a pagar à A. a quantia excedente de 4.283,42 € (quatro mil duzentos e oitenta e três euros e quarenta e dois cêntimos).
4. Custas da acção e da reconvenção por A. e R. na proporção do respectivo decaimento».
*
Inconformada, a autora/reconvinda apelou da sentença, apresentando a respectiva alegação, cujas conclusões se transcrevem, mantendo as opções gráficas e ortográficas do seu autor:
«A) A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA AFRONTOU O ESTABELECIDO PELOS ARTIGOS 236.º, N.º 1 E 405.º, N.º 1 E 798.º DO CÓDIGO CIVIL;
B) ESTÁ FIXADO NO FACTO PROVADO 14: “FOI EXPRESSAMENTE ACORDADO QUE NÃO EXISTIA QUALQUER PERÍODO MÍNIMO DE DURAÇÃO DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS, PELO QUE QUALQUER UMA DAS PARTES O PODIA FAZER CESSAR A QUALQUER MOMENTO.”;
C) ESTAS REGRAS CONTRATUAIS SÃO EMANAÇÃO DO PRINCÍPIO DA LIBERDADE CONTRATUAL QUE IMPERA NAS RELAÇÕES ENTRE OS SUJEITOS DA RELAÇÃO CONTRATUAL POR FORÇA DO ARTIGO 405.º, N.º 1 DO CÓDIGO CIVIL;
D) A EXPRESSÃO DE VONTADE TRADUZIDA NAQUELE ACORDO CONTRATUAL, DEVE SER INTERPETRADA EM CONFORMIDADE COM O ARTIGO 236.º, N.º 1 DO CÓDIGO CIVIL, QUE CONSAGRA A “TEORIA DA IMPRESSÃO DO DESTINATÁRIO”, SEGUNDO O CRITÉRIO DA INTERPRETAÇÃO DO DECLARATÁRIO NORMAL, COLOCADO NA POSIÇÃO DO REAL DECLARATÁRIO, RESPEITANDO A LIMITAÇÃO DA CORRESPONDÊNCIA MÍNIMA ENTRE O TEXTO E O SENTIDO DA DECLARAÇÃO;
E) EM CONFORMIDADE, AS PARTES QUISERAM SIGNIFICAR COM TAL CLAUSULADO QUE O CONTRATO PODIA SER DENUNCIADO POR QUALQUER DAS PARTES, A QUALQUER MOMENTO E SEM PRECEDÊNCIA DE QUALQUER PRÉ-AVISO OU PRAZO DE ANTECEDÊNCIA;
F) POIS É ESTE O ÚNICO SENTIDO POSSÍVEL PARA TAL DECLARAÇÃO CONTRATUAL PARA QUALQUER DESTINATÁRIO NORMAL COLOCADO NA POSIÇÃO DO DECLARATÁRIO;
G) PELO QUE INEXISTE QUALQUER ILICITUDE NA DENÚNCIA E, CONSEQUENTEMENTE, QUALQUER OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR À SUA BASE;
H) A DOUTA SENTENÇA OFENDEU TAMBÉM O ESTABELECIDO PELOS ARTIGOS 342º, N.º 1, 564.º, N.º 1 E 566.º, Nº 3 DO CÓDIGO CIVIL;
I) A CAUSA DE PEDIR E O PEDIDO DA RECONVENÇÃO CORRESPONDEM À TÍPICA ACÇÃO PARA A EFECTIVAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CONTRATUAL, SUMETIDA AO ESTATUÍDO PELOS ARTIGOS 798.º E 799.º, N.º 1 DO CÓDIGO CIVIL;
J) NOS TERMOS DO ARTIGO 564.º DO MESMO CATÁLOGO, A OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR COMPREENDE NÃO SÓ O PREJUÍZO DIRECTAMENTE CAUSADO, COMO OS BENEFÍCIOS QUE O LESADO DEIXOU DE OBTER, OU SEJA, O LUCRO CESSANTE;
K) O TRIBUNAL DEVE, QUANDO NÃO POSSA AVERIGUAR O VALOR EXACTO DOS DANOS, JULGAR SEGUNDO UM JUÍZO DE PRUDENTE EQUIDADE – SEU ARTIGO 566.º, N.º 3
L) MAS CABE À RECORRIDA O ÓNUS DA PROVA DOS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO DIREITO QUE INVOCA – ARTIGO 342.º, N.º 1 DO CÓDIGO CIVIL – E À RECORRENTE A PROVA DOS FACTOS IMPEDITIVOS, MODIFICATIVOS OU EXTINTIVOS DO MODIFICATIVOS DO DIREITO INVOCADO – ARTIGO 342.º, N.º 2 DO MESMO CÓDIGO.
M) EM AMBOS OS CASOS, SE A CONTRAPARTE PRODUZIR CONTRAPROVA SUFICIENTE PARA TORNAR O FACTO DUVIDOSO, É A QUESTÃO RESOLVIDA CONTRA A PARTE – ARTIGO 346.º DA MESMA CODIFICAÇÃO.
