Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ANA LUÍSA LOUREIRO | ||
Descritores: | PROVA DOCUMENTAL JUNÇÃO DE DOCUMENTOS MOMENTO DE APRESENTAÇÃO DOS DOCUMENTOS PRINCÍPIO INQUISITÓRIO | ||
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Nº do Documento: | RP202310251585/22.6T8GMR-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 10/25/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O regime estabelecido no art. 423.º do Cód. Proc. Civil quanto ao momento da apresentação dos documentos faz a adequada conciliação entre, por um lado, a disciplina e ordem processuais e o princípio da boa fé processual das partes (apresentação por quem afirma um facto da competente prova documental do facto alegado com o articulado em que tal facto é alegado, nos termos do seu n.º 1) e, por outro, o interesse na descoberta da verdade material (admissibilidade da apresentação em momento ulterior ou até ao encerramento da discussão, nas situações e termos previstos nos seus n.os 2 e 3). II - O princípio do inquisitório consagrado no art. 411.º do Cód. Proc. Civil não permite a derrogação do regime legal estabelecido, designadamente, no art. 423.º do Cód. Proc. Civil, quanto ao momento para a apresentação e admissão da prova documental, sob pena de violação dos princípios do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilidade das partes. III - A relevância do documento para a descoberta da verdade material não permite que a parte, após o prazo referido no n.º 2 do art. 423.º do Cód. Proc. Civil, apresente documentos fora das circunstâncias expressamente ressalvadas no n.º 3 do art. 423.º do Cód. Proc. Civil, nomeadamente, nos casos em que o ato de junção de documentos esteve sempre e apenas na sua exclusiva disponibilidade. IV - No âmbito da previsão legal do n.º 3 do art. 423.º do Cód. Proc. Civil, não constitui ocorrência posterior justificativa da necessidade de apresentação de documentos (que contêm as declarações da parte e de testemunha prestadas em sede de averiguação de sinistro, em data anterior à propositura da ação), a circunstância dos depoimentos prestados por tal parte e testemunha em audiência final serem contraditórios com as declarações constantes de tais documentos, quanto tais depoimentos incidiram sobre factos alegados pelas partes nos articulados (petição inicial e contestação) e que integram os temas da prova, e a parte que os apresenta em audiência final deles tinha conhecimento e a eles fez expressa referência no articulado apresentado. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo – Apelação n.º 1585/22.6T8GMR-A.P1 Tribunal a quo – Juízo Central Cível de Penafiel – J 3 Recorrente(s) – AA Recorrido(a/s) – Companhia de Seguros A..., S.A. *** Sumário……………………………… ……………………………… ……………………………… *** Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:I – Relatório: Apelante (autora): AA Apelada (ré): Companhia de Seguros A..., S.A. A autora intentou em 21-03-2022 ação de processo comum contra as rés B..., Unipessoal, L.da. e Companhia de Seguros A..., S.A., alegando, em síntese, que, no dia 16-11-2019, como convidada de um casamento que teve lugar no estabelecimento de quinta para eventos explorado pela ré B..., escorregou e caiu na pista de dança por o chão estar molhado/humedecido, não tendo a ré B... sinalizado tal situação, tendo a autora sofrido, em consequência dessa queda, danos patrimoniais e não patrimoniais, pela indemnização dos quais a ré B... é responsável. Funda a responsabilidade da ré seguradora pela indemnização de tais danos na alegação de que a ré B... transferiu, por apólice de seguro, para a ré seguradora a sua responsabilidade civil por danos causados a terceiros. Na contestação apresentada pela ré seguradora em 19-05-2022 esta, além do mais, impugnou a dinâmica da queda descrita pela autora na petição inicial, alegando designadamente que tal queda se deveu ao facto de a autora, que se encontrava a dançar com uma peruca, ter deixado cair esta tendo a queda ocorrido quando, ao tentar apanhá-la do chão, escorregou na dita peruca, conforme, além de outros, os seguintes artigos da contestação: “(…) 45.º o acidente sofrido pela A. enquadra-se num típico acidente pessoal seu, sem que para tal tenha concorrido qualquer facto e/ou causa, muito diferente do que alega no artigo 2.º e segs. da PI e conforme se irá confirmar das declarações suas prestadas em sede de averiguação que se protestam juntar.46.º Em bom rigor, conforme a averiguação e pelas declarações da A., está a Ré A... em posição de reclamar que o acidente se ficou a dever, única e exclusivamente, à falta de cuidado e desequilíbrio da A. uma vez que,47.º no âmbito dessa averiguação, veio-se a apurar que naquele dia 16 de Novembro de 2019, estava a A. na dita festa de casamento, que decorria no edifício da Segurada, sito na Rua ..., em Felgueiras, como convidada quando48.º ao se encontrar na pista do salão a dançar juntamente com os outros convidados, a A., que usava uma peruca que tinha sido cedida por um dos animadores da festa – uma equipa de palhaços denominada “...” - contratada pelo serviço de catering do “Restaurante C...”,49.º a certa altura, ao sentir a peruca a cair e, quando a tentou apanhar do chão, escorregou na dita peruca e caiu no pavimento, de costas, tentando-se apoiar com a mão direita. (…)”.Alegou ainda a ré na contestação que: “(…) 50.º Paralelamente, sempre cumprirá dizer que o piso é de mosaico cerâmico antiderrapante,51.º e naquele local – pista de dança – encontrava seco. (…)”.No despacho que fixou os temas da prova – proferido em audiência prévia realizada em 12-09-2022 – foi elencada, além de outra, a seguinte matéria de facto: «(…) 3. A verdade é que o piso é em tijoleira e se encontrava molhado/humedecido e escorregadio, facto que gerou a queda da Autora? 4. A Autora escorregou e caiu na pista de dança pelo facto daquele se encontrar molhado ou humedecido e escorregadio? (…) 45. Naquele dia 16 de Novembro de 2019, estava a A. na dita festa de casamento, que decorria no edifício da Segurada, sito na Rua ..., em Felgueiras, como convidada quando, ao se encontrar na pista do salão a dançar juntamente com os outros convidados, a A., que usava uma peruca que tinha sido cedida por um dos animadores da festa – uma equipa de palhaços denominada “...” - contratada pelo serviço de catering do “Restaurante C...”, a certa altura, ao sentir a peruca a cair e, quando a tentou apanhar do chão, escorregou na dita peruca e caiu no pavimento, de costas, tentando-se apoiar com a mão direita? 