Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||||||||||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||||||||||
Relator: | PAULO DUARTE TEIXEIRA | ||||||||||
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO DANOS NÃO PATRIMONIAIS DANOS FUTUROS RELATÓRIO PERICIAL PARECER MÉDICO | ||||||||||
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Nº do Documento: | RP2022102716392/19.5T8PRT.P1 | ||||||||||
Data do Acordão: | 10/27/2022 | ||||||||||
Votação: | UNANIMIDADE | ||||||||||
Texto Integral: | S | ||||||||||
Privacidade: | 1 | ||||||||||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||||||||||
Decisão: | ALTERADA | ||||||||||
Indicações Eventuais: | 3.ª SECÇÃO | ||||||||||
Área Temática: | . | ||||||||||
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Sumário: | I - Só assume a natureza de relatório pericial aquele que é realizado nos autos por um perito nomeado pelo tribunal. II - Existindo divergência entre um parecer médico (de uma testemunha) e um relatório pericial deve prevalecer este, por dar mais garantias de isenção, ser mais isento e convincente e analisar a situação mais recente. III - Num lesado com grau 3 de quantum doloris, 1 de dano estético, e uma diminuição de 7 em 100 para a actividade habitual, a quantia de trinta mil euros é adequada para indemnizar os danos não patrimoniais. IV - O dano da perda de ganhos futuros depende necessariamente do valor desses danos e nunca pode ser superior ao seu valor total. | ||||||||||
Reclamações: | |||||||||||
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Decisão Texto Integral: | Processo: 16392/19.5T8PRT Sumário: …………………………….. …………………………….. …………………………….. 1. Relatório AA, id a fls. 2 intenta a presente acção declarativa de condenação em processo comum contra: X..., Companhia de Seguros Y Reaseguros, S.A. - Sucursal em Portugal, pedindo que esta seja condenada a pagar, ao autor: a) a indemnização global líquida de 123.594,56€, acrescida de juros de mora vincendos, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação, até efetivo pagamento; b) a indemnização ilíquida que, por força dos factos alegados nos artigos 271.º a 281.º vier a ser fixada em decisão ulterior (artigo 564.º, n.º 2, do Código Civil) ou vier a ser liquidada em Incidente de Liquidação (artigos 358.º, n.os 1 e 2 e 609.º, n.º 2, e seguintes, do Código de Processo Civil). Para tal alegou, em suma, (309 artigos) ter sofrido um acidente de viação causado pelo segurado da ré, nesta cidade perto do Hotel B... que lhe causou os danos cuja indemnização pede. A seguradora contestou aceitando a culpa do seu segurado e discutindo os valores peticionados que considera exagerados. Saneado e instruído o processo, foi elaborada decisão que decidiu: condenar a ré a pagar: “ a) a quantia de €8.402,55 (oito mil quatrocentos e dois euros e cinquenta e cinco cêntimos), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora contados desde a data de citação e até efetivo pagamento, sendo devidos à taxa legal que em cada momento vigorar, através da portaria prevista no art. 559.º do Cód. Civ. b) a quantia de €40.000,00 (quarenta mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros contados desde a data da presente decisão (atualizadora) e até efetivo pagamento, sendo os juros devidos à taxa legal que em cada momento vigorar, através da portaria prevista no art. 559.º do Cód. Civ”. Inconformados ambas as partes interpuseram recurso, os quais foram admitidos como de apelação a subir imediatamente, nos próprios autos. * 2.1. Foram formuladas pela apelante X..., as seguintes conclusões* 2.2. AA, autor dos autos formulou as seguintes conclusões:1. No ponto 27 dos factos não provados deu-se como não provado que “O autor sofreu, sofre e vai continuar a sofrer, ao longo de toda a sua vida, os efeitos maléficos inerentes à ingestão e toma de medicamentos, nomeadamente anti-inflamatórios e antipiréticos.” 