Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MÁRCIA PORTELA | ||
Descritores: | INJUNÇÃO CAUSA DE PEDIR INEPTIDÃO | ||
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Nº do Documento: | RP2025021126770/23.0YIPRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 02/11/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A causa de pedir, juntamente com o pedido, delimita os poderes de cognição do Tribunal (princípio do dispositivo – artigos 5.º, 609 e 615.º, n.º 1, alíneas d) e e), CPC) e define os parâmetros do caso julgado, e, não menos importante, desempenha um papel fundamental para permitir o exercício do contraditório (artigos 3.º CPC e 569.º e ss. CPC). II - Não padece de ineptidão por falta de causa de pedir o requerimento de injunção em que se identificam as partes e a sua actividade comercial, e se alega a celebração de um contrato, a natureza dos bens transaccionados, o montante total da dívida e a identificação das facturas respectivas pela data de emissão, de vencimento e valor. III - Esta alegação pode ser complementada pela junção das facturas donde consta, para além do mais, a indicação dos bens transaccionados, quantidade, valor unitário e valor total, e ainda a data da entrega dos bens, que corresponde a data da emissão das facturas. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Apelação n.º 26770/23.0YIPRT.P1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto Relatora: Marcia Portela 1.ª Adjunta: Maria Eiró 2.º Adjunto: João Proença 1. Relatório A..., Ld.ª, instaurou processo especial de injunção contra AA apresentando o seguinte requerimento: O(s) requerentes(s) solicita(m) que seja(m) notificado(s) o(s) requeridos, no sentido de lhe(s) ser paga a quantia de € 40.846,47 conforme discriminação e pela causa a seguir indicada: Capital: € 36.045,40 Juros de mora: € 4.148,07 a taxa de 0,00% desde até a presente data; Outras quantias: € 500,00 Taxa de Justiça paga: € 153,00 Exposição dos factos que fundamentam a pretensão: Data do contrato: 30-05-2020 Período a que se refere: 30-05-2020 a 11-11-2022 Contrato de: Fornecimento de bens ou serviços Contrato nº: 1 - A Requerente é uma sociedade comercial que se dedica ao comércio por grosso de artigos e alimentos para animais, bem como ainda, o comércio e distribuição de gás butano e propano, quer para revenda autorizada quer para o consumidor final. 2 - No exercício da sua actividade comercial, a Requerente celebrou com o Requerido, diversos fornecimentos de bens, relacionados com o âmbito de actividade daquela, e melhor descriminados nas facturas infra. 3- O Requerido é um empresário em nome individual, cujo ramo de actividade é a revenda ao consumidor final de diversos produtos, de entre os quais gás butano e gás propano, que foram o objeto do fornecimento de bens celebrados. 4 - As transacções comerciais operadas entre a Requerente e o Requerido, enquadram-se no regime aplicável às medidas contra o atraso nos pagamentos de transacções comerciais, previstas no DL 62/2013, de 10 de maio. 5 - No exercício da sua actividade comercial, a Requerente vendeu ao Requerido, e este comprou diversos bens por si comercializados, entre os quais, os constantes das facturas melhor descritas infra, cujo objecto foi o fornecimento de garrafas de gás butano e garrafas de gás propano, no montante global total de €: 36.045,40, IVA incluído, que emitiu e enviou ao Requerido. 6 - O Requerido recebeu os bens e não reclamou. 7 - O preço constante das referidas facturas deveria ser pago pelo Requerido à Requerente nas datas de vencimento, melhor descritas na lista de facturas infra. 8 - O Requerido ainda não pagou à Requerente o preço constante das citadas facturas, na data do seu vencimento ou posteriormente. 