Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
| ||
| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | JOAQUIM CORREIA GOMES | ||
| Descritores: | PRÉDIOS CONFINANTES CULTIVO PRODUÇÃO DE VINHO SERVIDÃO DE PASSAGEM | ||
| Nº do Documento: | RP202006182615/19.4T8VLG.P1 | ||
| Data do Acordão: | 06/18/2020 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA EM PARTE | ||
| Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | A concessão, no âmbito de um programa contratual mais vasto, que abrange o cultivo e a produção de vinho, bem como o direito de passagem a favor de uma certa e específica pessoa, não corresponde a uma servidão pessoal, porquanto não existe a submissão de quem quer que seja, e também não traduz, só por si, um encargo predial, mesmo que essa pessoa seja proprietária de um prédio vizinho fronteiriço, porquanto não existe um benefício a favor de um prédio. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Recurso n.º 2615/19.4T8VLG.P1 Relator: Joaquim Correia Gomes; Adjuntos; António Paulo Vasconcelos, Filipe Caroço Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto I. RELATÓRIO 1.1 No processo n.º 2615/19.4T8VLG do Juízo Local Cível de Valongo, J1, da Comarca do Porto, em que são: Recorrente: B… Recorrida: C… e D… foi proferida sentença em 16/dez./2019, mediante a qual se decidiu julgar improcedente o procedimento cautelar e indeferiu as requeridas providências. 1.2. A recorrente em 16/out./2019 tinha proposto contra os recorridos a presente providência cautelar comum invocando ter o direito de passagem pela “entrada” ou área de terreno nos termos por si melhor descritos (37 p.i.), ao mesmo tempo que se afirma “dona e possuidora dessa área de terreno para os referidos fins (38.º p.i.). Mais alegou que em julho de 2019 o requerido escreveu-lhe uma carta pedindo que deixasse de passar por aquela área de terreno, havendo desde então troca de correspondência intermediada por advogados. Entretanto os requeridos têm vindo a colocar diariamente cadeados no referido portão, visando impedir a normal entrada e saída da requerente ou seus colaboradores, quando a mesma tem necessidade de mandar pessoas ao seu quintal para tratar das culturas agrícolas, árvores de fruto e animais, bem como ameaçado a requerida de agressão física, requerendo que seja decretado: a) a absterem-se de, por si ou por interposta pessoa, praticar qualquer ato tendente a impedir, dificultar ou obstaculizar, à Requerente ou a qualquer outrem a mando dela, a livre entrada, saída e circulação pela dita área de terreno ou passagem de e para os prédios definidos nos art. 1.º e 2.º deste articulado, a pé ou com veículos, para o uso e utilização normais, acima descritos; b) a retirarem qualquer cadeado ou outro meio de impedir a abertura do portão desse acesso; c) a não voltarem a colocar qualquer cadeado outro impedimento da abertura do portão; d) numa sanção pecuniária não inferior a 500€ por cada dia que demorem, após a notificação da decisão, a retirar qualquer cadeado ou outro impedimento aposto no portão, ou por cada ato que, depois, pratiquem, por si ou interpostas, que impeçam, dificultem ou hostilizem, seja por que modo for, os que entrem e saiam pelo caminho em causa para os aludidos fins. 1.3. Os requeridos em 06/nov./2019 deduziram oposição, começando por afirmar desconhecerem os factos ocorridos até à celebração da escritura de compra e venda da sua casa, concluindo que não existe por parte da requerente qualquer direito de passagem pelo dito terreno. 2. A requerente insurgiu-se contra a referida sentença, tendo interposto recurso da mesma em 07/jan./2020, pugnando pela sua revogação e decretamento da providência conforme foi inicialmente requerido, concluindo do seguinte modo: 1. Esta providência cautelar incide tão só no direito de livre circulação pelo portão e pela “rampa” de acesso à garagem, galinheiros com animais, anexos e área de cultivo (hortícola, frutícola, jardim…) do prédio da ora Recorrente correspondente à entrada pelo número .. da Rua … e ao artigo matricial 2266. 2. A parte habitacional deste prédio do número .. foi dada de arrendamento há cerca de 30 anos, não se tendo incluído no arrendado, logo após a morte dos avós da Recorrente, aquela garagem, os anexos das traseiras nem a área de exploração agrícola. Desde então, a área habitacional arrendada está isolada, sem acesso, àquela parte da garagem, dos anexos e da área agrícola. 3. No seu requerimento inicial, a Recorrente alegou e mantém que está impedida de exercer aquele direito de livre circulação pelo portão e “rampa” justapostos, pelo lado nascente, ao prédio do número .., direito que recebeu por herança e foi adquirido por usucapião pelos seus ascendentes e por si, sendo certo que sempre atuou com a convicção de exercer um direito próprio e inerente ao seu prédio do número ... 4. Ficou suficientemente justificado nesta ação este seu direito, em que basta a prova indiciária dele (a probabilidade séria da sua existência) e o fundado receio de lesão grave pelo Recorrido (cf. art. 362 e 368/1 do CPC), bem como os restantes pressupostos (o receio, o dano dificilmente reparável e a inexistência de prejuízos para os Requeridos), pelo que se impõe a procedência das providências pedidas. 5. A sentença foi um pesadelo angustiante para a Recorrente, pois, a manter-se, significaria a pena de morte para os seus animais que tanto estima, a perda dos frutos do seu pomar e a normal poda e tratamento das plantas frutícolas, o fim da sua horta e a inutilização definitiva da finalidade da garagem do edifício do número .., qual expropriação forçada e sem indemnização, com enormes danos imediatos e a definitiva desvalorização do seu prédio urbano. 6. Por isso e porque foram violadas normais legais, a Recorrente não se conforma com a sentença, que lhe adensou o desgosto, a revolta e o sofrimento causados pela inesperada perturbação daquele seu direito, com grave e irrecuperável lesão ou danos, esperando a revogação da sentença e o deferimento do pedido. 7. Afigura-se insuficiente a mera remissão para o valor indeterminado da ação principal, dado que esta ainda não existe (e, em tese, pode até nunca vir a existir) e, por isso, ainda não lhe foi atribuído qualquer valor pelas partes e inexiste o valor fixado por decisão judicial, podendo entender-se que tal remissão não equivale a verdadeira e real fixação do valor desta ação cautelar. 8. O art. 306/3 do CPC prevê que, “se for interposto recurso antes do valor da fixação da causa pelo Juiz, deve este fixá-lo no despacho em que admite o recurso”, o que, a não acontecer, no despacho previsto no art. 641 do CPC, caberá a este Tribunal ad quem decidir, fixando-se no mínimo o valor indicado no requerimento inicial de 5.000,01€. 9. A sentença recorrida está ferida de nulidade por contradição com o facto assente de que a Requerente sempre usou a entrada pelo modo descrito no facto 13 da sentença, “inclusive de veículo automóvel, convicta de que exercia um direito próprio, sem lesar terceiros”, nulidade que decorre do art. 615/1-c) do CPC. 10. O conhecimento desta nulidade implica a revogação da sentença e a sua substituição por outra que decrete as providências requeridas. SEM PRESCINDIR 11. Foi produzida prova suficiente para que sejam feitas correções a lapsos e a imprecisões na transcrição de factos dados por assentes e sobretudo para que sejam supridas omissões ou completada e modificada alguma da matéria de facto assente. 12. Importa sobretudo remover qualquer dúvida sobre a plena convicção da Requerente e de seus antepassados de terem exercido, ao longo de décadas, o seu direito de livre circulação através do portão e da “rampa” de acesso em causa como direito próprio inerente ao seu prédio correspondente ao número .. da Rua … e não como quem beneficiava de mero favor temporário, preso a laços familiares, bem como importa remover qualquer dúvida sobre a natureza de meio único essencial e insubstituível da passagem pelo portão e “rampa” para a garagem, anexos com animais de criação e para a área agrícola de culturas frutícolas e hortícolas e jardim. 