Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4204/20.1T8MAI-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: PROCEDIMENTO EXTRAJUDICIAL DE REGULARIZAÇÃO DA SITUAÇÃO DE INCUMPRIMENTO (PERSI)
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
ACÇÃO JUDICIAL
PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RP2022206084204/20.1T8MAI-A.P1
Data do Acordão: 06/08/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI), instituído pelo Dec. Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, tem aplicação, obrigatória, quando o cliente bancário consumidor incorre numa situação de incumprimento de obrigações resultantes de contratos de crédito, constituindo um instrumento extrajudicial de proteção daquele, imposto às instituições bancárias, impeditivo de, antes do seu decurso, serem desencadeados procedimentos judiciais com vista à satisfação desses mesmos créditos.
II - O recurso a tal procedimento extrajudicial (com a integração em PERSI e a comunicação de extinção de tal procedimento, persistindo o incumprimento), funciona como condição de admissibilidade da ação judicial (declarativa ou executiva) pela qual a instituição bancária peticiona o pagamento. Na omissão de cumprimento, pela instituição bancária, dessa obrigação prévia (falta de PERSI), verifica-se exceção dilatória inominada, insuprível, de conhecimento oficioso, conducente à absolvição da instância (art. 18º, nº1, al. b) do referido diploma).
III - Destarte, se previamente a ação para cobrança de um concreto crédito (procedimento judicial) não tiver havido integração em PERSI, com vista à obtenção de pagamento do mesmo (prévio procedimento extrajudicial), verifica-se tal exceção dilatória conducente à absolvição da instância.
IV - E a comunicação de integração no PERSI, bem como a de extinção do mesmo, ao cliente/devedor tem de ser feita, pela instituição bancária, em suporte duradouro, isto é, tem de estar materializada em instrumento que possibilite a sua integral e inalterada reprodução (documento - cfr. art. 362.ºdo CC).
V - Sendo condição de admissibilidade da ação judicial, incumbe ao banco/exequente, que pretende lançar mão do procedimento judicial, o ónus da prova do envio (por si) e da receção (pelo cliente) de tais declarações recetícias, cabendo-lhe demonstrar, para além da sua existência e envio, a receção pelo cliente, não constituindo a mera junção aos autos de simples cartas de comunicação prova quer do seu envio quer da sua receção e, não demonstrada esta, ocorre exceção dilatória, insuprível, que determina a extinção da instância executiva.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 4204/20.1T8MAI-A.P1
Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível)
Tribunal de origem do recurso: Juízo de Execução da Maia - Juiz 2
Relatora: Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha
1º Adjunto: Maria Fernanda Fernandes de Almeida
2º Adjunto: Maria José Simões



Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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I. RELATÓRIO

Recorrente: AA
Recorrida: Banco 1..., S.A

Por apenso à ação executiva, para pagamento de quantia certa, que Banco 1..., S.A., move a BB e AA, para cobrança coerciva da quantia de €109.655,01, proveniente do incumprimento de contrato de mútuo entre eles celebrado, veio esta deduzir oposição à execução, mediante embargos, com vista à extinção da execução.
Alega, para tanto, o pagamento, pelo marido, de prestações relativas ao contrato de mútuo, não ser devida a quantia de €8.978,36, peticionada a título de despesas judiciais e extrajudiciais e o não vencimento da dívida, pois que não foi previamente interpelada para o cumprimento, não sendo devidos juros a partir da data pretendida pelo exequente.
Foram os embargos recebidos e determinada a notificação do embargado para juntar aos autos documentos comprovativos da eventual integração dos executados em PERSI e da extinção deste procedimento.
O exequente contestou, pugnando pela improcedência das exceções suscitadas pela executada e alegando que não só as prestações do contrato de mútuo exequendo tinham prazo certo de vencimento, como a falta de pagamento de uma delas implicou o imediato vencimento das restantes, como ainda os executados foram interpelados para pagar e integrados em PERSI, procedimento que se extinguiu em razão de não ter tido lugar a regularização do incumprimento.
A embargante veio impugnar os documentos juntos pelo exequente, relativos às interpelações e integração em PERSI, por entender não ter sido junta prova do seu recebimento, e defender a extinção da execução, por falta de cumprimento das normas imperativas do PERSI.
O exequente respondeu, defendendo a legalidade do seu procedimento.
Foi proferido despacho saneador, fixado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
Procedeu-se à audiência final, com a observância das formalidades legais.
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Foi proferida sentença com a seguinte parte dispositiva:
Pelo exposto, julgo a presente oposição parcialmente procedente e, em consequência, prosseguirá a execução que corre como processo principal, em relação à embargante, os seus ulteriores termos, para pagamento das seguintes quantias:
a) €91.202,37, acrescidos de juros de mora, à taxa peticionada no requerimento executivo, contados desde 12/11/2020, até integral pagamento;
b) Juros moratórios, à taxa peticionada no requerimento executivo, a incidir sobre o capital de cada uma das prestações do contrato referido na alínea A) dos factos provados, que se tenham vencido entre 31/12/2018 e 11/11/2020, juros esses contados, desde a data do vencimento de cada prestação, sobre o valor do seu capital, até 11/11/2020.
No mais, extingue-se a execução.
Custas por embargante e embargado, na proporção de 5/6 para a primeira e 1/6 para o segundo – art. 7º nº4, com referência à Tabela II, do Regulamento das Custas Processuais –, sem prejuízo do apoio judiciário concedido”.