2. O Autor discorda do julgamento desse ponto da decisão da matéria de facto, por entender que o mesmo deveria ter sido dado como provado, com a seguinte redacção: “Provado apenas que o Autor vai carecer de ajudas medicamentosas futuras, traduzidas na necessidade permanente de recurso a medicação analgésica regular”. 3. O meio de prova que impunha a prolação de decisão diversa é o relatório pericial de avaliação do dano corporal, datado de 15/10/2020. 4. Daí que se requeira a V. Exa. se digne julgar procedente o recurso, com a consequente eliminação do ponto 27 dos factos não provados, o qual deverá ser dado como provado, com a seguinte redacção: “Provado apenas que o Autor vai carecer de ajudas medicamentosas futuras, traduzidas na necessidade permanente de recurso a medicação analgésica regular”. 5. A douta sentença recorrida violou, o art. 564.º, n.º 2 do Cód. Civil, pelo que deve ser revogada, na parte em que julgou improcedente a al. b) do petitório, e substituída, nessa parte, por Douto Acórdão que julgue integralmente procedente esse pedido, condenando a Ré a pagar ao Autor indemnização ilíquida, a liquidar em execução de sentença ou, caso assim se não entenda, a fixar em decisão ulterior, que contemple, pelo menos, as despesas que o Autor vier futuramente a contrair com medicação analgésica, para atenuação da dor causada pelas lesões e sequelas sofridas em consequência do sinistro dos autos – o que se requer. 6. A fixação da parcela indemnizatória pela perda de capacidade de ganho deveria considerar não só a retribuição auferida pelo Autor à data do acidente, como as perspectivas de progressão na carreira inerentes à profissão de contabilista, a qual, sendo uma carreira liberal no sector privado, não tem perspectivas de aumento salarial tão limitadas como noutras profissões, o que impunha a majoração do resultado obtido por recurso às fórmulas habituais, fixando-se a indemnização por perda de capacidade de ganho em montante não inferior a 30.000,00€, os quais, após dedução do valor pago no processo de acidente de trabalho (8.854,87€), se cifrariam no montante de 21.145,13€ (cfr. Ac. STJ de 26/01/2016, disponível em www.dgsi.pt). 7. A douta sentença recorrida violou, além de outras, as disposições dos arts. 496.º, n.º 1, 562.º e 564.º, n.º 1, do Cód. Civil, pelo que deve ser revogada, na parte em que condenou a Ré a pagar a quantia de €40.000,00€, a título de danos de natureza não patrimonial, e de 6.810,63€, a título de danos de natureza não patrimonial (perda de capacidade de ganho), e substituída por Douto Acórdão que condene a Ré a pagar ao Autor as quantias de 50.000,00€, a título de danos de natureza não patrimonial, e de 21.145,13€, a título de danos patrimoniais, pela perda de capacidade de ganho, mantendo-se as demais parcelas indemnizatórias fixadas na douta sentença recorrida. 8. Atendendo ao disposto no art. 562.º, n.º 1 do Cód. Civil e ao facto de inexistirem elementos nos autos que permitem quantificar o custo que apoio prestado por terceira pessoa poderia ter, em circunstâncias normais, sempre deveria o Tribunal recorrido, atento o disposto no art. 609.º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil, condenar a Ré a pagar ao Autor indemnização ilíquida, a liquidar em execução de sentença ou a fixar em decisão ulterior, de valor equivalente ao custo que, em circunstâncias normais, a prestação do apoio elencado no ponto 10 dos factos provados poderá ter. 9. Ao decidir em sentido inverso, a douta sentença recorrida violou as normas dos arts. 562.º, n.º 1 do Cód. Civil e 609.