13. O princípio da livre convicção do julgador (cf. art. 605/3 do CPC) que vigora no domínio da valoração da prova testemunhal e da prova documental, nas hipóteses em que a tal prova não seja atribuída força probatória plena, não justifica a arbitrariedade e não consente que o julgador contradiga ou se abstraia da concreta prova produzida, criando conclusões factuais sem aderência à realidade e sem base na prova testemunhal conjugada com a prova documental. 14. A lei manda que “na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência” (art.607/4 do CPC). 15. A matéria assente sob o n. 7, em nome da verdade e do que claramente resulta da prova (vd. supra, por exemplo, o depoimento transcrito em B.4.1, ao minuto 00:17:53; em B.4.2, ao minuto 00:03:33 até ao tempo 00:04:44), deve reportar-se aos prédios das entradas .. e .. e não só ao prédio com a entrada pelo número .., até porque, como ficou dito, o que está verdadeiramente em causa é o acesso relativo ao prédio do número .., mais precisamente à sua garagem, aos anexos e à área agrícola das traseiras. 16. Assim, impõe-se a correção da parte inicial daquele facto 7 substituindo … o quintal do prédio sito no n.º .. …” por “os quintais dos prédios sitos nos n.º .. e .. ...” 17. No facto da sentença assente sob o n. 9 onde se escreveu “… estando os proprietários e suas respetivas esposas assinam…”, deve intercalar-se a seguir a “esposas” a expressão “de acordo”, como consta do documento de fls. 25 e da alegação do facto no art. 25 do requerimento inicial. 18. No facto assente sob o n. 10 onde se escreveu “… terreno que será fazer…” deverá intercalar-se a preposição “para” antes de “fazer”, como consta do documento citado e da alegação do facto no art. 28 do requerimento inicial. 19. Por ser falsa, por não ter correspondência com a verdade e não ter sido feita prova que permita considerar demonstrada a parte da factualidade constante do facto 21 assente na sentença, deve excluir-se dele a última parte, ou seja, que “(…) por aí terem sido edificados, em data não concretamente determinada, a mando da requerente, muros encimados por redes, situados junto ao acesso às respetivas caves, separando os logradouros exteriores respetivos da passagem para esses anexos e quintal”. 20. É sobretudo falsa a referência à edificação “a mando da requerente”, pois é completamente inverídico que a requerente após ter recebido a herança em 2011 (cf. facto 3 da sentença) ou antes, tenha construído ou mandado construir muros, muretes ou obstáculos ao direito de acesso em causa nesta ação. 21. Porque se trata do ponto fulcral para a boa decisão da causa, por ter sido matéria alegada e resultar provada (vd. supra em B.4) devem dar-se ainda como provados, a seguir ao facto 7 da sentença, os seguintes, como seu desenvolvimento e aditamento: 7A – De facto os Pais da Requerente usufruíram em exclusivo o referido prédio correspondente à entrada n. .., dando de arrendamento a habitação (excluindo do arrendado a parte da cave destinada a garagem, uns anexos das traseiras e todo o logradouro, que continuaram a utilizar diretamente por si), agricultando o terreno, colhendo os frutos, guardando a sua viatura na garagem e, em resumo, praticando todos os atos próprios e normais de únicos possuidores e donos do prédio, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse, convencidos de que mais ninguém se arrogava idênticos poderes (cf. artigo 14 da p.i.). 7B – E, por morte Pais da Requerente, o prédio correspondente à entrada númeno .. (tal como o do n. ..) foi herdado por esta, que, desde então, continuou, como fizeram seus pais, a praticar os atos de cultivar o quintal, de colher os frutos, de utilizar de forma exclusiva os anexos edificados no quintal, de receber as rendas dos inquilinos da parte habitacional, de pagar o respetivo IMI, comportando-se, em resumo, como única dona e senhora do prédio, com exclusão de qualquer outrem, à vista de toda a gente, sempre de boa fé, sem oposição ou obstáculo fosse de quem fosse e convencida de que mais ninguém se arrogava idênticos poderes (cf. artigo 15 da p.i.). 22. Por razões idênticas, devem ser aditados os factos 13A e 13B com a seguinte redação: 13A – O portão referido em 12, abrindo para o lado sul, foi usado livremente, sem chaves, sem cadeados, sem qualquer obstáculo (cf. art. 36 da p.i.), para entrar pela referida “entrada” ou área de terreno, desde a década de 80 do século passado, de forma pacífica, à vista de toda a gente, sem qualquer obstáculo ou impedimento, sem interrupção, convencidos de que exerciam um direito próprio, sempre passando os antepassados da Requerente e esta própria ou quem eles autorizaram, entrando, descendo, subindo e saindo, a pé, com a viatura automóvel, transportando materiais de construção, ferramentas, rações e outros alimentos para os animais que criavam e criam nos anexos, escoando os produtos agrícolas colhidos nos quintais dos seus dois prédios, que ficam nas traseiras das partes habitacionais (cf. 37 da p.i.). 13B - Tanto quanto recordam os vivos, até aos factos dos Requeridos de fechar o portão cm chave e cadeados e de impedirem a passagem, nunca houve qualquer desentendimento quanto ao uso comum da descrita “entrada” ou área de terreno cedida, quanto aos “gastos” efetuados nela ou na “ramada” que nela existiu, nem tão pouco quanto à repartição do “vinho” da “ramada”, enquanto perdurou (cf. 34 da p.i.). 23. Igualmente deve aditar-se ainda o seguinte facto a seguir ao 18 da sentença, facto este provado por documento: 18A – Em reposta, a Requerente, por carta de 26.09.2019, comunicou ao Requerido o seguinte: “Ex.mo Sr. C…, sinto-me muito ofendida com os seus comportamentos junto ao prédio/habitação que foi dos meus Pais e agora me pertence, situado na Rua …, …. Já lhe foi esclarecido que o caminho que dá acesso ao prédio que comprou aos meus familiares e confronta com aquele meu prédio (terreno/habitações) foi construído sobre uma área de terreno com “três de metros de frente e 16 metros de fundo”, cedida para o efeito e os custos da entrada foram pagos pelos dois proprietários confinantes (o meu Pai e o meu Tio E…, já falecidos), acrescendo até que estabeleceram entre eles que “o vinho dessa entrada será metade de cada um, assim como os gastos dessa mesma ramada”, como consta do documento escrito com assinaturas reconhecidas e datado de 20.06.1977. Toda a gente das redondezas lhe poderá testemunhar o uso comum feito desde a construção da entrada até aos dias de hoje, por ambas as famílias, sem qualquer divergência. Assim, eu e os meus Pais somos donos da entrada e do portão à face da rua e sempre entramos e saímos para as traseiras do nosso prédio e do nosso terreno onde, como sabe, temos animais que nos obrigam a entrar e a sair diariamente. Este facto também lhe foi (ou pode ser) seguramente transmitido pela pessoa que lhe vendeu o prédio (habitação e terreno), que o Sr. C… comprou recentemente. Por isso, é uma afronta inqualificável o que tem feito por estes dias ao fechar à chave o portão ou pondo nele cadeados, obrigando-nos a retirar esses cadeados para poder entrar e sair pelo nosso caminho e pelo nosso portão, que dá acesso à nossa propriedade. Já lhe foi dito que, se pretende que o portão passe a estar fechado à chave, ao contrário do que acontecia anteriormente, é muito simples: basta afinar a fechadura e dar-nos uma chave. Agora, impedir-nos à força de entrar e sair, isso é que é intolerável e está a causar-me grandes incómodos e aborrecimentos, para além de me obrigar a contratar alguém para abrir o portão e a quem terei que pagar. Não abdicarei de reclamar indemnização pelos danos e prejuízos que me estão a causar. No domingo passado, dia 22.09.2019, fez-me uma espera e, depois de eu ter entrado, assustou-me e ameaçou-me de forma que me fez sentir mal e com medo, ameaçando-me e impedindo-me de sair pelo portão, o que me obrigou a saltar por um muro, com rede por cima, como se eu fosse uma intrusa que andasse a assaltar ou a violar o direito de alguém. Tentou impedir-me de sair, sequestrando-me. E ameaçou-me e declarou que estava a chamar a polícia. Tive medo, causando-me sofrimento e revolta e ando muito incomodada. Para agravar ainda mais a situação, tirou-me fotografias sem o meu consentimento e também colocou e mantém um instrumento de gravação de quem entra e sai pelo portão e caminho que me pertencem, gravação que, aparentemente, também abrange a minha inquilina que usa a habitação, que fica ali ao lado. 24. Por idênticas razões e por ser relevante para a demonstração dos pressupostos justificativos da providência cautelar, deve ainda acrescentar-se, como factos assentes, o alegado nos art. 48 a 54 da petição inicial, factos que são os seguintes: 18B) Os Requeridos têm continuado a pôr diariamente cadeados no portão, visando impedir a normal entrada e saída da Requerente, que tem necessidade de ir ou mandar alguém todos os dias ao seu quintal desde logo para cuidar dos animais que lá mantém (cf. art. 48 e 49 da p.i.). 