Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | FÁTIMA ANDRADE | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS CRÉDITOS GARANTIDOS CRÉDITO RECLAMADO PELA SEGURANÇA SOCIAL PENHOR TRABALHADORES | ||
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Nº do Documento: | RP20211028630/20.4T8AMT-C.P1 | ||
Data do Acordão: | 10/28/2021 | ||
Votação: | MAIORIA COM 1 VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | Em sentença de graduação de créditos na qual concorram na graduação créditos da SS, créditos garantidos por penhor, créditos dos trabalhadores e Estado, a graduação terá de respeitar a preferência consagrada legalmente do crédito da SS sobre o penhor e assim graduar em primeiro lugar o crédito da SS; em segundo lugar o penhor; em 3º lugar os créditos dos trabalhadores e seguidamente os créditos do Estado. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº 630/20.4T8AMT-C.P1 3ª Secção Cível Relatora (663º nº 3 do CPC) – Juíza Desembargadora M. Fátima Andrade Adjunta – Juíza Desembargadora Eugénia Cunha Adjunto – Juiz Desembargador Pedro Damião e Cunha Tribunal de Origem do Recurso - Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este – Jz. de Comércio de Amarante Apelante/ “ B…, S.A.” Apelada/Massa insolvente de “C…, Lda.” e outros Sumário: ……………………………… ……………………………… ……………………………… Acordam no Tribunal da Relação do Porto I- Relatório No apenso de reclamação de créditos relativo à insolvência de “C…, Lda.”, foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos decidindo: “Pelo exposto: Graduo os créditos reconhecidos da seguinte forma: (…) C) Relativamente às 17.950 ações representativas do capital social de “B…, SA” apreendidas: 1) Em primeiro lugar, o crédito privilegiado do Instituto da Segurança Social, no montante de € 158.296,45; 2) em segundo lugar, será pago o crédito da “B…, SA”, que beneficia de penhor sobre tais ações. 3) Em terceiro lugar, serão pagos os Trabalhadores e FGS, procedendo-se a rateio entre eles; 4) Em quarto lugar, o crédito privilegiado da Autoridade Tributária, proveniente de IRS; 5) Do remanescente, se o houver, dar-se á pagamento aos créditos comuns reconhecidos, a solver por rateio, na proporção dos seus créditos. 6) Por fim, e depois de integralmente pagos os créditos privilegiados, garantidos e comuns, serão pagos os créditos subordinados (referentes a juros vencidos após a declaração de insolvência), em conformidade com o disposto no artigo 177º do CIRE. * (…)* Do produto da liquidação dos bens apreendidos serão pagas em primeiro lugar as dívidas da massa insolvente, previstas no artigo 51º do CIRE, designadamente as custas do processo e seus apensos, bem como as despesas de liquidação, incluindo a remuneração e despesas do Sr. Administrador da Insolvência (artigos 46º, n.º 1 e 172º do CIRE).* Valor da causa: o do ativo (artigo 301º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).Custas pela massa insolvente, nos termos do artigo 303º e 304º do CIRE. (…)” * Do assim decidido interpôs a credora reclamante “B…, S.A.” recurso de apelação, oferecendo alegações e a final concluindo nos seguintes termos:“CONCLUSÕES ……………………………… ……………………………… ……………………………… * Não se mostram apresentadas contra-alegações.* O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.Foram colhidos os vistos legais. Ocorreu mudança de Relator por vencimento (nos termos do artigo 666º nº 3 do CPC). * II- Âmbito do recurso.Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pela apelante ser questão a apreciar:se o crédito garantido com penhor e à recorrente reconhecido, por concorrer com outros créditos com privilégio mobiliário geral e ainda com créditos do ISS deve ser graduado em primeiro lugar, na medida em que nesta situação a prioridade conferida pelo artigo 204º nº 2 da Lei 110/2009 ao crédito do ISS deve ser afastada, atenta a contradição insanável entre todos os dispositivos legais. III. FUNDAMENTAÇÃO Para apreciação do objeto deste recurso são de considerar para além das vicissitudes processuais acima elencadas, as seguintes: 1) Nos autos de insolvência, de que os presentes autos são dependência, foi proferida em 04/06/2020 sentença de declaração de insolvência de “C…, Lda.”, transitada em julgado em 25/06/2020. 