º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil, pelo que deve ser revogada, na parte em que julgou improcedente o pedido indemnizatório a título de despesas com terceira pessoa, e substituída, nessa parte, por Douto Acórdão que condene a Ré a pagar ao Autor indemnização ilíquida, a liquidar em execução de sentença ou a fixar em decisão ulterior, de valor equivalente ao custo que, em circunstâncias normais, a prestação do apoio elencado no ponto 10 dos factos provados poderá ter. * 2.3 A apelante/seguradora respondeu, nos seguintes termos:Assim sendo, em face da matéria de facto dada como provada, quanto à questão de direito, nenhum vício há a apontar à Douta Sentença em recurso, que teve a coragem de aplicar, LEGAL E CORRECTAMENTE, o direito à factualidade dada como provada, NO QUE TANGE À QUESTÃO COLOCADA EM CAUSA PELO DEMANDANTE. Deverão, assim, ser julgadas improcedentes todas as conclusões do recurso apresentado pelo demandante. * 3. Questões a decidir1. Determinar a procedência (ou não) do recurso sobre a matéria de facto 2. Determinar qual o quantum indemnizatório nos seguintes elementos: a) dano futuro resultante das ajudas medicamentosas (se necessário). b) montante do dano de perda de capacidade de ganho c) montante do dano não patrimonial (conforme pretendido por ambos os recursos). * 4. Recurso da matéria de factoPõe em causa o apelante/sinistrado a não comprovação do dano futuro relativo à necessidade de despender quantias em medicamentos. O relatório médico junto com a petição elaborado pelo Dr. BB afirma que “dependência de ajudas medicamentosas (analgésicos) nos períodos de crise”. No relatório efectuado pelo INML concluí que (em Dependências Permanentes de Ajudas): ▪ Ajudas medicamentosas (correspondem à necessidade permanente de recurso a medicação regular - ex: analgésicos, antiespasmódicos ou antiepilépticos, sem a qual a vítima não conseguirá ultrapassar as suas dificuldades em termos funcionais e nas situações da vida diária). Neste caso medicação analgésica de acordo com a prescrição do seu médico assistente). Ora, o tribunal a quo considerou não provado (facto provado nº 30, al c)[1] que (não vai) “vai necessitar de tomar medicamentos vários, nomeadamente anti-inflamatórios, além de outros, ao longo de toda a sua vida”. Deste modo, na realidade o tribunal a quo, não divergiu do relatório pericial, pois, este nenhuma menção faz aos medicamentos anti-inflamatórios e faz depender os analgésicos de decisão pontual (e eventual) do médico assistente. Logo, esse relatório não pode fundamentar o recurso da matéria de facto.[2] É certo que essa versão que o apelante pretende ver alterar consta do parecer médico privado elaborado a seu pedido e junto aos autos. Nessa medida esse parecer é distinto do relatório do IML. Neste caso estamos perante uma divergência entre um laudo pericial e um parecer médico privado. Logo, terá mais valor persuasivo o pericial, na medida em que é elaborado por uma equipa de técnicos especializados, isentos e que não foram remunerados isoladamente por uma das partes. Depois, essa perícia é mais recente, logo, mais conforme com o actual (e real) estado de saúde do autor. Por fim, a mesma parece ser até a mais conforme com a natureza da doença sofrida, e pelo decurso do tempo decorrido. Consideramos, pois, que o recurso de facto deve improceder, porque é contrariado pela perícia do IML realizado. * 5. Motivação factual 1 – No dia 1 de julho de 2016, pelas 20,10 horas, o motociclo de matrícula ..-CC-.., conduzido pelo autor, a este pertencente, circulava no sentido norte-sul pela metade direita da faixa de rodagem da rua do .... 2 – No mesmo dia, hora e local, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-UO encontrava-se estacionado sobre a metade direita da faixa de rodagem, tendo em conta o sentido sul-norte. 3 – O veículo ..-..-UO iniciou a sua marcha no sentido sul-norte e, de imediato, iniciou uma manobra de inversão de marcha, para passar a circular no sentido norte-sul. 4 – O veículo ..-..-UO invadiu a metade direita da faixa de rodagem da rua do ..., tendo em conta o sentido norte-sul, no momento em que o motociclo ..-CC-.., em aproximação, se encontrava a uma distância não superior a dois metros. 5 – O condutor do motociclo ..-CC-.. travou de imediato e a fundo, guinando[3] o motociclo para o seu lado direito, tentando evitar o embate, o que não conseguiu. 6 – Por efeito do embate, o autor foi projetado caindo desamparado no pavimento. 7 – A ré, enquanto seguradora, declarou assumir o risco da ocorrência de sinistros causados pelo veículo de matrícula ..