18C) E a Requerente também no quintal hortaliças e outras culturas agrícolas e árvores de frutos, entre as quais kiwis, o que também impõe a necessidade impreterível de aceder a esses terrenos para os regar, cuidar dos frutos e, muito em breve, colhê-los e retirá-los pelo único acesso de que dispõe e que os Requeridos estão a tentar impedir, colocando um ou mais cadeados por dia (cf. art. 50 da p.i.). 18D) Acresce que os Requeridos tem proferido ameaças que causam medo à Requerente, o que já motivou queixa crime, nos termos do doc. de fls. (doc. 29 da p.i.) – cf. art. 51 da p.i.. 18E) Por causa das ameaças e face ao impedimento para sair de que foi vítima, a Requerente e/ou quem a acompanhava ou foi lá em vez dela, já tiveram de saltar um muro e uma rede para sair (vd. art. 52 da p.i.). 18F) A Requerente, que tem receio que o Requerido concretize as suas ameaças de agressão física, anda com medo, indignada e revoltada, tendo perdido o sono e a tranquilidade que tinha (vd. art. 53 da p.i.). 18G) Por outro lado, a continuação dos descritos atos dos Requeridos, impedindo ou obstaculizando a normal entrada e saída, podem gerar desacatos de consequências mais graves, podem agravar as ofensas e as perturbações da saúde da Requerente, podem causar o risco de se deixarem morrer os seus animais à fome e à sede e podem impedir a colheita dos frutos dos quintais e os cuidados com as hortaliças e outras plantas (vd. art. 54 da p.i.). 25. Todos os factos dos aditamentos acabados de especificar, bem como a alteração ou supressão da referida parte do facto 21 assente na sentença, podem e devem ser considerados indiciariamente demonstrados, por força, para além dos documentos referidos em relação aos respetivos factos, dos depoimentos acima especificados em B.4. 26. Tais depoimentos acima discriminados e com as partes transcritas em relação a cada depoente nomeado, com referência aos minutos da respetiva gravação, são os seguintes: B.4.1) Declarações da requerente B… [Audiência 03-12-2019 | 10:44:38 – 11:25:24; Ficheiro: 20191203104437_15568727_2871598 00:00:00 – 00:40:45] B.4.2) Depoimento convicto de F… [na audiência 13-12-2019 | 09:58:40 – 10:36:31 - Ficheiro: 20191213095839_15568727_2871598 | 00:00:00 – 00:37:38] B.4.3) Depoimento de G… [na Audiência 03-12-2019 | 11:40:51 – 12:11:1; Ficheiro: 20191203114050_15568727_2871598 | 00:00:00 – 00:30:19] B.4.4) Depoimento de H… [na audiência de 03-12-2019 | 11:26:07 – 11:40:18 | Ficheiro: 20191203112607_15568727_2871598 |00:00:00 – 00:14:08] B.4.5) Depoimento de I… [Audiência 13-12-2019 | 11:03:59 – 11:31:46; Ficheiro: 20191213110358_15568727_2871598 00:00:00 – 00:27:41] 27. Dá-se aqui por reproduzido cada um dos referidos depoimentos acima transcritos, particularmente as partes destacadas a negrito e as partes sublinhadas. 28. Da análise critica dos documentos dos autos e dos depoimentos acabados de referir resultam indiciariamente demonstrados os factos a aditar àqueles que ficaram já assentes na sentença recorrida nos termos referidos nas conclusões anteriores, bem como a alteração do facto 21, igualmente nos termos expostos, sendo também óbvias e pacíficas as alterações ou correções propostas para os demais factos especificados nas conclusões anteriores. 29. Está pedido que os Requeridos sejam condenados i) a absterem-se de, por si ou por interposta pessoa, praticar qualquer ato tendente a impedir, dificultar ou obstaculizar, à Requerente ou a qualquer outrem a mando dela, a livre entrada, saída e circulação pelo portão e “rampa” ou passagem de e para os prédios definidos nos art. 1.º e 2.º do articulado inicial, a pé ou com veículos, para o uso e utilização normais, descritos na peça processual; a ii) a retirarem qualquer cadeado ou outro meio de impedir a abertura do portão desse acesso; a iii) não voltarem a colocar qualquer cadeado outro impedimento da abertura do portão; e iv) numa sanção pecuniária não inferior a 500€ por cada dia que demorem, após a notificação da decisão, a retirar qualquer cadeado ou outro impedimento aposto no portão, ou por cada ato que, depois, pratiquem, por si ou interpostas, que impeçam, dificultem ou hostilizem, seja por que modo for, os que entrem e saiam pelo caminho em causa para os aludidos fins. 30. O art. 362.º/1 e 2 do CPC prevê que, quando alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência, conservatória ou antecipatória, concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado, quer seja este já existente ou emergente de decisão a proferir em ação constitutiva, proposta ou a instaurar. 31. Para ser decretada a providência cautelar requerida é necessário que se preencham três pressupostos essenciais, como estabelece o art. 368/1 do mesmo Código: 1) existência provável e séria do direito cuja titularidade se invoca; 2) justo receio de que se verifique lesão grave e dificilmente reparável desse direito por parte de outrem; 3) que o prejuízo resultante do decretamento da providência não seja superior ao dano que com ela se pretende evitar. 32. Ponderando a factualidade comprovada por documentos e a prova testemunhal, designadamente os depoimentos acabados de transcrever, pode concluir-se, sem dúvida, que estão verificados todos aqueles pressupostos. 33. A questão essencial a resolver restringe-se a saber se foi ou não produzida prova suficiente para indiciariamente se dar como provado que a Requerente e, anteriormente, os seus Pais sempre usaram o portão e a rampa justaposta a nascente daquele prédio correspondente ao número .., para entrar e sair com o carro da garagem e aceder aos anexos e ao quintal ou área de cultivo situados nas traseiras desse prédio, fazendo-o à vista de todos, de boa fé, sem interrupção, desde a década 80 do século passado, sem obstáculo ou oposição de quem quer que fosse, convencidos de exercerem um direito próprio e de não lesarem terceiros. 34. A resposta à questão acabada de formular terá de ser positiva. 35. Antes de mais, dos documentos de folhas 25, 25v. e 26 dos autos, resulta claramente que os intervenientes nas respetivas declarações ou compromissos aí expressos não pretenderam de modo nenhum dar origem a um uso, a uma prática, a uma posse ou a um direito de natureza precária, de duração limitada e muito menos de mero favor, tolerância ou de “mera conveniência permitida”, na expressão usada na sentença recorrida. 36. A intenção ou vontades expressas por ambas as partes que intervieram nos dois documentos compreendem-se e eram uma necessidade indispensável para a justificação da construção da garagem e, depois, para garantir o seu uso ou finalidade de guardar o automóvel do J…. 37. Como resulta abundantemente demonstrado nos depoimentos das testemunhas e das declarações de parte: não há nenhuma outra hipótese de entrar e sair da garagem, como sucedeu ao longo de décadas. 38. Não há lugar à dúvida suscitada na sentença, pois a Recorrente e seus antepassados circularam pelo caminho em causa, do modo descrito, com a plena convicção de que estavam a exercer um direito próprio, transmissível, sem causar dano a terceiros. 39. Por ter interesse na questão e também por estar zangada ou com relações cortadas com a Recorrente, não tem relevância especial o depoimento de I…, sendo, contudo, significativo o facto de ter confessado que o seu falecido marido nunca falou com ela a respeito dos documentos que ele tinha assinado juntamente com a anterior esposa e dos acordos feitos com os Pais da Recorrente. 40. Não podem subsistir dúvidas quanto à consistência do direito invocado pela Recorrente. 