Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JERÓNIMO FREITAS | ||
Descritores: | CONTRATO DE TRABALHO CADUCIDADE COMPENSAÇÃO ABUSO DE DIREITO | ||
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Nº do Documento: | RP2018012430243/15.6T8PRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 01/24/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO 2ª | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO (SOCIAL) (LIVRO DE REGISTOS Nº 268, FLS 342-360) | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - As afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado. II - A compensação por caducidade do contrato de trabalho a termo resolutivo tem uma dupla finalidade: por um lado, visa compensar o trabalhador pela precariedade do vínculo laboral decorrente da possibilidade do empregador fazer cessar o contrato a termo por caducidade, assim gorando a expectativa daquele no prolongamento da relação laboral; e, por outro, tem o propósito de desincentivar o empregador a fazer uso da contratação a termo - fazendo-o cessar por caducidade para depois recorrer de novo à contratação a termo, desse modo mantendo preenchido um posto de trabalho através do recurso abusivo à possibilidade de contratação a termo -, na medida em que encarece esta prática. III - O princípio do abuso de direito constitui um expediente técnico, ditado por razões de justiça e equidade, para obstar que a aplicação de um preceito legal, certo e justo em circunstância normais, venha a revelar-se injusto numa situação concreta, em razão das particularidades ou circunstâncias especiais que nela concorram. Ocorrerá a figura de abuso “quando um certo direito – em si mesmo válido – seja exercido em temos que ofendam o sentimento de justiça dominante na comunidade social”. IV - O facto de a autora, doze dias depois da cessação do contrato a termo resolutivo com a Ré, ter sido contratada pela C2..., assinando um contrato a termo, auferindo a retribuição mensal de € 1.137,73, não obsta à aplicação do n.º2, do art.º 344.º, visto não estar ai prevista essa possibilidade como excludente do direito à aplicação. V - Não tendo a Ré cumprido a sua obrigação legal pagando-lhe a compensação, nada impedia a autora de diligenciar por fazer valer o seu direito, nomeadamente, não há qualquer abuso de direito e, muito menos, manifesto. Note-se que apesar de ter sido novamente contratada, essa contratação foi mais uma vez a termo, mantendo-se pois a precariedade do vínculo laboral e o risco de mais uma vez, no futuro, ver cessado o contrato de trabalho. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | APELAÇÃO n.º 30243/15.6T8PRT.P1 SECÇÃO SOCIAL ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO I.RELATÓRIO I.1 No Tribunal da Comarca do Porto – Instância Central – 1.ª Secção Trabalho, B... instaurou a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo declarativo comum, a qual veio a ser distribuída ao J2, contra C..., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia global de 8.398,87 € (oito mil, trezentos e noventa e oito euros e oitenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, até efectivo e integral pagamento, correspondente a: - 3.501, 28 €, a título de compensação pela cessação do contrato; - 2.275,46 €, a título de proporcionais de férias e subsídio de férias do ano da cessação; - 1927,01€ a título de retribuição de trabalho suplementar prestado; - 393,42 € a título de crédito decorrente da ausência de formação profissional; - 301,70 a título de juros vencidos, e a que devem acrescer os juros vincendos até efectivo e integral pagamento. Procedeu-se à realização de audiência de partes, mas sem que se tenha logrado obter a resolução do litígio por acordo. Notificada para o efeito, a ré contestou a acção, apresentando defesa por excepção e defesa por impugnação. Em sede de despacho saneador foi proferido despacho convidando a autora a aperfeiçoar a petição inicial, ao que aquela acedeu. Alega, no essencial, que por contrato de trabalho a termo certo celebrado em 17.06.2010 – e com efeitos a partir de 01.07.2010 –, foi admitida ao serviço da Ré para, sob sua autoridade e direção, desempenhar as funções correspondentes à categoria de Técnico Superior, auferindo mensalmente o vencimento base de € 1.137,73, acrescido de subsídio de refeição por cada dia útil de trabalho, no valor de € 4,27. Desde a data em que foi admitida, trabalhou sob as ordens, direção e fiscalização da Ré, nas instalações da respetiva C1.... Cumpria um período normal de trabalho de 40 por semana. O contrato de trabalho inicial foi celebrado pelo prazo de 1 (um) ano, mas foi objeto de 3 (três) renovações ordinárias, por iguais e sucessivos períodos de um ano, bem como de duas renovações extraordinárias, a primeira pelo período de 1 ano – com início em 01.07.2013 e termo em 31.06.2014 – e a segunda pelo período de 6 meses – com início em 01.07.2014 e termo em 31.12.2014. Por comunicação que lhe foi entregue em 27.11.2014, foi informada da cessação do respetivo contrato de trabalho, por caducidade, com efeitos em 31.12.2014. A Ré ainda não procedeu ao pagamento da compensação devida nos termos previstos na disposição conjugada dos arts. 344º, nº 2 do Código do Trabalho e 6º, nº 1 da Lei nº 69/2013, de 30/08, bem como dos créditos laborais de que a Autora ainda era titular à data da cessação do contrato e, bem assim, dos decorrentes do seu término. A Autora é credora de uma compensação global no valor de € 3.501,28. É credora, ainda, de créditos laborais relativos ao direito a férias e de créditos vencidos e não pagos no decurso da execução contratual, radicados quer em trabalho suplementar que prestou, quer na ausência da formação profissional que a Ré se encontrava obrigada a proporcionar-lhe. No que respeita ao trabalho suplementar, alega que no decurso da execução do contrato e nos dias que menciona nos quadros que inseriu na petição aperfeiçoada, prestou à Ré, para além do período normal de trabalho diário de 8 (oito) horas as horas também indicadas nesses mesmos quadros. Notificada a ré, veio esta apresentar nova contestação, alegando, também no essencial, que a partir de 2009 passou a ser uma Fundação Pública de Direito Privado, estando sujeita às regras da contratação pública. A Autora foi contratada para trabalhar na unidade orgânica da C..., na C1..., tendo o contrato sido assinado pelo Director desta C1... e foi esta C1... quem renovou o contrato e quem comunicou à autora a cessação do mesmo. A C1... da C... detém autonomia administrativa. Os próprios estatutos da C1... conferem ao seu Director competência para decidir a contratação de pessoal. Assim, a C... é parte ilegítima para esta acção. Por outro lado, a ré e a as suas unidades orgânicas, nomeadamente a C1..., enquanto entidade pública, está impedida de proceder à conversão de contratos de trabalho a termo em contrato de trabalho sem termo. O contrato a termo atingiu o número máximo de renovações ordinárias e extraordinárias, pelo que a caducidade do contrato era um facto que não estava na livre disponibilidade ou na vontade da C1..., mas na própria lei. A comunicação da caducidade de contrato não foi um acto de vontade da C1..., mas o cumprimento de uma obrigação legal. Não tendo sido um acto livre de vontade da empregadora, inexiste a obrigação legal de pagar a compensação decorrente da caducidade. Mesmo que assim não se considere, 12 dias após cessar o contrato de trabalho com a C1... a autora foi contratada pela C2... da C.... A cessação do contrato de trabalho a termo não dá direito a compensação quando o trabalhador outorga um novo contrato com um órgão público. Quanto aos créditos atinentes a trabalho suplementar, os tempos que aparecem na coluna “saldo diário” não correspondem a prestação de trabalho suplementar, decorrendo da modalidade de horário de trabalho praticada (horário flexível), sendo que a A. aceitou que o seu horário de trabalho fosse fixado nos termos do regulamento interno. No final de cada ano civil, o trabalhador verifica no registo as horas que tem a mais e solicita a sua conversão em dias de férias, o que autora fez por duas vezes: no ano de 2010, em que gozou mais 3 dias de férias e no ano de 2014, em que gozou mais três dias completos de férias. Inexiste qualquer prestação de trabalho suplementar para além do valor pago à trabalhadora e das férias a mais que esta gozou. A existir trabalho suplementar, o mesmo não seria devido, sob pena de se considerar um abuso de direito e enriquecimento sem causa da autora, que laborava num regime de horário flexível, aproveitando-se das vantagens inerentes, como entrar mais tarde ao serviço e gozar férias a mais. No que respeita aos créditos relativos à formação profissional, o eventual crédito de horas que a autora tivesse direito, anterior ao ano de 2012 cessou nos termos do art.º 132.º, n.º 6 do CPT. No que concerne aos restantes anos, a entidade patronal pode, num ano, antecipar em dois anos a formação profissional a ministrar aos trabalhadores, sendo que no ano de 2012 a autora concluiu uma formação profissional de 70 horas, voltou a ter 20 horas em 25 de maio e mais 4 em 26 de junho de 2013. Teve assim 94 horas de formação em 2012 e 2013, pelo que apenas são devidas 11 horas relativas ao ano de 2014. Caso não se reconheça a personalidade jurídica e judiciária das Faculdades, a autora ao ter ficado novamente ligada à ré por um contrato de trabalho, o seu pedido de indemnização por caducidade constitui um abuso de direito, uma vez que mantém vínculo contratual com a entidade demandada. A autora apresentou resposta refutando a alegação da ilegitimidade passiva da universidade. I.2 Realizou-se audiência prévia, após o que foi proferido despacho saneador tendo sido julgada improcedente a excepção da ilegitimidade da C.... Procedeu-se à fixação dos temas de prova. Realizou-se a audiência de julgamento com observância do formalismo legal. I.3 Subsequentemente foi proferida sentença, aplicando o direito aos factos, concluída com o dispositivo seguinte: -«Assim e nos termos expostos, julgo a acção parcialmente procedente por provada e, consequentemente, condeno a ré C... a pagar à autora B... as seguintes quantias: - € 671,26 (seiscentos e setenta e um euros e vinte e seis cêntimos) a título de proporcionais de férias e subsídio de férias não pago relativo ao ano de 2014, absolvendo a ré das demais quantias peticionadas a este título; - € 72,16 € (setenta e dois euros e dezasseis cêntimos), a título de formação profissional não proporcionada, absolvendo a ré das demais quantias peticionadas a este título; tudo acrescido de juros de mora à taxa legal de 4%, contados desde a data de vencimento de cada uma das quantias, até efectivo e integral pagamento. - Absolver a ré do pagamento da quantia de € 3.5501,28 (três mil, quinhentos e um euros e vinte e oito cêntimos) a título de compensação pela cessação do contrato; - Absolver a ré do pagamento da quantia de € 1927,01 (mil novecentos e vinte e sete euros e um cêntimo) a título de retribuição de trabalho suplementar prestado; Custas da acção por autora e ré, na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 80% para a primeira e 20% para a segunda – art.º 527.