9 - Não obstante, constantemente interpelado para tal. 10 - Desde a respectiva data de vencimento de cada uma das facturas, estão vencidos juros à taxa legal para as operações comerciais de 7,00% até ao dia 31-12-2022, e de 9,50% desde o dia 01-01-2023 até à presente data, no montante global de €: 4.148,07. 11 - Em despesas administrativas para tentar obter a satisfação do seu crédito, nomeadamente, deslocações e interpelações pelas mais diversas vias e diversos meios ao longo dos anos, a Requerente gastou a quantia total de €: 500,00. Lista descriminada de facturas emitidas em nome do Requerido: FT/1/... vencida a 30-05-2020, no valor de € 531,73; FT/1/... vencida a 11-06-2020, no valor de € 814,20; FT/1/... vencida a 04-07-2020, no valor de € 77,55; FT/1/... vencida a 17-07-2020, no valor de € 666,48; FT/1/... vencida a 23-07-2020, no valor de € 814,20; FT/1/... vencida a 13-08-2020, no valor de € 188,31; FT/1/... vencida a 16-08-2020, no valor de € 77,55; FT/1/... vencida a 18-09-2020, no valor de € 1.056,15; FT/1/... vencida a 01-10-2020, no valor de € 692,24; FT/1/... vencida a 21-10-2020, no valor de € 379,74; FT/1/... vencida a 31-10-2020, no valor de € 697,41; FT/1/... vencida a 13-11-2020, no valor de € 772,72; FT/1/... vencida a 09-12-2020, no valor de € 470,39; FT/1/... vencida a 19-12-2020, no valor de € 615,12; FT/1/... vencida a 21-01-2021, no valor de € 862,69; FT/1/... vencida a 23-01-2021, no valor de € 305,35; FT/1/... vencida a 30-01-2021, no valor de € 898,99; FT/1/... vencida a 18-02-2021, no valor de € 753,19; FT/1/... vencida a 26-02-2021, no valor de € 398,95; FT/1/... vencida a 12-03-2021, no valor de € 422,38; FT/1/... vencida a 19-03-2021, no valor de € 316,79; FT/1/... vencida a 02-04-2021, no valor de € 331,55; FT/1/... vencida a 08-04-2021, no valor de € 832,73; FT/1/... vencida a 22-04-2021, no valor de € 773,61; FT/1/... vencida a 19-05-2021, no valor de € 1.164,28; FT/1/... vencida a 17-06-2021, no valor de € 773,61; FT/1/... vencida a 03-07-2021, no valor de € 856,65; FT/1/... vencida a 12-08-2021, no valor de € 1.276,58; FT/1/... vencida a 28-08-2021, no valor de € 773,61; FT/1/... vencida a 10-09-2021, no valor de € 304,07; FT/1/... vencida a 22-09-2021, no valor de € 773,61; FT/1/... vencida a 22-10-2021, no valor de € 552,39; FT/1/... vencida a 18-11-2021, no valor de € 1.473,29; FT/1/... vencida a 30-12-2021, no valor de € 1.086,95; FT/1/... vencida a 02-01-2022, no valor de € 1.135,17; FT/1/... vencida a 19-01-2022, no valor de € 199,26; FT/1/... vencida a 21-01-2022, no valor de € 754,73; FT/1/... vencida a 06-02-2022, no valor de € 887,69; FT/1/... vencida a 23-03-2022, no valor de € 1.334,43; FT/1/... vencida a 03-04-2022, no valor de € 987,32; FT/1/... vencida a 16-04-2022, no valor de € 123,74; FT/1/... vencida a 29-04-2022, no valor de € 402,39; FT/1/... vencida a 29-04-2022, no valor de € 927,24; FT/1/... vencida a 13-05-2022, no valor de € 410,62; FT/1/... vencida a 22-05-2022, no valor de € 699,92; FT/1/... vencida a 05-06-2022, no valor de € 437,63; FT/1/... vencida a 24-06-2022, no valor de € 1.073,64; FT/1/... vencida a 24-07-2022, no valor de € 689,11; FT/1/... vencida a 17-08-2022, no valor de € 106,00; FT/1/... vencida a 19-08-2022, no valor de € 658,52; FT/1/... vencida a 09-10-2022, no valor de € 1.432,43; FT/1/... vencida a 26-10-2022, no valor de € 498,40; FT/1/... vencida a 11-11-2022, no valor de € 502,70. Sobre todas as facturas, foram aplicados juros à taxa legal comercial de 7,00% até ao 31-12-2022, e à taxa legal comercial de 9,50% desde o dia 01-01-2023 até à presente data. O requerido deduziu oposição, excepcionando a ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir. Respondeu o requerente, pugnando pela improcedência da excepção e juntando 54 documentos, consistentes em 53 facturas e uma conta-corrente. O processo seguiu a forma de processo comum, tendo-se realizado a audiência prévia, em que foi proferido despacho saneador tabelar, fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova. Procedeu-se a julgamento, tendo sido proferida decisão que, julgando a acção parcialmente procedente, condenar o R. a pagar à A. a quantia de €36.045,40 (trinta e seis mil e quarenta e cinco euros e quarenta cêntimos), acrescida de juros de mora comerciais vencidos desde a data da citação do réu (que ocorreu no dia 31.03.2023) e vincendos até efectivo e integral pagamento, absolvendo-o do restante peticionado. Inconformada, apelou o R., apresentado as seguintes conclusões: 1º. A sentença recorrida enferma da nulidade prevista na al. d) do nº 1 do art.º 615º do C.P.C., dado não se ter pronunciado sobre a questão fundamental da exceção da ineptidão da causa de pedir. 2º. O apelante, através de oposição ao requerimento de injunção apresentado pela apelada, à data requerente, defendeu-se por exceção, alegando factos que obstavam à apreciação do mérito da ação, nomeadamente a exceção de ineptidão da petição inicial, devido à falta de indicação da causa de pedir, tendo sido arguido o artigo 186º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Civil; 3º. O tribunal “a quo” deixou de se pronunciar sobre uma questão que devia apreciar, sendo que tal omissão determina a nulidade da sentença, nos termos do artigo 615º, n.º 1, d), do CPC; 4º. A aqui apelada, no requerimento de injunção, alega que vendeu mercadorias ao apelante, sem especificar que géneros de mercadorias eram esses; 5º. A invocação genérica de fornecimento de bens que não estão devidamente identificados é manifestamente insuficiente para garantir o pleno uso do contraditório pelo requerido; 6º. Além de que, embora a requerente, tenha mencionado os números das faturas em causa, a mesmo não cuidou da discriminação das datas das vendas, dos respetivos valores nem do que supostamente foi adquirido pelo requerido; 7º. Resulta claramente da exposição dos factos do requerimento de injunção apresentado pela requerente a inexistência de uma menção aos factos concretos integradores da causa de pedir; 8º. "A data em que os bens foram vendidos foram vendidos " constitui um facto jurídico essencial a integrar a causa de pedir; 9º. Assim, outra não pode ser a ilação a retirar do que a efetiva falta da causa de pedir; 10º. No art. 10º, nº 2, al. d), do "Regime dos Procedimentos a que se refere o art. 1º do Diploma Preambular" (DL nº 269/98), dispõe-se, expressamente, que, no requerimento deve o requerente "expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão", o que quer dizer que, também neste tipo de processos, à semelhança do que sucede no processo comum - Cfr. art. 552º, nº1, al. d) -, o requerente não está dispensado de indicar a causa de pedir; 11º. A causa de pedir, que juntamente com o pedido constitui o elemento objetivo da instância, define-se, nos termos do artigo 581º, nº 4, do C.P.C., como o facto jurídico concreto de que procede a pretensão deduzida em juízo (teoria da substanciação), consistindo, pois, na alegação da relação material de onde o demandante faz derivar o direito invocado e, dentro dessa relação material, na alegação dos factos concretos que suportam o pedido; 12º. No sistema jurídico processual português, vigora o princípio do dispositivo, pelo que é ao autor, que invoca a titularidade de um determinado direito, que cabe fazer a alegação dos factos de cuja prova seja possível concluir pela existência desse direito (artigo 5º do C.P.C.); 13º. O tribunal "a quo" não se pronunciou da exceção alegada em sede de oposição; 14º. A falta da causa de pedir determina a ineptidão da petição inicial, conforme o art. 186º, n.