46. O piso é de mosaico cerâmico antiderrapante, e naquele local – pista de dança – encontrava seco? (…)». Na sessão de audiência de discussão e julgamento de 29-06-2023, durante a prestação do depoimento e declarações de parte da autora e no decurso dos esclarecimentos solicitados pelos ilustres mandatários, a mandatária da ré seguradora apresentou o seguinte requerimento: «Atendendo ao depoimento de parte prestado pela autora, e tendo em conta o documento que vai ser exibido à mesma por se achar pertinente, e estar em total contradição às suas declarações atento à assinatura que do mesmo consta da autora aposta no dia 28 de janeiro de 2020, requer-se a V.ª Exc.ª a junção do depoimento prestado por escrito à empresa "D..." pela autora, nessa data, e por si assinado. Por só agora se mostra necessário e imprescindível, requer-se obviamente a isenção de qualquer aplicação de multa.» O documento em causa consiste num questionário da D..., entidade que procedeu à averiguação do sinistro a pedido da ré seguradora, datado de 28 de janeiro de 2020 e com a assinatura da autora, contendo além de outros elementos, a descrição da ocorrência do dia 16/11/2019, redigida de acordo com o comunicado pela autora à perita averiguadora (devido à incapacidade da sinistrada efetuar o preenchimento pelo seu punho), constando da referida descrição: «Entre as 21h e as 21h30, depois do 1.º prato, foi dançar para zona sem mesas, onde estavam outros a dançar. Levava uma peruca que um dos palhaços deu, à sinistrada e a outros convidados, que caiu no chão, ao seu lado. A sinistrada continuou a dançar, escorregando na peruca, caindo de costas, apoiando-se na mão direita. Devido as dores fiquei deitada até chegar o INEM». A autora/apelante opôs-se ao requerimento da ré seguradora nos seguintes termos: Atendendo a que todos os documentos devem ser juntos com a contestação, e só em casos excecionais de não detenção dos mesmos aquando da apresentação da petição deve ser negada a sua junção aos presentes autos. Em caso de admissão do documento a autora não prescinde do prazo de vista. Sobre tal requerimento recaiu o seguinte despacho: Entende-se que a junção do documento em causa aos autos é legalmente admissível, pelo fato de ter conexão com o objeto dos autos e ser relevante para o apuramento da verdade material, e pela circunstância da imprescindibilidade da sua junção ter ocorrido neste momento em virtude de a autora ter prestado uma resposta que, de acordo com a alegação da ré A... e do teor do documento em causa, é contraditória com esse mesmo documento. Reconhece-se, porém, que o documento em causa já podia ter sido junto com a contestação para contraprova do que já havia sido alegado pela autora, mas a sua junção, na perspetiva da defesa da ré, não foi tida por imprescindível, o que só se verificou no dia de hoje face às declarações da autora. Deste modo, admite-se a junção aos autos do documento em causa. Sem prejuízo vai a ré condenada na multa, a qual se fixa no mínimo legal, uma vez que, sem prejuízo da avaliação que a ré fez da pertinência da junção ser superveniente, a mesma já tinha o documento em seu poder e podia ter evitado incidentes como aqueles que agora se vão verificar pela junção apenas neste momento. Concede-se o prazo de vista de 10 dias à autora para se pronunciar quanto ao teor do requerimento apresentado pela ré A.... Notifique. Na mesma sessão de julgamento foi ainda inquirida, na sessão da manhã, BB, testemunha comum à autora e à Ré seguradora. Na sessão da tarde, após a inquirição da testemunha CC, a mandatária da ré seguradora apresentou, no que aqui releva, o seguinte requerimento: «A ré A... requer a V.ª Exc.ª do depoimento prestado por escrito, preenchido pela testemunha BB, atendendo ao fato de estar totalmente dissonante com as declarações prestadas hoje em tribunal, e por ela mesmas apostas no dia 27 de fevereiro de 2020. Assim sendo, e atento a necessidade de só agora juntar este depoimento face às declarações prestadas pela testemunha, requer-se a V.ª Exc.ª a junção do referido depoimento por ela escrito e assinado, de forma a que não seja a ré A... condenada em multa pela junção extemporânea, que não foi extemporânea, é necessária, e justifica-se perante o presente fato. Em segundo lugar, a ré A..., atento o depoimento da autora, e também da junção de depoimento dado à averiguadora à data do sinistro posterior ao sinistro algum tempo, também já junto da parte da manhã aos autos, requer a V.ª Exc.ª se digne mandar notificar a autora, e esta senhora testemunha BB, para voltarem a tribunal na próxima sessão que vier a ser marcada, pela decorrência depois de exercido o contraditório sobre os documentos poderem também serem os mesmos exibidos e contrapostos os referidos fatos e argumentos, e tudo o mais que advier do seu depoimento perante os documentos. (…)». O documento em causa consiste num documento da D..., entidade que procedeu à averiguação do sinistro a pedido da ré seguradora, contendo o depoimento escrito e assinado da referida testemunha recolhido por tal entidade em 27-02-2020, com o seguinte teor: «estaba sentada numa mesa e bia cair o chão esta seco». A autora/apelante opôs-se ao requerimento da ré seguradora nos seguintes termos: Uma vez que todos os documentos devem ser juntos com a contestação, apenas podendo sê-lo feito em fase posterior, nomeadamente na fase de julgamento caso a ré não tivesse acesso aos mesmos numa fase anterior, não pode ser admissível o documento junto com a ré porque o mesmo deveria ter sido junto anteriormente com a sua contestação. Quanto ao resto nada tem a opor. Sobre tal requerimento recaiu, no que aqui releva, o seguinte despacho: Entende-se que a junção do documento em causa aos autos é legalmente admissível, pelo fato de ter conexão com o objeto dos autos e ser relevante para o apuramento da verdade material, e pela circunstância da imprescindibilidade da sua junção ter ocorrido neste momento em virtude de a testemunha BB ter prestado uma resposta