N) POR OMISSÃO DA RECORRIDA EM PROMOVER A PERTINENTE PERÍCIA, A PROVA PRODUZIDA É EXCLUSIVAMENTE DE NATUREZA TESTEMUNHAL E DOCUMENTAL, SUJEITA, POR ISSO, A LIVRE APRECIAÇÃO PELO TRIBUNAL - ARTIGO 396.º E 376.º DO CÓDIGO CIVIL;
O) ACONTECE QUE, POR MUITA BOA VONTADE QUE TIVESSE O TRIBUNAL EM INTEGRAR AQUELE CONCEITO DE LUCRO CESSANTE COM RECURSO À EQUIDADE, AQUELE ENCERRA NA SUA ESSÊNCIA UM JUÍZO DE CARIZ EMINENTEMENTE TÉCNICO;
P) OU SEJA, O DE DETERMINAR, FACE AOS LIVROS CONTABILÍSTICOS DA RECORRIDA, QUAL O MONTANTE DO LUCRO QUE AQUELA AUFERIA FACE A UM DADO VOLUME DE FACTURAÇÃO;
Q) TAL FACULDADE NÃO LHE PERMITE CAIR NO ARBÍTRIO OU NA MERA SUPERAÇÃO DA FALTA DE PROVA DE FACTOS QUE PUDESSEM SER PROVADOS E QUE NÃO O TENHAM SIDO POR INÉRCIA OU DESLEIXO DA PRÓPRIA PARTE A CUJO ÓNUS ESTAVA LEGALMENTE OBRIGADA;
R) ENTRE AS PROVAS NECESSÁRIAS, HAVIA SEGURAMENTE DE IMPERAR A PROVA PERICIAL, QUE SE CONSTATA FALTAR NOS AUTOS POR INÉRCIA DA RECORRIDA EM A PROMOVER;
S) A PROVA PERICIAL, PELA SUA NATUREZA E CONFORMAÇÃO PROCESSUAL, VISA EM PRIMEIRA LINHA SUPRIR PRECISAMENTE A INCAPACIDADE NATURAL DO JUIZ DE, ENQUANTO SER HUMANO, ABARCAR ENCICLOPEDICAMENTE TODO O CONHECIMENTO HUMANO, NAS SUAS DIFERENTES VERTENTES E ESPECIALIDADES;
T) O TRIBUNAL “A QUO”, CONFRONTADO COM CIRCUNSTÂNCIAS QUE INDUBITAVELMENTE EXIGEM A ANÁLISE DE FACTOS RELACIONADOS COMO ESPECIAIS CONHECIMENTOS TÉCNICOS E CIENTÍFICOS, NÃO PODIA TER CHEGADO ÀQUELA CONCLUSÃO DA DETERMINAÇÃO DO LUCRO CESSANTE E DO SEU MONTANTE SEM QUE HOUVESSE SIDO PRODUZIDA A DITA PERÍCIA;
U) A NECESSIDADE DE TAL PERÍCIA EVIDENCIA-SE NA CONFUSÃO QUE É FEITA NA DOUTA SENTENÇA ENTRE LUCRO CESSANTE E FACTURAÇÃO, POIS ESTA NÃO SIGNIFCA LUCRO, QUE SÓ SE OBTEM QUANDO SE LHE ABATAM AS DESPESAS NECESSÁRIAS À SUA FORMAÇÃO;
V) EM NENHUMA CIRCUNSTÂNCIA SE PODE ACEITAR TAL PRECIPITADA CONCLUSÃO, QUANDO SE SABE, POR SER DA EXPERIÊNCIA COMUM, QUE NENHUM NEGÓCIO GERARÁ, COM RAZOABILIDADE E EQUILÍBRIO, UMA MARGEM DE LUCRO SUPERIOR A 15% DO SEU EFECTIVO VOLUME DE FACTURAÇÃO;
W) QUE HAVERIA DE SER, QUANDO MUITO, O CRITÉRIO OU RACIONAL MÁXIMO DA INDEMNIZAÇÃO A FIXAR».
Terminou pugnando que, na procedência da apelação, se revogue a sentença recorrida na parte em que julga parcialmente procedente a reconvenção e materializa a sua compensação com o pedido da acção.
A ré/reconvinte respondeu à alegação da recorrente, pugnando pela total improcedência do recurso interposto.
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II. Objecto do Recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, como decorre do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), não podendo o Tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC). Não obstante, o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do citado diploma legal).
As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela recorrente, consistem em saber se a cessação do contrato de prestação de serviços por parte da autora carecia de aviso prévio e, no caso afirmativo, qual o montante da indemnização devida por falta de atempado pré-aviso.
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II. Fundamentação
A. Os Factos
1. Factos julgados provados pelo tribunal a quo
São os seguintes os factos julgados provados pelo tribunal de primeira instância:
Requerimento Inicial
1. No âmbito da sua actividade social a Requerente, de 1/01/2021 a 30/04/2021, forneceu à Requerida, por solicitação desta, bens e serviços de desenvolvimento da loja on-line da mesma a que correspondem as seguintes facturas vencidas a 10/05/2021:
● Factura ... no valor de 2.876,86 € pelos serviços de marketing e consultadoria de Janeiro de 2021.
● Factura ... no valor de 6.562,80 € pelos serviços de marketing e consultadoria de Fevereiro de 2021.
● Factura ... no valor de 6.755,38 € pelos serviços de marketing e consultadoria de Março de 2021.
● Factura ... no valor de 1.450,38 € pelos serviços de marketing e consultadoria de Abril de 2021.
2. A A. interpelou a R. para pagar as supra discriminadas facturas.
3. A R. não pagou à A. as supra discriminadas facturas.
Reconvenção
4. Requerida e Requerente celebraram um acordo nos termos do qual a requerente ficou responsável pelo desenvolvimento da loja on-line da requerida, em contrapartida de 15% sobre o valor das vendas sem IVA e líquido de custos de entrega.
5. A requerida apresentou à requerente um plano a cinco anos tendo os mesmos sido aceites como base de crescimento para a parceria que se tinha recentemente formado.
6. Estes planos tinham como base o incremento do número médio de encomendas diárias, englobando igualmente a internacionalização e o C....
7. No início de 2021, a requerida tomou conhecimento de a requerente ter lançado uma nova marca de malha denominada …, destinada ao público feminino, criada por empresa de que é sócio um sócio da A.
8. A criação desta marca preocupou a Requerida por a considerar uma concorrente sua, o que demonstrou à Requerente, que respondeu não existir razão para as suas preocupações.
9. As vendas da loja on-line da requerida caíram em Abril do ano de 2021.
10. Foi a Requerente questionada pela Requerida sobre a queda das vendas.
11. Entretanto, a requerente alterou o gestor responsável pelo projecto da D..., substituindo o AA pelo BB, que quis desenvolver ações promocionais com as quais a R. não concordava,
12. A 26/05/2021 a A. comunicou à R. o fim do acordo supra referido em 4).
13. A Requerida predispôs-se a proceder ao pagamento de 50% das comissões apuradas.
Resposta
14. Foi expressamente acordado que não existia qualquer período mínimo de duração da prestação de serviços, pelo que qualquer uma das partes o podia fazer cessar a qualquer momento.