41. Do mesmo modo, ficou claramente demonstrado o justo receio de que se verifique lesão grave e dificilmente reparável desse direito por parte de outrem, tal como a inexistência de prejuízo resultante do decretamento da providência. 42. A sentença recorrida não cumpriu com rigor, antes violou, as normas jurídicas citadas. 3. Por despacho proferido a 29/jan./2010, foi fixado em € 5.000,01 o valor da presente causa, sendo admitido o recurso e por despacho de 18/fev./2020, foram rejeitadas as contra-alegações, por serem extemporâneas. 4. Remetidos os autos remetidos a esta Relação, foram os mesmos autuados em 12/mar./2020, realizando-se o exame preliminar, cumprindo-se os vistos legais. 5. Não existem questões prévias ou incidentais que cumpra conhecer e obstem ao conhecimento do recurso. 6. O objeto do recurso incide sobre a retificação da sentença (a), a sua nulidade (b), o reexame da matéria de facto (c) e no decretamento da providência cautelar comum (d). * II. FUNDAMENTAÇÃO* * 1. A sentença recorrida “Com interesse para a decisão a proferir, o tribunal considera indiciariamente provada a factualidade seguinte: 1. Encontra-se inscrito a favor de B…, através da Ap. 28, de 30/09/2014, por sucessão hereditária, o prédio urbano sito em Rua …, n.º .., …, com a área total de 457 m2, área coberta de 90 m2 e área descoberta de 367 m2, composto por casa de cave e rés-do-chão com quintal. 2. Este prédio encontra-se inscrito desde 1967 na matriz predial urbana sob o artigo 2665, com a descrição de casa de cave e andar destinada a habitação com cinco divisões. 3. Encontra-se inscrito a favor de B…, através da Ap. 2531, de 22/12/2011, por legado, o prédio urbano sito em Rua …, n.º .., …, com a área total de 375 m2, área coberta de 65 m2 e área descoberta de 310 m2, composto por casa de cave e rés-do-chão. 4. Este prédio encontra-se inscrito desde 1961 na matriz predial urbana sob o artigo 2266, com a descrição de habitação com dois pisos. 5. Ambos os prédios confrontam com, e têm acesso direto pela, Rua …, pelo seu lado da frente. 6. As casas existentes nesses prédios estão a ser usadas e fruídas por terceiros, para habitação, mediante pagamento de renda mensal à requerente, com exceção da cave do prédio sito no n.º .. da Rua …, na qual existem uns anexos exteriores, com uma divisão denominada de garagem, na parte de trás do prédio, edificados em data não concretamente determinada mas posterior à construção das habitações, e que são utilizados apenas pela requerente. 7. Desde que vieram à sua posse e propriedade, a requerente vem cultivando o quintal do prédio sito no n.º .. da Rua …, aí colhendo frutos, e vem utilizando os anexos edificados na parte traseira do prédio sito no n.º .. da Rua …, recebendo as rendas dos inquilinos das habitações de ambos os prédios e pagando os respetivos impostos, à vista de todos, sem oposição de ninguém, convicta de exercer um direito próprio e de não lesar terceiros, sem interrupção, tal como o haviam feito os seus antepossuidores, seus avós e seus pais. 8. Em data não concretamente apurada, mas situada na década de 70 do séc. XX, E… e K… compraram um terreno confinante com o prédio sito no n.º .. da Rua …. 9. Por escrito, em papel selado, assinado por E…, K…, J… e L…, cujas assinaturas foram reconhecidas por notário em 20/06/1977, declarou o primeiro o seguinte: “Eu E…, casado, declaro que o terreno que comprei na Rua … confrontando do Nascente com o caminho público, de onde mede 20 metros, do sul, confrontando com M… donde mede 74,50 metros e com Poente confrontando com a N… donde mede 10 metros, com o Norte confrontando com J… donde mede 75,50 metros, declaro o seguinte tenho que ceder uma entrada do caminho público com 3 metros de frente por 16 metros de fundo para uso de J… e do mesmo proprietário E…. Nota: Quando se efectuar a dita entrada os gastos serão pagos entre J… e E… e o vinho dessa entrada será metade de cada um assim como os gastos dessa mesma ramada, estando os proprietários e as suas respectivas esposas assinam este documento.”, como resulta de fls. 25 e verso, cujo teor se dá aqui por reproduzido. 10. Por escrito, denominado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, datado de 01/06/1988, E… declarou vender a J… e mulher L… uma parcela de terreno com uma área de 41.325 m2, terreno que será fazer uma entrada que servirá o primeiro e o segundo outorgantes, recebendo dos segundos a quantia de 150.000$00, mais tendo declarado que as despesas da referida entrada serão pagas entre o primeiro e os segundos, conforme consta de fls. 26, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 11. Em data não concretamente apurada, mas subsequente às circunstâncias de tempo mencionadas em 8., foi edificada no terreno aí também descrito uma habitação, com o n.º .. da Rua …. 12. Em data não concretamente determinada, mas posterior à data referida em 9., a entrada aí descrita foi submetida a obras, tendo sido cimentado o chão, e foi colocado na entrada do prédio sito no n.º .. da Rua … um portão de correr, junto à via pública. 13. A requerente e, antes dela, o seu pai, J…, usa essa entrada, passando através do dito portão de correr, sem fechadura com chave ou cadeado, para aceder ao quintal e aos anexos situados nas traseiras dos prédios sitos nos n.ºs .. e .. da Rua …, desde a década de 80 do século passado, à vista de todos, sem interrupção e sem oposição ou obstáculo. 14. A requerente tem o referido quintal cultivado com várias espécies hortícolas e frutícolas e mantém nos anexos animais de criação, necessitando de aí se deslocar, pessoalmente ou recorrendo a auxílio de terceiros, diariamente para cuidar da respetiva produção e colher seus frutos, bem como para alimentar os animais. 15. Por escrito, perante notário, em 05/07/2019, I…, na qualidade de única herdeira de E…, seu cônjuge, e de única interessada nos bens deixados por seu óbito, declarou vender a D… e a C…, que declararam aceitar, o prédio urbano, composto de casa de cave, rés-do-chão e andar e quintal, sito na Rua …, n.º .., pelo preço de € 140.300,00. 16. Encontra-se inscrito a favor de C… e de D…, através da Ap. 4652, de 05/07/2019, por compra, o prédio urbano sito em Rua …, n.º .., …, com a área total de 1125 m2, área coberta de 205 m2 e área descoberta de 920 m2, composto por casa de cave, rés-do-chão, andar e quintal. 17. Este prédio encontra-se inscrito desde 1989 na matriz predial urbana sob o artigo 3006, com a descrição de casa de cave, rés-do-chão e andar e andar, destinada a habitação e comércio, com 6 divisões. 18. Em data não determinada de julho de 2019, o requerido comunicou à requerente que não poderia continuar a passar pela entrada acima descrita, pois não permitia a entrada nem o acesso através do seu prédio, descrito em 15. a 17.. 19. Como a requerente continuou a entrar por esse local, através do portão de correr acima mencionado, o requerido nele colocou um cadeado, fechando-o à chave. 20. A requerente continua a passar pelo local, para o efeito cortando os cadeados que, sucessivamente, o requerido ali coloca. 21. Nas habitações com as entradas pelos n.ºs .. e .. da Rua … não existe atualmente passagem exterior entre a via pública e as traseiras dos edifícios onde ficam situados o quintal e os anexos, por aí terem sido edificados, em data não concretamente determinada, a mando da requerente, muros encimados por redes, situados junto ao acesso às respetivas caves, separando os logradouros exteriores respetivos da passagem para esses anexos e quintal. * Com pertinência para a boa decisão da causa, não há factos indiciariamente não provados.a) A requerente e, antes dela, o seu pai, J…, sempre usou a entrada descrita pelo modo referido em 13., inclusive de veículo automóvel, convicta de que exerciam um direito próprio, sem lesar terceiros. b) Às datas mencionadas em 9. e 10. dos factos provados, a entrada acima referida era o único meio de passagem a pé, pelo exterior das habitações, e de veículo automóvel, entre a via pública e o acesso ao quintal e aos anexos dos n.