que de acordo com a alegação da ré A... e do teor do documento em causa é contraditória com esse mesmo documento. A contradição entre o que declarou no documento e o que declarou em julgamento é: no documento declara que o chão estava seco, e em julgamento declarou que o chão estava molhado e que a autora escorregou por esse fato. Reconhece-se, porém, que o documento em causa já podia ter sido junto com a contestação para contraprova do que já havia sido alegado pela autora, mas a sua junção na perspetiva da defesa da ré não foi tida por imprescindível, o que só se verificou no dia de hoje face às declarações da autora. Deste modo, admite-se a junção aos autos do documento em causa. Sem prejuízo vai a ré condenada na multa, a qual se fixa em 1,5 UC, uma vez que, sem prejuízo da avaliação que a ré fez da pertinência da junção ser superveniente, a mesma já tinha o documento em seu poder, e podia ter evitado incidentes como aqueles que agora vão verificar-se pela junção apenas neste momento. Quanto ao mais, considerando que após o exercício do contraditório, pode efetivamente haver necessidade de a autora a e testemunha BB serem confrontadas com os documentos hoje admitidos, irá designar-se uma nova data para a continuação do julgamento com a convocatória das referidas pessoas. (…)» A autora interpôs recurso de apelação destes dois despachos de admissão de documentos, peticionando a revogação das decisões recorridas, substituindo-as por outras a indeferirem os requerimentos da ré seguradora e a julgar intempestiva a apresentação dos documentos, ordenando a sua devolução à apresentante, tendo apresentado as seguintes conclusões: I. O Douto Tribunal recorrido, através de dois despachos, determinou a junção aos autos de dois documentos apresentados pela 2.ª Ré na audiência e discussão de julgamento. II. Os despachos proferidos nos autos, da qual vem interposto o presente recurso, que admitiu “a junção aos autos de documentos”, está ferido de ilegalidade e, portanto, não poderá manter-se na nossa ordem jurídica. III. No decurso do depoimento de parte da Autora, pela Ilustre Mandatária da 2.ª Ré Companhia de Seguros A... S.A., foi pedida a palavra, tendo-lhe sido concedida, e no uso da mesma, requereu a junção aos autos do documento denominado “D... – Questionário – Danos Corporais – Ficha Individual”, a fim de confrontar a Autora, com o documento descredibilizando o depoimento por ela prestado. IV. O mesmo sucedeu, no final da inquirição da testemunha BB, tendo a Ilustre Mandatária da 2.ª Ré Companhia de Seguros A... S.A., pedido a palavra, tendo-lhe sido concedida, e no uso da mesma, requereu a junção aos autos do documento denominado “D... – Depoimento”. V. Após concedida a palavra à patrona da Autora, a mesma pronunciou-se, tendo deduzido oposição à junção dos documentos em causa, fundamentando a mesma, no facto dos documentos deverem ser juntos na fase dos articulados, ou seja, no caso da 2.ª Ré, com a contestação, o que não foi o caso, e por esse facto solicitou o seu indeferimento. VI. Embora, fora do prazo previsto para o efeito, a Meritíssima Juiz de Direito, deferiu a junção dos documentos. VII. Considerou o Douto Tribunal recorrido que: “A junção dos documentos em causa aos autos é legalmente admissível, pelo facto de ter conexão com o objeto dos autos e ser relevante para o apuramento da verdade material, e pela circunstância da imprescindibilidade da sua junção ter ocorrido em virtude de a autora ter prestado uma resposta que, de acordo coma a alegação da ré A... e do teor do documento em causa, é contraditória com esses mesmo documento.” “Reconhece-se, porém, que o documento em causa já podia ter sido junto com a contestação para contraprova do que já havia sido alegado pela autora...”; “Deste modo admite-se a junção aos autos do documento em causa.” “Sem prejuízo vai a Ré condenada em multa...” VIII. A mesma fundamentação foi dada pela Mma. Juiz de Direito, no despacho proferido a fls 21 da Ata de audiência e discussão de julgamento que determinou a junção aos autos de outro documento a solicitação da 2.ª Ré. IX. Analisando da admissibilidade – pertinência e legalidade – da junção dos documentos sabemos que, a proposição e a produção da prova em juízo visam demonstrar a realidade dos factos relevantes para o processo, sendo que regras existem, para a balizar, de direito probatório material, de natureza substantiva, a regular a admissibilidade e força probatória, inseridas no Código Civil, e de direito probatório formal, a regular os procedimentos probatórios, e que têm sede no CPC. X. O artigo 410º, do Código de Processo Civil, diploma a que pertencem todos os preceitos citados sem outra referência, com a epígrafe “Objeto da instrução”, bem estatui que “A instrução tem por objeto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova”. X1.Deste modo, quando tenha havido enunciação dos temas da prova (o que se verifica no processo comum de declaração, nos termos do art. 596º, a menos que ocorra revelia operante (art. 567, nº2), termo do processo no despacho saneador (art. 595º) ou decisão do juiz no sentido da dispensa, em ação de valor não superior a metade da alçada da Relação (art. 597º, c), são os próprios temas da prova o objeto da instrução, neles se incluindo os factos, quer os essenciais quer os instrumentais, sobre que a prova incide, pois que o real e efetivo objeto da instrução é sempre matéria fáctica, nos termos dos arts 341º e segs, do Código Civil. XII. Assim, enunciados temas da prova - para, no final da instrução, o juiz decidir, na sentença, os factos que considera provados e não provados -, correspondendo um deles a um facto, tem de ser o mesmo objeto direto da instrução, não estando, contudo, as partes inibidas de produzir prova sobre factos instrumentais ou circunstâncias que indiciem ou revelem aquele. XIII. Nos temas de prova de formulação mais genérica é objeto de instrução toda a factualidade pertinente para a sua concretização, tendo em conta a previsão normativa de que depende o resultado da ação, aí se incluindo a livre discussão dos factos em relação de instrumentalidade. XIV. Destarte, havendo enunciação dos temas de prova, o objeto da instrução são os temas da prova, densificados pelos factos, principais e