15. Fixaram que, no termo do acordo, a Requerente manteria o direito à comissão acertada por um período de 24 meses no que concerne aos clientes angariados durante a execução do contrato.
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2. Factos julgados não provados pelo Tribunal a quo
O tribunal recorrido julgou não provado que:
● Sobre a queda das vendas, a Requerida tenha sido vagamente informada sobre o facto de as equipas terem estado concentradas no lançamento da referida nova marca.
● As vendas da Requerida tenham caído para metade por causa da nova marca ....
● Os objectivos para 2021 tenham começado a ser impossíveis de alcançar.
● A Requerida tenha questionado a Requerente relativamente à dificuldade de alcançar os objectivos previstos para 2021.
● A Requerente tenha respondido que não existia qualquer problema e que os objectivos eram parte integrante da razão pela qual tinham iniciado a relação comercial com a Requerida.
● A partir daquele momento as relações se tenham tornado complicadas entre a Requerida e a Requerente e as vendas não tenham crescido como o previsto.
● A requerente não tenha respondido no sentido de se liquidar 50% das comissões apuradas.
● A Requerida tenha perdido um milhão de euros em valor de vendas em 2021.
● A Requerida não tenha conseguido retomar o mesmo nível de actividade imediatamente após o fim do acordo.
● A Requerida tenha deixado de contratar com outros possíveis parceiros em detrimento da requerente em 2020.
● A Requerida tenha ficado sem os potenciais lucros previstos como resultado do acordo entre Requerente e Requerida para o período de cinco anos.
● Não tenha sido possível à Requerida retomar as vendas on-line.
● O fim do acordo tenha resultado em diminuição de vendas e lucros para a Requerida.
● Com a actuação da Requerente, a Requerida tenha ficado prejudicada em 1.000.000,00 € de vendas.
● A Requerida tenha direito a 30% do valor das vendas efectivas.
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B. O Direito
1. Consta da matéria de facto provada que a autora se obrigou a prestar à ré serviços de desenvolvimento da loja on line desta, mediante o pagamento de 15% do valor das vendas, sem IVA e líquido de custos de entrega (cfr. pontos 1 e 4).
Este acordo configura, inquestionavelmente, um contrato de prestação de serviços, que o artigo 1154.º do Código Civil (CC) define como «aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição».
Também não suscita dúvidas que se trata de um contrato de prestação de serviços inominado, visto não se enquadrar em nenhuma das modalidades do contrato de prestação de serviços expressamente reguladas no CC (cfr. artigo 1155.º do referido código), ao qual se devem aplicar, naquilo que a lex contractus for omissa, as disposições do mandato, com as necessárias adaptações (cfr. artigo 1156.º do CC), e as disposições gerais que regem as obrigações, designadamente quanto ao seu cumprimento e não cumprimento.
De resto, esta qualificação do contrato celebrado entre as partes não foi alvo de qualquer dissenso ou controvérsia entre estas e foi igualmente preconizada na decisão recorrida.
O acordo celebrado entre as partes configura, assim, um contrato típico de prestação de serviços, previsto e regulado nos artigos 1154.º a 1156.º do CC, bilateral ou sinalagmático (visto haver um nexo de reciprocidade entre a prestação de um dos contraentes e a contraprestação do outro), oneroso (na medida em que cada uma das partes busca para si uma vantagem económica, mediante a correlativa atribuição de outra vantagem económica à contraparte, ainda que esta não seja uma característica necessária da figura contratual em análise), causal (sendo a sua causa constituída pela prática do serviço acordado mediante contraprestação) e comutativo (sendo as prestações de ambas as partes certas, equivalentes e determináveis).
2. Já dissemos que ao contrato de prestação de serviços inominado se aplica, naquilo que a lex contractus for omissa, as disposições do mandato, com as necessárias adaptações, e as disposições gerais que regem as obrigações.
Entre as referidas disposições do mandato inclui-se o artigo 1170.º do CC, que preceitua assim:
«1. O mandato é livremente revogável por qualquer das partes, não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação.
2. Se, porém, o mandato tiver sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro, não pode ser revogado pelo mandante sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa».
A liberdade de revogação prevista no n.º 1 da norma em análise significa que a mesma pode fazer-se unilateralmente (não exigindo a vontade de ambos os contraentes – vide Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, 6.ª ed., Almedina, 1995, p. 277), a todo o tempo e não carece de justa causa (vide Batista Machado, RLJ, ano 118.º, p. 279). Basta, portanto, que uma das partes declare que não quer a renovação ou a continuação do contrato, podendo esta declaração ser expressa ou tácita, nos termos do disposto no artigo 217.º do Código Civil.
No caso concreto, provou-se que em 26.05.2021 a autora comunicou à ré o fim do acordo acima referido (cfr. ponto 12 dos factos provados).
Na oposição/reconvenção que apresentou, a ré qualificou esta comunicação como uma resolução. Mas o teor dessa comunicação não deixa margem para dúvidas de que o efeito jurídico visado pela autora foi a revogação do contrato e não a sua resolução.
A revogação não se confunde com a resolução, prevista no artigo 432.º e seguintes do CC. Ao contrário desta, apenas produz efeitos ex nunc, pois limita-se a fazer cessar o mandato/a prestação de serviços, estando, neste aspecto, mais próxima da denúncia, e depende apenas da vontade das partes ou de uma delas. «Como refere Antunes Varela, a resolução é a destruição da relação contratual, operada por um dos contraentes, com base num facto posterior à celebração do contrato, que goza, por regra, de eficácia retroactiva e que, ressalvando as situações previstas nos artigos 434.º e 435.º do CC, é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico; a revogação corresponde à destruição do contrato por efeito da vontade de um ou de ambos os contraentes, distinguindo-se da resolução por se projectar apenas para o futuro (reportando-se, essencialmente, a negócios ainda não consumados ou ressalvando os efeitos negociais já consumados)» – Ac. do TRC de 18.11.2014 (proc. n.º 926/10.3TVPRT.C1, disponível em www.dgsi.pt, como a demais jurisprudência citada sem indicação da fonte).
