Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0553269
Nº Convencional: JTRP00039638
Relator: JORGE VILAÇA
Descritores: CRÉDITO
REGISTO DE MARCA
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
PENHOR MERCANTIL
PRIVILÉGIOS
Nº do Documento: RP200610230553269
Data do Acordão: 10/23/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA A SENTENÇA.
Indicações Eventuais: LIVRO 276 - FLS 181.
Área Temática: .
Sumário: Os créditos dos trabalhadores de sociedade falida, por salários em atraso, devem ser graduados preferentemente aos créditos garantidos por penhor mercantil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I

Relatório

1 – B……….,
2 – C……….,
3 – D………. e
4 – E……….
Reclamaram a verificação dos seus créditos no processo de falência que corre pelo .º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Oliveira de Azeméis referente a:
F……….
Alegando, em suma, que trabalharam para a falida e esta não lhes pagou retribuições no montante global de € 29.345,31.

Foi proferida sentença que reconheceu créditos dos referidos reclamantes, graduando-os em 2º lugar, depois de um crédito garantido com penhor mercantil.

Não se conformando com aquela sentença, dela recorreram os reclamantes supra identificados, formulando as seguintes “CONCLUSÕES”:
1ª - O objecto do presente recurso situa-se unicamente na discordância que os recorrentes, ex-trabalhadores da falida, manifestam quanto à forma como os seus créditos, reclamados e verificados, foram graduados na sentença do que ora se recorre;
2ª - E é na graduação relativamente aos bens móveis objecto de penhor mercantil que se situa a discordância dos recorrentes, pois que já quanto à graduação relativamente aos restantes bens móveis, nenhum reparo há a fazer;
3ª - A decisão plasmada na sentença do Tribunal "a quo", quando dá preferência aos créditos garantidos por penhor mercantil em detrimento dos créditos laborais (créditos dotados de privilégio mobiliário geral e imobiliário geral), para além de não assentar em qualquer fundamentação legal, é manifestamente contrária às posições que têm vindo a ser tomadas pela esmagadora maioria da Jurisprudência;
4ª - A sentença ora recorrida deverá, no que àquela matéria diz respeito, ser revogada, no sentido de serem graduados em primeiro lugar os créditos laborais;
5ª - As questões concretas suscitadas pelo comércio jurídico não devem ser resolvidas no plano etéreo dos conceitos e princípios doutrinais mas, antes, devem encontrar a sua solução no conteúdo da lei, sendo esta a principal fonte do Direito;
6ª - O legislador, no art. 12 da Lei 17/86 e no art. 4° da Lei 96/01, pretendeu, no primeiro dos normativos referidos, definir as garantias que assistem aos créditos laborais resultantes da rescisão no contrato de trabalho efectuado nos termos previstos em tal lei e, no que segundo dos normativos, aos créditos laborais emergentes de contrato de trabalho ou da sua violação não abrangidos pela Lei 17/86;
7ª - Foi igualmente pretensão do legislador, em qualquer um dos casos, estabelecer os critérios especiais de graduação de tais créditos em relação aos restantes créditos privilegiados;
8ª - Na realização de tal desidrato, o legislador dotou os referidos créditos laborais de um privilégio mobiliário geral e de um privilégio imobiliário geral, preceituando de seguida que a forma de graduação de tais créditos;
9ª - Os privilégios creditórios encontram-se definidos no art.º 733° do Código Civil, consistindo na "faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente do registo, de serem pagos com preferência a outros";
10ª - Consoante a natureza dos bens sobre que incide, o privilégio creditório será mobiliário ou imobiliário (art.º 735 do Código Civil);
11ª - O art.º 735° do C.C. de 1966 estabelece que os privilégios imobiliários seriam sempre especiais. Posteriormente à data do início da vigência do Código Civil foram criados, por via legislativa, uma série de excepções a este princípio, instituindo-se a figura do privilégio imobiliário geral. Como exemplos de excepções à norma constante do art.º 735, n.º 3 do C.C. temos o art.º 12 da Lei 17/86 e o art.º 4° da Lei 96/01 (caso dos privilégios concedidos a créditos emergentes de contrato de trabalho ou da sua violação) e as contribuições em dívida à Segurança Social;