instrumentais (constitutivos, modificativos, impeditivos ou extintivos do direito afirmado) – arts 410º, do CPC e 341º e segs, do Código Civil. XV. E é garantida ampla liberdade, em sede de instrução, no sentido de permitir que, na produção de meios de prova (máxime, prova testemunhal, pericial ou por depoimento de parte), sejam averiguados os factos circunstanciais ou instrumentais, designadamente aqueles que possam servir de base à posterior formulação de presunções judiciais, sendo que a instrução da causa “deve ter como critério delimitador o que seja determinado pelos temas da prova erigidos e deve ter como objetivo final habilitar o juiz a expor na sentença os factos que relevam para a decisão da causa, de acordo com as diversas soluções plausíveis da questão de direito”. XVI. Sendo as diversas fases do processo a proposição, a audiência contraditória e a admissão (ou rejeição), com vista à produção das provas e decisão, podendo ser objeto de instrução tudo quanto, de algum modo, possa interessar à prova dos factos relevantes para a decisão da causa, não deve ser permitido seja objeto de instrução aquilo que se apresenta como irrelevante para a concreta causa, tal como desenhada se mostra. XVII. Assim, para a apreciação da prova, que tem lugar na fase da sentença, só são admitidos os meios de prova propostos, após audiência da parte contrária, que relevem de acordo com as diversas soluções plausíveis da questão de direito. XVIII. Tem, pois, de ser olhado o objeto do litígio, que se define pelo pedido formulado e respetiva causa de pedir, para se aferir dessa relevância, nenhuma a podendo ter se nem sequer cabe apreciar a concreta questão a que a prova em causa pode interessar. XIX. E para além da relevância/pertinência tem de se analisar da admissibilidade legal, só sendo de admitir um meio de prova se legalmente admissível. XX. Os documentos para fazer a prova da ação devem ser juntas com os respetivos articulados não estamos na fase de articulados estamos na fase da produção de prova pelo igual motivo deve ser tal documento indeferido a sua junção. XXI. A questão que na verdade conforma o objeto do presente recurso, prende-se com o saber se devia ter sido admitida a junção do documento, no decurso da audiência de discussão e julgamento. XXII. No nosso entendimento, a resposta a esta questão, terá forçosamente de ser negativa. XXIII. Assim, tal documento, só poderia ter sido admitido, nos termos previstos no art.º 423.º do CPC. XXIV. Um dos limites que a lei impõe respeita, precisamente, ao momento da sua apresentação. XXV. Quanto à prova por documentos, a oportunidade da sua apresentação encontra-se legalmente fundada na previsão do art. 423.º, do C.P.C. XXVI. Da exegese do 423.º do C.P.C., extrai-se que os documentos podem ser apresentados nos seguintes momentos: com o articulado respetivo; até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas, neste caso, a parte é condenada em multa, exceto se provar que não os pode oferecer com o articulado respetivo; XXVII. Posteriormente aos mencionados 20 dias, até ao encerramento da discussão em 1ª instância, mas, neste caso, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento e os que provem factos posteriores a ele ou que, provando factos anteriores, se formem posteriormente ou se tornem necessários por virtude de ocorrência posterior. XXIX. As circunstâncias que tornam admissível a apresentação de documentos depois dos 20 dias que antecedem a audiência final têm de ser alegadas e provadas pela parte que pretende a junção do documento. XXX. No caso dos presentes, a sua apresentação, ocorreu já em plena audiência e discussão de julgamento, no decurso do depoimento de parte da recorrente e da testemunha BB, sem qualquer fundamento legal para tal. XXXI. Cabe à parte que pretende a junção de documentos alegar e demonstrar que a sua apresentação, não foi possível até àquele momento, ou que a sua apresentação só se tornou possível em virtude de ocorrência posterior. XXXII. Os meios de prova, qualquer que seja, a sua natureza, destinam-se à instrução, da causa, a qual “tem por objecto os temas de prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova XXXIII. Nunca uma parte pode estar à espera do que vai dizer a Autora (em depoimento de parte), nem uma testemunha (no seu depoimento) para decidir da conveniência da junção de documentos destinados à instrução da causa, sendo que as necessidades de prova são as já existentes nos autos e já conhecidas das partes quanto a factos já verificados, pelo que os documentos deviam ter sido juntos ad initio e não em audiência e discussão de julgamento. XXXIV. Neste contexto, por não ser legalmente admissível a junção em audiência de julgamento, já que os pressupostos de tal junção não foram alegados e provados, não pode o mesmo deixar de ser rejeitado. XXXV. Uma vez que os documentos juntos aos autos ultrapassaram o momento oportuno para a sua apresentação, sem qualquer justificação, não pode a junção dos mesmos ser admitida por intempestiva pelo que se requer o seu desentranhamento e respetiva devolução à apresentante. A ré/apelada respondeu às alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, nos termos das seguintes conclusões: A) Conforme é já consabido, a aqui Ré, no decorrer da audiência de julgamento que teve lugar no passado dia 29 de junho de 2023 perante as declarações do depoimento de parte da Autora, bem como do depoimento da testemunha BB, percecionou ser necessária a junção de determinados documentos – que efetivamente foram juntos – por considerar que, o seu teor, estando em total dissonância com tais depoimentos ali acabados de prestar, são essenciais à descoberta da verdade material e justa composição da lide, razão pela qual só nesse momento se justificou a necessidade da sua junção a fim de, posteriormente, serem devidamente exibidos e confrontados a ambas, Autora e testemunha BB. B) A aqui Ré justificou em acta, aquando dos seus pedidos de junção a razão pela qual SÓ NESSE MOMENTO é que verificou a NECESSIDADE da respectiva junção, por virtude de tal OCORRÊNCIA POSTERIOR: os depoimentos prestados em audiência de julgamento pela A. E pela referida testemunha, embora pretendendo, com tais documentos, provar factos anteriores e que