-..-UO, nos termos constantes do documento intitulado apólice n.º ..., suportando a indemnização eventualmente devida a terceiros lesados. 8 – Em resultado do sinistro referido: a) Durante 11 dias, o(a) autor(a) viu totalmente condicionada a sua autonomia na realização dos atos correntes da vida diária, familiar e social, como alimentar-se e fazer a sua higiene pessoal; b) Durante 231 dias, o(a) autor(a) viu parcialmente condicionada a sua autonomia na realização dos atos correntes da vida diária, familiar e social, como alimentar-se e fazer a sua higiene pessoal; c) Durante 137 dias, o(a) autor(a) viu totalmente condicionada a sua autonomia na realização dos atos inerentes à sua atividade profissional; d) Durante 72 dias, o(a) autor(a) viu totalmente condicionada a sua autonomia na realização dos atos inerentes à sua atividade profissional; e) O(A) autor(a) sofreu dor quantificável num grau 3, numa escala até 7 (quantum doloris); f) O(A) autor(a) ficou definitivamente afetado na sua integridade física e psíquica, com repercussão nas atividades da vida diária, incluindo familiares e sociais, num grau 7, numa escala até 100; g) O(A) autor(a) sofreu uma afetação da sua aparência (imagem estética) num grau 1, numa escala até 7; h) O autor viu limitada a sua capacidade para realizar atividades desportivas e de lazer num grau 1, numa escala até 7; i) A consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo(a) autor(a) ocorreu em 27 de fevereiro de 2017. 9 – Após o sinistro, e em consequência deste ou dos tratamentos das lesões dele decorrentes, o(a) autor(a): a) em 1 de julho de 2016, foi admitida no serviço de urgência do Hospital 1...; b) nesta data, apresentava/sofria de: i) rutura praticamente completa e total do supraespinhoso; ii) na vertente lateral da articulação coxofemoral esquerda tumefação correspondendo a infiltração hemorrágica predominantemente intersticial subcutânea sugerindo citoesteatonecrose; iii) músculo subescapular com aspeto sugestivo de tendinopatia calcificante, com pelo menos um foco de calcificação medindo 8mm; iv) adjacente à espinha da omoplata direita (adjacente ao osso) pequeno hematoma com cerca de 24x7 mm; v) dor no ombro esquerdo com impotência funcional; vi) fratura oblíqua da clavícula esquerda; vii) fratura do arco póstero-lateral das 3.ª e 4.ª costelas direitas; viii) fina câmara de pneumotórax direito; ix) atelectasia subsegmentar da base do pulmão direito; c) no Hospital 1...: i) realizou TAC cerebral, raio-X e ecografia; ii) foi medicado com analgésicos d) em 2 de julho de 2016, teve alta do Hospital 1...; e) compareceu a consulta externa de ortopedia no Hospital 1... em 18 de julho de 2016, 25 de julho de 2016, 18 de janeiro de 2017 e 23 de março de 2017, recebendo alta nesta última consulta, após realizar RM; f) compareceu a consulta externa de Medicina Física e de Reabilitação no Hospital 1... em 22 de fevereiro de 2017, recebendo alta; g) realizou TAC torácico em 6 de julho de 2016, TAC-CE em 6 de julho de 2016, RMN do ombro esquerdo em 6 de julho de 2016, RM da coluna lombar em 20 de julho de 2016, ecografia da coxa esquerda em 19 de janeiro de 2017, TAC da clavícula em 16 de fevereiro de 2017; h) compareceu a 18 consultas na Casa de Saúde ...; i) esteve internado cinco dias na Casa de Saúde ...; j) compareceu a cinco consultas de fisiatria na Clínica ...; k) efetuou 66 sessões de fisioterapia na Clínica ...; l) apresenta permanentemente: i) tumefação com cerca de 10 cm de diâmetro na face lateral da anca esquerda, de consistência elástica á palpação profunda; ii) necessidade de toma de medicação analgésica de acordo com a prescrição do seu médico assistente; m) sente: i) dor à palpação profunda da face anterior do hemitórax; ii) dor no terço médio da região clavicular nos arcos finais da abdução do ombro esquerdo; iii) dor à palpação profunda da anca esquerda. 