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A embargante apresentou recurso de apelação, pugnando por que seja revogada a decisão e substituída por outra que determine a extinção da execução formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
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Respondeu a apelada sustentando não dever ser dado provimento ao recurso e dever ser mantida a decisão recorrida, concluindo:
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTOS
- OBJETO DO RECURSO
Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações da recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Assim, a questão a decidir é a seguinte:
- Da verificação da exceção dilatória inominada de preterição de sujeição de devedor a procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento, dado o incumprimento pelo banco exequente de obrigações atinentes à integração dos executados em PERSI, antes da instauração da ação, e, em consequência, se a execução deve ser julgada extinta.
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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. FACTOS PROVADOS
São os seguintes os factos considerados provados, com relevância para a decisão (transcrição):
A) Em 28/11/2000, exequente e executados outorgaram a escritura pública, intitulada de “mútuo com hipoteca”, que constitui o documento 1 do requerimento executivo e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
B) Mediante tal documento, o exequente emprestou aos executados, solidariamente e a prazo, a quantia de € 224.459,05, correspondente, àquela data, ao montante de quarenta e cinco milhões de escudos.
C) O referido empréstimo foi concedido ao juro anual fixado nos termos constantes dos pontos 5 e 6 da Escritura de Mútuo com Hipoteca e das cláusulas 7.ª e 8.ª do respetivo Documento Complementar, sendo certo que as taxas poderiam e viriam a ser alteradas de acordo com o convencionado nessas mesmas cláusulas.
D) Mais se convencionou que a verba assim emprestada e os referidos juros o seriam pelo prazo de 30 anos e haveria de ser paga nos termos convencionados e melhor descritos nos pontos 2 a 4 da Escritura de Mútuo com Hipoteca e cláusulas 4.ª e 5.ª do respetivo Documento Complementar, ou seja, sendo o capital emprestado pelo Exequente disponibilizado aos executados em tranches, e sendo de 24 (vinte e quatro) meses a contar da data da celebração do empréstimo o prazo da respetiva utilização, durante o qual seriam pagos juros em prestações trimestrais, passando os executados a reembolsar o empréstimo concedido em prestações mensais e sucessivas de capital e juros no final do trimestre seguinte àquele em que fosse utilizado todo o capital.
E) Também se convencionou, sem prejuízo da faculdade de resolução, que a falta de pagamento de qualquer das prestações aprazadas implicaria um agravamento da dívida com juros de mora, calculados à taxa que estivesse em vigor no momento do incumprimento, acrescida de uma sobretaxa, que era, àquela data de 4%, e hoje reduzida a 3%, bem como se convencionou que o incumprimento, pelos executados, de qualquer uma das obrigações contratuais para os mesmos resultantes faria assistir ao exequente o direito de pôr termo ao Contrato exigindo o integral reembolso do que lhe fosse devido por força do mesmo.
F) Ficou, ainda, estipulado que os executados haveriam de suportar todas as despesas necessárias à segurança e cobrança do empréstimo, fixadas, desde logo, para efeitos de registo, em €8.978,36.
G) Toda a quantia global assim emprestada foi efetivamente entregue pelo Exequente aos executados, nos termos melhor descritos no contrato, pelo que estes desde logo dela se confessaram devedores ao Exequente.
H) E os executados movimentaram e utilizaram em proveito próprio o valor resultante do crédito concedido, destinando-se o mesmo à construção da sua habitação própria e permanente, a implantar no prédio sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho da Trofa.
I) Os Executados não pagaram ao Exequente, relativamente ao empréstimo que se vem referindo, a prestação que se venceu em 31.12.2018, nem pagaram qualquer outra das que se venceriam posteriormente, até hoje.
J) Nessa data, encontrava-se por restituir o montante de capital de € 91.202,37.
K) Para garantia de todas as responsabilidades assumidas e emergentes do referido contrato de mútuo com hipoteca, os Executados constituíram, a favor do Exequente, hipoteca voluntária sobre o prédio urbano sito no Lugar ..., descrito na Conservatória do Registo Predial da Trofa sob o n.º ... da freguesia ... e inscrito na respetiva matriz sob o atual artigo ... da união das freguesias ... (... e ...).
L) Entre 12/11/2018 e 26/12/2018, o exequente remeteu aos executados as cartas cujas cópias constituem as fls. 1 a 16 do documento nº1 do requerimento de 15/6/2021, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, informando-os de que se encontravam vencidas e não pagas prestações relativas ao contrato mencionado em A).
M) Em 26/12/2018, o exequente enviou aos executados as cartas cujas cópias constituem as fls. 17 a 20 do documento nº1 do requerimento de 15/6/2021, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, comunicando-lhes o início de PERSI, em razão do incumprimento do contrato mencionado em A), e convidando-os a juntar os documentos referidos nessas cartas, a fim de ser avaliada a capacidade financeira dos executados e de ser obtida solução para a situação de incumprimento, sob pena de, não sendo juntos os documentos ou prestadas as informações solicitadas, o procedimento se considerar extinto.
N) Entre 10/1/2019 e 21/3/2019, o exequente enviou aos executados as cartas cujas cópias constituem fls. 21 a 45 do documento nº1 do requerimento de 15/6/2021, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, comunicando-lhes que se mantinha em falta o pagamento de prestações do contrato referido em A) e que não tinham sido rececionados os documentos solicitados nas cartas mencionadas em M), bem como insistindo pelo envio desses documentos.
O) Os executados nunca apresentaram os documentos pretendidos pelo exequente e nunca se apresentaram a colaborar com o exequente para encontrarem uma solução conjunta para a regularização do incumprimento.
P) Em 27/3/2019, o exequente enviou aos executados as cartas cujas cópias constituem fls. 46 a 49 do documento nº1 do requerimento de 15/6/2021, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, comunicando-lhes a extinção do PERSI, em razão de ter sido atingido o 91º dia desde a data de integração nesse procedimento, sem que tivesse sido regularizado o incumprimento.