º 2, alínea a), do C.P.C., que por sua vez, determina a nulidade de todo o processo. 15º. A procedência da exceção dilatória da inpetidão da petição, arguida na oposição pelo requerido dá lugar à absolvição da instância; 16º. A falta da causa de pedir não foi, nem podia ser, sanada. 17º. Pelo que deve a sentença ser considerada nula por omissão de pronúncia sobre questões que deviam ser apreciadas pelo juiz. Nestes termos e ainda pelo que muito que, como sempre, não deixará de ser proficientemente suprido, deve ser concedido provimento à apelação, revogando-se a decisão recorrida, com todas as consequências legais, como é de inteira JUSTIÇA. Contra-alegou a., assim concluindo: A. A presente resposta tem por objecto o Recurso interposto pelo Réu, que não se conformando com a douta sentença proferia pela Meritíssima Juiz de Direito do Tribunal a quo, veio interpor recurso da dita, sucintamente, alegando a nulidade da sentença proferida pelo Douto tribunal a quo, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art.º 615 do CPC; B. E vindo invocar a nulidade de todo o processo, em consequência dessa nulidade, alicerçando tal posição na omissão de pronúncia do Tribunal a quo na sua douta sentença final, quanto à questão suscitada pelo Recorrente em sede de oposição à Injunção, onde veio a invocar a excepção dilatória da ineptidão do Requerimento de Injunção, nos termos conjugados dos art.ºs 186, n.ºs 1 e 2,576, n.º 2 e 578 do CPC; C. Requerendo, em conformidade, absolvição do Réu/Recorrente da instância; D. Pelo exposto, a única questão que no recurso se submete à douta apreciação dos Venerandos/as Juízes Desembargadores/as, é a de saber se deve ser anulada a sentença final proferida pelo douto Tribunal a quo, nos termos do art.º 615 do CPC, com a consequente anulação de todo o processado subsequente e seu dependente; E. Ora, salvo o douto e melhor entendimento, nos termos conjugados do n.º 3 do art. º 278, com a eventual sanação da nulidade, e do n.º 2 do art.º 200, ambos do CPC, onde estipula-se que a nulidade suscitada é apreciada “… no despacho saneador, se antes o juiz não as houver apreciado"; F. Resulta dos presentes autos que, com a realização de audiência prévia das partes no dia 28-09-2023, pelas 13:45h, veio a Meritíssima Juiz de Direito do Tribunal a quo, depois de “… facultada a discussão das questões de facto e de direito suscitadas nos autos …”, e nos termos do art.º 595 do CPC, a proferir Despacho Saneador; G. Momento em que, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 595 do CPC, ainda que suncitamernte, pronunciou-se sobre a excepção dilatória invocada pela parte (Cfr. Ref. 129268198); H. Mais concretamente, de que "Não há quaisquer nulidades, questões prévias ou excepções que obstem ao conhecimento do mérito da causa"; 1. Cumprindo-se o desiderato dos termos conjugados do n. º 2 do art. º 200 e da alínea a) do n. º 1 do art. º 595 do CPC, a nulidade invocada pelo Recorrente, deveria sempre ser objedo de pronúncia em sede de Despacho Saneador; J. Como se veio a suceder; K. Nos termos do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 23-11-2023, no processo n. º 779/20.3TBVFR.P1 .51, com as necessárias adaptações ao caso concreto, “…A omissão de pronúncia só é causa de nulidade da sentença/acórdão quando o Juiz não conhece questão que devia conhecer, e não quando apenas não tem em conta alguns dos argumentos aduzidos pela parte"; L. E ainda nos termos do Acórdão do STJ de 10-05-2023, no processo n.