ºs .. e .. da Rua …. Não existem outros factos provados ou não provados a considerar, em complemento ou contradição com os acima elencados, sendo tudo o mais alegado, mormente no requerimento inicial, conclusivo, acessório ou irrelevante. * MOTIVAÇÃOA convicção do tribunal fundou-se numa apreciação conjunta e crítica dos elementos documentais dos autos e da prova por declarações e testemunhal produzida, tudo analisado à luz das regras da experiência comum. Para dar como indiciariamente provados os factos descritos nos pontos 1. a 4., 16. e 17., o tribunal baseou-se nas certidões de registo predial e de inscrição matricial juntas pelas partes, acompanhando os seus articulados. Relativamente ao acesso dos prédios da requerente à via pública, foi relevante, para sua demonstração, a declaração da requerente, do requerido e o depoimento de praticamente todas as testemunhas inquiridas, confirmando que há entrada para ambos os prédios, pela sua frente, pela Rua … – o que é também visível na fotografia de fls. 18. A situação de arrendamento das casas existentes nos prédios da requerente resulta dos documentos de fls. 9 verso a 12, não expressamente postos em crise pelos requeridos, e conjugados com as declarações da primeira e das testemunhas por si arroladas. A matéria do ponto 7. ficou assente pela apreciação crítica das declarações da requerente e das testemunhas H…, G… e F…, dando conta da atuação da requerente e, antes dela, de seus pais e avós, anteriores donos dos prédios, relativamente a estes, o que não foi contestado por qualquer outro meio de prova e o que vai ao encontro da realidade transcrita (e que se presume como correta) nas inscrições prediais. A factualidade de 8., 11., 12. e 13. quedou-se firmada pela afirmação das já aludidas testemunhas e ainda das de I…, arrolada pelos requeridos, não tendo merecido controvérsia por haver qualquer outra declaração obtida em audiência que infirmasse a realidade relatada, e corroborando as declarações da requerente. Com efeito, essas pessoas foram unânimes em explicar que, depois da compra do terreno por E…, falecido marido da testemunha I…, ali foi construída a habitação (hoje ocupada pelos requeridos) e que, nessa sequência, especialmente desde os anos 70 e 80, era usada uma passagem por aí, designadamente pelos pais da requerente e depois também por esta, tendo a certa altura sido cimentado o chão e colocado um portão na entrada do prédio. Mais declararam como e para quê era usada essa passagem, havendo apenas divergência entre a requerente e as testemunhas por si arroladas e a testemunha I…, quanto à razão de ser e à certeza com que aí passavam, como se pôde inferir e retirar do depoimento desta última. De modo direto e com conhecimento pessoal (dada a sua relação familiar com o anterior dono do prédio e com a requerente e seus pais), I… afirmou, em suma, que essa entrada e passagem era uma conveniência permitida pelo seu falecido marido, dadas as ligações pessoais e de parentesco existentes e o posicionamento dos prédios. Este depoimento mostrou-se sincero e desinteressado (tanto mais, porque a testemunha nada tem já a ver com a situação e não é prejudicada ou beneficiada por ela) e, mesmo tendo havido revelação de um sentimento de mágoa relativamente à requerente, relatou os factos de forma objetiva e muito natural, demonstrando que essa posição quanto a ela não implica qualquer comprometimento em seu desfavor. As declarações desta testemunha lançaram sérias dúvidas acerca das afirmações da requerente e das citadas testemunhas H…, G… e E… (que, por seu turno, se afiguraram bastante comprometidas com a defesa da tese da requerente, pela maneira pouco espontânea e demasiado envolvida na sua versão com que falaram) acerca da motivação e da convicção com que essa entrada e essa passagem eram usadas, pois embora a requerente tivesse insistido que havia um negócio nesse sentido que o titulava, e por isso se sentia convicta de ser dona, as demais testemunhas não atestaram direta e objetivamente nesse sentido, apenas relatando a atuação da requerente e, no mais, dando suas impressões subjetivas e opiniões e apreciações pessoais. Ora, conjugando essa fragilidade dos depoimentos com as declarações da referida I…, ficou o tribunal com dúvidas de que a requerente pudesse estar realmente convicta de estar a exercer um direito próprio. Além disso, os documentos mencionados, de fls. 25 e 26, demonstram apenas, respetivamente, uma declaração de cedência de uso da entrada em apreço a uma pessoa em particular, J…, pai da requerente (sendo absolutamente omisso quanto à possibilidade de futura atribuição desse benefício aos prédios dele), e uma promessa de venda que não teve, tanto quanto foi carreado aos autos, qualquer seguimento (pois não se trouxe ao processo comprovação da efetivação do negócio prometido). Por conseguinte, geradas estas dúvidas, o tribunal não podia deixar de dar como não provada a matéria da parte final da alínea a). Relativamente à passagem com uso de veículo, apesar de tal ter sido referido por várias testemunhas, não ficou o tribunal suficientemente convencido, pois tais afirmações não foram completamente seguras, espontâneas e diretas. As declarações escritas, especificadas em 9. e 10. estão comprovadas pela leitura e análise de fls. 25 e verso e 26, respetivamente. No que respeita à ocupação do quintal e dos anexos pela requerente, tal como consta de 14., o tribunal atendeu às declarações desta e das suas testemunhas, bem como às fotografias de fls. 28 a 30 e verso. A prova do ponto 15. resulta do teor de fls. 45 e seguintes, contendo a certidão da escritura de compra e venda referente ao imóvel aí identificado. A prova sumária dos factos de 18. a 20. emerge de parcial acordo das partes, tendo em conta o invocado nas suas peças processuais a esse respeito e ainda às declarações de requerido e requerente a esse respeito, secundadas pelas de G… e F…. Finalmente, a prova de 21. decorre, uma vez mais, da conjugação das declarações da requerente e do requerido com as explicações das testemunhas pela primeira oferecidas e da testemunha I…, tendo resultado coerente e certo do que todos disseram que, hoje, não há passagem exterior entre a via pública e as traseiras dos edifícios dos n.ºs .. e .. da Rua …, onde ficam situados o quintal e os anexos, porque aí foram erguidos (não souberam as testemunhas dizer quando), por conta da requerente, muros encimados por redes, que criam uma barreira física, impedindo acesso direto da entrada dos prédios, desde a via pública, atravessando os logradouros respetivos e até à sua parte de trás, onde se localizam o quintal e os anexos. Deste conjunto probatório surge assim claro que, anteriormente, em especial às datas mencionadas em 9. e 10. dos factos provados, e naturalmente antes da construção dos muros com redes nos prédios da requerente, havia aí precisamente passagem (que não só pela entrada referida em 13.) desde a via pública e para acesso ao quintal e aos anexos dos n.ºs .. e .. da Rua …; nesta conformidade, a invocação inversa obviamente teria que ficar não provada, como consta de b). * 2. Fundamentos do recursoa) Retificação da sentença O Novo Código de Processo Civil (Lei n.º 41/2013, de 26/jun. - NCPC), estabelece no seu artigo 614.º, n.º 1 que “Se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas ou a algum dos elementos previstos no n.º 6 do artigo 607.º, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz”, acrescentando no n.º 2 que “Em caso de recurso, a retificação só pode ter lugar antes de ele subir, podendo as partes alegar perante o tribunal superior o que entendam de seu direito no tocante à retificação”. E de seguida no seu n.º 3 enumera que “Se nenhuma das partes recorrer, a retificação pode ter lugar a todo o tempo.” Por sua vez, preceitua-se no artigo 249.º do Código Civil que “O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à retificação desta.” Assim, podemos constatar que a retificação é essencialmente um expediente atribuído ao tribunal que proferiu a correspondente decisão ou sentença, não sendo um atributo vocacionado para um tribunal distinto. E tem naturalmente a sua razão de ser, porquanto o tribunal que gerou aquele “simples erro” é que está em melhor condições para o retificar. Isto não significa que, em sede de recurso, o tribunal superior não possa proceder a essa retificação, devendo, no entanto, ser muito parcimonioso nessas correções, apenas devendo tal ocorrer quando for de sobremaneira exteriorizada e ostensiva essa inexatidão. Assim, tal apenas sucederá quando for notória a existência de um erro de cálculo ou de escrita. No que concerne ao item 7.