Q) Entre 11/4/2019 e 4/7/2019, o exequente enviou aos executados as cartas cujas cópias constituem fls. 50 a 63 do documento nº1 do requerimento de 15/6/2021, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, comunicando a existência de prestações vencidas e não pagas, relativamente ao contrato referido em A).
R) Em 9/7/2019, o exequente enviou ao executado as cartas cujas cópias constituem fls. 64 a 66 do documento nº1 do requerimento de 15/6/2021, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, comunicando-lhe o início de PERSI, em razão do incumprimento do contrato mencionado em A), e convidando-o a juntar os documentos referidos nessas cartas, a fim de ser avaliada a capacidade financeira do executado e de ser obtida solução para a situação de incumprimento, sob pena de, não sendo juntos os documentos ou prestadas as informações solicitadas, o procedimento se considerar extinto.
S) Em 8/10/2019, o exequente enviou ao executado a carta cuja cópia constitui fls.72 do documento nº1 do requerimento de 15/6/2021, que aqui se dá por integralmente reproduzida, comunicando-lhe a extinção do PERSI, em razão de ter sido atingido o 91º dia desde a data de integração nesse procedimento, sem que tivesse sido regularizado o incumprimento.
T) As cartas referidas em L) a N) e P) a S) foram enviadas para a Rua ..., Trofa, que é a morada dos executados constante dos registos do exequente e é a morada onde a embargante foi citada para a execução.
U) Em 12/11/2020, o exequente remeteu aos executados carta registada, com aviso de receção, comunicando a resolução do contrato referido em A) e declarando imediatamente vencidas e exigíveis todas as obrigações dos executados, sendo de €91.202,37 o capital em dívida – documento 1 da contestação, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
V) A referida carta foi enviada para a Rua ..., ..., Trofa, e não foi recebida pelos destinatários, tendo sido devolvida ao exequente, com as menções “não atendeu” e “objecto não reclamado”.
W) Com este processo, o exequente despendeu as seguintes quantias: €6,00 com a obtenção de informação predial atualizada do imóvel hipotecado; €76,50 de taxa de justiça pela instauração da execução; €94,10 de honorários de Agente de Execução, fase 1; €62,73 de agravamento de taxa de justiça por o exequente ser grande litigante; €152,73 de provisão a Agente de Execução; €612,00 de taxa de justiça pela contestação aos embargos.
X) O requerimento executivo deu entrada em Juízo em 8/12/2020.
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2. FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provou qualquer outro facto com relevância para a decisão, designadamente, que:
1. Os executados procederam ao pagamento de todas as prestações referentes ao contrato mencionado em A).
2. O exequente, com a execução, despendeu €215,46 em pesquisas e certidões.
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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
- Do incumprimento, pelo credor/exequente, das obrigações atinentes à prévia integração dos executados em PERSI
Visa a executada/embargante, com a presente oposição extinguir a ação executiva intentada pelo Banco exequente, fundada em contrato de mútuo, celebrado mediante escritura pública, título extrajudicial, a que é conferida exequibilidade, por força do art. 703º, nº1, al. b), do Código de Processo Civil, abreviadamente CPC, já que se trata de documento exarado por notário, em que os executados reconhecem a obrigação de pagarem determinadas quantias ao exequente.
Estatui o art. 731º, do C.P.C., “não se baseando a execução em sentença (…), além dos fundamentos de oposição especificados no nº1 do artigo 729º, na parte em que sejam aplicáveis, podem ser alegados quaisquer outros que possam ser invocados como defesa no processo de declaração”.
Apreciou o tribunal a quo os fundamentos invocados pela embargante e, estando o objeto do recurso balizado pelas conclusões das alegações, sendo que o recurso se circunscreve aos fundamentos dos embargos deduzidos, apreciados pelo tribunal a quo, não podendo ser apreciadas por este tribunal questões novas, salvo se de conhecimento oficioso[1], a única questão a conhecer é a do invocado incumprimento, pelo credor/exequente, das obrigações atinentes à integração dos executados em PERSI.
Entendeu o Tribunal a quo não se verificar o impedimento a que alude o art. 18º, nº1, al. b) e nº4, do DL 227/2012, de 25-10, e julgou improcede o fundamento de embargos a apreciar neste recurso, nos seguintes termos:
“De acordo com os arts. 2º nº1 a) e b), 12º, 14º nº1 e 4, 15º do DL 227/2012 de 25-10 [redacção à data da sua entrada em vigor], encontrando-se os executados em mora no cumprimento de obrigações decorrentes do contrato exequendo, o exequente teria de os integrar no PERSI, informando-os de tal facto no prazo máximo de 5 dias, através de comunicação em suporte duradouro. Deveria o exequente, depois, avaliar a capacidade financeira dos executados, podendo solicitar-lhes as informações e documentos necessários e adequados para tanto, tendo os executados a obrigação de entregar tais documentos, no prazo de 10 dias.
Compulsada a matéria provada, constata-se que o exequente cumpriu as suas obrigações, resultantes daquelas normas, sendo antes os executados quem não cumpriu a sua obrigação de entrega de documentos, assim impossibilitando o exequente de avaliar a sua capacidade financeira.
Deste modo, podia o exequente, como fez, considerar extinto, em 27/3/2019, o PERSI – cfr. arts. 17º nº1 c) e nº2 d) do DL 227/2012 –, e efectuar, como fez, a comunicação de extinção na forma legal (nº3, do mesmo art. 17º).”.