Ora, na comunicação supra referida, que se encontra junta com a oposição como documento n.º 1, a autora declara que entende dever “terminar a parceria atualmente em vigor”, sem invocar qualquer outra razão para essa cessação, e solicita o pagamento das comissões relativas a todo o período decorrido até esse dia 26.05.2021. É, assim, claro o propósito da autora de projectar os efeitos da cessação do contrato apenas para o futuro, ressalvando os efeitos negociais já consumados, circunstância que permite distinguir a revogação unilateral da resolução.
Diferente foi o enquadramento jurídico adoptado na decisão recorrida, que subsumiu a situação concreta à figura da denúncia do contrato.
Segundo Antunes Varela (cit., p. 278), «[a] denúncia, também virada para o futuro, é uma figura privativa dos contratos de prestações duradouras (como o arrendamento, o contrato de fornecimento, de sociedade, de mandato, etc.), que se renovam por vontade (real ou presuntiva), das partes ou por determinação da lei ou que foram celebrados por tempo indefinido». No mesmo sentido, escreve-se o seguinte no ac. do TRG, de 17.09.2020 (proc. n.º 18638/19.0YIPRT.G1): «A denúncia consiste na manifestação da vontade de uma das partes, em contratos de prestações duradouras, dirigida à sua não renovação ou continuação. Apresenta, assim, duas características: é exclusiva dos contratos com prestações duradouras e deve fazer-se para o termo do prazo da renovação destes, salvo tratando-se de contratos por tempo indeterminado».
No caso concreto, não restam dúvidas de que estamos perante um contrato de prestações duradouras (por oposição ao conceito de prestações instantâneas, na medida em que aquelas prestações se protelavam no tempo, não se esgotando num só momento), de execução continuada (por oposição ao conceito de prestações reiteradas, periódicas ou com trato sucessivo, na medida em que o cumprimento da prestação devida pela autora se prolongava ininterruptamente no tempo, não se renovando em prestações singulares sucessivas) e que foi celebrado por tempo indefinido, pois não foi estabelecido qualquer prazo de duração desse contrato, tudo como bem assinalou a decisão recorrida. Nestes termos, em tese, nada obstava à aplicação da figura da denúncia à situação dos autos.
É comum distinguir a denúncia da revogação com base na circunstância de a primeira assentar numa declaração unilateral, ao passo que a segunda decorre de uma declaração bilateral, isto é, de um acordo das partes, posterior à celebração do contrato primitivo, de sinal oposto a este (cfr. Antunes Varela, cit., p. 277; ac. do TRP, de 02.11.2004, proc. n.º 0424404; ac. do TRG, de 17.09.2020, proc. n.º 18638/19.0YIPRT.G1).
Contudo, como vimos, a lei prevê expressamente a possibilidade de revogação unilateral de contratos, maxime do contrato de mandato e, por esta via, de contrato inominado de prestação de serviços.
Nem sempre é fácil distinguir os conceitos de denúncia e revogação unilateral.
Tratando-se de um contrato celebrado por determinado prazo, a denúncia opera após o termo desse prazo, visando obstar à sua renovação, não podendo ser antecipada. Apenas a revogação permitirá essa antecipação. Por conseguinte, sendo esta antecipação o propósito da parte que comunica à outra a cessão do contrato, apenas poderemos convocar a figura da revogação unilateral. Se o propósito for, tão somente, o de evitar a renovação do contrato no seu prazo de vigência, a figura aplicável é a da denúncia. A este respeito, vide o ac. do TRC, de 10.02.2009, proc. n.º 4300/07.0TJCBR.C1.
Mas a distinção torna-se mais difícil no caso de contratos de duração indeterminada, em que o propósito da parte que declara unilateralmente a cessação do contrato (imediata ou depois de decorrido determinado prazo) é, sempre, o de obstar à continuação do contrato e não o de impedir a sua renovação.
Parece, assim, haver uma sobreposição conceptual entre denúncia e revogação unilateral de um contrato de prestação duradoura celebrado por tempo indeterminado, como sucede no presente caso.
Entendemos que, nestes casos, o regime legal aplicável é o da revogação unilateral expressamente previsto no artigo 1170.º do CC, por força do disposto nos artigos 405.º e 1156.º do mesmo código, dos quais decorre que os contratos inominados de prestação de serviços são regulados, sucessivamente, pela lex contractus, na medida em esta não viole leis imperativas (ou, como preceitua o referido artigo 405.º, “dentro dos limites das lei”), pelas disposições do contrato de mandato, com as necessárias adaptações, e só por fim as disposições gerais que regem as obrigações.
Pelo exposto, concluímos que a autora revogou unilateralmente o contrato de prestação de serviços que celebrou com a ré, sendo certo que o podia fazer livremente.
Acrescente-se, a este propósito, que o limite à livre revogabilidade do contrato estabelecida no artigo 1170.º, nº 2, do CC, não tem aplicação no caso dos autos, desde logo porque a revogação foi efectuada pela prestadora dos serviços, cuja posição processual corresponde à do mandatário, não estabelecendo a lei qualquer entrave à revogação do mandato por parte deste.
3. Mas revogação unilateral do contrato de prestação de serviços pode gerar a obrigação de indemnizar a parte contrária, nos termos e nas situações previstas no artigo 1172.º do CC, que dispõe assim:
«A parte que revogar o contrato deve indemnizar a outra do prejuízo que esta sofrer:
a) Se assim tiver sido convencionado;
b) Se tiver sido estipulada a irrevogabilidade ou tiver havido renúncia ao direito de revogação;
c) Se a revogação proceder do mandante e versar sobre mandato oneroso, sempre que o mandato tenha sido conferido por certo tempo ou para determinado assunto, ou que o mandante o revogue sem a antecedência conveniente;
d) Se a revogação proceder do mandatário e não tiver sido realizada com a antecedência conveniente».
No caso concreto, não decorre dos factos apurados que tenha sido convencionado o pagamento à ré reconvinte de qualquer indemnização por força da cessação do contrato, designadamente por revogação. Ainda que se entenda que tem natureza indemnizatória o direito referido no ponto 15 dos fatos apurados, sempre estaríamos perante uma indemnização devida à própria autora/prestadora dos serviços, e não perante uma indemnização devida à reconvinte/credora dos serviços.