º 2424/21.0TBCBR.C1.S1, "... Vem sendo entendimento do Supremo Tribunal de Justiça que a nulidade por omissão de pronúncia respeitante à impugnação da decisão sobre a matéria de facto 11só ocorre quando o Tribunal não conhece, de todo, a questão suscitada pela parte, não desencadeando tal nulidade o facto de o Tribunal não ter conhecido e respondido a todos os argumentos invocados pela mesma …”. M. Pelo que em face do exposto, salvo douta e melhor opinião, deverá ser improcedente a invocada nulidade da sentença pelo Recorrente, dado a Meritíssima Juiz de Direito pronunciar-se na globalidade sobre a inexistência de nulidades ou excepções que obstem ao conhecimento do mérito da causa, não obstante não ter respondido diredamente aos argumentos do Recorrente; N. Reconfirmando-se, em consequincia disso, a douta sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo; SEM PRESCINDIR, Mesmo que venha a ser anulada a sentença, sempre se dirá que deverá descer nos próprios autos à primeira instância, para o que o Tribunal a quo se possa pronunciar em sede de sentença final sobre a nulidade processual invocada, podendo processar-se o aproveitamento de todo o restante processado, mesmo que subsequente, uma vez confirmada a prática do acto omisso; O. Pois a omissão de pron6ncia, salvo douto e melhor entendimento, determina a nulidade da sentença, por vício de conteúdo, e não a nulidade de todo o processo, como é o caso das nulidades processuais, enquanto anomalias do processado; Q. Ex vide do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 09-02-2021, no processo n. º 359/10.1 TVLSB.L 1.S1; R. Pelo que, mesmo que V. Ex. ªs venham doutamente pronunciar-se sobre a procedência da nulidade da sentença invocada pelo Recorrente, tal não deverá consubstanciar-se na nulidade de todo o processado, permitindo-se que o Tribunal a quo venha sanar o vício da manifestação da sua vontade, com a prolação de sentença que se pronuncie sobre a matéria sub iudice conduzida pela parte à sua sindicância; SEM PRESCINDIR, S. Quanto à invocação da nulidade processual da ineptidão da petição inicial (leia-se requerimento de injunção) pelo Recorrente, nos termos melhor processados: T. E não obstante não se reconduzir tal invocação à sindicância dos Venerandos/as Juízes Desembargadores/as; U. Salvo douto e melhor entendimento, fêz-lo em erro por deixar de considerar o disposto no DL nº. 269/98, de 1 de Setembro, concretamente no seu art.º 10, que na alínea d) do n. º 2 refere que o requerente deve expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão; V. Pois a Recorrida especificou qual o pedido e a causa de pedir, e nomeadamente os negócios jurídicos que estão na origem do litígio; W. Pois, em manifesta consonância com os objectivos de simplificação e eficácia pretendidos, com a introdução do processo injuntivo, o legislador consagrou um menor grau de exigibilidade na indicação da causa de pedir neste tipo de processo, bastando-se com uma exposição sucinta dos fundamentos, introduzindo, inclusivamente, um modelo com vista a conseguir o desiderato X. pretendido, nos termos do art. º 10, n. º 1 do DL n. º 269/98, de 01 de setembro . X. Cumprindo a Recorrida integralmente esse desiderato; Y. Ex vide dos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, datados de 07-07-2005 e 24-09-2009, nos processos n. ºs 433714/08.1YIPRT.P1 e 0553030, respectivamente, e do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 22-05-2018, no processo n. º 127458/16.7YIPRT.C1; Z. Considerando a Recorrida, salvo douta e melhor opinião, ter entregue os elementos que constituem o núcleo mínimo de factos integradores da causa de pedir, permitindo ao Recorrente exercer de forma plena a sua defesa; AA. Acresce