10 – Após o internamento na Casa de Saúde ... (ocorrido entre 7 e 11 de julho de 2016), o autor regressou à sua casa de habitação, sita no Porto, tendo tido o auxílio voluntário de uma pessoa próxima para a confeção das refeições e atos de higiene pessoal, durante cerca de 15 dias. 11 – (A) autor(a) nasceu em .../.../1965. 12 – Na data do acidente, o autor era um homem saudável. 13 – As sequelas descritas obrigam a esforços suplementares do autor no exercício da sua atividade profissional habitual. 14 – No momento do acidente, o autor sentiu-se assustado e receou pela sua vida. 15 – Na data do acidente, o autor praticava atividade lúdica de condução “todo terreno”. 16 – O sinistro, os tratamentos a que foi sujeito(a) e as sequelas físicas por aquele provocadas causaram e causam desgosto ao(à) autor(a). 17 – O autor exerce a profissão de Contabilista Certificado, Técnico Oficial de Contas. 18 – Na data do acidente, o autor auferia a remuneração líquida mensal de € 557,10. 19 – Em resultado das sequelas sofridas com o acidente, ao autor foi fixada na jurisdição laboral uma incapacidade parcial permanente para o trabalho de 12,9231%. 20 – Por causa do acidente, o autor suportou as seguintes despesas:
22 – O autor recebeu da L..., S.A., a título de incapacidade parcial permanente para o trabalho, a quantia de €8.854,87. 23 – A ré liquidou ao autor a quantia de 4.230,00€, relativa ao valor do motociclo ..-CC-... * 6. Motivação JurídicaEstá em causa, nos presentes autos, a fixação da indemnização em termos de danos não patrimoniais e de perda de capacidade de ganho. Cada uma das partes defende o seu aumento (apelante) ou a sua diminuição (Apelada seguradora). Iremos, pois, abordar estas questão de forma unitária. * 1. Do dano não patrimonialA sentença recorrida fixou esse valor em 40.000,00 pretendendo a apelante que o mesmo seja reduzido para 25 mil e o apelante que este seja “aumentado” para 50 mil euros. Vejamos. Os danos não patrimoniais indemnizáveis são aqueles que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito (art. 496º nº 1 do CCivil). Estes destinam-se a permitir que, com essa quantia monetária, o lesado encontre compensação para a dor, a fim de restabelecer um desequilíbrio no âmbito da felicidade humana, o que impõe que o seu montante deva ser proporcional à gravidade do dano, ponderando-se, para tal, conforme assente entre nós “as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e do criterioso sopesar das realidades da vida”, em conformidade com o preceituado no nº 3 daquele art. 496º do CCivil. Essa norma ao consagrar a equidade previu uma cláusula geral, aberta e indeterminada, que pressupõe uma liberdade concretizadora e interpretativa do aplicador da lei, mas que exige limites operativos concretos, mediante os quais exista uma adequação dos interesses individuais, mas também um respeito dos interesses gerais garantindo a aplicação uniforme do direito. No fundo, aquilo que distingue a equidade da simples aplicação da lei ao caso concreto é uma diferença de grau e não de metodologia ou mecanismos operativos.[4] Para balizar essa operação existem indicações sistemáticas que são essenciais. Os primeiros decorrem do art. 494º, do CC., que se limita a enunciar: o montante dos danos causados; as circunstâncias do caso concreto; o grau de culpabilidade do agente e a situação económica do lesado, que no caso não releva. Importante será também os casos análogos nacionais por forma a ser obtida uma aplicação o mais uniforme possível do direito. Pois, como salienta o Ac do STJ de 11.5.22, nº 3028/17.8T8LRA.C1.S1 (Jorge Dias): “na indemnização por danos não patrimoniais devem ser observados os padrões de indemnização seguidos pela prática jurisprudencial, procurando - até por uma questão de justiça relativa - uma aplicação tendencialmente uniformizadora ainda que evolutiva do direito”. In casu o quantum doloris é de 3; O dano estético de 1; E o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 7 pontos. Nesta medida, por exemplo: O Ac da Rc de 21.1.2020, nº 5370/17.9T8VIS.C1 (Alberto Ruço) decidiu, tendo em consideração o quantum doloris de grau 5, numa escala de 7 graus de gravidade crescente, correspondente ao sofrimento físico e psíquico padecido pela autora durante o período de incapacidade temporária, e a prática jurisprudencial, é adequado atribuir-lhe uma indemnização de €20.000,00 por danos não patrimoniais. No Ac da RC de 12-02-2019, n.