Daqueles factos também não decorre que tenha sido convencionada a irrevogabilidade do contrato de prestação de serviços. Pelo contrário, provou-se que “foi expressamente acordado entre as partes que não existia qualquer período mínimo de duração da prestação de serviços, pelo que qualquer uma delas o podia fazer cessar a qualquer momento” (cfr. ponto 14), ou seja, provou-se que foi expressamente convencionada entre as partes a livre revogabilidade do contrato.
Não tem, assim, aplicação no caso concreto o disposto nas alíneas a) e b) da norma acima transcrita, tal como não tem aplicação o disposto na sua al. c), que apenas regula a indemnização no caso de revogação procedente do mandante, ou seja, do credor dos serviços convencionados.
A situação sub judice é, todavia, subsumível à previsão da al. d), visto que a revogação do contrato de prestação de serviços procedeu da prestadora desses serviços, sem que aquela revogação tivesse sido realizada com qualquer antecedência.
Enquanto a previsão da al. a) se baseia no respeito pela vontade das partes, a previsão da al. b) pressupõe a irrelevância dessa vontade quando a mesma contraria a liberdade de revogação consagrada no artigo 1170.º, n.º 1, do CC, visando apenas atenuar as consequências dessa livre revogabilidade. A demais alíneas do artigo 1172.º, pressupondo igualmente a livre revogabilidade do contrato, mesmo quando esta fere as legítimas expectativas dos contraentes, procuram salvaguardar os interesses da contraparte assentes nas suas expectativas de permanência do vínculo contratual. Baseiam-se, portanto, na tutela da confiança.
Na al. c) tutela-se a expectativa do mandatário/prestador dos serviços a auferir a retribuição que acordou para um determinado período de tempo ou para um determinado assunto e, nos casos de contratos celebrados por tempo indeterminado, a retribuição correspondente ao um período de aviso prévio considerado conveniente.
No caso da al. d), tutela-se o interesse do mandante/credor dos serviços na continuidade dos serviços acordados, ou seja, na inexistência de interrupções ou hiatos nessa prestação, razão pela qual se exige que a revogação do contrato seja realizada «com a antecedência conveniente», sob pena de gerar a obrigação de indemnizar os danos decorrentes da falta de aviso prévio.
Como afirmam Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. II, 3.ª ed., p. 735), esta «antecedência conveniente supõe, como escrevia o Código de 1867 (art. 1368.º), «o tempo necessário para prover aos seus interesses» (do outro contraente). É esta a solução que está de acordo com o fundamento dos preceitos». No mesmo sentido, escreve-se o seguinte no ac. do STJ, de 02.03.2011 (proc. n.º 2464/03.1TBALM.L1.S1): «Há revogação sem a antecedência conveniente sempre que aquela se consuma de surpresa, mais ou menos abruptamente, num tempo e por um modo tais que não consentem ao mandatário organizar a sua vida por forma a minimizar ou mesmo anular os danos normalmente associados à cessação do contrato».
4. Mas a doutrina e a jurisprudência têm entendido de forma pacífica que não há lugar à indemnização prevista no artigo 1172.º do CC se existir justa causa para a revogação do contrato, conquanto essa justa causa assente em factos ou circunstâncias imputáveis à contraparte. Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela (loc. cit.), «seria, de facto, intolerável que o contraente provocasse pela sua conduta a revogação e ainda por cima obtivesse a indemnização pelo prejuízo que alegue ter sofrido».
Tratando-se de um conceito indeterminado, não definido pelo legislador, o seu conteúdo deve ser apreciado livremente pelo tribunal, naturalmente com o apoio da reflexão jurisprudencial e doutrinal já efectuadas.
Assim, a respeito do que se deva entender por justa causa, diz-se o seguinte no ac. do TRP, de 19.11.2020 (proc. n.º 10608/19.5T8PRT.P1): «Sendo um conceito indeterminado (não definido pelo legislador), a justa causa há-de corresponder a qualquer facto, situação ou circunstância – que poderão ser ou não imputáveis à contraparte – que torne inexigível, de acordo com as regras da boa fé, a manutenção da relação contratual. Mas, tal como se referiu supra, enquanto factor de exclusão da obrigação de indemnizar a cargo da parte que revoga o contrato, quando este é livremente revogável (como aqui acontecia), apenas releva a justa causa que se reconduza a um comportamento ou actuação da contraparte, de forma a que possa afirmar-se que a revogação do contrato decorreu de uma determinada actuação da contraparte que, segundo as regras da boa fé, tornava inexigível para a parte revogante a manutenção da relação contratual».
Desenvolvendo um pouco mais este conceito, afirma-se no sumário do Ac. do STJ, de 05.05.2005 (proc. n.º 05B489), que «pode considerar-se como justa causa qualquer circunstância, facto ou situação em face da qual, e segundo a boa fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação contratual, todo o facto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim, qualquer conduta que possa fazer desaparecer pressupostos, pessoais ou reais, essenciais ao desenvolvimento da relação, designadamente qualquer conduta contrária ao dever de correcção e lealdade (ou ao dever de fidelidade na relação associativa)».
Acrescenta-se no mesmo acórdão, citando Pires de Lima e Antunes Varela, «que, “em Itália, é unanimemente reconhecida como causa justa não a causa subjectiva – a falta de confiança, superveniente, do mandante no mandatário – mas a causa objectiva, considerando-se como tal toda a circunstância que torne contrário aos interesses do mandante o prosseguimento da relação jurídica”».
No caso em apreço, não resulta dos factos provados, nem foi alegado pela autora, qualquer razão demonstrativa de que não lhe era exigível a manutenção do contrato durante o período necessário para que a ré providenciasse pela prestação desses serviços por outra pessoa ou para que, de alguma forma, obviasse aos prejuízos que lhe pudessem advir da cessação do contrato, período que a norma do artigo 1172.º, al. d), denomina de “antecedência conveniente”.
Pelo contrário, perante a factualidade descrita nos pontos 7 a 11 dos factos provados, cremos que apenas seria equacionável a existência de justa causa para a requerida revogar unilateralmente o contrato.
Na ausência desta justa causa, nada obsta à aplicação do disposto no artigo 1172.º, al. d), do CC.