ainda que, o procedimento injuntivo, não permite a junção de documentos no seu formulário aprovado por Portaria do Governo, apenas permitindo, a sucinta exposição dos factos que fundamentam a pretensão; BB. Não obstante o Requerimento de Injunção conter, salvo douta e melhor opinião, todas as exigências quanto à indicação do pedido e da causa de pedir, razão pela qual o mesmo não é inepto; CC. A concretização e o aprofundamento dos factos que fundamentam a pretensão da Recorrida apenas pode vir a ter lugar com a oposição pelo Recorrente, quando a Recorrida veio a aperfeiçoar o seu requerimento inicial através da junção aos autos de documentos que concretizaram aqueles factos; DD. Caso em que se conferiu ao Recorrente nova oportunidade de exercício do contraditório; EE. Sendo de tal entendimento, a Jurisprudência maioritária, plasmada nomeadamente no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 03-02-2009, no processo nº. 61495/09.0YIPRT.L 1 7, ou até no Acórdão do Tribunal Constitucional, datado de 27-05-2009, no processo nº. 197/09, do Relator Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha; FF. Pelo que, mesmo que dúvidas subsistem quanto à questão da falta ou ininteligibilidade da causa de pedir, o certo é que, e a contrario sensu do alegado pelo Recorrente, nos termos do art.º 196 e do n.º 3 do art.º 278, ambos do CPC, e do n.º 3 do art.º 10 do DL n.º 62/2013, de 10 de maio, pode o Tribunal a quo convidar o Autor ao aperfeiçoamento do requerimento de injunção; GG. Tal não se revelando necessário, pois a Recorrida pronunciou-se previamente (ref. 14591369), aperfeiçoando a causa de pedir com a junção das facturas que continham todos os elementos que o Recorrente reclamava ilegitimamente desconhecer; HH. Pelo que, por tudo quanto exposto na matéria sub iudice, deve, sem mais, ser julgada improcedente, por não provada, a alegada nulidade/excepção de ineptidão da petição inicial (requerimento de injunção), aliás, salvo o douto e devido respeito e melhor entendimento, como o fez o Tribunal a quo com a promoção do despacho saneador. II. Improcedendo o recurso de apelação apresentado pelo Recorrente. Foi então proferido o seguinte despacho: I. Veio o réu AA recorrer da sentença, proferida no dia 05.02.2024, alegando, para o efeito, que ocorreu omissão de pronúncia quanto à defesa por excepção dilatória de ineptidão da petição inicial. II. O n.º 1 artigo 613.º do Código de Processo Civil preceitua que um dos efeitos da sentença consiste no esgotamento do poder jurisdicional do juiz que a profere. Exceptuados do regime acima referido - sendo, nessa medida, lícito ao juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades, esclarecer dúvidas existentes na sentença e reformá-los - encontram-se, porém, os casos previstos nos artigos seguintes: i. artigo 614.º do Código de Processo Civil - erro material, que possibilita a rectificação a todo o tempo, oficiosamente ou a requerimento de qualquer das partes; ii. artigo 615.º, n.º 1, al. a), e n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil - falta de assinatura do juiz, susceptível de ser aposta a todo o tempo, oficiosamente ou a requerimento da parte; iii. artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) a e), e n.ºs 3 e 4, e artigo 617.º, n.º 1 do Código de Processo Civil - outra nulidade, rigorosamente anulabilidade, sanável pelo juiz, mediante a reclamação da parte, quando a decisão não admita recurso, ou mediante alegação em recurso, a que o juiz pode ainda atender; iv. artigo 616.º, n.º 1, e artigo 617.º, n.º 1 do Código de Processo Civil - reforma quanto a custas e multa, v. artigo 616.º, n.º 2, e artigo 617.º, n.