2) Autuado o respetivo apenso de verificação e graduação de créditos, foi junto pela Sra. Administradora da Insolvência lista dos créditos reconhecidos. Entre os créditos reconhecidos consta o crédito do credor reclamante “B…” garantido por hipoteca e penhor no montante de € 581.312,34 juros incluídos [523.207,81 de capital e € 58.104,53 de juros]. 3) Consta igualmente desta lista o crédito privilegiado do ISS - beneficiário de privilégio mobiliário geral - no valor de € 158.296,45 juros incluídos [€ 153.334,57 de capital e € 4.961,88 de juros] Acrescido de um crédito comum no valor de € 416.281,86 juros incluídos [€ 381.496,91 de capital e € 34.784,95 de juros]. 4) Bem como créditos salariais de trabalhadores e ainda créditos privilegiados à Autoridade Tributária proveniente de IRS. 5) A 21.12.2020, no apenso de apreensão de bens, veio a Sra. AI juntar auto de apreensão das 17.950 ações no capital social da B…, SA”. 6) Na sentença ora sob recurso proferida em 31/05/2021 e apreciando as várias questões suscitadas no decurso do apenso, foi entre o mais decidido: “(…) Homologam-se os créditos reconhecidos na Lista a que alude o art. 129.º CIRE, e apresentada a 17.09.2020, e ainda: - o crédito do BANCO D…, S.A. no montante de € 8.185,79, o qual tem a natureza de crédito comum; - consigna-se que o crédito reconhecido a E…, UNIPESSOAL, LDA. tem a natureza de crédito comum; - o total do crédito do BANCO F…, S.A. (reconhecido no montante de € 7.320,80, a título de capital e € 421,78, a título de juros), ascende ao valor de € 7.742,58; - consigna-se que o crédito reconhecido ao Banco G…, SA., no montante de € 30.518,06, assume a natureza de crédito comum e não de crédito garantido; - julga-se reconhecido o crédito global reclamado pelo Ministério Público no valor de € 193.782,05, sendo € 192.449,93 de créditos da Autoridade Tributária e Aduaneira e € 1.332,12 de custas judiciais. Dos créditos da Autoridade Tributária e Aduaneira reclamados, no valor de 192.449,93, consigna-se que assume a natureza de crédito privilegiado: € 1.022,41 de IRS e IRS/DMR, por gozarem de privilégio mobiliário geral e imobiliário, e a natureza de crédito garantido por IMI € 913,02, sendo € 370,05 de IMI de 2019 devido pelo imóvel urbano inscrito na matriz de …, concelho de Lousada, sob o nº U-003672-C, e € 542,97 de IMI devido em 2019 pelo imóvel urbano inscrito na matriz de … sob o nº U-00050, com vencimento em 31/05/2020, dentro do ano anterior à instauração do processo de insolvência.” * Apreciando e conhecendo.*** Tal como já referido em causa está nos autos decidir se o crédito garantido com penhor e à recorrente reconhecido, por concorrer com outros créditos com privilégio mobiliário geral e ainda com créditos do ISS deve ser graduado em primeiro lugar, na medida em que nesta situação a prioridade conferida pelo artigo 204º nº 2 da Lei 110/2009 ao crédito do ISS deve ser afastada, atenta a contradição insanável entre todos os dispositivos legais. A questão colocada à nossa apreciação mereceu já pronúncia por parte da ora Relatora e da 1ª adjunta em Acórdão proferido em 14/07/2020 no âmbito do processo Processo nº. 2645/19.6T8STS-A.P1. Por se entender não assistir fundamento para alterar a posição então assumida, é a mesma neste reiterada, como tal se seguindo os argumentos ali expostos. Por definição, o processo de insolvência é um processo de execução universal cujo fito é a satisfação dos credores pela (no que ora releva) liquidação do património do devedor insolvente e repartição do produto obtido pelos credores (artigo 1º do CIRE). Por tal, é consequência da sentença que decreta a insolvência a ordem de apreensão de todos os bens do insolvente suscetíveis de penhora em respeito pelo disposto no artigo 601º do CC - bens e direitos como é referido no artigo 153º do CIRE. Bens estes que responderão pelas dívidas do insolvente existentes à data de tal declaração e que virão a constituir a massa