5. Porém, alega a recorrente, estando demonstrado que «foi expressamente acordado que não existia qualquer período mínimo de duração da prestação de serviços, pelo que qualquer uma das partes o podia fazer cessar a qualquer momento”, nos termos do já referido ponto 14 dos factos provados, impõe-se concluir que as partes, ao abrigo do princípio da liberdade contratual consagrado no artigo 405.º, n.º 1, do CC, quiseram estipular que o contrato podia ser denunciado por qualquer delas, a qualquer momento e sem precedência de qualquer pré-aviso ou prazo de antecedência, sendo este o único sentido possível das suas declarações negociais, interpretadas à luz da teoria da impressão do destinatário, consagrada no artigo 236.º do CC.
Não cremos, porém, que este seja o sentido que um declaratário normal, colocado na posição da ré, poderia deduzir do comportamento da autora.
O que no ponto 14 dos factos provados se diz é, em essência, que o acordo de prestação de serviços não ficou sujeito a um período mínimo de vigência, sendo livremente revogável por qualquer das partes, como já havíamos afirmado. Mas não se diz que algo tenha ficado estipulado a respeito da necessidade ou desnecessidade de realizar essa revogação com determinada antecedência. Note-se que no e-mail que a autora enviou à ré em 20.07.2020, junto aos autos como documento n.º 2 da oposição, por via do qual a remetente apresentou à destinatária, na sequência da última reunião entre ambas, as condições que serviriam de base à parceria que estabeleceram, em termos que a própria autora qualificou como “simples e absolutamente claras”, apenas se refere que “não existe nenhum período mínimo de manutenção desta Parceria”. Em todo o caso, da circunstância de qualquer das partes poder fazer cessar o contrato a todo o tempo, alegada pela autora no artigo 11.º da réplica e julgada provada pelo Tribunal a quo como uma decorrência daquela estipulação negocial, não se extrai que as partes quisessem afastar a necessidade de aviso prévio para fazer cessar o contrato.
Pelo contrário, do teor do acordo celebrado é possível extrair que as partes não pretenderam conformar-se com as consequências negativas de uma ruptura total e abrupta das relações comerciais encetadas, nomeadamente quando estipularam que, no caso de cessão do contrato, a autora manteria o direito à comissão acertada por um período de 24 meses no que concerne aos clientes angariados durante a execução do contrato, como decorre das condições estabelecidas no mesmo e-mail e foi vertido no ponto 15 dos factos provados (direito de que a autora acabou por abdicar). Perante a forte protecção assim conferida à prestadora dos serviços, não cremos que um declaratário normal pudesse deduzir que a mera referência à inexistência de um período mínimo de vigência do acordo significasse uma total desprotecção dos interesses da credora dos serviços, traduzida na dispensa de um aviso prévio para a cessação do contrato.
Ainda que se admita a existência de dúvidas relativamente a esta interpretação, as mesmas terão de ser resolvidas com base no critério estabelecido no artigo 237.º do CC, que preceitua assim: «Em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações». Ora, estando nós perante um contrato oneroso, como dissemos anteriormente, decorre do que acabámos de expor que apenas a interpretação por nós preconizada conduz ao equilíbrio das prestações: o direito da prestadora dos serviços a receber a comissão acertada por um período de 24 meses após a cessão do contrato, no que concerne aos clientes angariados durante a execução do mesmo, traduziria um claro desequilíbrio perante a total falta de protecção dos interesse da ré na mesma situação de cessação do contrato.
De todo o modo, ainda que se considerasse mais acertada a interpretação de que as partes não quiseram estipular apenas a inexistência de um período mínimo de vigência do acordo e a livre revogabilidade do mesmo, mas pretenderam também afastar a necessidade de qualquer aviso prévio para o fazer cessar, não cremos que o princípio da liberdade contratual permitisse tal convenção, ao contrário do que é defendido pela recorrente.
Já vimos que, nos termos do disposto no artigo 1170.º, n.º 1, do CC, o mandato é livremente revogável por qualquer das partes, não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação. Trata-se, portanto, de uma disposição imperativa, como é unanimemente entendido pela doutrina e pela jurisprudência nacionais, que dispensa, inclusivamente, qualquer motivação para a revogação.
Vimos, igualmente, que a indemnização prevista no artigo 1172.º do CC, ressalvando o caso específico previsto na al. a) deste artigo, visa compensar a contraparte pelos prejuízos que a livre revogabilidade do contrato lhe possa causar, sempre que esta, apesar de lícita, contrarie o que havia sido acordado entre as partes (cfr. al. b)) ou quando frustre as expectativas, assentes na boa fé contratual e na tutela da confiança, que o legislador considerou dignas de protecção mesmo perante a cessação lícita do contrato: a expectativa do mandatário/prestador dos serviços a auferir a retribuição que acordou para um determinado período de tempo ou para um determinado assunto e, nos casos de contratos celebrados por tempo indeterminado, a retribuição correspondente ao um período de aviso prévio considerado conveniente (cfr. al. c)); a expectativa do mandante/credor dos serviços na continuidade dos serviços acordados (cfr. al. d)).
Nestes termos, configurando a obrigação de indemnizar prevista nas alíneas b) a d), artigo 1172.º, do CC, uma contrapartida, conferida pela lei, pela imperatividade do regime de livre revogabilidade dos contratos de mandato/prestação de serviços, nos casos em que esta contraria a liberdade contratual ou as exigência de boa-fé contratual e tutela da confiança, consagradas nos artigos 405.º, n.º 1, e 762.º, n.º 2, do CC, não podem restar dúvidas sobre a imperatividade da norma do referido artigo 1172.º e, consequentemente, sobre a inderrogabilidade da referida obrigação de indemnização.
Corroborando este entendimento, António Menezes Cordeiro, em anotação ao artigo 1172.º do CC (Código Civil Comentado, Vol. III, Almedina, 2024), escreve o seguinte: «Não há qualquer base legal para limitar a indemnização. O 1172.º: ocorre por a lei entender que, nas situações nele previstas, a revogação do mandato dá azo a danos que pretende sejam suprimidos, através da sua imputação ao mandante.