º 1 do Código de Processo Civil - reforma por lapso manifesto, mediante reclamação da parte, quando a decisão não admita recurso, ou mediante alegação em recurso, a que o juiz pode atender. Com efeito, compulsados os autos, verifico que assiste inteira razão ao recorrente porquanto o Tribunal não se pronunciou quanto à aludida excepção dilatória de ineptidão da petição inicial. III. Em face do exposto, ao abrigo do disposto nos artigos 616.º, n.º 2 e 617.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, reformo a sentença no sentido de na mesma passar a constar, no ponto I: “Mantém-se a validade e a regularidade da instância, improcedendo a excepção dilatória de ineptidão da petição inicial, invocada pelo réu, na medida em que, por um lado, o réu demonstrou na sua contestação ter cabal conhecimento da matéria em discussão e da factualidade integrante da causa de pedir da autora e, por outro, tal matéria diretamente percetível da análise dos documentos juntos aos autos a fls. 15 a 40, bem como pelo extrato conta designado como documento n.º 54, anexo ao requerimento de 05.06.2023, com a ref.ª 45777827.” Notifique, sendo o recorrente para, no prazo de 10 dias, em conformidade com o disposto no n.º 3 do artigo 617.º do Código de Processo Civil, declarar se desiste do recurso. O apelante alargou o âmbito do respectivo recurso nos termos do artigo 617.º, n.º 3, CPC, assim concluindo: 1º. O apelante, através de oposição ao requerimento de injunção apresentado pela apelada, à data requerente, defendeu-se por exceção, alegando factos que obstavam à apreciação do mérito da ação, nomeadamente a exceção de ineptidão da petição inicial, devido à falta de indicação da causa de pedir, tendo sido arguido o artigo 186º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Civil; 2º. A aqui apelada, no requerimento de injunção, alega que vendeu mercadorias ao apelante, sem especificar os contratos em causa, os bens, as quantidades, os preços unitários dos alegados produtos/artigos, bem como não se identifica a data da emissão dessas alegadas faturas. 3º. A invocação genérica de fornecimento de bens que não estão devidamente identificados é manifestamente insuficiente para garantir o pleno uso do contraditório pelo requerido; 4º. Além de que, embora a requerente, tenha mencionado os números das faturas em causa, a mesmo não cuidou da discriminação das datas das vendas, dos respetivos valores nem do que supostamente foi adquirido pelo requerido; 5º. Resulta claramente da exposição dos factos do requerimento de injunção apresentado pela requerente a inexistência de uma menção aos factos concretos integradores da causa de pedir; 6º. "A data em que os bens foram vendidos" constitui um facto jurídico essencial a integrar a causa de pedir; 7º. Assim, outra não pode ser a ilação a retirar de que se verifica a efetiva falta da causa de pedir; 8º. No art. 10º, nº 2, al. d), do "Regime dos Procedimentos a que se refere o art. 1º do Diploma Preambular" (DL nº 269/98), dispõe-se, expressamente, que, no requerimento deve o requerente "expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão", o que quer dizer que, também neste tipo de processos, à semelhança do que sucede no processo comum - Cfr. art. 552º, nº1, al. d) -, o requerente não está dispensado de indicar a causa de pedir; 9º. A causa de pedir, que juntamente com o pedido constitui o elemento objetivo da instância, define-se, nos termos do artigo 581º, nº 4, do C.P.C., como o facto jurídico concreto de que procede a pretensão deduzida em juízo (teoria da substanciação), consistindo, pois, na alegação da relação material de onde o demandante faz derivar o direito invocado e, dentro dessa relação material, na alegação dos factos concretos que suportam o pedido; 10º. No sistema jurídico processual português, vigora o princípio do dispositivo, pelo que é ao autor, que invoca a titularidade de um determinado direito, que cabe fazer a alegação dos factos de cuja prova seja possível concluir pela existência desse direito (artigo 5º do C.P.C.); 11º. A falta da causa de pedir determina a ineptidão da petição inicial, conforme o art. 186º, n.