º não está propriamente em causa uma correção, mas antes uma impugnação da matéria de facto, de modo a constar que o quintal cultivado não corresponde apenas ao prédio n.º .., mas também ao do n.º .., pelo que apreciaremos esta oposição no reexame da matéria de facto. Passando ao item 10.º facilmente podemos constatar que não existe a devida conjugação gramatical, pelo que será aditada a preposição “para”, passando a sua redação a ser a seguinte, ficando por agora escrito a negrito a correspondente alteração: 10. Por escrito, denominado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, datado de 01/06/1988, E… declarou vender a J… e mulher L… uma parcela de terreno com uma área de 41.325 m2, terreno que será para fazer uma entrada que servirá o primeiro e o segundo outorgantes, recebendo dos segundos a quantia de 150.000$00, mais tendo declarado que as despesas da referida entrada serão pagas entre o primeiro e os segundos, conforme consta de fls. 26, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. Mas relendo a sentença recorrida, constatamos que depois de mencionar “Com interesse para a decisão a proferir, o tribunal considera indiciariamente provada a factualidade seguinte:”, indicando a mesma mediante numeração indo-arábica, menciona na parte final da narração da factualidade a seguinte passagem: “Com pertinência para a boa decisão da causa, não há factos indiciariamente não provados”, indicando-se depois os mesmos, mediante ordenação alfabetizada. Como se pode constatar, trata-se de um manifesto lapso de escrita, porquanto queria fazer-se referência aos factos que não estavam indiciariamente provados. Daí que passe a constar que “Com pertinência para a boa decisão da causa, considera-se como factos indiciariamente não provados” – sendo nosso o negrito. Nesta conformidade, proceder-se-á às duas referidas correções, tal como agora foram indicadas. * b) Nulidade da sentençaO NCPC enumera no seu artigo 615.º n.º 1 os casos de nulidade da sentença, sendo de convocar, face ao recurso aqui em causa, a sua alínea c), onde se diz que tal vício ocorre quando “Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”. No que concerne à contradição entre fundamentos e decisão temos que tal sucede quando a análise da lei e/ou a subsequente argumentação jurídica estão em oposição com a resolução jurídica do caso. Tais situações correspondem a antinomias jurídicas entre a tese e a conclusão, porquanto a primeira aponta para um caminho e a segunda acaba por terminar noutro, gerando um paradoxo decisório, tornando este absurdo ou despropositado. A recorrente sustenta esta nulidade mediante a sua conclusão 9.ª, nos seguintes termos “A sentença recorrida está ferida de nulidade por contradição com o facto assente de que a Requerente sempre usou a entrada pelo modo descrito no facto 13 da sentença, “inclusive de veículo automóvel, convicta de que exercia um direito próprio, sem lesar terceiros”, nulidade que decorre do art. 615/1-c) do CPC. Diga-se, desde já, que a presente alegação da recorrente e com alguma bondade nossa, está prestes a entrar na “zona intocável” do dever de boa-fé processual, exigida pelo artigo 8.º do NCPC e na antecâmara da litigância da má-fé, contemplada no artigo 542.º, mais precisamente no n.º 2, alíneas a) e d) do NCPC. E isto, porquanto torna-se óbvio, como anteriormente deixámos referido, que houve um manifesto lapso de escrita, o qual já foi devidamente corrigido. Mas como essa correção surgiu apenas agora e a recorrente podia estar “absorta” na bondade dos seus argumentos, iremos ficar por aqui. Mas mesmo que ficasse provada tal factualidade não haveria qualquer contradição, porquanto o “exercício de um direito próprio”, sem se identificar qual o direito em causa, não tem juridicamente qualquer significado, para além de revelar que se tem a convicção, ou seja, a crença em exercer um direito, seja obrigacional, real ou qualquer outro. Mas não iremos tecer quaisquer outras considerações, porquanto a factualidade em causa ficou registada como não provada. * c) Reexame da matéria de factoO Novo Código de Processo Civil (Lei n.º 41/2013, de 26/jun. - NCPC) estabelece no seu artigo 640.º, n.º 1 que “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”. Acrescenta-se no seu n.º 2 que “No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”. Nesta conformidade e para se proceder ao reexame da factualidade apurada em julgamento, deve o recorrente: (i) indicar os factos impugnados; (ii) a prova de que se pretende fazer valer; (iii) identificar o vício do julgamento de facto, o qual se encontra expresso na motivação probatória. Nesta última vertente assume particular relevância afastar a prova ou o sentido conferido pelo tribunal recorrido, demonstrando que o julgamento dos factos foi errado, devendo o mesmo ser substituído por outros juízos, alicerçados pela prova indicada pelo recorrente. Assim, tal reexame passa, em primeiro lugar, pela reapreciação da razoabilidade da convicção formada pelo tribunal “a quo”, a incidir sobre os pontos de factos impugnados e com base nas provas indicadas pelo recorrente (recurso de apelação limitada). Daí que esse reexame esteja sujeito a este ónus de impugnação, sendo através do mesmo que se fixam os pontos da controvérsia, possibilitando-se o seu conhecimento pela Relação, que formará a sua própria convicção sobre a factualidade impugnada (Acs. STJ de 04/mai./2010, Cons. Paulo Sá; 14/fev./2012, Cons. Alves Velho, www.dgsi.pt). Porém, fica sempre em aberto, quando tal for admissível, a possibilidade do tribunal de recurso, designadamente por sua iniciativa e perante o mesmo, renovar ou produzir novos meios de prova (662.º, n.º 2, al. a) e b) NCPC), alargando estes para o reexame da factualidade impugnada (recurso de apelação ampliada). Mas em ambas as situações, sob pena de excesso de pronúncia e de nulidade do acórdão (666.º, 615.º, n.º 1, al. d) parte final), o tribunal de recurso continua a estar vinculado ao ónus de alegação das partes (5.º) e ao ónus de alegação recursiva (640.º) – de acordo com a primeira consideram-se como não escritos o excesso de factos que venham a ser fixados, face à segunda o tribunal superior não conhece de questões não suscitadas, salvo se for de conhecimento oficioso (Ac. STJ de 11/dez./2012, Cons. Alves Velho, www.dgsi.pt). * Tratando-se da impugnação recursiva do julgamento da matéria de facto, haverá que previamente precisar o que se entende por facto e se estão em causa, neste reexame pela Relação, todos os factos ou apenas aqueles que tiverem pertinência para a solução jurídica do conflito em causa.Muito embora ao longo do NCPC se faça alusão ao ónus de alegação de factos imposto às partes, com mais consistências naqueles que são essenciais (5.º, 1 NCPC) à causa de pedir, através da petição inicial (552.º, n.º 1, al. d) do NCPC), ou à defesa, mediante a contestação (572.º, al. b) e c) NCPC), o mesmo não nos dá uma noção legal do que é um facto. Mas deste bloco normativo decorre que o legislador afastou-se de uma concepção naturalística de facto, optando por uma concepção jurídica, porquanto refere-se aos factos essenciais à causa de pedir. Na sintética e lapidar expressão do já esquecido Ac. do STJ de 07/nov./1969 (BMJ 191/219), factos são “fenómenos da natureza ou manifestações concretas dos seres vivos”. Mas no que concerne à conduta humana, esta pode revestir-se de actos ou omissões, os quais são aparentes (vertente objetiva), resultando normalmente da consciência e vontade do seu agente (vertente subjetiva). Daí que muitas vezes se afira essa vontade, que é uma das vertentes essenciais do plano interior, a partir da exteriorização dos atos realizados por uma pessoa. Em suma, factos jurídicos são os acontecimentos ou circunstâncias da realidade, decorrentes tanto da conduta humana, como de ocorrências da natureza ou resultantes de qualquer outra origem (v.g. robótica), que têm relevância jurídica, como já deixámos referenciado no Ac. TRP de 10/jan./2019, acessível em www.dgsi.pt. Assim, não basta serem factos, têm de ser jurídicos, ou seja, ter relevância no enquadramento da solução jurídica e não apenas na descrição da correspondente factualidade. * A recorrente identificou a sua providência como sendo “procedimento cautelar comum”, o qual está previsto no artigo 362.