constam dos doutos temas da prova. C) Para além de a aqui Ré/Recorrida não ter o dom de “adivinhar” o que as partes e/ou as testemunhas irão dizer em audiência de discussão e julgamento, a ÚNICA e EXCLUSIVA motivação que presidiu ao pedido, aceite, na junção de tais documentos, é a que supra se invocou e que se encontra também ela plasmada nos referidos doutos despachos de admissão – vide Acta da audiência de discussão e julgamento do passado dia 29 de Junho. D) Só nesse momento, em plena audiência de discussão e julgamento, depois de serem ouvidos os depoimentos da A. e da testemunha BB, é que ocorreu a absoluta necessidade e essencialidade de tais documentos, por deles poder resultar a verdadeira versão dos factos, contribuindo, assim, para a descoberta da verdade material e justa composição do litígio. E) Estes são princípios verdadeiramente basilares do direito processual civil português que, conjugados com o dever de gestão processual, previsto pelo artigo 6.º do Código de Processo Civil, resultaram na apreciação da essencialidade da admissão de ambos os documentos e que foi in totum reconhecida pelo douto tribunal que os admitiu. F) A verdade sobre a motivação; fundamentos e momento que estiveram na base no pedido de junção de tais documentos realizado pela Ré em plena audiência de discussão e julgamento é, também, a que LEGALMENTE consta do dispositivo legal respectivo, e que a A. conhece e até reproduz, resultante do artigo 423.º, ponto 3 – Posteriormente aos mencionados 20 dias, até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, mas, neste caso, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento e os que provem factos posteriores a ele ou que, provando factos anteriores, se formem posteriormente ou se tornem necessários por virtude de ocorrência posterior”. G) É, assim, falso o teor constante em 18.º pela A., de que a Ré não alegou as circunstâncias de que tornassem necessária a admissibilidade dos documentos já em plena audiência de discussão e julgamento, como é perfeitamente alcançável do teor da ata da audiência de julgamento – e mesmo que não o fosse, sê-lo-ia da prova gravada e acabada de ouvir– como a aqui Ré fundamentou os seus pedidos de junção dos referidos documentos devendo, consequentemente, improceder tal “argumento” invocado pela A., porque a A... fundamentou a necessidade da junção superveniente dos documentos em causa e, como vimos, é um dos fundamentos legalmente consagrados para tal poder ocorrer, número 3 do art. 423.º do CPC. H) Tais fundamentos e circunstancias encontram-se repetidos nos argumentos/sustentação dos doutos despachos de admissão, razão pela qual se afere plenamente sobre a pertinência e legalidade da junção dos dois documentos operada pela aqui Ré, daí que seja falso dizer que o douto o tribunal recorrido, ao considerar a justificação apresentada pela Ré para a junção dos ditos documentos, não tivesse feito a devida ponderação das mais diversas versões sobre os factos em discussão nos autos, à luz dos preceitos legais sobejamente invocados supra, daí os ter admitido, considerando que eram o fruto da necessidade de ocorrências posteriores capazes de ancorar tal junção posterior, mas legalmente admissível. I) Esta é a posição sempre sufragada pela douta Jurisprudência e que podemos ver plasmada no douto Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do processo n.º 3221/20.6T8PNF-A.P1, datado de 18.10.2021, relatado pela M.ma Juíza Desembargadora, Dra. Rita Romeira, onde se pode ler que “I – Se a parte requereu a junção de documentos, no decurso da audiência de julgamento, invocando que a sua apresentação se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior, concretizada no falso depoimento por parte do legal representante da Recorrida, a que visa retirar credibilidade, estamos perante a ocorrência posterior a que alude a parte final do nº 3 do art. 423º do CPC. II – Sendo desse modo, nada obsta à junção dos documentos, cuja razão de ser é a de retirar credibilidade às declarações prestadas em sede de depoimento de parte e, por isso, a mesma só se torna necessária depois do depoimento prestado”. II – Questões a decidir: Face às conclusões das alegações de recurso da apelante, cumpre apreciar se a apresentação pela ré/apelada em audiência de julgamento dos documentos cuja junção foi admitida preenche a segunda ressalva prevista no n.º 3 do art. 423.º do Cód. Proc. Civil: documento cuja apresentação se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior. III – Fundamentação: De facto: Os factos a considerar são os que estão descritos no relatório. Subsunção dos factos ao direito: 1. Prova por documentos Corolário do princípio do dispositivo que ainda vigora no regime processual civil vigente, como resulta da leitura conjugada do disposto nos arts. 3.º, n.º 1, 5.º, n.º 1, 552.º, n.º 1, al. d), 571.º, 572.º, als. b) e c) e 574.º, todos do Cód. Proc. Civil, é às partes que incumbe alegar os factos essenciais que suportam as pretensões deduzidas, o que é feito nos respetivos articulados. Além dos factos essenciais que têm necessariamente que ser alegados pelas partes, podem ainda ser considerados pelo juiz outros factos, nomeadamente, os factos instrumentais e os que sejam complemento ou concretização dos que as partes alegaram e resultem da instrução da causa, nos termos e condicionalismos estabelecidos nas als. a) e b) do n.º 2 do art. 5.º do Cód. Proc. Civil. A instrução do processo reporta-se à atividade destinada à produção dos meios de prova dos factos controvertidos relevantes/abrangidos pelos temas da prova fixados (art. 410.º do Cód. Proc. Civil). Os meios de prova visam a demonstração dos factos oportunamente alegados pelas partes que estão controvertidos ou que carecem de determinado meio de prova para poderem ser considerados. Da produção dos meios de prova oportunamente indicados podem ainda resultar demonstrados os factos instrumentais e os que sejam complemento ou concretização dos que as partes alegaram (art. 5.º, n.º 2, als. a) e b), do Cód. proc. Civil, já referido). No atual regime processual civil, os meios de prova são indicados/apresentados/ requeridos nos articulados em que se alegam os factos que visam provar – ver, quanto à petição inicial, o disposto no art. 552.