12ª - Os privilégios imobiliários serão gerais quando abranjam o valor de todos os bens imóveis existentes no património do devedor à data da penhora ou de acto equivalente. Tal como adverte Almeida Costa, de uma forma particularmente certeira, "trata-se de soluções anómalas na geometria dos conceitos, mas que razões práticas poderão justificar" (cfr. Direito das Obrigações, 5.ª edição, p.816, nota 4);
13ª - Já os privilégios mobiliários, de acordo com o plasmado no C. Civil, podem ser gerais e especiais: gerais se abrangem o valor de todos os bens móveis do devedor existentes no seu património e especiais se apenas abrangem certos bens móveis (art.º 735º C.C.);
14ª - Na origem da elaboração e publicação das Leis 17/86 e 96/01 estiveram as chocantes circunstâncias sociais, cada vez mais actuais, resultantes das inúmeras situações de retribuições em atraso e de violação dos contratos de trabalho;
15ª - Com a publicação das referidas leis pretendeu-se dotar os trabalhadores de um instrumento que lhes permitisse solucionar a crise contratual originada pela existência de retribuições em atraso e pela existência dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação;
16ª - Como reforço desta ideia de protecção do trabalhador credor da entidade patronal, o legislador atribuiu aos seus créditos um privilégio geral;
17ª - O legislador criou um mecanismo que, embora "anómalo na geometria dos conceitos" permite, na prática, que os trabalhadores surjam na primeira linha de credores a serem pagos pelas respectivas entidades patronais;
18ª - A regulamentação do art.º 12 da lei 17/86 e do art.º 4º da lei 96/01 assegura claramente a prevalência dos créditos dos trabalhadores em relação aos restantes credores;
19ª - Não obstante o preceituado no art.º 666º do C.C., o certo é que tal regra, cede, porém perante certas situações de privilégio mobiliário geral, como é o caso dos créditos laborais dos ora recorrentes;
20ª - "III – Estando em causa direitos fundamentais colidentes, como sejam o princípio de confiança, ínsito no estado de direito, e o direito ao salário, representando este um valor mais relevante que aqueloutro, por contender com o indeclinável direito a uma vida digna e ter, mais que natureza patrimonial, uma insofismável natureza alimentar, visando a subsistência pessoal, é este que deve prevalecer, numa hierarquia de normas constitucionais. IV – Gozando os créditos laborais, em sentido amplo, de privilégio imobiliário geral e especial, prevalecem sobre os créditos garantidos, quer por hipoteca voluntária, quer, sobre os garantidos por penhor mercantil, em consideração da prevalência daqueles créditos, como direitos fundamentais que reclamam tutela superior, sobre créditos de expressão puramente pecuniária" – Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08.11.2004, in www.dgsi.pt;
21ª - O mesmo princípio terá de aplicar-se ao confronto entre o privilégio mobiliário geral (resultantes dos créditos laborais) e o penhor mercantil, tudo não obstante este ser uma causa legítima de preferência (art.º 604º do C.C.), mas apenas em relação aos créditos que não gozem de qualquer privilégio mobiliário;
22ª - Esta forma de graduação dos créditos, revela que há interesse político-social em possibilitar que os trabalhadores vejam aumentadas as suas chances de virem a receber o que lhes é devido. Esta é a única interpretação que conduz a que o pagamento e a satisfação dos créditos verificados obedeça à ordem da sua graduação;
23ª - A seguir-se a interpretação plasmada na sentença recorrida, estaríamos a dar origem a um sem número de soluções verdadeiramente absurdas e totalmente incompreensíveis pelos cidadãos – e é para eles que a justiça deverá ser dirigida;
24ª - De tudo o que se deixou exposto não pode senão concluir-se que a sentença de graduação de créditos ora recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que gradue, em primeiro lugar, os créditos dos ora recorrentes, ou seja, os créditos emergentes de contrato individual de trabalho;
25ª - Ao não decidir em conformidade, o Meritíssimo Juiz do Tribunal "a quo" está a violar as seguintes normas: o art.º 12º da Lei 17/86, o art.º 4º da Lei 96/01, o art.º 737º e art.º 747º do Código Civil.