insolvente (vide artigos 46º e 149º do CIRE). Para tanto, devem os credores reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento, acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham, junto do AI. A fim de oportunamente obterem pagamento pelo valor obtido com a liquidação daqueles. Pagamento que obedecerá à graduação “geral para os bens da massa insolvente e (…) especial para os bens a que respeitem direitos reais de garantia e privilégios creditórios” [vide artigos 140º e 173º do CIRE]. Em causa neste recurso a graduação operada pelo tribunal a quo que para as ações representativas do capital social da B… sobre as quais incide penhor, reconheceu preferência [no que para os autos releva em função dos fundamentos de recurso] de pagamento ao crédito do ISS que beneficia de privilégio mobiliário geral, no confronto com o crédito da recorrente garantido pelo mencionado penhor sobre tais verbas e graduado em segundo lugar, quando concorrem ainda créditos salariais e do FGS graduados em terceiro lugar e créditos privilegiados de IRS graduados em quarto lugar, seguidos dos créditos comuns e finalmente os créditos subordinados. A recorrente [vide conclusões C) e D)] não questiona a fundamentação legal convocada pelo tribunal a quo e reconhece mesmo que no confronto exclusivo entre um crédito da Segurança Social e um crédito garantido por penhor terá de prevalecer o primeiro [vide a citada conclusão D) e a conclusão E)]. O óbice levantado ao decidido funda-se no concurso simultâneo com outros créditos privilegiados e nomeadamente créditos dos trabalhadores e do Estado por impostos, por então haver “contradição insanável entre todos os dispositivos aplicáveis” [vide conclusão F)]. Nesta situação defendendo a recorrente que o princípio da prevalência do penhor sobre os privilégios mobiliários gerais deve ser aplicado e consequentemente ser o seu crédito graduado em primeiro lugar, tendo por afastada a prevalência conferida legalmente ao crédito do ISS – artigo 204º nº 2 da Lei 110/2009. A questão suscitada pela recorrente tem merecido debate na jurisprudência, tendo o tribunal a quo seguido a corrente que se nos afigura predominante e com a qual concordamos. Extrai-se da sentença recorrida a seguinte fundamentação: «O crédito da B…, SA. goza ainda de garantia de penhor mercantil sobre as 17.950 ações apreendidas no capital social dessa mesma sociedade B… (cfr. auto de apreensão junto a 21.12.2020). Nos termos do artigo 666º, n.º 1 do Código Civil, o penhor confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores. Há, no entanto, que atentar no citado art. 204.º, n.º 2, do CRCSPSS, nos termos do qual o crédito do ISS prevalece sobre qualquer penhor. No que respeita concretamente à graduação dos créditos quanto aos bens sobre os quais incide penhor, entendemos que o penhor só cede perante o crédito do ISS, porque assim o impõe a norma do art.º 204, nº 2, da Lei nº 110/2009 de 16/09, sem que, quanto aos outros créditos (designadamente o crédito dos trabalhadores), isso prejudique a aplicação da regra geral de que o penhor confere ao credor respetivo prioridade de pagamento perante créditos que apenas beneficiam de privilégio mobiliário geral, tal como fora decidido no Acórdão da Relação de Coimbra de 11.12.2012, Proc n.º 241/11.5TBNLS-B.C1, disponível em www.dgsi.pt e que passaremos a seguir de perto. Prescreve o art.º 204, nº 1, do chamado Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei 110/2009, de 16 de Setembro que “Os créditos da segurança social por contribuições, quotizações e respetivos juros de mora, gozam de privilégio mobiliário geral, graduando-se nos termos referidos na alínea a) do nº 1 do art.º 747 do Código Civil.” Por sua vez, o nº 2 deste artigo estatui que “Este privilégio prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior.” Ora, face a este n.º 2 entendemos que o crédito do ISS que goza deste privilégio terá que prevalecer sobre o crédito que beneficia de penhor, não sendo defensável que esta disposição do nº 2 só tenha aplicação quando se verificasse um conflito graduativo exclusivo das duas referidas causas de preferência – a do privilégio mobiliário geral dos créditos do ISS e o penhor. Não impede a aplicação deste n.