Conclui a apelante que a Sentença, que assim decidiu, violou as normas constantes dos artigos 14.º, n.º1 e n.º 4, 17.º, n.º 1, alínea c) e n.º 4 do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, pois que se verifica falta de prova, pela Exequente, da receção, pela Recorrente, das comunicações de integração e extinção do PERSI alegadamente enviadas, e tal era essencial, pois que o PERSI constitui condição de procedibilidade da ação executiva para cobrança do seu crédito. Sustenta que não se tendo a Exequente assegurado de que tais comunicações chegaram, efetivamente, ao conhecimento da Recorrente, não poderia ter intentado a ação executiva, correspondendo a sua falta a exceção dilatória inominada, conducente à extinção da execução.


- Do preenchimento das condições de admissibilidade da ação
Insurge-se a apelante contra a decisão por se não verificar a referida condição de procedibilidade da ação executiva para cobrança do seu crédito, correspondendo a uma exceção dilatória inominada, conducente à extinção da execução, dada a falta de prova, pela Exequente, da receção, pela Recorrente, das comunicações de integração e extinção do PERSI.
Conclui a Apelada não se encontrar impedida de intentar ação judicial para cobrança coerciva do seu crédito, pois que o envio de cartas simples para a morada da executada basta para que as referidas comunicações sejam eficazes.
Colocada se mostra à apreciação deste tribunal de recurso a questão de saber se para ser admissível instaurar ação executiva tinha de ter havido integração em procedimento de PERSI, com demonstração das respetivas comunicações de integração e extinção do PERSI rececionadas pelos devedores a ele sujeitos, ónus a cargo da instituição bancária Exequente/embargada.
Decidimos já, no Acórdão desta Relação de 4/5/2022, proc. 3751/20.0T8MAI.P1, o que aqui se mantém, que o DL n.º 227/2012, de 25 de Outubro, estabeleceu a obrigatoriedade de um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), prévio relativamente a ação judicial, seja ela declarativa ou executiva.
Bem se considerou, aí, ter o Tribunal a quo decidido[2] e, na verdade, funcionar a comunicação de extinção do “PERSI” como condição de admissibilidade de ação judicial (declarativa ou executiva), constituindo a sua falta exceção dilatória insuprível que determina a extinção da instância, nos termos do artigo 576º, n.º 2, do Código de Processo Civil, sendo a verificação dessa exceção de conhecimento oficioso.
E, no caso, de envio de cartas simples, não resultando demonstrada a receção das comunicações não verificada se mostra a condição de admissibilidade da ação, ou de procedibilidade, a situação dos autos.
Vejamos.
O Regime do PERSI, consagrado no DL n.º 272/2012, de 25 de outubro, em vigor desde 1 de janeiro de 2013, como analisado no Ac. desta Relação de 7/3/2022, proc. 266/10.8TBVLC-B.P1, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador Pedro Damião e Cunha, em que a ora relatora foi adjunta: “veio obstar que as instituições bancárias confrontadas com situações de mora ou incumprimento relativamente a contratos de crédito pudessem imediatamente recorrer às vias judicias para obterem a satisfação dos seus créditos relativamente aos devedores que possam integrar o conceito de “consumidores”, tal como este é tratado pela Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril), visando, com isso, e através dos mecanismos nele previstos, a protecção dos que, na relação contratual da qual emergiram aqueles contratos, têm uma posição mais enfraquecida e menos protegida.
Desta forma, após a entrada em vigor do referido diploma, as instituições bancárias ficam obrigadas a promover várias diligências relativamente a clientes bancários em mora ou incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, tendo de integrá-los, obrigatoriamente, no chamado Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) (artigo 12.º e 14º do citado DL nº 272/2012, de 25 de Outubro), “no âmbito do qual devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objectivos e necessidades do consumidor”.
De entre as situações em que a instituição de crédito terá necessariamente de iniciar o PERSI, inclui-se aquele em que “O cliente bancário se encontre em mora relativamente ao cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito e solicite, através de comunicação em suporte duradouro, a sua integração no PERSI”.
Assim, o DL 227/2012 de 25.10 veio determinar - tendo em conta uma especial necessidade de acompanhamento permanente e sistemático da execução dos contratos de crédito, decorrente da actual e progressiva degradação das condições económicas e financeiras - que todas as instituições de crédito criem um Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI), definindo procedimentos e medidas de acompanhamento da execução dos contratos de crédito que possibilitem o cumprimento.
Trata-se de um conjunto de medidas e procedimentos destinados a impulsionarem e facilitarem a regularização extrajudicial (evitando o recurso aos tribunais) das situações de incumprimento dos contratos de crédito celebrados pelas instituições de crédito com clientes que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos por factos de natureza diversa, em especial o desemprego e a quebra anómala dos rendimentos auferidos em conexão com as actuais dificuldades económicas, designadamente, através da criação do PERSI (procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento) no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do cliente e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objectivos e necessidades daquele.
Impõe a estas instituições, entre outras, a adopção célere de medidas susceptíveis de prevenir o incumprimento. (V, detalhe no artigo 6.º, do Aviso do Banco de Portugal n.º 17/2012 e anexo I) a disponibilizar, aos clientes bancários, informação sobre os procedimentos implementados para a regularização das situações de incumprimento em resultado da aplicação das regras previstas no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro e legislação complementar – dever de informação a todos os clientes bancários que se encontrem em situação de mora no cumprimento dos contratos de crédito (situações de mora anteriores ou posteriores à entrada em vigor da legislação em causa).
Certo é que, no período compreendido, entre a data de integração do cliente no PERSI e a extinção, por qualquer motivo, deste procedimento, as instituições de crédito estão impedidas de:
– Resolver o(s) contrato(s) de crédito com fundamento em incumprimento;
– Intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação dos respectivos créditos;
– Ceder a terceiros uma parte ou a totalidade do(s) crédito(s) em causa;
– Transmitir a terceiro a sua posição contratual.