O reclamante G………., cujo crédito foi graduado em primeiro lugar, veio apresentar contra-alegações, propugnando a manutenção da sentença recorrida.
II

- FACTOS
Na sentença recorrida foram considerados assentes os seguintes factos:
a) A falida deve B………. (trb) (reclama a fls. 131 a 133 do apenso A) um crédito global no valor de 8.878,89 euros, proveniente de:
- férias vencidas em 01.01.03, no valor de 231,44 euros;
- salário 10/03, no valor de 455,64 euros;
- salário 11/03, no valor de 455,64 euros;
- salário 12/03, no valor de 168,32 euros;
- proporcionais, no valor de 1.323,88 euros;
- indemnização por antiguidade, no valor de 6.834,60 euros;
- pagamento efectuado em 19.12.03, no valor de 590,63 euros;
b) A falida deve C………. (trb) (reclama a fls. 131 a 133 do apenso A) um crédito global no valor de 4.778,13 euros, proveniente de:
- férias vencidas em 01.01,03, no valor de 231,44 euros;
- salário 10/03, no valor de 455,64 euros;
- salário 11/03, no valor de 455,64 euros;
- salário 12/03, no valor de 168,32 euros;
- proporcionais, no valor de 1.323,88 euros;
- indemnização por antiguidade, no valor de 2.733,84 euros;
- pagamento efectuado em 19.12.03, no valor de 590,63 euros;
c) A falida deve a D………. (trb) (reclama a fls. 131 a 133 do apenso A) o crédito global no valor de 11.265 euros, proveniente de:
- férias vencidas em 01.01,03, no valor de 132,16 euros;
- salário 10/03, no valor de 408,50 euros;
- salário 11/03, no valor de 408,50 euros;
- salário 12/03, no valor de 151,04 euros;
- proporcionais, no valor de 1.189,20 euros;
- indemnização por antiguidade, no valor de 9.395,50 euros;
- pagamento efectuado em 19.12.03, no valor de 419,10 euros;
d) A falida deve a E………. ( trb) ( reclama a fls. 131 a 133 do apenso A) o crédito global no valor de 4.322,49 euros, proveniente de:
- férias vencidas em 01.01.03, no valor de 231,44 euros;
- salário 10/03, no valor de 455,64 euros;
- salário 11/03, no valor de 455,64 euros;
- salário 12/03, no valor de 168,32 euros;
- proporcionais, no valor de 1.323,88 euros;
- indemnização por antiguidade, no valor de 2.278,20 euros;
- pagamento efectuado em 19.12.03, no valor de -590,63 euros;
e) A falida deve a G………. (reclama no processo a fls. 35 a 41, 75 a 79 do apenso A) um crédito global no valor de 76.652,05 euros, proveniente de:
- adiantamentos para posterior compensação - PENHOR MERCANTIL, no valor de 75.000,00 euros;
- respectivos juros de mora - PENHOR MERCANTIL, no valor de 1.652,05 euros;
f) A falida deve a H………. (reclamado no processo a fls. 85 a 90 do apenso A) um crédito global no valor de 15.650,59 euros, proveniente de:
-letra aceite pela falida vencida e não paga, no valor de 4.000,00 euros;
- fornecimentos diversos vencidos e não pagos, no valor de 11.650,59 euros;
g) A falida deve ao credor I………. (reclamado no processo a fls. 125 a 126 do apenso A) um crédito global no valor de 1.656,95 euros, proveniente de:
- letra sacada pela falida vencida e não paga, no valor de 1.600,00 euros;
- respectivos juros de mora, no valor de 56,95 euros;
h) A falida deve ao J………. (reclamado no processo a fls. 25 a 29, 42 a 46 do apenso A) um crédito global no valor de 1.200,00 euros, proveniente de:
- livrança subscrita pela falida vencida e não paga, no valor de 1.200,00 euros;
i) A falida deve ao credor C. D. SEGURANÇA SOCIAL - AVEIRO (reclamado no processo a fls. 134 a 141 do apenso A) um crédito global no valor de 2.829,50 euros, proveniente de:
- Contribuições em dívida 05/98 a 12/02, no valor de 1.955,52 euros;
- respectivos juros de mora até 05/04, no valor de 873,98 euros;
j) A falida deve à L………. (reclamado no processo a fls. 80 a 84 do apenso A) um crédito global no valor de 5.131,61 euros, proveniente de:
- injunção …/03, no valor de 4.857,51 euros;
- respectivos juros de mora, no valor de 208,95 euros;
- respectivos juros vencidos, no valor de 65,15 euros;
k) A falida deve à M………. (reclamado no processo a fls. 111 a 124 do apenso A), um crédito global no valor de 22.649,15 euros, proveniente de:
- fornecimentos diversos vencidos e não pagos, no valor de 19.500,00 euros;
- respectivos juros de mora, no valor de 3.149,15 euros;
l) A falida deve a N………. (reclamado no processo a fls. 91 a 110 do apenso A) um crédito global no valor de 2.828,31 euros, proveniente de:
- letra aceite pela falida vencida e não paga, no valor de 1.400,00 euros;
- cheque devolvido por falta de provisão, no valor de 432,33 euros;
- fornecimentos diversos vencidos e não pagos, no valor de 995,98 euros;
m) A falida deve a O………. (reclamado no processo a fls. 31 a 34, 47 a 74 do apenso A) um crédito global no valor de 13.445,60 euros, proveniente de:
- execução …./03.1TBOAZ-.°, no valor de 9.725,13 euros;
- respectivos juros vencidos, no valor de 192,22 euros;
- execução …/04.2TBOAZ-. °, no valor de 3.482,06 euros;
- respectivos juros vencidos, no valor de 46,19 euros;
n) A falida deve a P………., (reclamado no processo a fls. 1 a 18 do apenso A) um crédito global no valor de 3.650,71 euros, proveniente de:
- quatro letras aceites pela falida vencidas e não pagas, no valor de 3.500,00 euros;
- respectivos juros de mora, no valor de 150,71 euros;
o) A falida deve a Q………., (reclamado no processo a fls. 127 a 130 do apenso A) um crédito global no valor de 565,32 euros, proveniente de:
- fornecimentos diversos vencidos e não pagos, no valor de 565,32 euros;
p) A falida deve à S………. (reclamado no processo a fls. 19 a 21 do apenso A) um crédito global no valor de 6.735,62 euros, proveniente de:
- serviços prestados vencidos e não pagos, no valor de 6.596,82 euros;
- respectivos juros de mora, no valor de 138,80 euros;
q) A falida deve a T………. (reclamado a fls. 153 e ss. do apenso A) um crédito global de 1920,00 euros proveniente de:
- falta de pagamento parcial de indemnização.
III