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil. Valor da acção: 8.398,87 € (oito mil, trezentos e noventa e oito euros e oitenta e sete cêntimos). Registe e notifique. (..)». I.4 Inconformada com esta sentença, a Autora interpôs recurso de apelação, apresentando alegações finalizadas com conclusões, conforme se passam a transcrever: 1. Os factos dados como provados não são idóneos a sustentar a decisão do Tribunal recorrido, que também promove uma errada aplicação do Direito vigente; 2. Não pode retirar-se da factualidade provada (ou mesmo da própria alegação da Ré) que a celebração do contrato de 12.01.2015 em algum momento haja dependido de qualquer renúncia – expressa ou, sequer, tácita – da Autora quanto aos direitos de que, por lei, a mesma é detentora na decorrência da caducidade do respetivo contrato de trabalho; 3. O direito à compensação reclamada pela Autora é reconhecido por lei, de forma automática, sempre que se verifique – como se verificou, in casu – o respetivo pressuposto de facto, ou seja, a cessação do contrato de trabalho a termo certo por caducidade da iniciativa da entidade patronal, sendo isso que incontornavelmente decorre da disposição contida no art. 344º, nº 2 do C. T.; 4. Ao reclamar o pagamento da compensação aqui em apreço, a Autora exerce de forma legítima um direito que lhe é concedido por lei, a que nunca renunciou e que as partes nunca afastaram por qualquer forma; 5. Porque nada nos autos demonstra (ou, sequer, indicia) qualquer renúncia – expressa ou tácita – da Autora quanto ao direito compensatório decorrente da cessação do contrato de trabalho em causa nos autos, ou mesmo qualquer facto do qual possa extrair-se licitamente uma qualquer expectativa criada na Ré quanto a tal renúncia, a conclusão do Tribunal a quo a esse propósito assenta num juízo que carece de fundamentação válida; 6. Tendo em vista a ratio que subjaz à compensação prevista no citado art. 344º, nº 2 do C. T., não pode considerar-se que o pagamento respetivo deve ser dispensado nos casos em que o trabalhador inicia nova relação laboral com a entidade empregadora num curto hiato temporal, já que, mesmo em tais circunstâncias, se mantém incontornável a precariedade laboral a que o trabalhador é sujeito e, como tal, se revela absolutamente premente a exigência de compensação dessa mesma precariedade, bem como o desencorajamento ao recurso a tal vínculo laboral excecional, por via da onerosidade acrescida da contratação a termo; 7. As exigências enunciadas na conclusão que antecede são ostensivamente vincadas no caso dos autos, já que – conforme resulta dos factos provados – a Ré recorreu à contratação precária da Autora para além dos limites em que a lei admite a contratação a termo; 8. A decisão em crise, para além de carecer de qualquer estribo de facto ou de Direito e de se revelar desarredada da ratio subjacente à previsão legal cuja aplicação é reclamada, revela-se materialmente injusta, na medida em que não apenas deixa desacautelado o direito da trabalhadora à compensação que legalmente lhe assiste, como premeia a entidade patronal infratora, reincidente (à margem dos limites legais) no recurso à contratação precária; 9. A interpretação que o Tribunal a quo promove do citado art. 344º, nº 2 do C. T. – no sentido de que a compensação aí prevista não deve ser conferida nos casos em que o trabalhador inicia uma nova relação laboral com a entidade empregadora após a cessação de relação laboral anteriormente cessada por caducidade da iniciativa desta última – afigura-se inconstitucional, porque violadora do direito à segurança no emprego, previsto no art. 53º da C.R.P.; 10. Ao absolver a Ré do pedido formulado quanto à compensação por cessação de contrato de trabalho, o Tribunal recorrido violou o disposto no art. art. 344º, nº 2 do C. T., o qual devia ter sido interpretado e aplicado no sentido de garantir a concessão à trabalhadora da compensação aí prevista e pela mesma reclamada; 11. Ao decidir nos termos supra enunciados, o Tribunal recorrido violou, também, o disposto no art. 334º do C.C., o qual – prevendo a exclusão do exercício de um direito apenas em situações de manifesto excesso dos limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito – devia ter sido interpretado e aplicado, in casu, no sentido de viabilizar a pretensão compensatória da Autora; 12. A decisão em crise viola, ainda, o previsto no art. 53º da C.R.P., o qual devia (também aqui) ter sido interpretado e aplicado no sentido de exigir a atribuição à trabalhadora da compensação pela cessação involuntária do respetivo contrato de trabalho. Conclui pedindo a procedência do recurso, sendo revogada a decisão na parte recorrida e substituída por outra que julgue procedente o pedido formulado quanto à compensação pela cessação do contrato de trabalho. I.5 A Recorrida Ré veio apresentar recurso subordinado e, do mesmo passo, contra-alegações. Formulou as conclusões seguintes: Do Recurso Subordinado; Exceção de ilegitimidade passiva da R. C...; 1.1 - Matéria facto cue pretende ver alterada: Ponto 3- desde que foi admitida a Autora trabalhou sob as ordens, direcção e fiscalização da R.. 1.11 - Meios de prova que importam a alteração da matéria considerada provada: - Declarações das testemunhas da A. D... e E...; - Contrato de trabalho de fls. ., junto à 8.1. como doc. 1; - Comunicação da caducidade do contrato de trabalho de fis..., junto á 8.1. como doc. 3; - Renovações do contrato de trabalho, junta a fls..., por requerimento datado de 26-01-2016, ref. 2l675284) - Pagamento de trabalho suplementar de fis. 129; I A Mm.a Juiz a quo” de forma extremamente fundamentada, cujo teor aqui se considera reproduzido (fis. 16, 17, 18, 19 e 20 da douta sentença sob recurso) considerou que, não obstante entender que as faculdades “enquanto unidades orgânicas da C... têm personalidade judiciária”, aqui se incluindo a C1..., tal não é suficiente para considerar sem mais a C... como parte ilegítima.II A R. aceita e concorda que as suas unidades orgânicas têm personalidade jurídica, motivo pelo qual não tendo a A. Recorrido da parte da sentença que atribuiu personalidade judiciária às faculdades, nomeadamente, à C1..., deve tal segmento da douta sentença considerar-se por assente.III Os artigos l.° e 17° dos Estatutos da C1..., publicados na 2 série do D.R., n.° 238, de 10 de Dezembro de 2009, definem a Faculdade como “(...) uma unidade orgânica de ensino e investigação com autogoverno, dotada de autonomias estatutárias, cientifica pedagógica, administrativa e financeira” e atribuem competência ao seu diretor para decidir a contratação de pessoal.IV A A. outorgou um contrato de trabalho com a “C..., fundação pública de direito privado, pessoa colectiva com o NIF ........., através da sua unidade orgânica C1..., com autonomia administrativa, sita na Rua ..., ....-..., Porto e representada por Prof. Dr. F..., Diretor da Faculdade (primeira outorgante)”.V O recibo relativo ao trabalho suplementar que a A. afetivamente prestou, foi autorizado e pago pela C1... - fls. 129 e o recibo de vencimento tem a designação da C1... e da C..., pelo que, não se pode, salvo melhor opinião concluir que não foi aquela entidade quem os emitiu.VI A A. prestava trabalho na C1..., conforme atestaram as testemunhas da A.:Depoimento de D..., prestado na Audiência de Julgamento -realizada no dia 17/10/2016: Quando inquirida sobre o local de trabalho, referiu: Adv. da R: “Onde é que ela trabalhou sempre? Foi só na C1... ou andou a rodar as faculdades” T: A manha colega? Só na C1... Depoimento presado do minuto 24.10 ao minuto 24.16: (...) Quando lhe foi perguntado, quem outorgou o contrato de trabalho, em representação da entidade patronal, disse: Adv. da R. : Sabe quem é que assinou o seu contrato quando trabalhou na C1...? T: Foi o anterior diretor, antes do Professor G.... Adv. da R.: Foi o anterior diretor de quê? 2’: Da C1.... Depoimento presado do minuto 24.22 ao minuto 24.35 Depoimento prestado por E..., depoimento prestado na Audiência de Julgamento realizada no dia 17/10/2016: Adv. R.: O seu local de trabalho quando esteve com a Susana foi sempre na C1...? 2’: Sempre na C1..., nos serviços académicos. Adv. R.: Começou a trabalhar na sequência de um concurso? T: hum humm. Adv. R: Um concurso aberto pela C1...? T: Sim. Depoimento presado do minuto 34.30 ao minuto 34.49: VII Foi a C1..., por intermédio do seu Diretor, quem não só contratou a A., como decidiu proceder à renovação do seu contrato de trabalho, no âmbito das “receitas próprias” da C1....(Cfr. fls..., requerimento de 26-01-2016, ref. 21675284) VIII A caducidade do contrato de trabalho a termo certo outorgado pela A. com a C1... foi comunicada pelo Diretor desta unidade orgânica – Cfr. doc. junto à contestação com o nº 3.IX A considerar-se que a C1... tem personalidade jurídica, tendo sido esta instituição, dotada de autonomia administrativa e financeira, quem outorgou o contrato de trabalho, quem procedeu á sua renovação e quem informou (pois não se trata de uma vontade da instituição, mas de uma obrigação legal) a sua caducidade, apenas esta instituição pode ser demandada sobre as vicissitudes da relação laboral.Tanto mais que, X O contrato de trabalho da A. cessou com a C1... - Cfr. Ponto 16 dos factos considerados como provados.Pelo que, XI A Entidade patronal da A. era a C1..., entidade com capacidade jurídica e judiciária para a contratar, o que importa a ilegitmidade passiva da C..., com a consequente revogação da douta decisão proferida e a sua absolvição na instância.Normas jurídicas violadas XII Os princípios da autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira, consignados nos n.°s 1e 2 do artigos 76° da CRP, os artigos 1°, 6°, 8°, 9°,17°, al) o, dos estatutos da C1..., publicados no Dr. 2ª série, n.° 238, de 10 de dezembro de 2009; os artigos 4°, 7°, 8°, 9° e 10° dos Estatutos na C..., publicados no DR., 2ª série, n.° 93, de 14-05-2009.XIII Todas estas normas determinam a capacidade judiciária da C1... para ser parte legítima na presente acção e importam a absolvição da C...Na parte que respeita às contra-alegações de recurso XIV Salvo o devido respeito, a douta sentença não merece qualquer reparo no que a este assunto respeita, pelo que deve ser mantida.XV A A. cessou o seu contrato com a C1... em 31 de Dezembro de 2014 e em 12 de janeiro de 2015, assinou um contrato de trabalho a termo com a C2... (doravante designada por C2...), para fazer face à reorganização do serviço nesta Faculdade.XVI Caso se considere que a A. foi contratada novamente pela R. C... (mantendo a sua legitimidade passiva), significa que a A., já sem ter qualquer vínculo contratual com a R. e consequentemente sem qualquer subordinação jurídica, substituiu os eventuais direitos que detinha pela outorga de um novo contrato.XVII Estando a A. ligada à R. por contrato de trabalho, constitui um abuso de direito o pedido de pagamento de uma indemnização a título de caducidade do contrato, uma vez que mantém um vínculo contratual laboral com a entidade demandada, iniciado 12 dias após o termo do contrato anterior.À cautela a caso não se considere que a A. actua em abuso de direito, XVIII Conforme acima foi referido, a R. é uma Fundação Pública de Direito Privado e enquanto tal é considerada uma entidade pública, sujeita às regras da contratação pública e que no preâmbulo do Decreto Lei que a instituiu como Fundação Pública, consignou a vinculação aos princípios inerentes à contratação pública, designadamente, os estatuídos na lei 62/2007 (regime jurídico das instituições do ensino superior), em especial a prossecução do interesse público, o respeito pelos princípios da igualdade, da imparcialidade, da justiça e da proporcionalidade.XIX O Art.° 122.° n.° 2 do RJIES e o n.º2, do artigo 134.° da Lei 62/2007, que a R. consigna nos D.L. que a instituiu Fundação, determinam que o regime de direito privado não prejudica a aplicação dos princípios constitucionais respeitantes à Administração Pública.Ou seja, XX A R. e as suas unidades orgânicas, nomeadamente a C1..., enquanto entidade pública está impedida, sem mais, de proceder à conversão de contratos de trabalho a termo em contratos de trabalho sem termo.XXI Pelo que, findo o período máximo de duração de um contrato de trabalho a termo, tem forçosamente de operar a sua caducidade, por impossibilidade da R. o converter em contrato de trabalho sem termo.XXII No presente caso, conforme a A. alegou, o contrato a termo certo que outorgou com a C1... atingiu o número máximo de renovações ordinárias (três) e o número máximo de renovações extraordinárias (duas), pelo que, a caducidade do contrato era um facto que não estava na livre disponibilidade ou na vontade da C1..., mas na própria lei.XXIII Consequentemente o acto de comunicação da caducidade de contrato a termo não foi um acto de vontade da C1..., mas o cumprimento de uma obrigação legal, pelo que, a caducidade do contrato da A. não preenche o tipo legal do n.°1, do artigo 344.