º, n.º 6; quanto à contestação, o disposto no art. 572.º, al. d), ambos do Cód. Proc. Civil (de onde resulta que os requerimentos probatórios apresentados com a petição inicial e a contestação podem ainda ser alterados nos termos previstos nas referidas disposições legais, na sequência da apresentação da contestação/reconvenção e de eventual réplica). O requerimento probatório apresentado nos articulados pode ainda ser alterado na audiência prévia (art. 598.º do Cód. Proc. Civil). Um dos meios de prova legalmente previstos é a prova por documentos, cujo regime é estabelecido nos arts. 423.º a 451.º do Cód. Proc. Civil, estando tal meio de prova previsto e regulado no Capítulo II do Título V (Da instrução do processo) da parte geral do Cód. Proc. Civil (Livro II – Do processo em geral). 2. Oportunidade da apresentação de documentos Em consonância com o disposto nos acima referidos arts. 552.º, n.º 6 e 572.º, al. d), ambos do Cód. Proc. Civil, dispõe o art. 423.º do Cód. Proc. Civil sobre o momento da apresentação dos documentos nos seguintes termos: 1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes. 2 - Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado. 3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior. O atual n.º 1 do art. 423.º reproduz, sem alteração, o n.º 1 do art. 523.º do anterior Código de Processo Civil (redação emergente da revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro). Compreende-se a ratio subjacente à consagração deste dever de apresentação dos documentos que visam fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes, que já vem do Código de Processo Civil de 1939: «(…) a ordem e disciplina processual, por um lado, e, por outro, a regra do jogo franco e leal (fair play) pedem que quem afirma ofereça logo, se puder, a prova documental das suas afirmações (…)»[1]. A alteração do regime anterior (n.º 2 do art. 523.º do Cód. Proc. Civil emergente da Revisão de 1995-1996), efetuada pelo n.º 2 do art. 423.º do Cód. Proc. Civil vigente – antecipando o termo final para a apresentação dos documentos que não foram juntos com o articulado respetivo do encerramento da discussão em primeira instância para o vigésimo dia anterior a data da realização da audiência de julgamento –, segue a ratio subjacente ao regime estabelecido no n.º 1 do mesmo art. 423.º, contribuindo para o objetivo da estabilização dos meios de instrução previamente à data da realização da audiência final (com uma antecedência de 20 dias). Admite, assim, o legislador que, apesar do incumprimento pela parte do dever de apresentar os documentos que servem de meio de prova dos factos alegados no articulado respetivo, ainda possa juntar tais documentos até 20 dias antes da realização do julgamento, sancionando, no entanto, o incumprimento do dever estabelecido no n.º 1 do art. 423.º do CPC com a aplicação de multa. Para evitar a aplicação da multa, a parte tem que provar que não pode apresentar os documentos com o referido articulado. A prova de tal circunstância afasta o juízo de incumprimento do dever consagrado no n.º 1 do art. 423.º do Cód. Proc. Civil. O n.º 3 do art. 423.º do Cód. Proc. Civil regula as duas únicas situações em que se admite a apresentação de documentos após o 20.º dia que antecede a realização da audiência de julgamento. São elas: a) a impossibilidade de apresentação do documento até à data em que o documento é apresentado (admite-se a apresentação do documento – que a parte não pôde apresentar até ao 20.º dia que antecede a realização da audiência de julgamento – no momento em que cessa essa impossibilidade de apresentação); b) a apresentação do documento tornar-se necessária em virtude de ocorrência posterior (ao 20.º dia que antecede a realização da audiência de julgamento). Os despachos recorridos admitiram a junção aos autos dos dois documentos apresentados pela ré em audiência de julgamento, por considerarem que 1) os documentos têm conexão com o objeto do processo e 2) serem relevantes para o apuramento da verdade material e 3) pela circunstância da imprescindibilidade da sua junção ter ocorrido, respetivamente: – Quanto ao documento datado de 28 de janeiro de 2020, após o depoimento prestado pela autora em julgamento, por haver contradição entre tal depoimento e as declarações prestadas pela autora no dia 28 de janeiro de 2020, no âmbito do processo de averiguação do sinistro, reduzidas a escrito e constantes do referido documento; – Quanto ao documento datado de 27 de fevereiro de 2020, após o depoimento prestado pela testemunha BB em julgamento, por haver contradição entre tal depoimento e as declarações prestadas pela referida testemunha no dia 27 de fevereiro de 2020, no âmbito do processo de averiguação do sinistro, reduzidas a escrito e constantes do referido documento. No que concerne aos pontos 1) e 2), são pressupostos gerais da admissão da prova documental, independentemente do momento em que tal meio de prova é apresentado. Só assumem relevância no âmbito da instrução os meios de prova (designadamente, documental) que têm conexão com o objeto do processo e que assumem relevância para a justa composição do litígio, que passa pela ‘descoberta’ da verdade material: face às versões controvertidas – factos dispares – apresentadas pelas partes, há que formular, fundado nos meios de prova produzidos, um juízo sobre a adesão à realidade das diferentes versões apresentadas. Tal não é posto em causa no recurso apresentado. A discordância da apelante prende-se com o entendimento do tribunal a quo quanto à consideração de que a existência de discrepância entre as declarações da autora e da testemunha prestadas em julgamento com as declarações que haviam prestado em sede de averiguação do sinistro constitui ocorrência posterior justificativa da admissibilidade da apresentação desses documentos, no âmbito da 2.ª ressalva prevista no n.º 3 do art. 423.º do Cód. Proc. Civil. 3. Apresentação necessária em virtude de ocorrência posterior Os desvios à regra geral do n.º 1 do art. 423.