De resto, o regime jurídico assim descrito é inteiramente consonante com o regime geral da cessação dos contratos de prestações duradouras constituídos por tempo indeterminado, descrito de forma concisa e clara na sentença recorrida. Como se escreve naquela sentença, citando Pedro Romano Martinez, «“Apesar de a denúncia ser em princípio livre, tendo em conta o princípio da boa-fé, para se exercer deverá ser precedida de um aviso prévio; ou seja, a denúncia tem de ser comunicada com alguma antecedência relativamente à data em que a cessação produzirá efeitos… para que a parte destinatária dessa declaração se possa precaver quanto ao facto de o vínculo contratual se extinguir em breve” (in loc. cit. pág. 113/114)».
Ora, não se vislumbra qualquer razão para que assim não fosse, isto é, para que o legislador tivesse previsto um regime mais gravoso (para a parte que vê o contrato cessar apenas por vontade da contraparte) no caso dos contratos de mandato e de prestação de serviços duradouros.
Em suma, não tem razão a recorrente quando afirma que obrigação de indemnização prevista no artigo 1172.º, al. d), do CC, foi validamente afastada pela vontade das partes.
No que concerne à determinação do período de antecedência conveniente a considerar no caso concreto, não vemos qualquer razão para nos afastarmos do bem fundamentado raciocínio desenvolvido pelo Tribunal a quo, sendo certo que a própria recorrente reconheceu a sua validade, considerando «razoável e equitativo levar em consideração o prazo de denúncia da locação».
Valemo-nos, assim, com a devida vénia, do que ali ficou dito, mais uma vez citando o autor antes mencionado:
«“Na falta de prazo estabelecido por lei ou convenções das partes, a antecedência deve ser razoável, tendo em conta o tipo de contrato e a respectiva duração. Na concretização do conceito indeterminado de antecedência razoável poder-se-á atender, em função da analogia das situações, aos períodos constantes do regime da locação e da agência”.
Ora, para contratos de duração indeterminada, o regime do arrendamento prevê uma antecedência mínima de 60 dias do termo pretendido do contrato para o arrendatário o denunciar se à data da comunicação este tiver até um ano de duração efectiva (art. 1100.º, n.º 1, al. a) do CC) e a legislação relativa ao contrato de agência (DL n.º 178/86 de 3/07) no respectivo art. 28.º prevê: a) Um mês, se o contrato durar há menos de um ano; b) Dois meses, se o contrato já tiver iniciado o 2.º ano de vigência; c) três meses, nos restantes casos.
Pois bem, na situação apreço, o contrato em causa estava em execução há menos de um ano, e pese embora não tivesse um prazo certo, a verdade é que, aquando da denúncia efectuada pela A., as partes tinham a expectativa de determinados resultados para o período de cinco anos, afigurando-se-nos, por isso, razoável aplicar-lhe o apontado prazo de 60 dias (regime do arrendamento).
Sucede que a A. não respeitou este prazo considerado razoável, antes tendo denunciado o contrato com efeitos imediatos».
6. Já decorre da exposição antecedente que, em qualquer das situações previstas no artigo 1172.º do CC, estamos perante uma responsabilidade por factos lícitos, como vem sendo maioritariamente entendido (em sentido diverso vide António Menezes Cordeiro, loc. cit., para quem livre revogabilidade não significa licitude, mas apenas eficácia).
Mas o direito à indemnização só existe se ficar demonstrada a ocorrência de danos causados, no caso da al. d), pela realização da revogação sem a antecedência conveniente, cujo ónus probatório recai sobre o lesado, nos termos gerais, obedecendo a sua determinação às regras consagradas nos artigos 562.º e seguintes do CC. Como se escreve no ac. do TRP, de 19.11.2020 (proc. n.º 10608/19.5T8PRT.P1), «[c]abe ao lesado demonstrar a dimensão do seu dano real que deve ser calculado de acordo com a teoria da diferença».
A decisão recorrida fundamentou assim a existência e a extensão do dano:
«Do que vem de se dizer, resulta, pois, que o desrespeito pela A. (…) de um aviso prévio em prazo razoável ou seja de pelo menos 60 dias relativamente à data da cessação das relações contratuais com a R., violou os direitos desta à manutenção do contrato e, portanto, às prestações a que aquela estava obrigada pelo período correspondente, ou seja durante mais aquele período de tempo de 60 dias.
Ora, a prestação dos serviços da A. à R. permitia a esta um determinado volume de vendas e um lucro que não foi possível determinar e, que, como tal, terá de ser fixado com recurso à equidade nos termos do art. 566.º, n.º 3 do CC.
Da factualidade apurada, colhe-se que no último mês completo de vigência efectiva do contrato a percentagem de 15% a que a A. tinha direito sobre as vendas da R. ascendeu a 1.450,38 €, com IVA (1.179,17 sem IVA), pelo que se mostra razoável e ajustado considerar que o prejuízo mensal da R. nos dois meses subsequentes equivale ao restante valor das vendas correspondentes, ou seja do total das vendas do mês de Abril de 2021, no valor 7.860,00 € sem IVA, 85%, no valor de 6.681,00 € (sem IVA), cabe à R.
De onde, a A. deve indemnizar a R. pelos lucros cessantes que esta não obteve em consequência da inobservância do prazo de 60 dias de aviso prévio que a ter sido respeitado lhe permitiriam receber 13.362,00 €».
A recorrente insurge-se contra esta raciocínio, afirmando que o lucro cessante assim determinado pelo Tribunal apenas podia ser determinado através de perícia à contabilidade da requerida, que esta se absteve de requerer, o que é evidenciado pela confusão que é feita na sentença recorrida entre lucro cessante e facturação, sendo certo que nenhum negócio gerará uma margem de lucro superior a 15% do volume de facturação.
Desta alegação da recorrente não resulta com clareza se pretende questionar a existência do dano, correspondente aos lucros que a recorrida deixou de auferir nos 60 dias posteriores à revogação do contrato, ou apenas pretende impugnar a determinação do seu valor.
Seja como for, visando o recurso por si interposto a revogação da decisão que condenou a autora reconvinte no pagamento de uma indemnização, ambas as questões se inserem no âmbito dos poderes de cognição deste Tribunal ad quem.