° do CT que determina que o contrato cessa no caso da entidade empregadora comunicar a “vontade” de o fazer cessar, não havendo lugar ao pagamento da compensação.XXIV Veja-se o acórdão proferido pelo STJ, em 24-02-2010, processo 945/06.4TTVIS.C2.S1, disponível em www.dgsi.pt. em que como no presente caso, o R. era um ente público, exarando-se no seu:“Aliás, em casos (embora que não propriamente da aplicação do regime legal da cedência ocasional ilícita) tem sido seguida a orientação de que no que concerne à contratação de pessoal para a função pública (lato sensu), não se podem tomar em conta as normas que regem os contratos individuais de trabalho privados, nomeadamente, no que concerne à impossibilidade de conversão de contratos de trabalho a prazo ilegais em (contratos) sem termo. Cfr. p.ex. o Ac. do STJ de 26/09/06, proferido no Rec. Revista 4470/06 da 4ª Secção”. XV Sobre a questão da impossibilidade de conversão do contrato de trabalho a termo em contrato de trabalho sem termo no seio da Administração Pública, por violação do nº 2 do art. 47º da Constituição, vejam-se também os Acórdãos proferidos pelo Tribunal Constitucional, com força obrigatória geral, n.º 368/2000, (DR I Série-A, de 30.11.00) e o Acórdão n° 61/2004 (DR, I Série-A, de 27.02.04).XXVI O não pagamento da compensação pela caducidade do contrato a termo quando atinja o número máximo de renovações foi alvo de um acórdão de uniformização de jurisprudência no seguinte sentido:I - Há oposição, por contrariedade, entre os acórdãos recorrido e fundamento se, acerca da mesma «quaestio juris» fundamental, relacionada com a existência de um direito, um deles afirmou e o outro negou que tal direito existisse. II - No domínio da redacção inicial do art. 252°, n.° 3, do RCTFP, aprovado pela Lei n.° 59/2008, de 11/9, a caducidade de um contrato de trabalho a termo certo cuja renovação já fosse impossível não conferia ao trabalhador o direito à compensação referida nessa norma. (cfr. Ao. de uniformização de jurisprudência, preferido em 17-04-2015, pelo STA, processo 01473/14, disponível em www.dgsi.pt.) XXVII Conforme foi decidido no Ac. de uniformização de jurisprudência acima identificado:“Se, segundo a norma, a caducidade relevante para conferir o direito à compensação era somente a que resultava da não comunicação de uma vontade (de renovar o contrato), esse efeito benéfico da caducidade deixaria de se pôr se tal vontade se não pusesse, designadamente por ser irrelevante em virtude da caducidade surgir meramente «ex lege» (por via do art. 103° do RCTFP), e não também «ex voluntate» (por via do art. 252° do mesmo diploma). (...) Essa «ratio essendi» detecta-se naquilo que o legislador negativamente exprimiu - que não se justificava a atribuição de compensações aos trabalhadores nos casos em que a caducidade dos contratos fosse certa, isto é, independente da «vontade» do empregador público. E assim se vê que o legislador, no uso da sua liberdade dispositiva, adoptou a ideia de que, perante essa certeza, nada haveria a compensar; donde também resulta que aquilo que a «compensação» compensava era, afinal, a frustração da expectativa, por parte do trabalhador, de que o seu contrato, que ainda podia ser renovado, o fosse realmente - e nada mais.” XXVIII Para que pudesse existir direito à compensação pela caducidade do contrato de trabalho era necessário que a entidade empregadora manifestasse a vontade em não o renovar, para compensar a frustração do trabalhador não ver renovado o seu contrato, quando essa renovação ainda era possível, o que não era o caso.Mais, mesmo que assim não se considere, XXIX A A., 12 dias após cessar o contrato de trabalho com a C1..., foi contratada pela C2....(Cfr. doc. junto à primitiva contestação com o n.° 5) XXX Consequentemente, a trabalhadora não só não viu frustrada a expectativa de renovação do seu contrato de trabalho como outorgou um novo contrato de trabalho, com condições similares àquele que tinha, com uma entidade pública.XXXI A não atribuição da compensação ao trabalhador não frusta as suas expetativas quando o mesmo volta a ser contratado.XXXII Esta problemática foi levada ao Tribunal Constitucional que no seu Ac. 421/2014, proferido no processo 19314, publicado na 2° Série do D.R. n.° 230, de 27/11/2014, considerou:“Não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 252°, n.° 3 do Regime do Contrato de Trabalho em funções Públicas, na redacção original resultante da lei n.° 59/2008, de 11 de Setembro, interpretada no sentido de que não há lugar à atribuição de compensação nele prevista nos casos em que, verificada a caducidade do contrato decorrente da não comunicação, pela entidade empregadora pública, da vontade de o renovar, o trabalhador tenha celebrado, num curto período de tempo posterior à referida caducidade, com a mesma empregadora pública, novo contrato de trabalho em condições de vigência não menos favoráveis do que as que poderiam resultar da renovação do primitivo contrato.” Aliás, XXIII No mesmo sentido, a Lei do orçamento de Estado para 2015 (Lei n.° 82-B/2014 de 31 de dezembro) passou a estabelecer que:“Aos docentes contratados pelo Ministério da Educação e ciência a Termo resolutivo não é devida compensação por caducidade a que se referem o n.° 3 do artigo 293.° e o n.º4 do artigo 294.° da lei geral do Trabalho em Funções públicas, aprovada em anexo à lei n. 35/2014, de 20 da Junho, se ocorrer a celebração de novo contrato sucessivo até 31 de dezembro do ano letivo seguinte.” Concluiu pugnando pela procedência do recurso subordinado, com a sua absolvição da instância. E, caso assim não se entenda, pugnando pela improcedência do recurso da autora. I.6 A autora veio responder ao recurso subordinado da R., apresentando contra-alegações que sintetizou nas conclusões seguintes: 1. O recurso subordinado interposto radica numa confusão entre a questão processual da (i)legitimidade da Ré para litigar nos presentes autos e a questão material da sua efetiva responsabilidade pelo pagamento dos créditos decorrentes da cessação do contrato de trabalho ao abrigo do qual a Autora exerceu funções; 2. A questão relativa à legitimidade passiva foi sabiamente decidida em sede de despacho saneador (cfr. Ata de Audiência Prévia de 29.06.2017); 3. Face à forma como a relação controvertida foi configurada na P.I., a legitimidade processual da C... nos presentes autos não pode ser questionada; 4. A ilegitimidade passiva configura uma exceção dilatória e constitui, como tal, um vício de cariz iminentemente processual (cfr. disposição conjugada dos arts. 576º, nº 2 e 577º, al. e), ambos do C.P.C., aplicável ex vi art. 1º, nº 2, al. a) do C.P.T.), que tem de ser apreciado à luz do disposto na legislação adjetiva aplicável e, em concreto, do citado art. 30º do C.P.C., não sendo a decisão proferida a este respeito suscetível de violar os normativos invocados pela Ré como fundamento do respetivo recurso subordinado; 5. A disposição legal que determina a legitimidade processual – art. 30º do C.P.C., que a Ré não alegou violado – foi cabalmente observada, impondo o reconhecimento do interesse da Ré em contradizer a presente ação – o qual, de resto, é demonstrado pela própria condenação proferida – e, consequentemente, a sua legitimidade processual; 6. Resumindo-se o recurso subordinado interposto à referida matéria de exceção e limitando-se a Recorrente a peticionar, nesta sede, o reconhecimento da arguida ilegitimidade passiva e a sua consequente absolvição da instância – cfr. conclusão XI das Alegações a que ora se responde e pedido formulado no término da mesma peça processual –, impõe o supra alegado que o dito recurso subordinado seja, sem mais, julgado totalmente improcedente, com as legais consequências; 7. Mesmo quanto à questão de mérito julgada nos autos, nunca a Ré poderia ser dispensada do pagamento dos créditos da Autora com o invocado fundamento de não ser parte no contrato de trabalho celebrado; 8. Foi tido por provado no ponto 1) da decisão relativa à matéria de facto – e a Autora não contesta (pelo menos, nos termos impostos pelo art. 640º, nº 1 do C.P.C.) – que “(…) a Autora foi admitida ao serviço da Ré C... (…)”, não podendo a decisão a proferir nos autos contradizer a factualidade nos mesmos tida por provada, sob pena de padecer da nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. c) do C.P.C.; 9. Para além da questão processual, é de substância a razão pela qual a responsabilidade da Ré não pode ser afastada, já que – de acordo com a prova produzida e que acima se invoca – a Ré não só consta como entidade empregadora da Autora no contrato de trabalho celebrado, como teve intervenção direta e recorrente na execução contratual; 10. Independentemente do tipo de vínculo que une a Ré à sua Unidade Orgânica C1... – a que a Autora é completamente alheia e que não lhe é exigível que conheça –, a verdade é que foi a C... que – por intermédio da C1..., mas sob a sua égide (como bem se concluiu em primeira instância) – contratou com a Autora a prestação do trabalho; 11. Ainda que se concluísse que, efetivamente, a C... não havia assumido a posição de entidade empregadora no contrato celebrado – o que de nenhum modo se concede –, sempre o alheamento da Ré quanto ao cumprimento das obrigações que decorrem do aludido contrato de trabalho configuraria um ostensivo abuso de direito, atenta toda a factualidade tida por provada a propósito da celebração e execução do mesmo contrato, que – associada à identificação da empregadora no contrato de trabalho de fls. 15 a 18 – não podia senão criar na trabalhadora a convicção de que era com a Ré que havia contratado a relação laboral; 12. Não sendo as Alegações de recurso subordinado de molde a justificar a procedência do aí requerido, as mesmas possuem a virtualidade de reforçar os fundamentos do recurso de Apelação previamente interposto pela Autora, colocando a nu que a C... nunca estabeleceu qualquer relação entre os contratos de trabalho celebrados entre a Autora e as distintas Unidades Orgânicas (Faculdades), nem tão pouco retirou da celebração do contrato celebrado pela Autora com a C2... nos termos do ponto 17) dos factos provados qualquer ilação relativamente à uma eventual renúncia aos direitos que, à Autora, cabiam na sequência da cessão do contrato de trabalho previamente vigente com a C1..., renúncia essa que nunca ocorreu, nem de forma expressa, nem de forma tácita. Conclui pugnando pela improcedência do recurso subordinado. I.7 O Ministério Público teve visto nos autos, nos termos do art.º 87.º3, do CPT, tendo pronunciando-se no sentido da procedência do recurso da autora, por lhe assistir direito à compensação nos termos consagrados no art.º 344.º n.º2, do CT, não constituindo abuso de direito o exercício daquele mesmo direito, apesar da autora ter sido posteriormente contratada. No que respeita ao recurso subordinado, pronunciou-se pela sua improcedência, na consideração de que “[S]obre tal questão já foi proferida decisão nos autos, da qual a Ré não recorreu, não podendo agora ser questionada, pois transitou em julgado”. I.7.1 A recorrente Ré respondeu, contrapondo que o despacho que transitou em julgado apenas se pronunciou sobre a legitimidade da Ré, tal qual configurada a PI. A ilegitimidade por si deduzida emana dos factos provados, não tendo transitado em julgado. Quanto ao mais, reitera o que alegou no recurso subordinado. I.8 Foram cumpridos os vistos legais e determinada a inscrição do processo para julgamento em conferência. I.8 Delimitação do objecto do recurso Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 640.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho], as questões colocadas para apreciação pela recorrente consistem em saber se o tribunal a quo errou o julgamento quanto ao seguinte: A. Recurso da autora Na aplicação do direito aos factos, ao ter absolvido a Ré do pedido formulado quanto à compensação por cessação de contrato de trabalho, violando o disposto no art.º 344º, nº 2 do C. T e art.º 334.º do CC. [conclusões 10 e 11]. B. Recurso subordinado da Ré i) Na fixação da matéria de facto, ao ter considerado provado o facto 3. ii) Na aplicação do direito aos factos, por não ter concluído pela “ilegitimidade passiva da C..., com a consequente (..) absolvição da instância” [conclusão XI]. II. FUNDAMENTAÇÃO II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO O Tribunal a quo fixou o elenco factual que se passa a transcrever: a) Factos Provados Os factos provados, com interesse para a decisão da causa, são os seguintes: 1 - Por contrato de trabalho a termo certo celebrado em 17/06/2010 – e com efeitos a partir de 01/07/2010 –, a Autora foi admitida ao serviço da Ré C..., através da unidade orgânica C1... para, sob sua autoridade e direcção, desempenhar as funções correspondentes à categoria de Técnico Superior, 2 - Auferindo mensalmente o vencimento base de € 1.137,73 (mil cento e trinta e sete euros), acrescido de subsídio de refeição por cada dia útil de trabalho, no valor de € 4,27 (quatro euros e vinte e sete) – vide contrato de trabalho a termo resolutivo certo, cuja cópia consta de fls. 15 a 18. 