º do Cód. Proc. Civil quanto ao momento para a apresentação de documentos visam a conciliação «(…) do princípio da disciplina processual que postula o oferecimento imediato de documentos, com o princípio de justiça segundo o qual a decisão deve ser a expressão, tão perfeita e completa quanto possível, da verdade dos factos que interessam ao litígio. (…)»[2]. É em atenção ao desiderato da descoberta da verdade material que o legislador previu, designadamente, a possibilidade de apresentação de documentos ainda nas duas situações excecionais que integram a previsão legal do n.º 3 do art. 423.º do Cód. Proc. Civil. Mas a admissibilidade de tal apresentação pressupõe o preenchimento dos respetivos requisitos dessa previsão legal. O princípio do inquisitório consagrado no art. 411.º do Cód. Proc. Civil não permite a derrogação do regime legal estabelecido, designadamente, no art. 423.º do Cód. Proc. Civil, quanto ao momento para a apresentação e admissão da prova documental, sob pena de violação dos princípios do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilidade das partes. O mesmo é dizer que o argumento da relevância do documento para a descoberta da verdade material não permite que a parte, após o prazo referido no n.º 2 do art. 423.º do Cód. Proc. Civil, nos casos em que, como aqui sucede, o ato de junção de documentos esteve sempre e apenas na sua exclusiva disponibilidade, apresente documentos fora das circunstâncias expressamente ressalvadas no n.º 3 do art. 423.º do Cód. Proc. Civil – a impossibilidade de apresentação anterior ao momento em que os mesmos são apresentados ou a verificação de ocorrência posterior justificativa da necessidade de apresentação do documento –, sob pena de se estar a permitir que o tribunal supra a falta de diligência da parte (neste sentido, vd. Ac. do STJ de 18-10-2018, processo n.º 1295/11.0TBMCN.P1.S2; Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 27-01-2022, processo n.º 1513/20.3T8PNF.P1, ambos acessíveis na íntegra na base de dados de jurisprudência do IGFEJ). No caso em análise, não subsistem dúvidas que qualquer dos dois documentos que a ré (recorrida) apresentou em audiência de julgamento podiam ter sido apresentados com o articulado da contestação, no qual a parte alegou os factos que os documentos se destinam a provar (aliás, nada foi alegado quanto a qualquer impossibilidade de apresentação dos referidos documentos com a contestação). Quanto ao documento datado de 28 de janeiro de 2020 (data anterior à da apresentação da contestação), veja-se o que a ré (recorrida) alegou nos arts. 45.º a 49.º da contestação supra transcritos no relatório. A ré, no art. 45.º da contestação, fez inclusive expressa referência às declarações da autora prestadas no âmbito averiguação do sinistro (versão distinta da alegada na petição inicial) e também ao documento contendo tais declarações, que apenas apresentou em julgamento, mas que já havia protestado juntar no referido art. 45.º da contestação, que aqui – novamente – se transcreve: «(…) 45.º - o acidente sofrido pela A. enquadra-se num típico acidente pessoal seu, sem que para tal tenha concorrido qualquer facto e/ou causa, muito diferente do que alega no artigo 2.º e segs. da PI e conforme se irá confirmar das declarações suas prestadas em sede de averiguação que se protestam juntar. (…)» – realce e sublinhado nossos. Também o documento datado de 27 de fevereiro de 2020 (data anterior à da apresentação da contestação), contendo as declarações prestadas nessa data pela testemunha BB, no âmbito da averiguação do sinistro efetuada pela ré, releva como meio de prova do facto alegado pela ré seguradora no art. 51.º da contestação – que o piso da pista de dança encontrava-se seco – e de contraprova da versão constante da petição de inicial, de que a queda se deveu ao facto do piso estar molhado/humedecido e escorregadio. A apresentação torna-se necessária em virtude de ocorrência posterior, nomeadamente, no caso de se destinar à prova ou contraprova de factos ocorridos após o termo do prazo previsto no n.º 2 do art. 423.º do Cód. Proc. Civil (situação que se encontrava expressamente prevista no art. 524.º, n.º 2, do anterior Cód. Proc. Civil de 1995-1996).[3] Também se pode enquadrar como ocorrência posterior justificativa da necessidade de apresentação de documentos a produção em sede de audiência de julgamento de meios de prova de onde resultem factos instrumentais ou factos complementares ou concretizadores de factos alegados pelas partes passíveis de consideração no processo, nos termos das als. a) e b) do n.º 2 do art. 5.º do Cód. Proc. Civil, quando o aparecimento de tais factos instrumentais, complementares ou concretizadores (de factos anteriormente alegados mas distintos destes) ocorre pela primeira vez após o termo do prazo previsto no n.º 2 do art. 423.º do Cód. Proc. Civil (como sucederá quando tal ocorre em sede de produção de prova no decurso do julgamento audiência de julgamento). Já não constitui ocorrência posterior justificativa da necessidade de apresentação de documentos a alegação – efetuada pela ré e aceite pelo tribunal a quo no despacho recorrido – da imprescindibilidade da junção por causa da contradição entre os depoimentos prestados em julgamento pela autora e pela testemunha BB e as anteriores declarações prestadas pelas mesmas no processo de averiguação do sinistro levado a cabo pela ré seguradora, e reduzidas a escrito nos documentos que a ré pretende apresentar, para infirmar os depoimentos prestados em julgamento: «(…) A apresentação do documento não se torna necessária em virtude de ocorrência posterior quando uma testemunha alude a um facto, ainda que em sentido contrário ao pretendido pelo apresentante, se se tratar de um facto essencial já alegado – ou de um facto puramente probatório. A ocorrência que torna necessária a apresentação deste meio de prova é a pretérita alegação desta matéria, cabendo a situação no n.º 1 (…)»[4] do art. 423.