- FUNDAMENTAÇÃO

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:

Nos termos do art.º 684º, n.º 3, do Código de Processo Civil, o objecto do recurso é limitado e definido pelas conclusões da alegação do recorrente.

No presente recurso discute-se a apenas a questão de saber se os créditos laborais prevalecem sobre créditos garantidos por penhor mercantil.

Os apelantes invocam que os seus créditos gozam de privilégio imobiliário e mobiliário geral ao abrigo do art.º 12º da Lei n.º 17/86, de 14 de Junho, e art.º 4º da Lei n.º 96/2001, de 20 de Agosto.

O art.º 12º da Lei 17/86 dispõe:
“1. Os créditos emergentes do contrato de trabalho regulados pela presente lei gozam dos seguintes privilégios:
a) Privilégio mobiliário geral;
b) Privilégio imobiliário geral;
2. Os privilégios dos créditos referidos no n.º 1, ainda que resultantes de retribuições em falta antes da entrada em vigor da presente lei, gozam de preferência nos termos do número seguintes, incluindo os créditos respeitantes a despesas de justiça, sem prejuízo, contudo, dos privilégios anteriormente constituídos, com direito a ser graduados antes da entrada em vigor da presente lei.
3. A graduação dos créditos far-se-á pela ordem seguinte:
a) Quanto ao privilégio mobiliário geral, antes dos créditos referidos no n.º 1 do art. 747° do Código Civil, mas pela ordem dos créditos enunciados no artigo 737° do mesmo Código;
b) Quanto ao privilégio imobiliário geral, antes dos créditos referidos no artigo 747° do Código Civil e ainda dos créditos de contribuições devidas à Segurança Social.”