º 1209/16.0T8CBR (Vitor Amaral), foi atribuída uma indemnização de €22.000,00 euros a uma idosa com o quantum doloris de 5. E no recente Ac da RP de 4.4.2022, nº 542/19.4T8PVZ.P1 (Damião da Cunha) foi decidido que “a quantia de 22.500€ (vinte e dois mil quinhentos euros) mostra-se proporcionalmente ajustada a compensar os danos não patrimoniais sofridos pelo lesado, que tinha, à data do acidente, 27 anos de idade e sofreu um quadro lesivo caracterizado por um défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 10 pontos (em 100), um quantum doloris fixado no grau 4, um dano estético no grau 3, sequelas compatíveis com o exercício da actividade profissional habitual de pintor da construção civil, mas que implicam a necessidade de esforços acrescidos e limitações na prática de desporto que anteriormente ao acidente praticava”. O recente Ac da RP de 11.1.22, nº 1017/19.7T8PVZ.P1 (Ramos Lopes): Entende-se ponderado, justo, equilibrado, adequado e conforme aos padrões jurisprudenciais atendíveis o valor indemnizatório de quinze mil euros (15.000,00€) para compensar o dano não patrimonial do lesado que padeceu lesões cujas sequelas definitivas se objectivam num défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2 pontos, padecendo dum quantum doloris quantificado no terceiro grau duma escala ascendente com sete graus de gravidade, de prejuízo de afirmação pessoal quantificado no grau 1 na vertente do relacionamento sexual e de grau 2 no âmbito do lazer, em perda de autoestima e de qualidade de vida”. Num caso semelhante o já antigo, mas ainda actual, AC do STJ de 25.3.2004, consultado in cadernos do STJ[5], decidiu “É adequada, segundo um juízo de equidade, a fixação da indemnização por danos não patrimoniais no montante de €24.939,89 à vítima de fractura do fémur e de outros dos ossos da perna (…) e que ficou com inúmeras cicatrizes, diminuição da força muscular da perna esquerda e rigidez articular, dores na perna e pé esquerdos no início da marcha, ausência neles de força muscular, insegurança e receio constantes na marcha, dificuldade de conduzir viaturas e de subir para os veículos de transporte, dependência parcial (…). Deste modo, tem inteira razão a apelante ao indicar que o valor de 25 mil euros é o mais indicado para indemnizar situações semelhantes. Mas, o caso concreto demonstra ainda as seguintes particularidades: O lesado ficou durante 231 dias com autonomia reduzida, sendo 11 dias totalmente dependente. Sofreu com a eclosão do embate. Depois o autor viu limitada a sua capacidade para realizar atividades desportivas e de lazer num grau 1, numa escala até 7, sendo que compareceu a 18 consultas e, além do mais, efetuou 66 sessões de fisioterapia na Clínica .... Ora, o conjunto destas circunstâncias particulares implica a existência de danos não patrimoniais relevantes que aumentam necessariamente o valor da indemnização. Deste modo, considera-se suficiente e proporcional fixar o valor da indemnização devida ao lesado, pela eclosão de danos não patrimoniais em 30.000,00 euros (trinta mil euros). * 2. Da fixação da parcela indemnizatória pela perda de capacidade de ganho Pretende o apelante que esta seja aumentada para trinta mil euros, na medida em que “fixação da parcela indemnizatória pela perda de capacidade de ganho deveria considerar não só a retribuição auferida pelo Autor à data do acidente, como as perspectivas de progressão na carreira inerentes à profissão de contabilista, a qual, sendo uma carreira liberal no sector privado, não tem perspectivas de aumento salarial tão limitadas como noutras profissões, o que impunha a majoração do resultado obtido por recurso às fórmulas habituais, fixando-se a indemnização por perda