Pelo que, sendo a integração de cliente bancário no PERSI, obrigatória, quando verificados os seus pressupostos, a acção judicial destinada a satisfazer o crédito, só poderá ser intentada pela instituição de crédito contra o cliente bancário, devedor mutuário, após a extinção do PERSI (cfr. art. 18, nº1, al. b) do Decreto-Lei nº 227/2012)”.
Mais se analisa no referido Acórdão “o próprio preâmbulo do diploma explica que: “A concessão responsável de crédito constitui um dos importantes princípios de conduta para a actuação das instituições de crédito. A crise económica e financeira que afecta a maioria dos países europeus veio reforçar a importância de uma actuação prudente, correcta e transparente das referidas entidades, em todas as fases das relações de crédito estabelecidas com os seus clientes enquanto consumidores na acepção dada pela Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril.
A degradação das condições económicas e financeiras sentidas em vários países e o aumento do incumprimento dos contratos de crédito, associado a esse fenómeno, conduziram as autoridades a prestar particular atenção à necessidade de um acompanhamento permanente e sistemático, por parte de instituições, públicas e privadas, da execução dos contratos de crédito, bem como ao desenvolvimento de medidas e de procedimentos que impulsionem a regularização das situações de incumprimento daqueles contratos, promovendo ainda a adopção de comportamentos responsáveis por parte das instituições de crédito e dos clientes bancários e a redução dos níveis de endividamento das famílias”.
Enquanto o artigo 2º deste diploma legal estabelece o tipo contratual a que se aplica o PERSI estipulando que:
“1– O disposto neste diploma aplica-se aos seguintes contratos de crédito celebrados com clientes bancários:
a) - Contratos de crédito para a aquisição, construção e realização de obras em habitação própria permanente, secundária ou para arrendamento, bem como para a aquisição de terrenos para construção de habitação própria;
b) - Contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel;
c) - Contratos de crédito a consumidores abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de Junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de Junho, com excepção dos contratos de locação de bens móveis de consumo duradouro que prevejam o direito ou a obrigação de compra da coisa locada, seja no próprio contrato, seja em documento autónomo;
d) - Contratos de crédito ao consumo celebrados ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de Setembro, alterado pelos Decretos-Leis nºs 101/2000, de 2 de Junho, e 82/2006, de 3 de Maio, com excepção dos contratos em que uma das partes se obriga, contra retribuição, a conceder à outra o gozo temporário de uma coisa móvel de consumo duradouro e em que se preveja o direito do locatário a adquirir a coisa locada, num prazo convencionado, eventualmente mediante o pagamento de um preço determinado ou determinável nos termos do próprio contrato;
e) - Contratos de crédito sob a forma de facilidades de descoberto que estabeleçam a obrigação de reembolso do crédito no prazo de um mês.”
Já o art. 3º, nº 1 subsequente vem definir o que se entende neste âmbito por cliente bancário prescrevendo que “para efeitos do presente diploma, entende-se por:
a) - «Cliente bancário» o consumidor, na acepção dada pelo n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, que intervenha como mutuário em contrato de crédito;”
Não restam assim dúvidas que se trata de procedimento apenas aplicável aos contratos elencados no artigo 2º, desde que celebrados com clientes enquadráveis no conceito legal de consumidor para efeitos da lei do consumo[3].
Por sua vez o artigo 2º da lei 67/2003 de 8 de Abril que transpôs para o ordenamento jurídico nacional a Directiva 1999/44/CE do Parlamento e do Conselho de 25 de Maio de 1999. dispõe: “1– Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios”.
Esta noção de consumidor foi introduzida com as alterações levadas a cabo pelo Decreto-Lei 84/2008 de 21 de Maio, já que antes era feita por remissão para a LDC.
Acresce que a definição de consumidor adoptada é substancialmente distinta daquela que consta na Directiva transposta (Alínea a) do nº 2 do Art.º 1.º da Directiva 1999/44/CE), uma vez que, segundo esta, consumidor é “qualquer pessoa singular que, nos contratos abrangidos pela presente directiva, actue com objectivos alheios à sua actividade comercial ou profissional”.
O conceito de consumidor foi consagrado na lei 67/2003 adoptou o seu sentido estrito uma vez que surge definido como aquele que adquire um bem ou serviço para uso privado (utilização doméstica, familiar ou pessoal) e bem assim, a sua determinação é feita exclusivamente com base no destino dado aos bens ou serviços adquiridos[4].
Consumidor será assim para efeitos da referida lei qualquer pessoa que não destine o bem ou serviço adquirido a um uso profissional ou um profissional, desde que não actuando no âmbito da sua actividade e desde que adquira bens ou serviços para uso pessoal ou familiar.
Nesta sequência pode-se concluir “que o elemento subjectivo de cliente bancário na acepção dada pelo Regime Geral (citado DL nº 227/2012) inclui, por remissão do conceito de consumidor da LDC, em termos lógicos e teóricos, todo aquele, pelo que inclui pessoas físicas ou jurídicas. Facto que também será defensável à luz do Preâmbulo do Regime Geral, uma vez que este se refere a consumidores (no sentido que se coaduna com a LDC) que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos por factos de diversa natureza, o que poderá dar alguma margem para dúvidas na interpretação neste âmbito. No entanto, esta disposição não contraria o elemento subjectivo todo aquele.
O elemento objectivo neste caso não será no sentido amplo da LDC, porque não se trata de fornecimento de bens, prestação de serviços ou transmissão de direitos, trata-se sim de todo aquele que celebra contratos de crédito elencados no nº 1 do art. 2.º do Regime Geral (…).
O elemento teleológico restringe a amplitude do conceito, ao determinar a sua aplicação apenas aos casos de uso não profissional, excluindo do conceito todas as pessoas físicas ou jurídicas que actuam no âmbito de uma actividade profissional.