De harmonia com o disposto nos artigos 562.º e seguintes do CC, maxime no artigo 564.º, o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.
No caso concreto, a reconvinte alegou no seu articulado de oposição/reconvenção que a “resolução” unilateral do contrato causou “prejuízos e problemas à operação e tesouraria” daquela (cfr. artigo 42.º), que “irá perder um milhão de euros em valor de vendas em 2021, pois não conseguiu retomar o mesmo nível de actividade imediatamente após a resolução unilateral do acordo” (cfr. artigos 44.º e 49.º), que “deixou de contratar com outros possíveis parceiros em detrimento da requerente em 2020” (cfr. artigos 45.º e 50.º), que “ficou sem os potenciais lucros previstos, esperados e assumidos pela parceria de cinco anos com a requerente (cfr. artigo 62.º), que “sofreu danos por não ser possível à mesma retomar as vendas on-line nos termos anteriores sozinha, resultando em diminuição de vendas e lucros para aquela” (cfr. artigo 63.º) e que “com a atuação da requerente a requerida ficou prejudicada em € 1.000.000,00 (um milhão de euros) de vendas, o que representa para esta, € 300.000,00 (trezentos mil euros) em comissões, por a requerida ter direito a 30% do valor das vendas efectivas” (cfr. artigo 68.º).
Sucede que nenhum destes factos foi julgado provado, antes se tendo julgado não provado que: - A Requerida tenha perdido um milhão de euros em valor de vendas em 2021; - A Requerida não tenha conseguido retomar o mesmo nível de actividade imediatamente após o fim do acordo; - A Requerida tenha deixado de contratar com outros possíveis parceiros em detrimento da requerente em 2020; - A Requerida tenha ficado sem os potenciais lucros previstos como resultado do acordo entre Requerente e Requerida para o período de cinco anos; - Não tenha sido possível à Requerida retomar as vendas on-line; - O fim do acordo tenha resultado em diminuição de vendas e lucros para a Requerida; - Com a actuação da Requerente, a Requerida tenha ficado prejudicada em 1.000.000,00 € de vendas; - A Requerida tenha direito a 30% do valor das vendas efectivas.
Resta saber se, ainda assim, dos factos julgados provados se infere algum dano, mesmo que o seu valor não esteja determinado, como entendeu o Tribunal a quo.
Na decisão recorrida afirma-se, com todo o acerto, que a prestação dos serviços da autora à ré permitia a esta um determinado volume de vendas e um lucro que não foi possível determinar. Mas essa decisão parte ainda do pressuposto de que, nos 60 dias subsequentes à cessação dessa prestação de serviços, a ré deixou, pura e simplesmente, de realizar esse volume de vendas e, por isso, de auferir o respectivo lucro. Contudo, não vemos como se possa chegar a esta conclusão a partir da factualidade julgada provada, onde apenas se afirma que, em 26.05.2021, a autora comunicou à ré o fim do acordo celebrado entre ambas. E embora dos factos julgados não provados não se possa extrair a prova do seu contrário, a verdade é que, para além dos valores dos prejuízos alegados pela reconvinte, o tribunal considerou que a prova produzida também não demonstra que esta não tenha conseguido retomar o mesmo nível de actividade imediatamente após o fim do acordo, que não lhe tenha sido possível retomar as vendas on-line ou que o fim do acordo tenha resultado em diminuição de vendas e lucros para a requerida. Deste modo, a requerida não só não provou o valor dos danos que afirma ter sofrido, como não logrou provar a existência desses danos.
É certo que, como está subjacente à fundamentação esgrimida pelo Tribunal a quo, as vendas on line que possam ter sido realizadas pela ré reconvinte após a revogação unilateral do contrato pela autora reconvinda não decorreram de serviços prestados por esta, como devia ter sucedido durante o referido prazo de 60 dias após a comunicação da intenção de revogar o contrato. Mas é igualmente certo que o lucro cessante não se mede pela inexistência de benefícios directamente decorrentes de serviços prestados pela autora. Os lucros cessantes medem-se pelos benefícios que a ré efectivamente deixou de auferir, deduzidos das despesas que deixou de suportar (e, eventualmente, dos lucros que a própria revogação lhe pudesse trazer). Como se escreve no ac. do TRL, de 01.07.2010 (proc. n.º 2464/03.1TBALM.L1-6, disponível em www.dgsi.pt), «[a] indemnização deve restabelecer o status quo ante (…). Será na diferença entre o que teria gasto e o que teria recebido deduzido do que ganhou por não ter de cumprir integralmente o contrato celebrado (…) que se encontrará a indemnização justa».
Estando apenas demonstrado que a autora deixou de prestar os serviços sem pré aviso, mas não que isso tenha gerado uma efectiva diminuição dos lucros da ré, não podemos afirmar a existência de qualquer dano.
Em suma, divergindo do entendimento preconizado na decisão recorrida, cremos que os factos julgados provados não são suficientes para se afirmar a existência de um dano, pelo que o pedido indemnizatório deduzido por via reconvencional não pode proceder.
Importa, assim, revogar nessa parte a decisão recorrida e condenar a reconvinte nas custas da reconvenção e da apelação, nos termos do disposto no artigo 527.º do CPC.
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Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do CPC):
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IV. Decisão
Pelo exposto, na procedência da apelação, os juízes do Tribunal da Relação do Porto revogam a sentença recorrida na parte em que reconheceu à ré o crédito de 13.362,00 € (treze mil trezentos e sessenta e dois euros) sobre a autora, julgou a extinção parcial do crédito de 17.645,42 € (dezassete mil seiscentos e quarenta e cinco euros e quarenta e dois cêntimos) que reconheceu à autora e condenou a ré apenas no pagamento de 4.283,42 €; consequentemente, absolvem a autora do pedido reconvencional e condenam a ré a pagar-lhe a totalidade do crédito que lhe foi reconhecido.
Custas da reconvenção e da apelação pela ré recorrente.
Registe e notifique.
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Porto, 10 de Julho de 2024
Artur Dionísio Oliveira
Rodrigues Pires
João Diogo Rodrigues