de capacidade de ganho em montante não inferior a 30.000,00€, os quais, após dedução do valor pago no processo de acidente de trabalho (8.854,87€) “. Note-se que dos factos provados neste caso está demonstrado que inexiste qualquer afetação da capacidade de ganho, apenas o autor terá maior dificuldade em efectuar a sua actividade. Depois, as perspetivas de promoção do autor são algo relevante mas que deveria ter sido devidamente alegado e provado, já que, nada consta dos factos provados (além do facto de o autor ter nascido em 1965 e como tal ter hoje já 57 anos). Teremos, ainda, de notar que nessa dimensão o dano também deve ser fixado segundo juízos de equidade (art. 566.º, n.º 3, do CC), em função de vários factores, entre os quais: (i) a idade do lesado; (ii) o seu grau de incapacidade geral permanente; (iii) as suas potencialidades de aumento de ganho em profissão ou actividade económica alternativa, aferidas, em regra pelas suas qualificações; e (iv) todos os restantes que relevem casuisticamente, nomeadamente a sua profissão. Ora, nenhum elemento factual permite por em causa a decisão do tribunal que fixou essa indemnização em 15 mil euros. Note-se que o período de tempo da carreira previsível é de apenas cerca de 10 anos e que a dimensão do dano radica numa afectação de 7 em 100. E que o autor auferia a remuneração mensal de 557 euros. Logo a quantia total (aumentada para o actual valor do salário mínimo nacional) a auferir durante 10 anos x a percentagem da lesão, atinge um valor de aproximadamente 6860 euros[6]. Parece por isso seguro que a fixação desse dano em 15 mil euros é já demasiado generosa para poder ser aumentada. Acresce que a nossa jurisprudência além de admitir a ressarcibilidade desta verba tem fixado os seguintes valores, em casos análogos e mais recentes entre 8 mil a várias dezenas de milhar de euros dependo, quer do pedido concreto formulado em cada processo e do grau de afectação causado[7]. Pelo exposto, face à factualidade provada e tendo em conta os critérios legais julga-se que o montante fixado não pode ser alterado. Consideram-se prejudicadas as restantes questões[8]. * 7. DecisãoPelo exposto este tribunal julga a presente apelação da ré seguradora parcialmente procedente e, por via disso, fixa o valor da indemnização por danos não patrimoniais em trinta mil euros, acrescida de juros nos termos determinados. Julga a apelação interposta pelo autor improcedente por não provada e, por via disso, mantém, na parte restante, a douta decisão recorrida. Custas a cargo do apelante porque decaiu totalmente. Custas da apelação da apelante seguradora a seu cargo na proporção do seu decaimento que se fixa em 1/3 (diferença do valor pedido, para o valor atribuído na 1º instância, face ao valor fixado). ** Porto, 27.10.2022.Paulo Duarte Teixeira António Carneiro da Silva Isabel Ferreira ___________________ [1] E não 27 como por lapso de escrita se menciona. [2] Note-se que a redacção proposta pelo apelante é “Provado apenas que o Autor vai carecer de ajudas medicamentosas futuras, traduzidas na necessidade permanente de recurso a medicação analgésica regular”. [3] Lapso de escrita que se corrige. [4] Menezes Cordeiro, A Decisão segundo a Equidade, O Direito, 122º, 261 e segs. “o recurso à equidade tem em vista estimular a flexibilidade e a ampla compreensão da situação, subtraindo o julgador a princípios puros e rigorosos de carácter normativo”. [5] https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2017/10/cadernodanosnaopatrimoniais-2004-2012.pdf [6] Usando um valor de 700 euros para o smn x 14 meses x 10 anos x 0,07 (Incapacidade) atingimos um valor de 6860 que mesmo aumentado por várias promoções nunca atingiria a quantia pedida. [7] Ac do STJ de 19.9.2019 nº 2706/17.6T8BRG.G1.S1: “Tendo em conta que o recorrente: (i) ficou afetado com um défice funcional permanente de 32 pontos, que o impede de exercer a sua profissão habitual de serralheiro mecânico, bem como qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional; (ii) contava