º do Cód. Proc. Civil. A falta de apresentação tempestiva pela ré dos referidos documentos, contendo as declarações prestadas pela autora e pela testemunha BB sobre a forma como ocorreu o sinistro no âmbito do processo de averiguação do sinistro desenvolvido pela ré, cujo teor a ré conhecia e dos quais dispunha à data da apresentação da contestação – na qual alegou a versão apurada no âmbito do referido processo de averiguação –, é-lhe imputável. Não pode a ré guardar para mais tarde a eventual junção de documentos que conhece e aos quais chegou a fazer expressa referência na contestação apresentada – documentos esses dos quais constam declarações de testemunha por si (também) arrolada para depor em julgamento e declarações da parte que vai prestar depoimento de parte em julgamento –, apresentando os documentos se lhe convier, no decurso do julgamento, com o fundamento de que só face aos depoimentos da autora e dessa testemunha prestados em julgamento (contraditórios com a versão dos factos por si alegada na contestação e em consonância com a versão constante da petição inicial) se tornou necessária a sua apresentação. As declarações da parte e da testemunha prestadas em julgamento, em sentido contrário ou dissonante dessas anteriores declarações constantes dos documentos que só após a inquirição das mesmas decidiu apresentar (documentos esses com base nas quais a ré fundou a versão do sinistro apresentada na contestação – factos alegados na contestação) não integram ocorrência posterior subsumível à 2.ª parte do n.º 3 do art. 423.º do Cód. Proc. Civil: os documentos em causa visam fazer prova da versão do sinistro alegada pela ré na contestação e infirmar a versão do sinistro apresentada pela autora na petição inicial; a ocorrência justificativa da necessidade da apresentação dos documentos é a anterior alegação dos factos em causa; os depoimentos prestados em julgamento contrários à versão do sinistro alegada pela ré na contestação é a desculpa encontrada para fazer entrar no processo, tardiamente – e com toda a inerente e não despicienda perturbação processual no andamento do julgamento, que emerge da leitura da ata de julgamento –, tais documentos que não juntou no momento devido (articulado da contestação), nem tão pouco até ao termo do prazo previsto no n.º 2 do art. 423.º do Cód. Proc. Civil, ainda que mediante a aplicação da sanção legal aí prevista. Igualmente neste sentido, vd. Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 09-06-2022, processo n.º 2284/18.9T8FAR-A.E1[5], acessível na íntegra na base de dados de jurisprudência do IGFEJ. No que concerne ao Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18-10-2021 (processo 3221/20.6T8PNF-A.P1), citado pela apelada nas suas alegações de resposta, verifica-se que aí se trata de situação distinta da aqui analisada. Na situação concreta daquele acórdão, foi no depoimento de parte prestado em audiência de julgamento – depoimento esse que aí se considera integrar ocorrência posterior justificativa da necessidade de apresentação de documentos para lhe retirar credibilidade – que pela primeira vez surgiu o circunstancialismo que se pretendeu infirmar (contraprova) com a requerida junção de documentos, como resulta do seguinte excerto de tal Acórdão: «(…) Desde logo diremos que, percorrendo os articulados podemos verificar que o declarado pelo legal representante, no sentido de que, a Autora não terá direito às quantias que reclama desde Maio a Dezembro de 2020 por no contexto do Covid, a actividade empresarial ter mudado e terem alterado o modelo retributivo e alterado a forma de reembolsar as despesas de alguns colaboradores, não consta do articulado da ré. Ou seja, é circunstancialismo que foi invocado, pela primeira vez, em audiência. Por isso, não podemos acompanhar a afirmação constante do despacho recorrido de que os documentos visam factos “oportunamente alegados”. E, se assim é - se estamos perante defesa que só é suscitada em audiência, - assiste à recorrente o direito de reagir a “novo circunstancialismo que fundamenta a defesa da Ré”. (…)». Diferentemente, no caso aqui em recurso, os factos sobre os quais foram prestados o depoimento de parte da autora e o depoimento da testemunha que a ré, com a requerida junção dos documentos, pretendia infirmar, já tinham sido sobejamente alegados nos articulados, nomeadamente, na contestação, e integravam os temas da prova (ver os pontos 3., 4. e 45. e 46. dos temas da prova, transcritos no relatório). Conclui-se, assim, pela procedência da apelação. IV – Dispositivo: Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso de apelação e, em consequência, revoga-se a decisão proferida pelo tribunal a quo, que se substitui por outra a indeferir os requerimentos de junção de documentos apresentados pela ré seguradora e a julgar intempestiva a apresentação dos mesmos, ordenando a sua devolução à apresentante. Custas do recurso a cargo da ré/apelada, nos termos do artigo 527.º Cód. Proc. Civil. Notifique. Porto, 25 de outubro de 2023 Ana Luísa Loureiro Isoleta de Almeida Costa Leonel Serôdio ______________ [1] Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Vol. IV, Coimbra Editora – 1987, pág.10. [2] Prof. Alberto dos Reis, op. cit, pág. 11. [3] Assim, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil - Os Artigos da Reforma, 2013, Vol, I, anotação ao art. 423.º, pág. 341. [4] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, op. cit., pág. 341. [5] Consta na fundamentação do acórdão que «(…) Também não se nos afigura que a junção dos documentos ao processo se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior ao prazo fixado no n.º 2 do mencionado artigo 423.º. Em sede de articulados, a recorrente veio alegar que (…). A recorrida contestou tal alegação, tendo referido que (…). Assim sendo, desde a fase dos articulados que a recorrente não poderia deixar de ter conhecimento que a questão de saber se tinha trabalhado 365 dias por ano (ou 366 em anos bissextos), desde janeiro de 2008 até à cessação do contrato de trabalho, era uma questão controversa sobre a qual incidiria a instrução do processo. Desta forma, não tem qualquer fundamento a sua alegação de que a prova documental cuja junção aos autos requereu em 19-01-2022, apenas se tornou necessária devido ao interrogatório que a Ilustre Mandatária da recorrida lhe fez na sessão de julgamento realizada em 14-07-2021. A questão (…) era uma questão que estava em debate desde a fase dos articulados, justificando a formulação de perguntas que colocassem em causa as afirmações prestadas pela recorrente em declarações de parte, sobre tal matéria. O interrogatório feito pela Ilustre Mandatária da recorrida não constitui, pois, uma “ocorrência posterior” justificativa da junção tardia da prova documental. (…)». |