3 - Desde a data em que foi admitida, a Autora trabalhou sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré, nas instalações da respectiva C1..., sitas na Rua ..., S/N, ....-... Porto, 4 - Actuando sempre com a diligência e o zelo necessários ao bom desempenho das respectivas funções – vide doc. fls. 19. 5 - Na execução do respectivo contrato de trabalho, a Autora cumpria um período normal de trabalho de 40 (quarenta) horas semanais. 6 - A retribuição vencia-se no final de cada mês. 7 - O contrato de trabalho ora em causa, celebrado pelo prazo de 1 (um) ano – e cujo termo inicial seria atingido no dia 30.06.2011 –, foi objecto de 2 (duas) renovações ordinárias, por iguais e sucessivos períodos de um ano, 8 - E de duas renovações extraordinárias, a primeira pelo período de 1 (um) ano – com início em 01.07.2013 e término em 31.06.2014 – e a segunda pelo período de 6 (seis) meses – com início em 01.07.2014 e término em 31.12.2014. 9 - Por comunicação entregue à Autora em 27/11/2014, foi a mesma informada da cessação do respectivo contrato de trabalho, por caducidade, com efeitos em 31/12/2014 – vide fls. 20. 10 – A autora cumpria um horário de trabalho de 8 horas diárias, em regime de horário flexível, com uma plataforma fixa nos seguintes períodos: - das 10H00 às 12H00 no período da manhã; - das 14H30 às 16H30 no período da tarde; 11 – Tal horário flexível está regulado no Regulamento sobre os Horários da C..., que a autora acatou, conforme cláusula 6.ª do contrato de trabalho e subsequentes renovações. 12 – De acordo com os tempos de trabalho constantes dos registos da autora, a mesma apresenta um saldo diário positivo – registo de trabalho superior a 8 horas - nos seguintes dias: - No mês de Julho de 2010, nos dias 05, 07, 09, 13, 19, 20, 21, 22, 23, 26, 28 e 29; - No mês de Agosto de 2010, nos dias 02, 03, 04, 06, 09, 10, 12, 16, 17, 19, 23, 24, 25, 26, 27 e 30; - No mês de Setembro de 2010, nos dias 01, 02, 03, 08, 15, 20, 21, 22, 24, e 28; - No mês de Novembro de 2010, nos dias 02, 03, 05, 08, 09, 10, 11, 12, 15, 16, 17, 18, 19, 22, 23, 25, 29 e 30; - No mês de Janeiro de 2011, nos dias 06, 07, 10, 11, 14, 17, 18, 24, 25 e 31; - No mês de Fevereiro de 2011, nos dias 01, 02, 03, 07, 09 e 24; - No mês de Março de 2011, nos dias 09, 10, 11, 14, 17, 18, 23, 28, 29 e 31; - No mês de Junho de 2011, nos dias 13, 14, 15, 16, 17, 21 e 22; - No mês de Julho de 2011, nos dias 04, 05, 06, 07, 11, 12, 13, 14, 21, 22, 27 e 28; - No mês de Agosto de 2011, nos dias 01, 02, 03, 04, 05, 17, 19, 22, 23 e 24; - No mês de Setembro de 2011, nos dias 01, 07, 08, 09, 12, 15, 16, 19, 21, 23, 26, 27, 28, 29 e 30; - No mês de Outubro de 2011, nos dias 06, 07, 11, 12, 18, 19, 24, 25, 26 e 27; - No mês de Novembro de 2011, nos dias 03, 07, 08, 09, 14, 16, 17, 21, 22, 23, 28 e 30; - No mês de Dezembro de 2011, nos dias 06, 12, 13, 14, 15, 19, 20, 27, 29 e 30; - No mês de Janeiro de 2012, nos dias 03, 04, 05, 06, 09, 12, 13, 17, 18, 19, 20, 25, 26, 27, 30 e 31; - No mês de Fevereiro de 2012, nos dias 01, 02, 03, 08, 09, 14, 15, 16, 17, 22, 23, 28 e 29; - No mês de Março de 2012, nos dias 01, 02, 05, 07, 08, 12, 13, 14, 15, 16, 19, 22, 27 e 30; - No mês de Abril de 2012, nos dias 02, 04, 05, 10, 11, 12, 16, 18, 19, 20, 23, 27 e 30; - No mês de Maio de 2012, nos dias 07, 08, 09, 10, 14, 15, 18, 22, 23, 24, 28, 29 e 30; - No mês de Junho de 2012, nos dias 01, 04, 06, 08, 11, 14, 18, 20, 21, 27, 28 e 29; - No mês de Julho de 2012, nos dias 05, 09, 11, 12, 13 e 26; - No mês de Agosto de 2012, nos dias 17, 20, 21, 22, 23, 27, 28, 29, 30 e 31; - No mês de Setembro de 2012, nos dias 03, 04, 05, 06, 07, 10, 11, 13, 14, 17, 18, 19, 20, 26, 27 e 28; - No mês de Outubro de 2012, nos dias 01, 11, 12, 16, 17, 18, 19, 22, 23, 24, 25, 26, 29, 30 e 31; - No mês de Novembro de 2012, o trabalho suplementar foi prestado nos dias 02, 06, 07, 08, 12, 13, 14, 15, 16, 19, 20 e 23; - No mês de Dezembro de 2012, nos dias 03, 04, 06, 07, 10, 11, 12, 13, 17, 18, 19, 20, 26, 27 e 28; - No mês de Janeiro de 2014, nos dias 02, 03, 06, 07, 08, 09, 13, 16, 21, 22, 24, 27, 29 e 31; - No mês de Março de 2014, nos dias 04, 05, 06, 07, 10, 13, 14, 19, 20, 26, 27 e 28; - No mês de Abril de 2014, nos dias 15 e 29; - No mês de Maio de 2014, nos dias 05, 06, 08, 12, 13, 16, 20, 21, 22, 23, 27, 28, 29 e 30; - No mês de Junho de 2014, nos dias 03, 04, 05, 06, 09, 11, 12, 13, 17, 19, 20 e 30; - No mês de Julho de 2014, nos dias 01, 03, 04, 07, 09, 10, 14, 15, 16, 17, 18, 21, 23 e 24; - No mês de Agosto de 2014, nos dias 11, 12, 22, 25, 26 e 27; - No mês de Setembro de 2014, nos dias 01, 03, 04, 05, 08, 09, 10, 12, 16, 17, 19, 22, 24, 25, 26, 29 e 30; - No mês de Outubro de 2014, nos dias 01, 06, 09, 14 e 16; - No mês de Novembro de 2014, nos dias 07, 10, 13, 14, 18, 19, 20, 21, 24, 26, 27 e 28; - No mês de Dezembro de 2014, nos dias 02, 04, 05, 09, 10, 11, 12, 15, 16 e 17; 13 – Por norma, no final do ano civil, o trabalhador verifica no seu registo as horas que tem a mais para prestar e solicita a sua conversão em dias de férias. 14 – O que a autora fez por duas vezes, nomeadamente no ano 2010, em que gozou mais três dias de férias, e no ano de 2014 em que também gozou mais três dias completos de férias do que aqueles a que tinha direito. 15 – Este gozo de férias a mais resultou da flexibilidade do seu horário de trabalho para compensar as horas a mais prestadas, bem como para compensar o trabalho suplementar prestado pela autora nos dias: - Ano de 2012: nos dias 15 e 29 de Setembro; - Ano de 2013: nos dias 07, 14 e 28 de Setembro e dia 05 de outubro; - cfr. fls. 425 a 427; 16 – No ano de 2012 a autora concluiu um curso de formação profissional “Nova Aplicação de Gestão Académica – Curso Avançado” – conforme certificado de formação profissional – emitido em 13 de março de 2012 – fls. 130 e 131; 17 – A autora voltou a ter 20 horas de formação profissional concluída em 25 de maio, no curso “A Eficácia de atendimento da administração pública”, conforme certificado de formação profissional emitido em 21 de junho de 2012 – fls. 132 e 133; 18 – Finalmente, a autora teve 4 horas de formação profissional, concluída em 26 de junho de 2013, no curso “Suporte Sigarra – propinas e emolumentos”, conforme certificado de formação profissional emitido em 26 de julho de 2013 – fls. 134 e 135; 16 – Doze dias depois de cessar o contrato de trabalho com a C1... a autora foi contratada pela C2... – cfr. doc. de fls. 125 e ss.. 17 – Assim, em 12 de Janeiro de 2015, a autora assinou um contrato de trabalho a termo com a C2..., para fazer face à reorganização de serviço. 18 – Tendo ficado sujeita ao período normal de trabalho de 40 horas semanais, mas sendo o horário de trabalho definido pelo primeiro outorgante dentro dos condicionalismos legais e do regulamento interno do horário de trabalho – clausula 6.ª do contrato de trabalho – fls. 126. 19 – Auferindo retribuição de € 1.137,73, acrescida de subsídio de alimentação no valor de € 4,27 – fls. 126. 20 – A ré entregou à autora a quantia de € 1604.64, a título de subsídio de férias – fls. 422. * b) Factos Não ProvadosNão se consideraram os juízos conclusivos e matéria de direito constante dos articulados. Não se provaram outros factos com relevo para a decisão da causa. Não se provou, designadamente, que: i) A ré C... seja parte ilegítima nestes autos, sem prejuízo da autonomia administrativa e financeira da C1...; ii) À trabalhadora seja devida a retribuição correspondente ao número mínimo de horas de formação que não lhe foi proporcionada no ano de 2010 – 17 (dezassete) horas; iii) O saldo positivo diário, durante a semana, nos registos de tempo efectuados pela autora correspondesse a horas de trabalho suplementar e que por tal fosse devida remuneração em conformidade; iv) A autora seja credora da ré, a título de compensação por trabalho suplementar, do valor global de € 1.927,01 (mil novecentos e vinte e sete euros e um cêntimo). v) A formação prestada em 2013 foi de apenas 4 (quatro) horas, face ao que resultou provado nos pontos 16, 17) e 18) dos Factos Provados; vi) A Autora tenha direito, a título de compensação pela caducidade do contrato de trabalho, ao valor de € 3.501,28 (três mil quinhentos e um euros e vinte e oito cêntimos). II.2 Recurso subordinado da Ré A Ré, recorrendo subordinadamente, insurge-se contra a sentença por alegado erro na aplicação do direito aos factos, pretendendo que se conclua pela “ilegitimidade passiva da C..., com a consequente (..) absolvição da instância” [conclusão XI]. Por uma questão de precedência lógica, embora interposto subordinadamente, impõe-se começar pela apreciação deste recurso, na medida em que caso proceda tal prejudica imediata e necessariamente a apreciação do recurso da Autora, bem como o recurso subordinado na vertente da impugnação da decisão sobre a matéria de facto. Vejamos então. Contra-alegando, contrapôs a Autora, no essencial, que tal como decidido na audiência preliminar, face à forma como a relação controvertida foi configurada na P.I., a legitimidade processual da C... nos presentes autos não pode ser questionada. Pugna pela improcedência do recurso. O Ministério Público pronunciou-se pela improcedência do recurso subordinado, na consideração de que “[S]obre tal questão já foi proferida decisão nos autos, da qual a Ré não recorreu, não podendo agora ser questionada, pois transitou em julgado”. Veio a recorrente Ré responder àquele parecer, dizendo que o despacho que transitou em julgado apenas se pronunciou sobre a legitimidade da Ré, tal qual configurada a PI. A ilegitimidade por si deduzida emana dos factos provados, não tendo transitado em julgado. Uma nota prévia. No percurso que se segue começaremos por deixar alguns esclarecimentos que, em nosso entender, se mostram necessários face à posição assumida pelo Ministério Público no seu parecer, ao sustentar, embora sem avançar as razões em que alicerçou essa consideração, que a questão suscitada pela recorrente foi já decidida e transitou em julgado, sendo já inquestionável. Na contestação, em defesa por excepção, a R. veio suscitar a sua ilegitimidade passiva para a acção. Anuncia-o logo com o título “I- Excepção da ilegitimidade passiva da R. C...”, prosseguindo a alegação ao longo dos artigos 1.º a 36.º, constando a conclusão no art.º 35.º, onde sustentou: -«A entidade patronal da A. era a C1..., entidade com capacidade jurídica e judiciária para a contratar, o que importa a ilegitimidade passiva da C... e a sua absolvição da instância “. No relatório inicial fez-se constar, com maior detalhe, o essencial da alegação da Ré, não se justificando aqui repeti-lo. E, como também se mencionou, o Tribunal a quo apreciou e decidiu essa questão na audiência preliminar, julgando improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade passiva da Ré C.... Consta da respectiva fundamentação o seguinte: -«Da ilegitimidade da Ré C.... Regularmente citada a ré apresentou-se a contestar alegando, além do mais, ser parte ilegítima na presente acção porquanto, afirma que a Autora iniciou funções na C1..., em 17 de Junho de 2010; a partir de 2009 a Ré passou a Fundação Pública de direito privado, denominada C..., tendo, por despacho normativo de 30 de Abril, com efeitos a partir de 15 de Maio de 2009, sido aprovados os seus estatutos; a Autora foi contratada para trabalhar na unidade orgânica da C..., a C1..., tendo o contrato sido assinado pelo Director daquela Faculdade; foi a C1... quem comunicou à Autora a cessação do contrato de trabalho; foi ainda a C1... que renovou o contrato de trabalho a termo certo; a C1... é uma pessoa colectiva de direito público com autonomia e personalidade jurídica, com competência para a contratação de pessoal; ao Reitor cabe apenas a contratação de trabalhadores para a C...; a Entidade patronal da Autora era a C1..., entidade com capacidade jurídica e judiciária para a contratar. A Autora respondeu, sem, no entanto, se pronunciar sobre a excepção invocada. Cumpre decidir. O artigo 30º, do C.P.C. define o conceito de legitimidade afirmando que o autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer. O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha. Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevantes para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor. Analisada a relação material descrita pela Autora logo concluímos pela legitimidade da Ré, porquanto a Autora fundamenta o pedido relativo a créditos laborais, no contrato de trabalho que afirma ter celebrado com a Ré. Neste enquadramento a Ré tem manifesto interesse em contradizer, designadamente impugnando a existência do contrato; a concluir-se assim, a consequência será a absolvição do pedido e não uma qualquer absolvição da instância. Nos termos legas e factuais expostos julgo improcedente a excepção da ilegitimidade, e, consequentemente, declaro a Ré C..., parte legítima na presente acção. * Custas do incidente a cargo da Ré, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal».Esta decisão não era imediatamente recorrível, isto é, não admitia recurso autónomo de apelação, uma vez que não se enquadra em qualquer uma das situações previstas no n.º2, do art.º 79.º A, do CPT. Significa isso, pois, que só poderia ser impugnada no recurso que viesse a ser interposto da decisão final (n.º3, daquele mesmo artigo do CPT). A decisão não transitou, pois em julgado. Só transitaria em julgado se não viesse a ser recorrida conjuntamente com o recurso da decisão final. À Ré estava vedado apresentar recurso de apelação independente, na medida em que o valor da sucumbência é inferior a metade da alçada do tribunal da 1.ª instância (art.º 629.º 1, CPC). Com efeito, apenas foi condenada a pagar à autora “€ 671,26 (..) a título de proporcionais de férias e subsídio de férias não pago relativo ao ano de 2014, absolvendo a ré das demais quantias peticionadas a este título” e “€ 72,16 € (..), a título de formação profissional não proporcionada, absolvendo a ré das demais quantias peticionadas a este título”, acrescidos de juros de mora à taxa legal. Contudo, o recurso da Autora abriu-lhe a porta ao recurso subordinado, dado que [S]e o recurso independente for admissível, o recurso subordinado também o será, ainda que a decisão impugnada seja desfavorável para o respetivo recorrente em valor igual ou inferior a metade da alçada do tribunal de que se recorre” [art.º 633.º n.º5, CPC]. É certo que no requerimento de interposição de recurso a Ré não diz expressamente que vem recorrer da decisão proferida na audiência preliminar. No entanto, tal como fez na petição inicial, dá início ao recurso com o título “I- Exceção de ilegitimidade passiva da R. C...”. E, para além disso, mais uma vez reproduzindo o que fez constar na petição inicial no artigo acima transcrito, conclui (conclusão XI) afirmando a sua pretensão nos termos seguintes: -«A entidade patronal da A. era a C1..., entidade com capacidade jurídica e judiciária para a contratar, o que importa a ilegitimidade passiva da C... e a sua absolvição da instância”. Portanto, seja qual for a razão que esteja subjacente à afirmação contida no parecer do Ministério Público, não vislumbramos que possa estar correcta. Pelo contrário, a decisão proferida sobre a ilegitimidade passiva da Ré não transitou, sendo o objecto do presente recurso subordinado. E, se dúvida houvesse, ficava dissipada ao confrontar-se a argumentação utilizada na alegação de recurso com aquela que consta na contestação (artigos 1.º a 36.º), dado que naquela encontram-se os argumentos que foram utilizados neste articulado. Aliás, como o ilustra até as transcrições que se fizeram. Avançando. A legitimidade processual constitui um pressuposto processual relativo às partes, que se afere, na falta de indicação da lei em contrário, face à relação material controvertida tal como configurada pelo A., isto é, considerado o pedido e causa de pedir e independentemente da prova dos factos que integram esta última. A sua verificação é condição para que o tribunal conheça do mérito da causa e profira, acerca dos pedidos deduzidos, uma decisão de fundo. Tratando-se de uma excepção dilatória, a ilegitimidade passiva determina a absolvição da instância (art,º 26.º, 278.º n.º1, al. d) e 576.º 2, do CPC). Concorda-se, pois, com a decisão recorrida quando concluiu que “Analisada a relação material descrita pela Autora logo concluímos pela legitimidade da Ré, porquanto a Autora fundamenta o pedido relativo a créditos laborais, no contrato de trabalho que afirma ter celebrado com a Ré”, tendo esta última interesse em contradizer, para decidir pela improcedência da acção. Impõe-se, ainda, mais uma nota, agora a propósito da afirmação feita pela ré na resposta ao parecer do MP, designadamente, ao dizer que “A ilegitimidade por si deduzida [entenda-se, o recurso] emana dos factos provados, não tendo transitado em julgado”. Começaremos por dizer, salvo o devido respeito, que não se percebe qual a posição em concreto que a Ré pretende afirmar. Em primeiro lugar, sublinha-se, a questão suscitada pela R. na contestação e agora reiterada no recurso é a ilegitimidade processual da Ré. De outro modo não faria sentido que pugnasse pela “ilegitimidade passiva da C... e a sua absolvição da instância”. Ora, como se disse, para aferição da legitimidade processual atende-se à relação material controvertida tal como configurada pelo A., isto é, considerando o pedido e causa de pedir, sendo irrelevante para essa apreciação a prova, ou não, dos factos que integram aquela última. Coisa diversa é a legitimidade substantiva, requisito da procedência do pedido e, esta sim, dependente da prova dos factos em que se sustenta o efeito jurídico que o autor pretende fazer valer através da acção, ou seja, a causa de pedir, estando em causa a procedência ou absolvição do pedido. Mas, repete-se, não foi, nem é, essa a questão suscitada. Por conseguinte, improcede o recurso subordinado ao pretender que se reconheça a ilegitimidade passiva da Ré, revogando-se a decisão recorrida e absolvendo-se a Ré da instância. II.2.1 Alteração da matéria de facto por iniciativa deste Tribunal de recurso Percorrida a matéria de facto fixada, constata-se a necessidade de proceder a alterações à mesma, mas por iniciativa desta Relação no âmbito dos poderes oficiosos de que dispõe (art.º 662.º 1, CPC). Conforme é entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. Dito de outro modo, só os factos materiais são susceptíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objecto de prova [cfr. Acórdão de 23.9.2009, Proc. n.º 238/06.7TTBGR.S1, Bravo Serra; e, mais recentemente, reiterando igual entendimento jurisprudencial: de 19.4.2012, Proc.º 30/08.4TTLSB.L1.S1, Pinto Hespanhol; de 23/05/2012, proc.º 240/10.4TTLMG.P1.S1, Sampaio Gomes; de 29/04/2015, Proc .º 306/12.6TTCVL.C1.S1, Fernandes da Silva; de 14/01/2015, Proc.º 488/11.4TTVFR.P1.S1, Fernandes da Silva; 14/01/2015, Proc.º 497/12.6TTVRL.P1.S1, Pinto Hespanhol; todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj]. Entendimento igualmente sustentado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-03-2014, afirmando-se que “Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes” [Proc.º n.º 590/12.5TTLRA.C1.S1, Conselheiro Mário Belo Morgado, disponível em www.dgsi.pt]. Assim, as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado [Ac. STJ de 28-01-2016, Proc. nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1, Conselheiro António Leones Dantas, www.dgsi.pt.]. Significando isto, que quando tal não tenha sido observado pelo tribunal a quo e este se tenha pronunciado sobre afirmações conclusivas, que essa pronúncia deve ter-se por não escrita. E, pela mesma ordem de razões, que o tribunal de recurso não pode considerar provadas alegações conclusivas que se reconduzam ao thema decidendum. Nos factos 1 e 3 consta provado o seguinte: 1 - Por contrato de trabalho a termo certo celebrado em 17/06/2010 – e com efeitos a partir de 01/07/2010 –, a Autora foi admitida ao serviço da Ré C..., através da unidade orgânica C1... para, sob sua autoridade e direcção, desempenhar as funções correspondentes à categoria de Técnico Superior, 3 - Desde a data em que foi admitida, a Autora trabalhou sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré, nas instalações da respectiva C1..., sitas na Rua ..., S/N, ....- ... Porto, Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto que integra a sentença, no que aqui releva, o tribunal a quo fez constar o seguinte: -«O tribunal considerou provados e não provados os factos acima constantes com base na prova testemunhal produzida em audiência e documental junta aos autos, do modo que seguidamente se descreve. As partes estavam de acordo nos articulados quanto à data de início e termo da relação laboral, e à retribuição auferida pela autora à data da cessação do contrato. Não punham também as partes em causa que a autora tivesse sido admitida ao abrigo do contrato cuja cópia foi junta a fls.. No que diz respeito às funções exercidas pela autora, existia também acordo das partes. (..)». Mais adiante precisa-se que o contrato ali referido consiste na “cópia do contrato de trabalho a termo resolutivo certo – fls. 15 a 18”, documento junto pela Autora com a petição inicial. O facto 1, tal como foi formulado, expressa conclusivamente o que consta desse documento. Afigura-se-nos, pois, mais correcto dar conta do que se menciona no contrato, na parte respeitante a quem contrata, através de transcrição dos termos que as partes fizeram constar do mesmo. Para que se perceba a relevância dos termos expressos no contrato, importa relembrar que na presente acção está em causa um contrato de trabalho celebrado a tempo resolutivo e subsequentes renovações, significando isso que o mesmo está sujeito a forma escrita e a observar determinado conteúdo (art.º 141.º do CT), designadamente, a identificação e assinaturas das partes e o local de trabalho. Por outro lado, no facto 3 fez-se constar a expressão “sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré”, afirmação conclusiva que, por isso, não deveria constar da redacção do mesmo. Essa conclusão há-de retirar-se do que foi feito constar no contrato, logo do facto anterior. Para além disso, o que releva neste facto é apenas a menção ao local de trabalho onde era prestada efectivamente a actividade laboral pela autora. Assim, alteram-se os factos 1 e 3, que passam a ter a redacção seguinte: (facto 1). Em documento reduzido a escrito, com o título “Contrato de Trabalho a termo Resolutivo Certo”, datado de 17 de Junho de 2010, foi feito constar, para além do mais, o seguinte: -«C..., fundação pública com regime de direito privado, pessoa colectiva com o NIF ........., através da sua unidade orgânica C1..., com autonomia administrativa, sita na Rua ..., ....-... Porto, com o número de identificação de Segurança Social .........../...., NIPC ........., representada por PROF. DOUTOR F..., Director da Faculdade, na qualidade de entidade patronal, abaixo abreviadamente designada como Primeiro Outorgante; e, B..., (...), abaixo identificado como Segundo Outorgante; é celebrado o presente contrato de trabalho a termo resolutivo certo, de livre vontade e de boa fé e, pelo presente instrumento o reduzem a escrito, o qual se regerá pelos termos e sob as condições das cláusulas seguintes: Cláusula 1.ª O Segundo Outorgante inicia o trabalho sob a direcção do Primeiro Outorgante no dia 01 de Julho de 2010. Cláusula 2.ª 1) O presente contrato é celebrado por 12 meses, cujo termo será no dia 30 de Junho de 2011. 2) O período experimental a que fica sujeito é de 30 dias. Cláusula 3.ª 1) Nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 140°, n.º 2, alínea f), e 141.º n.º 1 alínea e) e n.º 3 do código do trabalho, estabelece-se que o motivo justificativo da outorga do presente contrato a termo certo é o seguinte: as funções a desempenhar reflectem um acréscimo excepcional de trabalho, resultante da adequação dos cursos a Bolonha. Verificaram-se alterações significativas nos procedimentos associados aos processos que abordam directamente os cursos e os estudantes, tendo originado um aumento significativo da complexidade e da actividade nos Serviços Académicos. Nesta fase de adequação dos serviços ao contexto de Bolonha trará um acréscimo de trabalho, com elevado nível de complexidade e autonomia. (..) Cláusula 5.ª O segundo Outorgante desenvolverá a sua actividade profissional nas instalações da primeira Outorgante sitas na R. ... S/N – ....