º do NCPC, afastando por isso das providências cautelares especificadas. Nesta conformidade, o âmbito jurídico da factualidade essencial está traçado no n.º 1 daquele normativo, onde se preceitua que “Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado”.Nesta conformidade, os factos propostos mediante os itens 18.º-A), 18.º-D), 18.º-E), 18.º-F) e 18.º-G) não têm qualquer relevância jurídica para efeitos da presente providência cautelar comum, atenta a pretensão formulada pela Requerente – poderão ter noutra sede, designadamente no âmbito da jurisdição criminal, mas não aqui. Daí que esta factualidade não seja submetida a reexame por esta Relação. * No que concerne ao reexame da matéria de facto e começando pelo item 7.º dos factos provados, inicialmente suscitado como suscetível de correção, a Recorrente invoca as suas próprias declarações de parte e o testemunho de F…, tendo cuidado de precisar as respetivas passagens. Mas nenhuma destas precisa onde é que aquela faz as suas culturas agrícolas, mais precisamente se nos terrenos do prédio n.º .. ou então do n.º .., e até a passagem do depoimento da primeira não se reporta a tal matéria, conforme passaremos a precisar.Nas suas próprias declarações de parte, mais especificamente na passagem 00:17:53, a Requerente responde a uma pergunta do seu advogado que foi a seguinte: “É o .. e o ... Esta rampa de que aqui estamos a falar está ligada ao .., certo? Surgindo de imediato a resposta “exato”. Esta Relação já tem considerado este tipo de respostas como probatoriamente irrelevantes, porquanto as mesmas surgem na sequência de uma pergunta sugestiva. E, como se sabe ou devia saber-se, o artigo 516.º, n.º 3 NCPC preceitua que “O juiz deve obstar a que os advogados tratem desprimorosamente a testemunha e lhe façam perguntas ou considerações impertinentes, sugestivas, capciosas ou vexatórias.”, sendo nosso o negrito. Na sequência deste comando legal o Ac. do TRP de 20/fev./2020, acessível em www.dgsi.pt, considerou que “A Relação ao apreciar a impugnação da matéria de facto e perante uma inquirição sugestiva de uma testemunha, sem que o advogado interpelante tivesse sido advertido pelo tribunal recorrido dessa inadmissibilidade, terá que desvalorizar aquele depoimento, porquanto não existiu propriamente uma narração espontânea dos acontecimentos, mas antes um incentivo persuasor para uma certa e precisa resposta, de tal modo que a testemunha em causa limitou-se a responder “exactamente”, o que fez por 36 vezes ao longo de 20 minutos”. Mas também podemos constatar que esta passagem do depoimento não se refere à cultura nos terrenos dos prédios com o n.º .. ou ... Por sua vez, o depoimento invocado da testemunha F…, não chega a precisar que prédio estava em causa no corresponde cultivo, porquanto começou por mencionar que “Existem lá uns quintais ainda bastante grandes, tem lá árvores de cultivo, tem o terreno, dá para...(…) Há uma área de terreno, tem lá uns anexos com animais, sempre teve, não é? Desde que eu conheci.” ... e nada mais adiantou [00:03:33 - 00:04:44] * Passando para o aditamento dos propostos itens 7.º-A e 7.º-B, constatamos, no seu essencial, que a descrição da correspondente factualidade já consta no item 7.º dos factos provados, sendo este último até mais vastos que aquele 7.º-A, porquanto aqui não se indica o prédio com o n.º .. e ali indicasse. Existe, no entanto, uma descrição distinta quanto à utilização da garagem, conforme adiante explicitaremos, senão vejamos o seguinte quadro, sendo nosso o negrito:Como se pode constatar da factualidade já provada, não existe qualquer controvérsia em que nesse prédio se situa essa garagem, bem como dos actos que manifestam o exercício de poderes de facto em termos de um direito real de propriedade incidente nesse prédio. A única dissemelhança de relevo reside nos termos da utilização do caminho conducente à garagem, porquanto esta matéria ficou registada como não provada, conforme correção que passou a constar neste acórdão e constam nas seguintes alíneas: a) A requerente e, antes dela, o seu pai, J…, sempre usou a entrada descrita pelo modo referido em 13., inclusive de veículo automóvel, convicta de que exerciam um direito próprio, sem lesar terceiros. b) Às datas mencionadas em 9. e 10. dos factos provados, a entrada acima referida era o único meio de passagem a pé, pelo exterior das habitações, e de veículo automóvel, entre a via pública e o acesso ao quintal e aos anexos dos n.ºs .. e .. da Rua …. A propósito e perante os distintos depoimentos orais, seja de parte, seja testemunhal, tivemos basicamente duas versões, uma no sentido de que tudo se passava como os pais da requerente fossem os donos desse caminho, tal como resulta das declarações de parte da requerente e das testemunhas G… e F… (i), outra em sentido completamente contrário, de que tal ocorria por mera cedência, como decorre do testemunho de I…, esposa do falecido E… e tia da requerente (ii). Perante esta disparidade das versões, a convicção probatória desta Relação vai precisamente no sentido do julgamento de facto da 1.ª instância, mormente com base no escrito de papel de 20/jun./1977 (9.º dos factos provados), em que o mencionado E…, antigo proprietário do prédio dos requeridos, declara “ceder uma entrada do caminho público com 3 metros de frente por 16 metros de fundo para uso de J… e do mesmo proprietário E…” – diga-se que se menciona uso de “J…” e não que esse uso é dirigido a certo e específico prédio. E se dúvidas houvesse, as mesmas ficariam dissipadas com o designado Contrato Promessa de Compra e Venda”, datado de 01/jun/1988 (10.º factos provados), porquanto o mesmo incide sobre aquele “caminho público” – leia-se de passagem para aqueles contratantes. Deste modo, sempre o J… soube, porque assinou tais documentos, que o terreno abrangido por estes contratos não era sua propriedade. Trata-se, por isso, de uma prova objetiva que confere credibilidade a uma das versões dos acontecimentos e descredibiliza a outra, tendo sido aquela versão que ficou precisamente demonstrada, não tendo, por isso, qualquer sustentabilidade a impugnação dos factos tal como pretende a recorrente. * A recorrente pretende aditar os itens 13.º-A e 13.º-B, mas como passaremos a indicar, os mesmos já constam, no seu essencial, no item 13.º, salvo o que deixamos a negrito no item 13.º-A, senão vejamos:A propósito dessa intencionalidade, reproduzimos as considerações anteriormente realizadas, mormente quando está em causa o “direito próprio” de posse ou de propriedade, não se acolhendo a versão da Recorrente. * A Recorrente pretende igualmente o aditamento dos itens 18-B) e 18-C), mas essa factualidade já consta, no seu essencial e mais uma vez, nos itens 14.º, 18.º a 20.º dos factos provados, bastando reler os mesmos:14. A requerente tem o referido quintal cultivado com várias espécies hortícolas e frutícolas e mantém nos anexos animais de criação, necessitando de aí se deslocar, pessoalmente ou recorrendo a auxílio de terceiros, diariamente para cuidar da respetiva produção e colher seus frutos, bem como para alimentar os animais. 18. Em data não determinada de julho de 2019, o requerido comunicou à requerente que não poderia continuar a passar pela entrada acima descrita, pois não permitia a entrada nem o acesso através do seu prédio, descrito em 15. a 17.. 19. Como a requerente continuou a entrar por esse local, através do portão de correr acima mencionado, o requerido nele colocou um cadeado, fechando-o à chave. 20. A requerente continua a passar pelo local, para o efeito cortando os cadeados que, sucessivamente, o requerido ali coloca. No entanto e na sequência destes itens, conjugado com o item 21.º), convém precisar, a última parte do proposto item 18.º-C), ou seja, que o caminho aqui em controvérsia é a única passagem que, de momento, possibilita à Requerente o acesso aos terrenos traseiros dos prédios com os n.os .. e .. da Rua …, já que as passagens existentes nestes prédios urbanos foram bloqueadas. Tal resulta da prova documental existente nos autos, com destaque para as fotografias do local, como sucede com a identificada como documento n.