º 2 o facto de concorrerem também créditos laborais ou créditos da Autoridade Tributária. Ora, nem isto resulta da letra da lei, nem tão pouco se nos afigura que tal ideia haja estado na mente do legislador, sabendo-se como se sabe que só muito raramente com aqueles dois créditos não concorrerão outros igualmente privilegiados, como são os da Fazenda Nacional ou dos trabalhadores. (…) O afastamento desta norma especial, com o fundamento de não permitir que os créditos do ISS passem à frente dos créditos laborais e da AT, constitui para nós um argumento que acaba por ser artificial, uma vez que esses créditos nada receberão (o que ocorre na maioria dos casos, atenta a superioridade do valor do crédito pignoratício face ao valor dos bens dados de penhor). Essa argumentação acaba por servir apenas os interesses dos credores pignoratícios, quando o legislador há muito que tomou a opção legislativa de graduar os créditos do ISS à frente de qualquer penhor. Com efeito, numa linha de aparente perturbação desta ordem de prevalência veem alguns a prioridade conferida pelo art.º 333, nº 1, al.ª a) e nº 2 al.ª a) do atual Código do Trabalho ao privilégio mobiliário geral dos créditos emergentes de origem laboral, dado que este crédito dos trabalhadores (no que respeita aos bens móveis) é graduado antes dos créditos referidos no nº 1 do art.º 747 do Código Civil. Numa primeira abordagem, parece resultar do confronto destas normas que os créditos laborais deveriam ser pagos sempre à frente dos créditos da Segurança Social, atenta a prioridade do respetivo privilégio mobiliário geral que claramente decorre das expressões “antes” da alínea a) do nº 2 do art.º 333 do CT e “nos termos referidos” do nº 1 do art.º 204 do CRCSPSS. Esta preferência colidiria, porém, com a prevalência da que derivaria do penhor, dado que este cederia perante o privilégio mobiliário do crédito da Segurança Social. É que interpondo-se um crédito garantido por penhor, preferiria o crédito da Segurança Social, embora sobre este preferisse o crédito laboral, o qual, por sua vez, não prevaleceria diante daquele crédito (o garantido por penhor), conforme o art.º 749, nº 1 do CC. Conforme salientado no acima citado Acórdão, há que discernir, no entanto, o que terá sido o efetivo desiderato do legislador, tendo em conta o princípio ínsito no art.º 9º, nº 3. Do CC, de que “o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e se exprimiu o seu pensamento em termos adequados”. Com esse fim, não se deve perder de vista, desde logo, a circunstância de, já depois da publicação do Código do Trabalho, o legislador do CRCSPSS de 2009 ter conservado a precedência do privilégio mobiliário dos créditos da Segurança Social sobre o penhor anteriormente constituído. O que só pode significar que, não podendo ignorar a regra geral da ineficácia dos privilégios mobiliários gerais do art.º 749, nº 1 do CC, também não podia deixar de estar ciente de que, com a hierarquização assim delineada, forçosamente situava o privilégio mobiliário geral dos créditos da Segurança Social numa situação de primazia relativamente a todos os outros créditos dotados do mesmo privilégio, incluindo os créditos mencionados no art.º 333º do CT. A isto acresce ainda a importância social de que cada vez mais acentuadamente se reveste a garantia mobiliária e imobiliária dos créditos da Segurança Social e que esteve na origem das disposições dos art.ºs 204 do CRCSPSS e do art.º 10 do DL 103/80 de 9/05. (…) Assim sendo, e quanto às ações sobre as quais incide penhor: será pago em primeiro lugar o crédito do ISS, que goza de privilégio mobiliário geral (e nos termos do art. 204.º, n.