–... Porto, encontrando-se em qualquer circunstância adstrito às deslocações inerentes ao exercício das funções para que é contratado ou indispensáveis à sua formação profissional”. (facto 3) Desde a data em que foi admitida, a Autora trabalhou nas instalações da C1..., sitas na Rua ..., S/N, ....-... Porto. II.2.2 Recurso subordinado da Ré: impugnação da decisão sobre a matéria de facto A Ré insurge-se contra a decisão que fixou a matéria de facto, pretendendo a sua alteração. Assim, apesar da Ré recorrer subordinadamente, em termos lógicos deve iniciar-se a apreciação dos recursos por esta questão. Discorda a Ré da decisão sobre a matéria de facto na parte em que, no facto 3, se considerou provado “desde que foi admitida a Autora trabalhou sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré”. Pretendendo a parte impugnar a decisão sobre a matéria de facto, deve observar os ónus de impugnação indicados no art.º 640.º do CPC, ou seja, é-lhe exigível a especificação obrigatória, sob pena de rejeição, dos pontos mencionados no n.º1 e n.º2, enunciando-os na motivação de recurso, nomeadamente os seguintes: - Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados[n.º1, al. a)]; - Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [n.º1, al. b)]; - A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [n.º 1, al. c)]; - Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes [n.º2, al. a)]. Das conclusões resulta identificado o facto impugnado e em que sentido pretende a Ré que fosse respondido, ou seja, nessa parte entende que deve ser não provado. Para além disso, a Ré indicou os meios de prova em que se sustenta, sendo que no caso dos testemunhos indica os pontos da gravação em que se encontram os extratos relevantes, procedendo ainda à transcrição. Conclui-se, pois, que foram observadas as exigências legais apontadas. Contudo, em face do que se decidiu nos pontos anteriores conclui-se que a apreciação está prejudicada. Por um lado, com se explicou, a apreciação do recurso subordinado, na vertente da aplicação do direito aos factos não estava dependente da prova, ou não, dos factos que integram a causa de pedir e o recurso sucumbiu. Por outro, a parte do facto 3 que é objecto da impugnação foi eliminada. II.3 Recurso da autora A autora põe em causa a sentença, na vertente da aplicação do direito aos factos, por ter absolvido a Ré do pedido que formulou de condenação daquela no pagamento de compensação por cessação de contrato de trabalho a termo. Na sua perspectiva, a decisão recorrida violou o disposto no art.º 344º, nº 2 do C. T e art.º 334.º do CC. [conclusões 10 e 11]. Sobre esta questão lê-se na fundamentação da sentença, na parte aqui relevante, o seguinte: -«3.5 - Quanto à compensação por cessação do contrato e ao abuso de direito: A Autora reclama, ainda, a título de compensação pela caducidade do contrato de trabalho o valor de € 3.501,28 (três mil quinhentos e um euros e vinte e oito cêntimos). A ré opõe-se ao pagamento desta compensação com três argumentos distintos: (..) 3.º) A autora cessou o contrato de tralho com a C1... em 31/12/2014 e em 12/01/2015 assinou contrato de trabalho a termo certo com a C2.... Caso não se reconheça a personalidade jurídica e judiciária das Faculdades, a autora, ao ter ficado novamente ligada à ré por um contrato de trabalho, o seu pedido de indemnização por caducidade, constitui um abuso de direito, uma vez que mantém vínculo contratual com a entidade demandada. Cumpre apreciar e decidir. * O art. 344º, nº 2 do C. T. dispõe o seguinte:“2 - Em caso de caducidade de contrato de trabalho a termo certo decorrente de declaração do empregador nos termos do número anterior, o trabalhador tem direito a compensação correspondente a 18 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, calculada nos termos do artigo 366.º” Nos termos da previsão do art.º 6.º, n.º 1 da Lei nº 69/2013, de 30/08: “1 - Em caso de cessação de contrato de trabalho a termo, incluindo o que seja objecto de renovação extraordinária, nos termos da Lei n.º 3/2012, de 10 de janeiro, alterada pela Lei n.º 23/2012, de 25 de junho, ou de contrato de trabalho temporário, celebrados antes de 1 de novembro de 2011, a compensação prevista no n.º 2 do artigo 344.º, no n.º 4 do artigo 345.º e no n.º 6 do artigo 366.º do Código do Trabalho, na redacção conferida pela presente lei, é calculada do seguinte modo: a) Em relação ao período de duração do contrato até 31 de outubro de 2012 ou até à data da renovação extraordinária, caso seja anterior a 31 de outubro de 2012, o montante da compensação corresponde a três ou dois dias de retribuição base e diuturnidades por cada mês de duração, ou é calculado proporcionalmente em caso de fracção de mês, consoante a duração total do contrato não exceda ou seja superior a seis meses, respectivamente; b) Em relação ao período de duração do contrato a partir de 1 de novembro de 2012 inclusive e até 30 de setembro de 2013, o montante da compensação corresponde a 20 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, calculada proporcionalmente ao período efectivo de trabalho prestado; c) Em relação ao período de duração do contrato a partir de 1 de outubro de 2013 inclusive, o montante da compensação corresponde à soma dos seguintes montantes: i) A 18 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, no que respeita aos três primeiros anos de duração do contrato; ii) A 12 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, nos anos subsequentes; iii) O disposto na subalínea i) aplica-se apenas nos casos em que o contrato de trabalho, a 1 de outubro de 2013, ainda não tenha atingido a duração de três anos. ” É esta a legislação aplicável ao caso dos autos. (..) Sendo assim, tendo o contrato de trabalho a termo certo caducado no dia 31/12/2014, por caducidade no final do prazo estipulado e tendo a entidade empregadora feito a legal comunicação prevista no n.º 1 do art.º 344.º no dia 27 de novembro de 2014 (fls. 20), teria a autora direito a receber a compensação prevista no n.º 2 do mesmo normativo (18 dias de retribuição por cada ano completo de antiguidade), calculado com base no art.º 366.º do CT. No entanto, provou-se que apenas 12 dias depois a autora foi contratada novamente pela Ré, desta vez, através da Unidade Orgânica da C2.... Sendo assim, afigura-se, como alega a ré, que sempre o pedido aqui deduzido de compensação pela caducidade do contrato constituiria face aos factos provados um abuso do direito, nos termos do disposto no art.º 334.º do Código Civil. Com efeito, segundo o artigo 334.º do Código Civil é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico dum direito. Agir de boa-fé é, tanto no contexto do artigo 334.º como no do artigo 762.º, n.º 2, ambos do Código Civil: actuar com diligência, zelo e lealdade face aos interesses da contraparte; ter uma conduta honesta e conscienciosa, numa linha de correcção e probidade, visando não prejudicar os legítimos interesses da outra parte; proceder de modo a não procurar alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável poderia tolerar. Os bons costumes são um conjunto de regras de convivência que num dado ambiente e em certo momento as pessoas honestas e corretas aceitam como contrárias à imoralidade ou indecoro social. A figura do abuso de direito é uma válvula de segurança à disposição do julgador para fazer face àqueles casos em que a fria aplicação da lei (caracterizada pela generalidade e abstracção), não atendendo às especificidades do caso concreto, levaria a situações de injustiça gravemente chocantes e reprováveis para o sentimento jurídico dominante na comunidade social (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, I volume, 4.ª edição, Coimbra Editora, 1987, pág. 299). Na lição de VAZ SERRA (“Abuso do Direito (em matéria de responsabilidade civil)”, Boletim do Ministério da Justiça n.º 85 (1959), pág. 243 e ss.), haverá abuso de direito quando este, em princípio legítimo, é, em determinado caso, exercido de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante, e a consequência é a do titular do direito ser tratado como se o não tivesse. Se os direitos concedidos pela lei tendo em vista determinados fins forem exercidos para finalidades diversas, não se pode dizer que se trate de verdadeiro exercício de um direito, mas de falta de direito. Por sua vez, ANTUNES VARELA esclarece que o abuso de direito “pressupõe a existência e a titularidade do poder formal que (…) constitui a verdadeira substância do direito subjetivo” e que se designa por abuso de direito “o exercício do poder formal realmente conferido pela ordem jurídica a certa pessoa, mas em aberta contradição, seja com o fim (económico ou social) a que esse poder se encontra adstrito, seja com o condicionalismo ético-jurídico (boa fé; bons costumes) que, em cada época histórica, envolve o seu reconhecimento” (Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 114.º, pág. 75), mais salientando que a condenação do abuso de direito, a ajuizar pelos termos do art.º 334.º do Código Civil, “(…) aponta de modo inequívoco para as situações concretas em que é clamorosa, sensível, evidente a divergência entre o resultado da aplicação do direito subjetivo, de carga essencialmente formal, e alguns dos valores impostos pela ordem jurídica para a generalidade dos direitos ou, pelo menos, dos direitos de certo tipo” (Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 128.º, pág. 241). O abuso de direito abrange, assim, o exercício de qualquer direito de forma anormal quanto à sua intensidade ou à sua execução de forma a poder comprometer o gozo dos direitos de terceiro e a criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício por parte do seu titular e as consequências que outrem tem de suportar. Além disso, é preciso ter presente que o Código Civil consagrou a concepção objectivista do abuso de direito e, por isso, não é necessário a consciência malévola, a consciência de se excederem, com o abuso de direito, os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito, bastando que sejam excedidos esses limites, muito embora a intenção com que o titular do direito tenha agido não deixa de contribuir para a questão de saber se há ou não abuso de direito (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, ob. e loc. cits.). Ao aceitar um novo contrato de trabalho, em condições muito similares aos anteriores, com a mesma Ré – de acordo com a posição que aliás a autora sufragou na PI – a autora criou legítimas expectativas na ré de que aceitava – pelo curto hiato temporal decorrido –as condições laborais disponibilizadas , pelo que a propositura da presente acção – na parte relativa ao pedido da compensação por caducidade do contrato - é um manifesto venire contra factum proprium, que torna o exercício do direito ilegítimo, nos termos do citado art.º 334.º do Código Civil. * Em conclusão, por força da verificação da excepção do abuso de direito, deve a ré ser absolvida do pedido de condenação no pagamento de compensação pela caducidade do contrato celebrado com a Unidade Orgânica C1..., face à nova contratação com a Unidade Orgânica C2...».Argumenta a recorrente, no essencial, o seguinte: i) Não pode retirar-se da factualidade provada que a celebração do contrato de 12.01.2015 em algum momento haja dependido de qualquer renúncia – expressa ou, sequer, tácita – da Autora quanto aos direitos de que, por lei, a mesma é detentora na decorrência da caducidade do respetivo contrato de trabalho. ii) O direito à compensação reclamada é reconhecido por lei, de forma automática, sempre que se verifique o respetivo pressuposto de facto, ou seja, a cessação do contrato de trabalho a termo certo por caducidade da iniciativa da entidade patronal (art.