com 45 anos à data do acidente; (iii) auferia um rendimento mensal ilíquido de €788,00, à data do acidente, que subiu cerca de dois meses depois para €816,00, acrescido de €80,00 de subsidio de alimentação; afigura-se ser acertado o montante indemnizatório de €200.000,00. Ac. Do STJ de 29.10.2019 7614/15.2T8GMR.G1.S1: “ Numa situação em que ao lesado, com 34 anos, foi atribuído um défice funcional de 16 pontos por força das lesões sofridas, sem rebate profissional mas com a subsequente sobrecarga de esforço no desempenho regular da sua atividade profissional (vendedor e empresário de materiais de construção civil e produtos agrícolas), afigura-se ajustado o montante de €36.000,00 para indemnizar tal dano futuro. Ac do STJ de 30.5.2019 3710/12.6TJVNF.G1.S1: “o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 14 pontos, compatível com o desenvolvimento de actividade profissional mas a implicar esforços acrescidos), o salário médio mensal dos trabalhadores por conta de outrem com formação média (dado que na altura do acidente, a vítima era estudante, não tendo ainda ingressado no mercado de trabalho) e a esperança média de vida das mulheres (e não apenas a esperança de vida activa), sem que tais critérios se afastem dos habitualmente usados pelo STJ em casos semelhantes, não merece censura o valor de €80.000,00. Ac do STJ de 25.5.2017 n 2028/12.9TBVCT.G1.S1: “ Resultando da factualidade provada que o autor: (i) tinha 41 anos à data do acidente; (ii) ficou a padecer de Défice Funcional Permanente da Integridade Físico Psíquica fixado em 29 pontos afigura-se justo e adequado fixar, a partir da data da consolidação médico-legal das lesões, em €170.000 a indemnização por perda geral de ganho/dano biológico”. Ac do STJ de 6.10.2016 nº 1043/12.7TBPTL.G1.S1: “tem direito a ser indemnizado pela incapacidade traduzida na diminuição da sua condição física, que, como tal, representa um dano específico e autonomamente indemnizável, assente na penosidade adveniente da diminuição de capacidades e do maior esforço físico que terá que desenvolver, na sua vida diária, que, atenta a sua idade (35 anos à data do acidente) e o grau de incapacidade (07 pontos) se computa «ex aequo et bono» em 10.000,00€uros”. Ac do STJ de 19.2.2015, nº 99/12.7TCGMR.G1.S1: “O dano biológico consubstancia uma violação da integridade físico-psíquica de uma pessoa, com tradução médico-legal, sendo que, estando em causa a incapacidade para o trabalho, o mesmo existe haja ou não perda efectiva de proventos laborais. I - Resultando dos autos apenas que em virtude das sequelas das lesões provocadas no acidente o autor passou a ter que empregar “esforços suplementares”, resta recorrer à equidade para determinar o quantum indemnizatório afigurando-se adequado o montante fixado pela Relação de €25.000. Ac do STJ de 26.1.2017 1862/13.7TBGDM.P1.S1: Tendo ficado provado que, em consequência das lesões sofridas em virtude do acidente de viação de que foi vítima, a lesada: (i) ficou com dores diárias na coluna cervical e na cabeça; (ii) devido às dores, tem dificuldade em dormir, andar, sentar-se, curvar-se, pegar em objetos; o exercício da sua atividade profissional (cabeleira) é possível, mas implica esforços suplementares, o que lhe importa uma incapacidade de 2,7%; (vi) ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 13 pontos; (…) deve ser fixada em €70.000. Ac da RE de 25.1.2018: Resultando provado que o autor contava 40 anos de idade à data do acidente e que em virtude das lesões sofridas ficou a padecer de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 3, sendo as sequelas compatíveis com a sua atividade profissional, mas implicando algumas restrições à realização dos atos normais da vida corrente, familiar e social e são causa de sofrimento, considera-se justa e equitativa a atribuição da indemnização de €10.000 euros”. [8] Quanto ao valor relativo ao auxílio de terceiro, resulta dos factos não provados, que inexiste factualidade provada relativa ao mesmo. |