Por maioria de razão, o Regime Geral não abrange sociedades, por se partir do princípio que estas celebram créditos para fins profissionais”[5].
Assim, “para efeitos da aplicação do Regime Geral, entende-se que a noção cliente bancário poderá definir-se como todo aquele que celebrou qualquer contrato de crédito incluído no elenco previsto no âmbito do art. 2.º n.º 1 do Regime Geral, destinado a uso não profissional, com Instituição de Crédito habilitadas a efectuar operações de crédito em Portugal, nos termos do RGICSF”[6]”[7] .
Destarte, o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento constitui um mecanismo de proteção aplicável a clientes bancários consumidores que estejam em incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, pacificamente o caso, obviando a que as instituições bancárias possam, ante um incumprimento, desencadear, de imediato, os procedimentos judiciais com vista à satisfação dos seus créditos, sendo que a omissão do PERSI integra exceção dilatória inominada que determina a absolvição do Réu da instância. É ao Autor/ou Exequente que cabe o ónus de alegar e provar a existência, o envio e a receção pelo devedor das comunicações exigidas no âmbito do PERSI e, na falta de factos indiciadores de má-fé, a invocação pelo devedor das normas jurídicas do regime jurídico do PERSI a seu favor não constitui qualquer abuso do direito[8]. Na falta de factos indiciadores de má-fé, a invocação pelo cliente-bancário das normas jurídicas do regime jurídico do PERSI a seu favor constitui o normal exercício de um direito, sendo que estamos perante uma relação jurídica caraterizada por uma acentuada assimetria informativa, em que a lei inculca uma especial responsabilidade nas instituições bancárias considerando o cliente bancário-consumidor como a parte mais fraca[9].
O recurso a tal procedimento, de aplicação obrigatória quando o cliente bancário (consumidor) incorre numa situação de mora ou de incumprimento de obrigações resultantes de contratos de crédito, nos moldes consignados pelos seus artigos 2.º, n.º 1, e 14.º, n.º 1, do DL nº 227/2012, de 25 de outubro, constitui condição prévia de admissibilidade à instauração de ação pela qual a instituição bancária peticiona o pagamento da dívida ou mesmo declaração de insolvência de clientes bancários que entraram em incumprimento do contrato de mútuo, e sendo a ação intentada com preterição daquela obrigação, estar-se-á perante uma exceção dilatória inominada, a qual é insuprível e de conhecimento oficioso, acarretando a absolvição da instância dos requeridos[10].
Com efeito, a “falta de integração obrigatória do cliente bancário no PERSI [aprovado pelo Dec. Lei nº 227/2012, de 25/10], quando reunidos os pressupostos para o efeito, constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, intente ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito”, sendo que “O incumprimento do regime legal da integração obrigatória do cliente bancário no PERSI traduz-se numa falta de condição objetiva de procedibilidade que é enquadrada, com as necessárias adaptações, no regime jurídico das exceções dilatórias (atípicas ou inominadas)[11]. A integração em PERSI e a comunicação de extinção do procedimento funcionam como uma condição de admissibilidade da ação, declarativa ou executiva, constituindo a sua falta exceção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância (art. 18º/1 b) do DL 227/2012 de 25 de outubro)[12].
Deixando os devedores/consumidores, de pagar as prestações do crédito, entrando em mora, cabe à instituição de crédito/credora, contactá-los para negociar soluções de pagamento para a regularização extrajudicial de situações de incumprimento de contratos de crédito, beneficiando aqueles no procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento de direitos e de garantias, consagrados para facilitar a obtenção de um acordo com as instituições de crédito na regularização de situações de incumprimento, evitando o recurso aos tribunais.
Caindo o caso no âmbito de aplicação do referido diploma, bem resulta o dever para o Banco Exequente de integrar o contrato em PERSI e para o fazer tem a sua intenção e declaração de ser levada ao conhecimento do cliente/devedor.
Ora, cabendo a prova da comunicação ao banco, resulta que o mesmo se limitou a enviar carta simples, não podendo daí resultar demonstração da, respetiva, receção.
Embora se não exija o envio de carta registada com aviso de receção nem de carta registada, certo é que sendo necessária prova da receção, não resulta que comunicação à embargante, com vista a, com recurso ao procedimento em causa, ser alcançada a regularização da dívida, sem sobrecarga da máquina judicial, tenha sido efetuada, sequer que tenha sido por culpa da embargante que o não foi, pois que sendo enviada mera carta simples de tal envio não pode sequer resultar prova de que a carta chegou à esfera de conhecimento daquela.
Ora, “Nos termos do n.º 4 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, que instituiu o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), a instituição de crédito deve informar o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro”, sendo que o “envio de uma carta, desacompanhada de aviso de receção, na ausência de prova sobre o efetivo recebimento da carta, é insuficiente para provar que a mencionada comunicação do banco ao cliente foi feita”[13].
E “devendo a instituição de crédito informar o cliente bancário (através de comunicação em suporte duradouro) da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento, nos termos do nº 3 do art. 17 do DL nº 227/2012, de 25.10, deve considerar-se como inexistente ou inválida tal comunicação se a mesma não indicar qualquer fundamento para a extinção do procedimento”, funcionando comunicação de extinção do PERSI “como uma condição de admissibilidade da ação executiva, constituindo a sua falta exceção dilatória insuprível que determina a extinção da instância executiva quanto ao crédito correspondente”[14].