º 2, do CRCSPSS prevalece sobre o penhor), o qual ascende ao montante de € 158.296,45. Em segundo lugar, será pago o crédito pignoratício (B…). Em terceiro lugar, serão pagos os Trabalhadores e FGS, procedendo-se a rateio entre eles, seguindo-se o crédito privilegiado da Autoridade Tributária.” Conforme é realçado no Ac. TRL de 02/07/2019, nº de processo 2789/14.0T8SNT-K.L1 in www.dgsi.pt [neste se dando nota de em outros arestos ter sido este tema abordado - nomeadamente nos “Acs. da RL de 9/05/2019 (relator, Jorge Leal) e da RC de 21/05/2019 Barateiro Martins (relator), ambos acessíveis em www.dgsi.pt”] prevendo o legislador expressamente a prevalência dos créditos do ISS sobre os créditos do penhor (204º nº 2 da citada Lei 110/2009), e prevendo igualmente que o privilégio creditório mobiliário da SS se gradua após o privilégio creditório mobiliário dos trabalhadores [porque o primeiro nos termos do artigo 204º nº 1 da Lei 110/2009 é graduado nos termos da al. a) do artigo 747º do CC e o segundo é nos termos do artigo 333º do CT graduado antes do crédito referido no nº 1 do artigo 747º do CC] a compatibilização destas regras no caso de concurso das 3 espécies de créditos deram origem a várias correntes jurisprudenciais: “1ª.– Uma interpretação restritiva do art. 204.º/2 do CRCSPSS (…) segundo a qual tal preceito apenas seria aplicável no caso de estarem em confronto créditos da SS e créditos garantidos por penhor – cfr. Ac RG de 13 de Fevereiro de 2014, Ana Cristina Duarte (relatora). Para esta corrente, quando além dos créditos da Segurança Social concorram com o crédito pignoratício outros créditos dotados de privilégio mobiliário geral, maxime créditos por impostos, gera-se uma lacuna de colisão. Tal lacuna, defendem os seguidores desta linha de entendimento, deverá ser colmatada através da prevalência absoluta do crédito pignoratício, no confronto com os diversos créditos privilegiados, tendo em conta a natureza excecional que revestem as normas que conferem privilégios gerais - certo que, à margem da autonomia privada, afetam o princípio da igualdade dos credores -, a determinar que não possam ser aplicadas por analogia e que, quanto a elas, deva prevalecer o critério da sua interpretação restritiva. “Como tal, e tendo em consideração o princípio da proteção da confiança e da segurança do comércio jurídico (a que o Tribunal Constitucional, no seu acórdão n.º 363/02, de 17.09.2002, apelou para declarar inconstitucional as normas contidas nos arts. 2.º do Dec. Lei n.º 512/76, de 3 de Julho, e 11.º do Dec. Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, na interpretação segundo o qual o privilégio mobiliário geral neles conferido prefere à hipoteca), deve concluir-se que, no confronto entre o direito de crédito garantido por penhor e os direitos de créditos garantidos por privilégio mobiliário geral emergentes de contrato de trabalho, derivados de impostos da titularidade do Estado e das autarquias locais e da titularidade das instituições de segurança social derivados de taxa contributiva, a prevalência deve operar por essa ordem.” (acórdão da Relação de Coimbra, de 20.06.2017; acórdão da Relação do Porto, 11.9.2018, processo 1211/17.5T8AMT-E.P1; acórdão da Relação de Guimarães, 25.5.2017, processo 703/13.0T8MDL-K-G1; Relação de Évora, 05.11.2015, processo 284/14.7TBRMR-A.E1; Relação do Porto, 15.9.2011, CJ XXXVI, tomo IV, pp. 173 e ss; STJ, 22.4.1999, processo 98B1084; na doutrina, Salvador da Costa, O concurso de credores, 4.ª edição, Almedina, p. 275; António Carvalho Martins, Reclamação, Verificação e Graduação de Créditos, Coimbra Editora, p. 91, nota 126). 2ª– Para a segunda corrente, deverá dar-se prevalência ao crédito da segurança social, seguindo-se o crédito pignoratício e, finalmente, os outros créditos protegidos por privilégios mobiliários, nomeadamente os do Estado (Relação de Guimarães, 31.3.2016, processo 565/14.0T8VCT-B.G1; Relação de Coimbra, 11.12.2012, processo 241/11.5TBNLS-B.L1; Relação de Évora, 30.4.2015, processo 1277/13.7TBCTX-B.E1; STJ, 06.3.2003, processo 03B034). 3ª– Para a terceira corrente, os créditos do Estado serão pagos em primeiro lugar, a seguir o crédito da segurança social e, finalmente, o crédito pignoratício (neste sentido, o citado Ac RL e ainda os acórdão da Relação de Coimbra, 16.5.2000, CJ XXV, tomo III, pp. 9 e seguintes; STJ, 29.4.1999,, também consultável em www.dgsi.pt, embora com data de 20.04.1999, processo 99A200; STJ, 26.9.1995, BMJ 449, p. 339 e ss; STA, 22.3.1995, processo 013718; STA, 11.11.1992, processo 014274; sentença de José da Silva Paixão, 04.3.1985, CJ X, tomo I, p. 355 e ss; Parecer do Conselho Consultivo da PGR n.