º 344º, nº 2 do C. T). iii) Ao reclamar o pagamento da compensação aqui em apreço, a Autora exerce de forma legítima um direito que lhe é concedido por lei, a que nunca renunciou e que as partes nunca afastaram por qualquer forma. Com interesse para a apreciação desta questão, resulta dos factos provados o seguinte: - Entre a R. C... e a Autora foi celebrado um contrato de trabalho a termo resolutivo, por 12 meses, com início a 1 de Julho de 2010, e termo a 30 de Junho de 2011 (facto 1). - No qual foi acordada a retribuição mensal base de € 1.137,73 (facto 2). - Aquele contrato inicial foi objecto de 2 renovações ordinárias, por iguais e sucessivos períodos de um ano (facto 7). - E de duas renovações extraordinárias, a primeira pelo período de 1 ano – com início em 01.07.2013 e termo em 31.06.2014 – e a segunda pelo período de 6 meses – com início em 01.07.2014 e termo em 31.12.2014 (facto 8). - Por comunicação entregue à Autora em 27/11/2014, foi a mesma informada da cessação do respectivo contrato de trabalho, por caducidade, com efeitos em 31/12/2014. - Doze dias depois da cessação daquele contrato, em 12 de Janeiro de 2015, a autora foi contratada pela C2..., assinando um contrato a termo, auferindo a retribuição mensal de € 1.137,73 (factos 16 a 19). A contratação da autora ocorreu já na vigência do CT/09, sendo o regime dele contante o aplicável ao caso, nomeadamente, o artigo 344.º, mas com as alterações entretanto introduzidas pelas Leis n.º 23/2012, de 25 de Junho e n.º 69/2013, de 30 de Agosto, posto que a cessação do contrato de trabalho é posterior ao início de vigência desses diplomas. Assim, dispõe esse artigo o seguinte: Artigo 344.º Caducidade de contrato de trabalho a termo certo 1 - O contrato de trabalho a termo certo caduca no final do prazo estipulado, ou da sua renovação, desde que o empregador ou o trabalhador comunique à outra parte a vontade de o fazer cessar, por escrito, respectivamente, 15 ou oito dias antes de o prazo expirar. 2 - Em caso de caducidade de contrato de trabalho a termo certo decorrente de declaração do empregador nos termos do número anterior, o trabalhador tem direito a compensação correspondente a 18 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, calculada nos termos do artigo 366.º. 3 - (Revogado.) 4 - (Revogado.) 5 - Constitui contraordenação grave a violação do disposto no n.º 2. Para além disso, caso se conclua no sentido propugnado pela recorrente autora, haverá que ter também em conta o regime transitório estabelecido na Lei n.º 69/2013, de 30 de Agosto, regulando a compensação devida no art.º 344.º do CT, nomeadamente, no artigo 6.º. Mas se disso for caso, atentaremos então nesse regime. Por ora, importa saber se o Tribunal a quo decidiu bem ao considerar que a Autora actuou em abuso de direito ao reclamar o pagamento da compensação legal estabelecida no artigo 344.º do CT/09. Para melhor contextualizar a questão, começaremos por recuar no tempo para referir que a figura da compensação por caducidade nos contratos a termos foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 69-A/89, de 27 de Fevereiro, usualmente designado por Lei da Cessação do Contrato de Trabalho e do Contrato a Termo [LCCT], dispondo o n.º 3, do art.º 46.º o seguinte: -[3] A caducidade do contrato confere ao trabalhador o direito a uma compensação correspondente a dois dias de remuneração de base por cada mês completo de duração, calculada segundo a fórmula estabelecida no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 69-A/87, de 9 de Fevereiro. Como elucida Pedro Furtado Martins [Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, Principia, 2012, p. 56], uma das dúvidas que se colocou na interpretação e aplicação da norma consistia em saber em que situações seria devida a compensação, dado que não especificava “se ficavam abrangidas todas as situações de cessação decorrente da verificação de termo aposto ao contrato, incluindo aquelas em que a caducidade decorria da não-aceitação pelo trabalhador da renovação do contrato ou da conversão em contrato sem termo”. Prossegue o mesmo autor, explicando que “A interrogação foi parcialmente esclarecida no CT/2003, mantendo-se o esclarecimento nos mesmos termos do actual Código. Assim, ao prever-se expressamente que a compensação é devida em caso de caducidade «decorrente de declaração do empregador» (art.º 344.º2), fica claro que o trabalhador não tem direito a compensação quando partir dele a iniciativa de não renovar o contrato, ou seja, quando a caducidade decorra de declaração do trabalhador”. Revertendo ao caso, como fez questão de assinalar a recorrente autora, a não renovação do contrato não decorreu de declaração sua. O contrato a termo resolutivo em causa cessou por declaração da entidade empregadora, preenchendo-se, pois, o requisito do n.º 2, do art.º 344.º do CT/09. O tribunal a quo chegou igualmente a essa conclusão, mas afastou o direito da autora na consideração do seguinte: -«No entanto, provou-se que apenas 12 dias depois a autora foi contratada novamente pela Ré, desta vez, através da Unidade Orgânica da C2.... Sendo assim, afigura-se, como alega a ré, que sempre o pedido aqui deduzido de compensação pela caducidade do contrato constituiria face aos factos provados um abuso do direito, nos termos do disposto no art.º 334.º do Código Civil”. Salvo o devido respeito, não acompanhamos esta posição. É praticamente consensual o entendimento no sentido de considerar que a compensação por caducidade do contrato a termo resolutivo tem uma dupla finalidade: por um lado, visa compensar o trabalhador pela precariedade do vínculo laboral decorrente da possibilidade do empregador fazer cessar o contrato a termo por caducidade, assim gorando a expectativa daquele no prolongamento da relação laboral; e, por outro, tem o propósito de desincentivar o empregador a fazer uso da contratação a termo - fazendo-o cessar por caducidade para depois recorrer de novo à contratação a termo, desse modo mantendo preenchido um posto de trabalho através do recurso abusivo à possibilidade de contratação a termo -, na medida em que encarece esta prática [nesse sentido, Júlio Gomes, O contrato de trabalho a termo certo ou a tapeçaria de Penelope”, Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, Vol. IV, Almedina, Coimbra, 2003, p. 85]. É nesta base que se percebe que o legislador tenha conferido este direito ao trabalhador contrato a termo certo, só ficando excluindo o direito à compensação quando a não renovação do contrato a termo certo ou conversão em contrato por tempo indeterminado tenha como causa a iniciativa do trabalhador ou, por outra via, quando o contrato a termo certo se converta em contrato sem termo. Na primeira hipótese a precariedade da relação laboral fica a dever-se ao próprio trabalhador; na segunda, o vínculo torna-se definitivo, deixando de se justificar a compensação. Antes de prosseguirmos, não é despiciendo deixar uma breve nota, apenas para assinalar que a norma em causa suscita ainda dúvidas quanto à questão de saber se a compensação é devida nos contratos não renováveis por acordo das partes (art.º 149.º 1, CT/09), em que a caducidade opera sem declaração de denúncia de qualquer das partes. Contudo, essa questão não assume aqui qualquer relevo, pelo que seria despropositado entrarmos nessa discussão. O princípio do abuso de direito constitui um expediente técnico, ditado por razões de justiça e equidade, para obstar que a aplicação de um preceito legal, certo e justo em circunstância normais, venha a revelar-se injusto numa situação concreta, em razão das particularidades ou circunstâncias especiais que nela concorram. Ocorrerá a figura de abuso “quando um certo direito – em si mesmo válido – seja exercido em temos que ofendam o sentimento de justiça dominante na comunidade social” [Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, Atlândida Editora, Coimbra, 1968, pp. 26/27]. O Código Civil consagra este princípio no art.º 334.º, estabelecendo que «É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”. Acolhe-se a concepção objectiva do abuso de direito defendida por parte da doutrina, por contraposição à corrente subjectiva defendida por outra parte. O que interessa averiguar não é a intenção do agente titular, isto é, seu ele agiu com o único propósito de prejudicar o lesado, mas antes os dados de facto, o alcance objectivo da sua conduta, de acordo com o critério da consciência pública. Como igualmente elucida Almeida Costa, “Não é preciso que o agente tenha consciência da contrariedade do seu acto à boa fé, aos bons costumes ou ao fim social ou económico do direito exercido. Basta que na realidade esse acto se mostre contrário” [Op. Cit., pp. 29]. Porém, como notam Pires de Lima e Antunes Varela, “isto não significa, no entanto, que ao conceito de abuso do direito consagrado no art.º 334.º sejam alheios factores subjectivos, como, por exemplo, a intenção com que o titular tenha agido. A consideração destes factores pode interessar, quer para determinar se houve ofensa da boa fé ou dos bons costumes, quer para decidir se se exorbitou do fim social ou económico do direito”. Contudo, exige-se um abuso nítido, isto é o titular do direito deve ter excedido manifestamente esses limites impostos ao seu exercício. Por isso mesmo, “os tribunais só podem, pois, fiscalizar a moralidade dos actos praticados no exercício de direitos ou a sua conformidade com as razões sociais ou económicas que os legitimaram, se houver manifesto abuso. É esta a lição de todos os autores e de todas as legislações” [Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 1987, p. 299/300; no mesmo sentido, também Almeida e Costa, Op. cit., pp. 29]. É certo que a autora, doze dias depois da cessação do contrato a termo resolutivo com a Ré, foi contratada pela C2..., assinando um contrato a termo, auferindo a retribuição mensal de € 1.137,73. Contudo, este facto não obsta à aplicação do n.º2, do art.º 344.º, visto não estar ai prevista essa possibilidade como excludente do direito à aplicação. E, logo, não tendo a Ré cumprido a sua obrigação legal pagando-lhe a compensação, nada impedia a autora de diligenciar por fazer valer o seu direito, nomeadamente, não há qualquer abuso de direito e, muito menos, manifesto. Note-se que apesar de ter sido novamente contratada, essa contratação foi mais uma vez a termo, mantendo-se pois a precariedade do vínculo laboral e o risco de mais uma vez, no futuro, ver cessado o contrato de trabalho. Conclui-se, pois, pela procedência do recurso da autora, cabendo revogar a sentença nesta parte para, em substituição, reconhecer o direito da autora à compensação a que alude o n.º2, do art.º 344.º do CT, fixando-se o respectivo valor. Impõe-se, pois, atentar no artigo 6.º da Lei n.º 69/2013, de 30 de Agosto, que tal como a sua epígrafe anuncia, estabelece o “Regime transitório em caso de cessação de contrato de trabalho a termo e de contrato de trabalho temporário”. No que aqui releva, tendo em conta que o contrato a termo foi celebrado antes de 1 de Novembro de 2011 (cfr. n.º1), estabelece-se o seguinte: [Art.º 6.º] 1 - Em caso de cessação de contrato de trabalho a termo, incluindo o que seja objeto de renovação extraordinária, nos termos da Lei n.º 3/2012, de 10 de janeiro, alterada pela Lei n.º 23/2012, de 25 de junho, ou de contrato de trabalho temporário, celebrados antes de 1 de novembro de 2011, a compensação prevista no n.º 2 do artigo 344.º, no n.º 4 do artigo 345.º e no n.º 6 do artigo 366.º do Código do Trabalho, na redação conferida pela presente lei, é calculada do seguinte modo: a) Em relação ao período de duração do contrato até 31 de outubro de 2012 ou até à data da renovação extraordinária, caso seja anterior a 31 de outubro de 2012, o montante da compensação corresponde a três ou dois dias de retribuição base e diuturnidades por cada mês de duração, ou é calculado proporcionalmente em caso de fração de mês, consoante a duração total do contrato não exceda ou seja superior a seis meses, respetivamente; b) Em relação ao período de duração do contrato a partir de 1 de novembro de 2012 inclusive e até 30 de setembro de 2013, o montante da compensação corresponde a 20 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, calculada proporcionalmente ao período efetivo de trabalho prestado; c) Em relação ao período de duração do contrato a partir de 1 de outubro de 2013 inclusive, o montante da compensação corresponde à soma dos seguintes montantes: i) A 18 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, no que respeita aos três primeiros anos de duração do contrato; ii) A 12 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, nos anos subsequentes; iii) O disposto na subalínea i) aplica-se apenas nos casos em que o contrato de trabalho, a 1 de outubro de 2013, ainda não tenha atingido a duração de três anos. 2 – (…) 3 - Para efeitos de cálculo da parte da compensação a que se referem as alíneas b) e c) do n.º 1 e as alíneas a) e b) do n.