Neste conspecto, na verdade, e como decidiu o STJ, “I-A comunicação de integração no PERSI, bem como a de extinção do mesmo, constituem condição de admissibilidade da acção (declarativa ou executiva), consubstanciando a sua falta uma excepção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância (art. 576.º, n.º 2, do CPC). II-Tais comunicações têm de lhe ser feitas em suporte duradouro, ou seja, a sua representação através de um instrumento que possibilite a sua reprodução integral e inalterada, e, portanto, reconduzível à noção de documento constante do art. 362.ºdo CC. III - Tratam-se de declarações receptícias, constituindo ónus da exequente demonstrar a sua existência, o seu envio e a respectiva recepção pela executada. IV - A simples junção aos autos das cartas de comunicação e a alegação de que foram enviadas à executada, não constituem, por si só, prova do envio e recepção das mesmas pela executada…”[15].
A apesar do que refere nas contra alegações, bem cita, até, a recorrida acórdão no sentido de impender sobre o Banco o ónus de alegação e prova da notificação à cliente da abertura e encerramento do PERSI. Ora, nenhuma prova de tais notificações é feita pela instituição bancária exequente. Com efeito, do facto de emitir e enviar cartas simples, não decorre que as mesmas tenham chegado à morada da executada, sequer que a exequente tenha colocado os documentos em condições de poderem ser conhecidos pelos executados. Situação diversa se verificaria se em vez terem sido enviadas cartas simples tivessem sido remetidas cartas registadas que tivessem chegado à morada dos executados e tivesse sido por culpa deles que não tivessem sido recebidas (por as recusarem ou por as não irem levantar apesar de avisados), face ao que dispõe o nº2, do art. 224º, do Código Civil e conforme bem se refere no Douto Acórdão a que a apelada alude no ponto IX, da sua resposta, acima citado[16].
A omissão de integração em PERSI configura uma inobservância dos princípios e finalidades que presidiram à consagração do regime legal e do procedimento em apreço, inviabilizando a possibilidade de obter a regularização do incumprimento verificado, o que, para além de ser do interesse das partes, é de interesse público, por afastar dos Tribunais situações que o legislador entendeu não deverem chegar, sem mais, àquela tutela.
Neste conspecto, não verificada a condição de admissibilidade da ação, vedada está a possibilidade de cobrança coerciva.
Obrigada estava a Exequente a submeter a alegada dívida dos executados, vencidas e não pagas, ao regime do PERSI, impondo-se-lhe o desencadear de tal regime, com notificação dos devedores, constitui a sua inobservância, impedimento à instauração de ação e, instaurada, não pode a mesma prosseguir, procedendo a exceção dilatória decorrente do regime plasmado no artigo 18.º, n.º 1 al. b) do DL n.º 227/2012, de 25/10.
Em suma: se previamente à ação para cobrança de um específico, concreto, crédito (procedimento judicial) não houve integração em PERSI com vista à obtenção de pagamento do mesmo (prévio procedimento extrajudicial), que, para existir, ser válido e eficaz, tem de ser iniciado e efetivamente levado ao conhecimento do devedor, faltando a prova da receção das comunicações, o caso, verifica-se exceção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância (art. 18º/1 b) do DL 227/2012 de 25 de outubro).
Procedem, por conseguinte, as conclusões da apelação e, ocorrendo a violação dos apontados normativos, não pode a decisão recorrida ser mantida.
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III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogando a decisão recorrida, julgam extinta a execução.
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Custas pela apelada, pois que ficou vencida – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.

Porto, 8 de junho de 2022
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
Maria José Simões
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[1] Cfr. Ac. RP de 6/9/2021, proc. 7702/19.6T8PRT.P1, onde sumariado vem “O sistema de recursos vigente assenta num modelo de modelo de revisão ou reponderação, por contraponto a um modelo de reexame. Como assim, os juízes do tribunal de 2ª instância, ao proferirem a sua decisão, encontram-se numa situação idêntica à do juiz da 1ª instância no momento de proferir a sua sentença, valendo para a 2ª instância as preclusões, ao nível das questões de facto e de direito, ocorridas na 1ª instância” e “Nesta linha de raciocínio, os recursos são os meios de impugnação de uma determinada decisão judicial e para obter o reexame das questões submetidas à apreciação do tribunal recorrido, e não para criar decisões sobre matéria de facto nova, não submetida ao exame daquele tribunal, salvo se se tratar de matéria de conhecimento oficioso”.
[2] “dispõe o artigo 12º do DL n.º 227/2012, de 25 de Outubro, que as instituições de crédito devem promover as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito.
Com o denominado PERSI pretendeu o legislador estabelecer, mediante normas imperativas, uma ordem pública de proteção do cliente/devedor/consumidor em situação de mora no cumprimento, visto como parte frágil na relação e, por isso, carecido de especial proteção, deixando a cargo da contraparte (uma entidade de crédito) especiais deveres de informação, esclarecimento e proteção.
É nesse âmbito que é imposta a abertura, tramitação e encerramento de um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, que constitui uma fase pré-judicial destinada à composição do litígio, por mútuo acordo, entre credor e devedor, contemplando uma fase inicial, uma fase de avaliação e proposta e uma fase de negociação.
Por outro lado, enquanto não ocorrer extinção do PERSI, está vedada à entidade de crédito a instauração de procedimentos/ações judiciais com a finalidade de obter a satisfação do seu crédito.
No quadro daqueles deveres de informação, esclarecimento e proteção, cabe à entidade de crédito dar oportunidade ao contacto e negociação com a contraparte (devedor/ cliente/ consumidor), sem o que seria ilusória a esfera de proteção estabelecida, para o que cabe ao credor dar conhecimento à contraparte da abertura e do encerramento do PERSI, impendendo sobre si o ónus da alegação e prova da respetiva notificação (cfr. neste sentido, Ac. da Relação de Coimbra, datado de 19-06-2018, proferido no âmbito do processo que correu termos sob o n.º 29358/16.8YIPRT, disponível para consulta in www.dgsi.pt).