º 40/90, de 07.11, BMJ 415, pp. 55 e ss, também consultável em www.dgsi.pt; na doutrina, Rui Pinto, A Acão Executiva, AAFDL, 2018, p. 853).” Fazer depender a posição do crédito da SS – quando coexista crédito pignoratício - da circunstância de concorrerem à graduação outros créditos do Estado ou dos trabalhadores, caso em que seriam aplicáveis as regras gerais, é a crítica apontada à 1ª corrente e que se nos afigura válida porquanto e se aplicada redundaria em dar prevalência ao crédito pignoratício quando existe norma expressa a dar prevalência ao crédito da SS sobre o penhor. Por seu turno a 3ª corrente graduando os créditos do Estado à frente, seguido da SS e depois o penhor igualmente vai para além do propósito do legislador, para além de penalizar em demasia o credor pignoratício. Ao contrário a 2ª corrente que a decisão recorrida perfilhou e com a qual concordamos respeita a prevalência do privilégio do ISS sobre o penhor consagrado de forma expressa no atual artigo 204º nº 2 do CRCSPSS [Lei 110/2009 de 16/09], sem prejudicar em demasia a posição do beneficiário do penhor. Assim definida a prioridade de pagamento do crédito do ISS no confronto com um crédito garantido por penhor – prioridade imposta legalmente - surgem na realidade dúvidas sobre a graduação dos demais créditos concorrentes. Desde logo com os créditos do Estado e laborais no confronto com os créditos do ISS, atenta a preferência prevista no artigo 333º do CT. O privilégio mobiliário geral dos créditos do ISS é definido no artigo 204º nº 1 acima citado e a sua graduação estabelecida por remissão do artigo 204º nº 1 para artigo 747º nº 1 al. a) do CC – graduando-se nos termos desta alínea. Por seu turno o artigo 333º do CT estabelece que os créditos laborais gozam de privilégio mobiliário geral, sendo graduados [conforme nº 2 al. a) deste artigo] “antes do crédito referido no nº 1 do artigo 747º do Código Civil”[1]. A expressão “antes” poderia induzir a graduar o crédito laboral antes do crédito do ISS. Postergando então o penhor para o 3º lugar. Não parece ser esta a solução correta. No Ac. TRC de 21/05/2019, nº de processo 4705/17.9T8VIS-B.C1 in www.dgsi.pt foi analisada esta questão e justificada a solução encontrada como a mais coerente no confronto com as várias graduações bilaterais e trilaterais que dos vários preceitos legais chamados à colação resulta. Pela sua clareza, reproduzimos aqui parte de tal argumentação: «Num conflito “bilateral” entre créditos por impostos com privilégio mobiliário geral (referidos no art. 747.º/1/a) do C. Civil) e créditos laborais com privilégio mobiliário geral, estes são graduados antes dos créditos por impostos (cfr. art. 333.º/2/a) do C. Trabalho). Num conflito “bilateral” entre créditos da Segurança Social com privilégio mobiliário geral e créditos por impostos com privilégio mobiliário geral (referidos no art. 747.º/1/a) do C. Civil), estes são graduados antes dos créditos da Segurança Social (cfr. art. 204.º/1 do C. Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social” Então «num conflito “trilateral” entre créditos laborais com privilégio mobiliário geral, créditos por impostos com privilégio mobiliário geral e créditos da Segurança Social com privilégio mobiliário geral, a graduação é feita, sem qualquer dificuldade ou dúvida, pela ordem acabada de referir. E o mesmo acontece num conflito “trilateral” em que haja créditos laborais com privilégio mobiliário geral, créditos por impostos com privilégio mobiliário geral (mas não créditos da Segurança Social com privilégio mobiliário geral) e créditos garantidos por penhor. (…) Como é por todos (na doutrina e jurisprudência) referido, o privilégio mobiliário geral, não incidindo sobre coisa certa e determinada, mas sobre o património do devedor, não é um