º 6 juntos pelos Requeridos, corroborado pela generalidade dos depoimentos orais. Daí que seja aditado, um novo item, mas com a numeração 21.º-A) e a seguinte redação: “A entrada anteriormente mencionada em 13.º) e face ao anteriormente mencionado no item 21.º), é a única possibilidade de acesso às traseiras dos n.os .. e ...º da Rua …”. * A recorrente também sustenta que “é falso que tenha havido construções impeditivas a “mando da requerente”, muito menos pelo lado nascente do prédio do número ..”, pois “não há nenhuma prova credível deste facto (sempre seria prova de facto fictício)”. O significado corrente de “falso” é incerto, inexato, mas juridicamente tem o sentido de intencionalmente inverídico – veja-se a noção de falsidade no disposto no artigo 373.º do Código Civil. Trata-se, por isso, de uma expressão com uma carga muito forte que deve ser utilizada no momento próprio e para quando tal ocorrer, tanto mais que existe um dever de recíproca correção, o qual está consagrado no artigo 9.º do NCPC. Esta matéria encontra-se narrada no item 21.º dos factos provados. E o que consta aí descrito resulta de sobejo da prova produzida. A única questão é se foi a mando da Requerente ou dos seus antepossuidores. Mas é incontroverso que foi a mando de um deles, não sendo os depoimentos claros de quem foi o ordenante, pelo que passará a constar o seguinte no item 21.º:21. Nas habitações com as entradas pelos n.ºs .. e .. da Rua … não existe atualmente passagem exterior entre a via pública e as traseiras dos edifícios onde ficam situados o quintal e os anexos, por aí terem sido edificados, em data não concretamente determinada, a mando da requerente ou dos seus antepossuidores, muros encimados por redes, situados junto ao acesso às respetivas caves, separando os logradouros exteriores respetivos da passagem para esses anexos e quintal. * Nesta conformidade e na procedência parcial do reexame da matéria de facto, adita-se o item 21.º-A e reformula-se a redação do item 21.º, nos termos anteriormente apontados.* d) O decretamento da providência cautelar comumO NCPC estabelece, como já anteriormente referimos, no seu artigo 362.º que “Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado”. Por sua vez, o Código Civil estabelece no seu artigo 1306.º n.º 1 o princípio do numerus clausus na constituição dos direitos reais, ao consagrar que “Não é permitida a constituição, com caráter real, de restrições ao direito de propriedade ou de figuras parcelares deste direito senão nos casos previstos na lei; toda a restrição resultante de negócio jurídico, que não esteja nestas condições, tem natureza obrigacional”. Por sua vez e no que concerne às servidões prediais, começa por estabelecer no artigo 1543.º do Código Civil a sua noção legal, ao preceituar que “Servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente; diz-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia.”. Assim, o pressuposto e o limite de uma servidão predial é precisamente a sua “predialidade”. Daqui decorre que não existem servidões pessoais, ou seja, de uma servidão mediante submissão pessoal. Por outro lado, o que caracteriza uma servidão predial é a sua conexão objetivamente predial (1543.º), a atipicidade das suas vantagens ou comodidades (1545.º), a inseparabilidade dos prédios a que respeitam (1545.º) e a sua indivisibilidade (1546.º), pelo que a divisão de um prédio não conduz à multiplicação das servidões. Deste modo, o estabelecimento de um proveito ou de uma vantagem estritamente pessoal, como por exemplo o direito de pastagem conferido aos animais de certos donos, não resulta num encargo predial, mesmo que esse dono seja proprietário de um prédio contíguo. E também nada impede que, ao abrigo da liberdade contratual, as partes estabeleçam livremente o conteúdo dos contratos (405.º Código Civil), observando as condicionantes legais (280.º e 281.º Código Civil) e constitucionais, mormente as respeitantes à dignidade da pessoa humana (1.º Constituição). Ora a concessão, no âmbito de um programa contratual mais vasto, que abrange o cultivo e a produção de vinho, do direito de passagem a favor de uma certa e específica pessoa, não corresponde a uma servidão pessoal, porquanto não existe a submissão de quem quer que seja, e também não traduz, só por si, um encargo predial, mesmo que essa pessoa seja proprietária de um prédio vizinho fronteiriço, porquanto não existe um benefício a favor de um prédio. No caso em apreço e como resulta do contrato escrito celebrado em 20/jun./1977, mencionado em 9.º dos factos provados, foi firmado pelo anterior proprietário do prédio onde se situa o caminho aqui em causa e aceite pelo proprietário do prédio vizinho que “tenho que ceder uma entrada do caminho público com 3 metros de frente por 16 metros de fundo para uso de J… e do mesmo proprietário E…. Nota: Quando se efectuar a dita entrada os gastos serão pagos entre J… e E… e o vinho dessa entrada será metade de cada um assim como os gastos dessa mesma ramada, estando os proprietários e as suas respectivas esposas assinam este documento.” Posteriormente, foi celebrado por escrito e entre os mesmos, respeitante a tal caminho um denominado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, datado de 01/06/1988, em que E… “declarou vender” a J… e mulher L… uma parcela de terreno com uma área de 41.325 m2, terreno que será fazer uma entrada que servirá o primeiro e o segundo outorgantes, em que “o primeiro receberá recebendo dos segundos a quantia de 150.000$00 (...)”, conforme resulta de 10.º dos factos provados. Este futuro recebimento do preço, faz perceber que se trata efetivamente de um contrato promessa de compra e venda. Como se pode constatar a requerente não é titular de qualquer direito de passagem, de natureza obrigacional, mediante entrada pelo referido portão ou de um direito de servidão e muito menos de um direito de propriedade sobre o referenciado caminho, por título translativo de propriedade ou mediante usucapião. Assim, o que temos é que apenas foi assumida uma obrigação contratual mediante um benefício a favor de uma certa pessoa, que não foi a Requerente, envolvendo a cedência de passagem, a partilha do vinho e das despesas na construção do caminho e da produção do vinho. Quando tal acontece estamos perante um contrato obrigacional de serventia de passagem a favor de uma pessoa e não perante a constituição de servidão de passagem, porquanto não envolveu um encargo de um certo e preciso prédio a favor de um outro prédio. Por outro lado, não podemos dizer que os prédios com os nos .. e .. da Rua … são prédios encravados, porquanto os mesmos têm acesso para esta rua. O que sucedeu foi que os antepossuidores da Requerente, depois prosseguido por esta, desmembraram os prédios aqui em causa, fracionando a parte rústica, da parte urbana. Mas isso apenas significa que esse desmembramento, o qual não tem reconhecimento legal e muito menos jurídico, é da sua única responsabilidade e mediante o mesmo não podem onerar o prédio vizinho, que agora é pertença dos requeridos. Daí que claudicando a existência desse direito, não existe fundamento para ser decretada a providência cautelar comum requerida pela Recorrente, pelo que a sentença recorrida não merece qualquer censura, antes pelo contrário, porquanto a mesma soube desde logo discernir e de modo claro o que estava em causa. * Na improcedência do recurso, as suas custas ficam a cargo da recorrente – 527.º, n.º 1 e 2 NCPC.* No cumprimento do disposto no artigo 663.º, n.º 7 do NCPC, apresenta-se o seguinte sumário:................................. ................................. ................................. * III. DECISÃO* * Nos termos e fundamentos expostos, delibera-se conceder parcial provimento ao recurso respeitante à impugnação da matéria de facto, nos termos anteriormente referenciados quanto ao aditamento do item 21.º-A e reformulação do item 21.º, com as correções à narração da matéria de facto, mantendo-se integralmente a parte decisória da sentença. Custas a cargo da recorrente. Notifique. Porto, 18 de junho de 2020 Joaquim Correia Gomes António Paulo Vasconcelos Filipe Caroço |