º 2: a) O valor da retribuição base e diuturnidades do trabalhador a considerar não pode ser superior a 20 vezes a retribuição mínima mensal garantida; b) O valor diário de retribuição base e diuturnidades é o resultante da divisão por 30 da retribuição base mensal e diuturnidades; c) Em caso de fração de ano, o montante da compensação é calculado proporcionalmente. 4 - Quando da aplicação do disposto na alínea a) dos n.ºs 1 e 2 resulte um montante de compensação que seja: a) Igual ou superior a 12 vezes a retribuição base mensal e diuturnidades do trabalhador ou a 240 vezes a retribuição mínima mensal garantida, não é aplicável o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 e b) do n.º 2; b) Inferior a 12 vezes a retribuição base mensal e diuturnidades do trabalhador ou a 240 vezes a retribuição mínima mensal garantida, o montante global da compensação não pode ser superior a estes valores. 5 - Quando da soma dos valores previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 resulte um montante de compensação que seja: a) Igual ou superior a 12 vezes a retribuição base mensal e diuturnidades do trabalhador ou a 240 vezes a retribuição mínima mensal garantida, não é aplicável o disposto na alínea c) do n.º 1; b) Inferior a 12 vezes a retribuição base mensal e diuturnidades do trabalhador ou a 240 vezes a retribuição mínima mensal garantida, o montante global da compensação não pode ser superior a estes valores. A aplicação deste regime transitório envolve várias operações, desde logo dado que em face do disposto nas alíneas do n.º1, há que distinguir três períodos, cada um deles com regra diferente, para o cálculo da compensação. Nos termos da alínea a), o primeiro abrange o tempo decorrido na execução do contrato desde a data de início do mesmo – 1 de Julho de 2010 – até 31 de Outubro de 2012. São, pois, 28 meses a considerar. Quanto a este período, dado que a duração do contrato foi superior a seis meses, o montante da compensação corresponde a dois dias de retribuição base (e, se houvesse, a diuturnidades) por cada mês de duração ano de serviço. Assim, relativamente a este período a compensação devida corresponde a 56 dias de retribuição base (28 x 2). Por outro lado, atento o disposto na alínea b), o segundo período vai desde 1 de Novembro de 2012 inclusive e até 30 de Setembro de 2013, abrangendo 11 meses. Neste caso, o montante da compensação corresponde a 20 dias de retribuição base (e diuturnidades, se a A. as auferisse) por cada ano completo de antiguidade, calculada proporcionalmente relativamente àquele período. Feito o cálculo, conclui-se serem devidos 18,333 dias de retribuição base. Por último, agora nos termos da alínea c), o terceiro período abrange o tempo de execução do contrato a partir de 1 de Outubro de 2013 inclusive e até ao seu termo, a 31-12-2014, ou seja, 15 meses. Como em 1 de Outubro de 2013 o contrato já tinha atingido os três anos, de acordo com o estabelecido no ponto iii, não é aplicável o ponto i também desta alínea. Aplica-se, pois, o ponto ii, onde se estabelece que a compensação é de 12 dias de retribuição base (e, diuturnidades quando sejam auferidas) por cada no completo de antiguidade. Este ponto, diversamente do ponto i, não faz menção ao cálculo proporcional, mas cremos ser de aplicar o mesmo princípio, visto que afirmado em outras normas. Outra solução não faria sentido nem seria razoável, pois conduziria a um resultado em prejuízo do trabalhador, acrescendo que mais adiante, a alínea c), do n.º3, do artigo, afirma que “Em caso de fracção de ano, o montante da compensação é calculado proporcionalmente”. Assim, estando em causa 15 meses, a compensação devida relativamente aos mesmos é de 15 dias de retribuição base. O passo seguinte respeita ao cálculo da compensação, importando atentar no n.º3, do artigo. E, desde logo, na alínea b), de onde resulta que o valor diário base da retribuição é o resultante da divisão por 30. A autora auferia a retribuição base de € 1 137,73. Feita a divisão por 30, obtém-se o valor diário de € 37,911. Procedendo agora aos cálculos relativamente a dada um dos períodos, obtém-se os valores seguintes: 1.º período- 56 dias x € 37,911= € 2.123,016 2.º período – 18,333 dias x € 37,911 = € 695,022 3.º período – 15 dias x € 37,991 = € 568,665 Em mais um passo, cabe verificar se os valores relativos aos 2.º e 3.º períodos não excedem o limite estabelecido na alínea a), do n.º3, ou seja, não podem ser superiores a 20 vezes a retribuição mínima mensal garantida. Sendo certo que em 2014 a RMM foi fixada, com efeitos a partir de 1 de Outubro de 2014, em € 505,00 (DL 144/2014, de 30 de Setembro), é manifesto que aqueles valores estão bem aquém do limite fixado. Ainda em mais outro passo, cabe verificar se o valor obtido para o 1.º período - € 2.123,016- cabe nos limites das alíneas a) e b), do n.º4. No caso é dispensável realizar cálculos, por ser manifesto que tal se verifica. Finalmente, impõe-se ainda atentar nos limites estabelecidos nas alíneas a) e b), do n.º5, estes dirigidos à soma dos 2 primeiros períodos - € 2.123,016 + € 695,022 = € 2.818,038 -, mas tal como no ponto anterior, também aqui é dispensável proceder a cálculos, visto ser igualmente evidente que o valor não exige alteração. Conclui-se, pois, que o valor da compensação devida pela Ré à autora é de € 3.386,703, acrescido dos juros de mora à taxa legal, desde a data de vencimento (a da cessação do contrato), até integral pagamento. A autora pede a condenação da Ré a pagar-lhe a este título € 3.501, 28, valor superior ao encontrado. Não descurou ser aplicável o artigo 6.º da Lei n.º 69/2013, de 30 de Agosto, que invoca e transcreve parcialmente na petição inicial, mas não especificou como chegou àquele valor. Crê-se, pois, que haja erro de cálculo ou incorrecta aplicação do regime transitório. Por conseguinte, o recurso procede, mas só parcialmente, visto que a autora decai no pedido. II.3.1 Impõe-se uma nota final a propósito das contra-alegações da Recorrida Ré, nomeadamente, as constantes em XVIII e seguintes. As conclusões da recorrida Ré, conforme expressamente indicado nas mesmas através de títulos, estão divididas em três partes: i) Da I até à XIII, respeitam ao recurso subordinado; ii) Da XIV à XVII, visam opor argumentos ao recurso da Autora, surgindo sob o título “Na parte que respeita às contra-alegações de recurso”; iii) E, da XVIII em diante, reiteram a alegação apresentada na contestação invocando outros fundamentos, antes da invocação do “abuso de direito”, para defender que não assiste à autora o direito à compensação, surgindo sob o título “À cautela e caso não se considere que a A. actua em abuso de direito”. Na sentença o tribunal a quo identificou os fundamentos esgrimidos pela Ré para defender não ser devido à autora o pagamento da compensação pela cessação do contrato de trabalho a termo resolutivo certo, vindo a reconhecer-lhe razão no que se sustentou no alegado abuso de direito, decisão que foi objecto do recurso da autora e questão que acabámos de apreciar. Os outros dois fundamentos da Ré consistem, no essencial, na invocação de que a comunicação da caducidade de contrato não foi um acto de vontade, mas o cumprimento de uma obrigação legal e, logo, que não tendo sido um acto livre de vontade da empregadora, inexiste a obrigação legal de pagar a compensação; e, ainda, que de acordo com uma corrente jurisprudencial dos Tribunais Administrativos e Fiscais, a cessação do contrato de trabalho a termo não dá direito a compensação quando o trabalhador outorga um novo contrato com um órgão público. Ora, pronunciando-se sobre esses fundamentos, o tribunal a quo entendeu que “os dois primeiros argumentos apresentados pela ré no sentido da não atribuição da compensação pela caducidade do contrato, resultam da ponderação da lei aplicável aos contratos de trabalho a termo no Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas”, depois prosseguindo a fundamentação para concluir que “muito embora se compreenda a pertinência dos argumentos apresentados e até a similitude da situação retratada com a que está em apreciação nos autos, o certo é que a lei aplicável é o CT – art.º 344.º do CT - e não o Regime de Contrato de Trabalho em Funções Públicas. Sendo assim, tendo o contrato de trabalho a termo certo caducado no dia 31/12/2014, por caducidade no final do prazo estipulado e tendo a entidade empregadora feito a legal comunicação prevista no n.º 1 do art.º 344.º no dia 27 de novembro de 2014 (..)”. Significa isso, pois, que esses dois fundamentos da Ré não foram acolhidos. A Ré poderia ter requerido a ampliação do objecto do recurso, nos termos do art.º 636.º 1 do CPC, prevenindo a hipótese deste Tribunal de recurso acolher os argumentos suscitados pela recorrente autora. Acontece, porém, que não o fez expressamente. Mas para além disso, verifica-se também que nem tão pouco pode retirar-se das alegações, muito menos de forma inequívoca como seria necessário, ser seu propósito ver reapreciada a decisão do Tribunal a quo sobre aqueles dois fundamentos da sua defesa. Com efeito, nem das conclusões, nem mesmo das alegações de recurso, consta qualquer referência, quer expressamente quer implicitamente, à sentença do Tribunal a quo e à fundamentação expendida na parte em que se debruçou sobre esses fundamentos e os considerou inatendíveis, nem há qualquer argumento para rebater o decidido, nem mesmo há a concretização de qualquer pretensão no sentido de se revogar a sentença nessa parte. Na verdade, em bom rigor, a Ré limitou-se a verter nas contra-alegações ao recurso da autora o que alegara na contestação, constatação que se revela sem dificuldade pelo mero confronto entre o alegado na contestação, designadamente, nos artigos 33.º a 73.º, e o que o alegado nos artigos 41.º a 75.º das alegações. Conclui-se, pois, que essas alegações e as conclusões daí retiradas – XVIII e seguintes – são inúteis, não colocando qualquer questão que cumpra ser apreciada por este Tribunal ad quem. Mas ainda que se entendesse de modo diverso, isto é, aceitando-se estar implícito o propósito da Ré ver ampliado o objecto do recurso, sempre essa pretensão estaria votada ao insucesso. O direito ao recurso não visa conceder à parte um segundo julgamento da causa, mas apenas permitir a discussão sobre determinados pontos concretos, que na perspectiva do recorrente foram incorrectamente mal julgados, para tanto sendo necessário que se enunciem os fundamentos que sustentam esse entendimento, devendo os mesmos consistir na enunciação de verdadeiras questões de direito, que lhe compete indicar e sustentar, cujas respostas sejam susceptíveis de conduzir à alteração da decisão recorrida. Em poucas palavras, o recorrente deve expor ao tribunal ad quem as razões da sua discordância, procurando convencer da sua pertinência, a fim de que este tribunal de debruce sobre elas e decida se procedem ou não. Ora, como já assinalámos, quer das conclusões quer das conclusões, não resulta que a Ré tenha suscitado qualquer argumento para opor à fundamentação do tribunal a quo, tendo a Ré apenas vertido aqui o que alegara na contestação. Em suma, se porventura a Ré tinha o propósito de ver ampliado o objecto do recurso, então não cumpriu minimamente com o ónus de alegação que lhe era exigível. III. DECISÃO Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação no seguinte: - Em julgar o recurso da autora procedente, revogando-se a sentença na parte em que decidiu “Absolver a ré do pagamento da quantia de € 3.5501,28 (três mil, quinhentos e um euros e vinte e oito cêntimos) a título de compensação pela cessação do contrato”, para, em substituição, se julgar parcialmente procedente esse pedido, condenando-se a Ré a pagar ao à autora a quantia de € 3.386,70 (três mil trezentos e oitenta e seis euros e setenta cêntimos), a título de compensação pela cessação do contrato de trabalho a termo resolutivo, acrescido dos juros de mora à taxa legal, desde a data de vencimento (a da cessação do contrato), até integral pagamento. - Em julgar o recurso subordinado da Ré improcedente, confirmando-se a sentença na parte objecto do mesmo. Custas (art.º 527.º do CPC): i) da acção, a cargo de autora e Ré na proporção do decaimento; ii) do recurso da autora, a cargo desta e da Ré, na proporção do decaimento; do recurso subordinado da Ré, a cargo desta. Porto, 24 de Janeiro de 2018 Jerónimo Freitas Nelson Fernandes Rita Romeira |