Ora, a comunicação de extinção do PERSI funciona como uma condição de admissibilidade da ação, declarativa ou executiva, constituindo a sua falta excepção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância.
A integração no PERSI e a sua extinção devem ser comunicadas pela instituição de crédito ao cliente através de comunicação em suporte duradouro, como decorre do disposto nos artigos 3º, alínea h), 14 n.º 4, e 17º n.º 3, todos do DL n.º 227/2012,de 25 de Outubro.
De facto, como supra se referiu, decorre expressamente do disposto no artigo 18° n.° 1, alínea b) do DL n.° 227/2012, de 25/10, que até ao encerramento do procedimento extrajudicial da regularização da situação de incumprimento, a instituição bancária encontra-se impedida de instaurar procedimentos ou acções judiciais com a finalidade de satisfação desses créditos.
Por outro lado, as resoluções contratuais operadas pela autora também não são válidas, por violarem o disposto no preceito supra citado.
Com efeito, ali se refere que no período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento.
O não cumprimento deste preceito legal origina a verificação de uma excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, uma vez que se está perante o incumprimento de norma imperativa, a qual constitui uma condição objetiva de procedibilidade.
Acresce que a referida falta de condição objetiva de procedibilidade conduz à absolvição da instância, não sendo o vício decorrente de tal omissão sanável no âmbito da acção judicial.
Nessa medida, a instituição de crédito só pode instaurar ação judicial destinada à cobrança do crédito após a extinção do PERSI quando haja lugar a este, sendo que nos termos do artigo 17º n.º 4 do diploma supra citado a extinção do PERSI só produz efeitos após a comunicação referida no n.º 3 do mesmo preceito”.
[3] Como refere Andreia Engenheiro, in “O crédito bancário: a prevenção do risco e gestão de situações de incumprimento” – dissertação de mestrado, sob a orientação de Jorge Morais Carvalho, Julho de 2015, pág. 19 (disponível na internet): “O âmbito do Regime Geral é delimitado pelo n.º 1 do art. 2.º, aplicando-se apenas aos contratos de crédito elencados no referido artigo, celebrados com clientes bancários. Assim, esta restrição consubstancia-se em dois planos: i) em relação aos contratos de crédito que no referido artigo são elencados e ii) em relação a esses mesmos contratos celebrados tão só com clientes bancários. Esta disposição permite desde logo compreender a ratio do diploma, uma vez que restringe a sua aplicação aos contratos celebrados com aqueles que cabem no âmbito do conceito de cliente bancário”. V., no mesmo sentido, Paulo Câmara, in “Crédito bancário e prevenção do risco de incumprimento: uma avaliação crítica do novo procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI). In (Coord. Catarina Serra) - II Congresso de Direito da Insolvência, Almedina, 2014, págs. 313 e ss.: “O âmbito do diploma que consagra o PERSI é objecto de uma dupla delimitação. No conceito de cliente bancário, o DL 227/2012 remete para o conceito de consumidor estabelecido na Lei do Consumidor. Através desta remissão ficam afastadas do âmbito do PERSI os contratos de crédito para utilização profissional. Por outro lado, o conceito de contrato de crédito circunscreve-se aos que estão previstos no âmbito da aplicação do art. 2º do diploma”.
[4] Neste sentido, Januário da Costa Gomes, “Ser ou não ser conforme, eis a questão. Em tema de garantia legal de conformidade na venda de bens de consumo”, in Cadernos de Direito Privado, nº 21, Porto, 2008, p. 3, João Calvão da Silva, “Responsabilidade Civil do Produtor”, Coimbra, 2003, pág. 58 e Ac. do STJ de 20/10/ 2011 processo nº 1097/04.0TBLLE.E1.S1, in www.dgsi.pt.
[5] Andreia Engenheiro, in “O crédito bancário: a prevenção do risco e gestão de situações de incumprimento”, págs. 23 e 24.
[6] Andreia Engenheiro, Ob. cit., pág. 25.
[7] Ac. RP de 7/3/2022, proc. 266/10.8TBVLC-B.P1
[8] Ac. da RC de 8/3/2022, proc. 824/20.2T8ANS.C1, in dgsi.pt
[9] Ac. do STJ de 16/11/2021, proc. 21827/17.9T8SNT-A.L1.L1.S1, in dgsi.pt
[10] Ac. da RL de 12/10/2021, proc. 4270/21.2T8SNT-B.L1-1, in dgsi.pt
[11] Ac. da RC de 15/12/2021, proc. 930/20.3T8ACB-A.C1, in dgsi.pt
[12] Ac. da RP de 7/2/2022, proc. 1091/20.3T8OVR-A.P1, in dgsi.pt
[13] Ac. da RC de 28/11/2018, proc. 494/14.7TBFIG-A.C1, in dgsi.pt
[14] Ac.RL de 13/10/2020, proc. 15367/17.3T8SNT-A.L1-7, in dgsi.pt
[15] Ac. do STJ de 13/4/2021, proc. 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1, in dgsi.pt
[16] Cfr., ainda, entre muitos, Ac. do STJ de 26/6/2014, proc. 2245/05: Sumários, 2014, p. 394 “Demonstrado que a carta expedida para o recorrente só não foi por ele recebida em virtude de culpa sua, isto é, por o devedor não ter mostrado disponibilidade para a receber (o credor remeteu a declaração … para a morada que o devedor lhe havia indicado para o efeito) segue-se que isso equivale a dizer que a declaração dirigida ao destinatário da carta é eficaz perante ele”, citado em Abílio Neto, Código Civil Anotado, 20ª Edição Atualizada, abril 2018, Ediforum, pág. 128