O art.º 4º da Lei n.º 96/01 dispõe:
“1 - Os créditos emergentes de contrato de trabalho ou da sua violação não abrangidos pela Lei Nº 17/1986, de 14 de Junho, gozam dos seguintes privilégios:
a) Privilégio mobiliário geral;
b) Privilégio imobiliário geral.
2 - Exceptuam-se do disposto no número anterior os créditos de carácter excepcional, nomeadamente as gratificações extraordinárias e a participação nos lucros das empresas.
3 - Os privilégios dos créditos referidos no n.º 1, ainda que sejam preexistentes à entrada em vigor da presente lei, gozam de preferência nos termos do número seguinte, sem prejuízo, contudo, dos créditos emergentes da Lei Nº 17/1986, de 14 de Junho, e dos privilégios anteriormente constituídos com direito a ser graduados antes da entrada em vigor da presente lei.
4 - A graduação dos créditos far-se-á pela ordem seguinte:
a) Quanto ao privilégio mobiliário geral, antes dos créditos referidos no n.º 1 do artigo 747º do Código Civil, mas pela ordem dos créditos enunciados no artigo 737º do mesmo Código;
b) Quanto ao privilégio imobiliário geral, antes dos créditos referidos no artigo 748º do Código Civil e ainda dos créditos devidos à segurança social.
5 - Ao crédito de juros de mora é aplicável o regime previsto no artigo anterior.

Estando apenas em causa no presente recurso a graduação dos créditos relativamente aos móveis objecto de penhor mercantil, ater-nos-emos à análise dos privilégios mobiliários, colocando de parte a análise relativamente aos privilégios imobiliários, onde estão incluídos, também, por força das disposições legais supra citadas, os créditos laborais.

Como refere Antunes Varela, “o penhor é uma garantia que desemboca num direito de preferência (sobre o produto da alienação da coisa empenhada) … O penhor é essencialmente um direito real de garantia, consubstanciado na preferência do credor pignoratício, em regra sobre uma parcela determinada da garantia patrimonial” (Das Obrigações em Geral, vol. II, 5ª edição – 1992, pág. 520).

De acordo com o disposto no art.º 735º do Código Civil, os privilégios mobiliários “são gerais, se abrangem o valor de todos os bens móveis existentes no património do devedor à data da penhora ou de acto equivalente; são especiais, quando compreendem só o valor de determinados bens móveis” (n.º 2).

O Desembargador Fonseca Ramos, em acórdão de 8-11-2004, relatado na Apelação n.º 0455436, desta Relação e secção, onde foi considerado que o penhor mercantil não prevalece sobre créditos que gozem dos referidos privilégios, com fundamentação exaustiva que aqui seguimos plenamente, apenas aqui citamos parte dela e à luz da constituição, referindo jurisprudência do Tribunal Constitucional no seguinte sentido:

“o Tribunal Constitucional, não podendo desconsiderar a protecção que a Lei Fundamental confere ao salário, muito doutamente, no seu aresto nº498/2003, de 22.10, publicado no D.R. II Série de 3.1.2004, pronunciou-se pela não inconstitucionalidade da norma constante da alínea b) do nºl do artigo 12º da LSA, “na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nela conferido aos créditos emergentes do contrato individual de trabalho prefere à hipoteca”, nos termos do artigo 751° do Código Civil, doutrinando:
“…Parece manifesto que a limitação à confiança resultante do registo é um meio adequado e necessário à salvaguarda do direito dos trabalhadores à retribuição; na verdade, será eventualmente, o único e derradeiro meio, numa situação de falência da entidade empregadora, de assegurar a efectivação de um direito fundamental dos trabalhadores que visa a respectiva sobrevivência condigna’. Muito embora a falência da entidade empregadora seja também a falência da entidade devedora, é precisamente este último aspecto; ou seja, a retribuição como forma de assegurar a sobrevivência condigna dos trabalhadores, que permitiria justificar em face da Constituição a solução da norma impugnada, na interpretação aludida.”
E quanto às prestações salariais, em sentido lato (diríamos):
“Mas esta consideração carece de ser confrontada com outros aspectos, em particular, com o âmbito da tutela constitucional da retribuição (artigo 59°, n.º 1, al. a), da Constituição), para saber se incide apenas sobre o direito ao salário ou abrange também os créditos indemnizatórios emergentes do despedimento.
Ora, a verdade é que não se descortinam quaisquer razões que justifiquem uma interpretação do direito constitucional à retribuição dos trabalhadores no sentido de vedar ao legislador ordinário a equiparação, para o efeito agora em análise, da tutela conferida a ambos os créditos.
No fundo, é manifesto que o crédito à indemnização desempenha uma evidente função de substituição do direito ao salário perdido. Acresce ainda que a inclusão, repita-se, para o efeito agora em causa do direito ao salário e do direito à indemnização por despedimento no âmbito da tutela constitucional do direito à retribuição é a que mais se ajusta à referência constitucional a uma existência condigna, exprimindo o que João Leal Amado (ob. cit., pág. 22) designa por carácter alimentar e não meramente patrimonial do crédito salarial, neste sentido (ou seja, no confronto com os créditos dos titulares de direitos reais de garantia levados ao os ao registo).”
Discorrendo acerca do princípio da democracia social, que não consideramos alheio à complexa problemática do recurso, cabem as considerações do Professor Gomes Canotilho, in “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, 6ª edição, pág. 348:
“Para além da dimensão subjectiva do princípio da democracia social, implícita no reconhecimento de numerosos direitos sociais (direitos subjectivos públicos), o princípio da democracia social, como princípio objectivo, pode derivar-se ainda de outras disposições constitucionais. Desde logo, a dignidade da pessoa humana (cfr. art. 1°) é considerada noutros países como um princípio objectivo e uma “via de derivação” política de direitos sociais.
Do princípio da igualdade (dignidade social, art. 13°), deriva-se a imposição, sobretudo dirigida ao legislador, no sentido de criar condições sociais (cfr., também, art. 9º/d que assegurem uma igual dignidade social em todos os aspectos (cfr. por ex., artºs. 81.°/a, b e d e 93°/c).
Do conjunto de princípios referentes à organização económica (cfr. artºs. citados) deduz-se que a transformação das estruturas económicas visa também uma igualdade social.
Neste sentido, o princípio de democracia social não se reduz a um esquema de segurança, previdência e assistência social, antes abrange um conjunto de tarefas conformadoras, tendentes a assegurar uma verdadeira “dignidade social” ao cidadão e uma igualdade real entre os portugueses (art.9º/d).
Resultando, a nosso ver, da decisão do T.C., de que citámos excertos, que estão em causa direitos fundamentais aparentemente colidentes; como sejam o direito de confiança ínsito no estado de direito, e o direito ao salário, tendo este um valor mais relevante que aqueloutro, por contender com o indeclinável direito a uma vida digna e ter mais que natureza patrimonial, uma insofismável natureza alimentar, visando a subsistência pessoal, é este que deve prevalecer, numa hierarquia de normas constitucionais.”
(in http://www.dgsi.pt).

Em face dos ensinamentos expostos no aresto citado e das disposições legais citadas (art.º 12º da Lei n.º 17/86; art.º 4º da Lei n.º 96/01; art.º 735º, n.º 2, do Código Civil), considerando que os privilégios mobiliários gerais prevalecem sobre as garantias reais e outros direitos de preferência, os créditos laborais dos apelantes deverão ser graduados antes dos créditos garantidos pelo penhor mercantil.

Em suma, o presente recurso terá de proceder.
IV

Decisão

Em face de todo o exposto, acorda-se julgar procedente o recurso de apelação, e, consequentemente, revogando-se a sentença recorrida relativamente à graduação quanto aos móveis objecto de penhor mercantil e determina-se que os créditos enunciados em II – a), b), c) e d) (pontos 1 a 4 dos factos descritos como provados na sentença), seguidos – em 2º lugar – pelo crédito enunciado em II – e) (ponto 5 dos factos descritos como provados na sentença), confirmando em tudo o mais a graduação constante da sentença recorrida.
Custas pelo apelado G………. .

Porto, 23 de Outubro de 2006
Jorge Manuel Vilaça Nunes
António Augusto Pinto dos Santos Carvalho
Baltazar Marques Peixoto