verdadeiro direito real, mas de crédito (que confere ao seu titular a prevalência sobre os credores comuns do devedor); ou seja, os privilégios creditórios mobiliários gerais são meras preferências de pagamento, incidindo sobre a generalidade dos bens móveis do devedor e assumindo a eficácia que lhes é própria aquando do ato da penhora. (…) E como o privilégio mobiliário geral não incide sobre bens determinados, não goza da sequela que é própria dos direitos reais de garantia e, em caso de conflito entre tal privilégio mobiliário geral e o direito real de gozo ou de garantia dum terceiro, oponível ao exequente, é o último que prevalece (cfr. art. 749.º do C. Civil, que se limita a resolver o conflito “bilateral” entre o privilégio geral e o direito real de gozo ou de garantia de terceiro). Assim, no confronto dum direito de crédito garantido por privilégio mobiliário geral e um direito de crédito garantido por penhor, é este que prevalece na ordem de graduação (cfr. art. 666.º/1 do C. Civil), ou seja, num conflito “trilateral” em que haja créditos garantidos por penhor, créditos laborais com privilégio mobiliário geral e créditos por impostos com privilégio mobiliário geral, a graduação é feita, sem qualquer dificuldade ou dúvida, pela ordem acabada de referir. Temos pois que no primeiro conflito “trilateral” enunciado o crédito da Seg. Social fica em 3.º (atrás dos Trabalhadores e do Estado) e que no 2.º conflito “trilateral” enunciado o crédito pignoratício fica em 1.º (à frente dos Trabalhadores e do Estado). Pelo que passando o conflito a “quadrilateral” – integrando um crédito pignoratício e créditos dos Trabalhadores, do Estado e da Seg. Social, todos com privilégio mobiliário geral – a graduação a ser feita, respeitando a natureza, características e o disposto no referido no art 749.º do C. Civil, parecia dever ser pela ordem acabada de referir (1.º penhor, 2.º Trabalhadores, 3.º Estado e 4.º Seg. Social). E dizemos “parecia dever ser” e não “deve ser”, em função do que se dispõe no art. 204.º/2 do CRCSPSS (idêntico ao anterior art. 10.º/2 do DL 103/80, de 09-05), segundo o qual o privilégio mobiliário geral da Seg. Social “prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior”. E não vislumbramos modo, num raciocínio linear, de conciliar o confronto entre tal art. 204.º/2 do CRCSPSS e os art. 333.º/2/a) do C. Trabalho, 204.º/1 do CRCSPSS e 749.º e 666.º, ambos do C. Civil. Em hipótese de conflito “quadrilateral”, para o crédito da S.S. (que goza de privilégio mobiliário geral) ficar à frente do crédito que goza de penhor, isso significa uma de duas coisas: ou ficam os créditos dos Trabalhadores e do Estado (que gozam de privilégio mobiliário geral) atrás do penhor e, então, ficam também atrás do crédito da SS (que goza de privilégio mobiliário geral), o que não respeita o que resulta dos art. 333.º/2/a) do C. Trabalho e 204.º/1 do CRCSPSS; ou ficam os créditos dos trabalhadores e do Estado (que gozam de privilégio mobiliário geral) à frente do crédito da SS (que goza de privilégio mobiliário geral), o que, ficando o penhor em 4.º e último, não respeita o que resulta dos arts. 749.º e 666.º do C. Civil. Pelo que passando o conflito a “quadrilateral” – integrando um crédito pignoratício e créditos dos Trabalhadores, do Estado e da Seg. Social, todos com privilégio mobiliário geral – a graduação a ser feita, respeitando a natureza, características e o disposto no referido no art 749.º do C. Civil, parecia dever ser pela ordem acabada de referir (1.º penhor, 2.º Trabalhadores, 3.º Estado e 4.º Seg. Social). E dizemos “parecia dever ser” e não “deve ser”, em função do que se dispõe no art. 204.º/2 do CRCSPSS (idêntico ao anterior art. 10.º/2 do DL 103/80, de 09-05), segundo o qual o privilégio mobiliário geral da Seg. Social “prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior”». Concluindo, em sentença de graduação de créditos na qual concorram na graduação créditos da SS, créditos garantidos por penhor, créditos dos trabalhadores e Estado, a graduação terá de respeitar a preferência consagrada legalmente do crédito da SS sobre o penhor e assim graduar em 1º lugar o crédito da SS; em segundo lugar o penhor; em 3º lugar os créditos dos trabalhadores e finalmente os créditos do Estado. Em suma o caminho seguido pela decisão recorrida. A qual assim não merece censura. *** IV. Decisão.Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente o recurso interposto, em consequência mantendo na integra o decidido pelo tribunal a quo. Custas pela recorrente. Porto, 2020-10-28 Fátima Andrade Eugénia Cunha Pedro Damião e Cunha [– voto de vencido: Votei vencido o Acórdão, uma vez que tinha elaborado enquanto Relator inicial do mesmo decisão no sentido de considerar que “os créditos garantidos por penhor, quando concorram com créditos dos trabalhadores, do Estado e da Segurança Social que gozam de privilégio mobiliário geral, devem ser graduados em primeiro lugar relativamente aos bens sobre os quais foi constituída aquela garantia especial”. A minha posição, que ficou vencida no Acórdão, fundamenta-se numa das correntes jurisprudenciais que vêm sendo afirmadas sobre a questão que era colocada no recurso, e cujos fundamentos se mostram explanados nos seguintes recentes acs. desta Relação do Porto: acs. da RP de 6.5.2010 Proc. 744/08.9TBVFR-E.PI (relator: Filipe Caroço), disponível in dgsi.pt, da RP de 11.9.2018 (relator: Vieira e Cunha), in Dgsi.pt e ac. da RP de 8.9.2020 - proc. Nº 3205/18.4T8STS-B.P1 (relator: Filipe Caroço) não publicado, mas a que tivemos acesso. No essencial, parte da ideia de que o legislador, contradizendo-se normativamente (no que respeita, já se disse, à situação de concurso entre créditos com penhor, créditos dos trabalhadores, do Estado e da Segurança Social que gozam de privilégio mobiliário geral) criou aquilo a que o Prof. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1995, pág. 196, chama "lacuna de colisão". Ora, nestas situações, importa preencher a lacuna resultante dessa colisão de normas legais com uma fórmula normativa materialmente coincidente “com a solução havida por mais condizente com o espirito do sistema jurídico”. Nessa sequência, fazendo esse esforço de preenchimento da lacuna (de colisão) que afirmamos existir, consideramos que a referida solução normativa, tendo em conta o princípio da proteção da confiança e da segurança do comércio jurídico, a ideia de que os privilégios mobiliários gerais não têm a mesma natureza, de direitos de garantia, que tem o penhor e que os privilégios creditórios em geral assumem natureza excecional, deve ser a de que quando os créditos garantidos por penhor concorram com créditos dos trabalhadores, do Estado e da Segurança Social que gozam de privilégio mobiliário geral, devem ser graduados em primeiro lugar relativamente aos bens sobre os quais foi constituída aquela garantia especial. Nesta conformidade, sem necessidade de mais alongadas considerações (até porque o voto de vencido deve fazer apenas sucinta menção das razões da discordância -art. 663º, nº1 do CPC, parte final), porque concordo com o que foi decidido nos citados Acórdãos teria proferido a seguinte decisão: teria julgado o Recurso interposto pela recorrente procedente, e, em consequência, teria decidido alterar a decisão recorrida no sentido de que o crédito pignoratício reclamado pela recorrente deveria, quanto ao produto da venda das ações sobre as quais recai o respetivo penhor, ser pago com preferência sobre os créditos reclamados pelo ISS, IP., passando, assim, a figurar no primeiro lugar da respetiva graduação.] _____________ [1] Artigo 747º nº 1 cujo teor aqui se reproduz: “1. Os créditos com privilégio mobiliário graduam-se pela ordem seguinte: a) Os créditos por impostos, pagando-se em primeiro lugar o Estado e só depois as autarquias locais; b) Os créditos por fornecimentos destinados à produção agrícola; c) Os créditos por dívidas de foros; d) Os créditos da vítima de um facto que dê lugar a responsabilidade civil; e) Os créditos do autor de obra intelectual; f) Os créditos com privilégio mobiliário geral, pela ordem segundo a qual são enumerados no artigo 737.º” |