º 2, alínea a), do C.P.C., que por sua vez, determina a nulidade de todo o processo. 12º. A procedência da exceção dilatória da ineptidão da petição, arguida na oposição pelo requerido dá lugar à absolvição da instância; 13º. A falta da causa de pedir não foi, nem podia ser, sanada. 14º. Por esta forma, a douta sentença, violou a lei contida no artigo 10º, nº 2, al. d), do "Regime dos Procedimentos a que se refere o art. 1º do Diploma Preambular" (DL nº 269/98), os artigos 5º e 186º, n.º 2, alínea a) e artigo 552º, nº1, al. d) do C.P.C. Nestes termos e ainda pelo que muito que, como sempre, não deixará de ser proficientemente suprido, deve ser concedido provimento à apelação, revogando-se a decisão recorrida, e julgada procedente a invocada exceção da ineptidão da petição inicial, com todas as consequências legais, como é de inteira JUSTIÇA. 2. Fundamentos de facto A 1.ª instância considerou provados os seguintes factos: 1. A A. é uma sociedade que se dedica, mormente, ao exercício da actividade de comércio e distribuição de gás butano e propano, quer para revenda autorizada, quer para o consumidor final. 2. O R. é um empresário em nome individual, cujo ramo de actividade é a revenda ao consumidor final de diversos produtos, entre os quais gás butano e gás propano. 3. No exercício da sua actividade, desde o dia 30.04.2020 a 12.10.2022, a A. entregou ao R. garrafas de gás, mormente gás propano, constantes das seguintes facturas: a. FT/1/... vencida a 30-05-2020, no valor de € 531,73; b. FT/1/... vencida a 11-06-2020, no valor de € 814,20; c. FT/1/... vencida a 04-07-2020, no valor de € 77,55; d. FT/1/... vencida a 17-07-2020, no valor de € 666,48; e. FT/1/... vencida a 23-07-2020, no valor de € 814,20; f. FT/1/... vencida a 13-08-2020, no valor de € 188,31; g. FT/1/... vencida a 16-08-2020, no valor de € 77,55; h. FT/1/... vencida a 18-09-2020, no valor de € 1.056,15; i. FT/1/... vencida a 01-10-2020, no valor de € 692,24; j. FT/1/... vencida a 21-10-2020, no valor de € 379,74; k. FT/1/... vencida a 31-10-2020, no valor de € 697,41; l. FT/1/... vencida a 13-11-2020, no valor de € 772,72; m. FT/1/... vencida a 09-12-2020, no valor de € 470,39; n. FT/1/... vencida a 19-12-2020, no valor de € 615,12; o. FT/1/... vencida a 21-01-2021, no valor de € 862,69; p. FT/1/... vencida a 23-01-2021, no valor de € 305,35; q. FT/1/... vencida a 30-01-2021, no valor de € 898,99; r. FT/1/... vencida a 18-02-2021, no valor de € 753,19; s. FT/1/... vencida a 26-02-2021, no valor de € 398,95; t. FT/1/... vencida a 12-03-2021, no valor de € 422,38; u. FT/1/... vencida a 19-03-2021, no valor de € 316,79; v. FT/1/... vencida a 02-04-2021, no valor de € 331,55; w. FT/1/... vencida a 08-04-2021, no valor de € 832,73; x. FT/1/... vencida a 22-04-2021, no valor de € 773,61; y. FT/1/... vencida a 19-05-2021, no valor de € 1.164,28; z. FT/1/... vencida a 17-06-2021, no valor de € 773,61; aa. FT/1/... vencida a 03-07-2021, no valor de € 856,65; bb. FT/1/... vencida a 12-08-2021, no valor de € 1.276,58; cc. FT/1/... vencida a 28-08-2021, no valor de € 773,61; dd. FT/1/... vencida a 10-09-2021, no valor de € 304,07; ee. FT/1/... vencida a 22-09-2021, no valor de € 773,61; ff. FT/1/... vencida a 22-10-2021, no valor de € 552,39; gg. FT/1/... vencida a 18-11-2021, no valor de € 1.473,29; hh. FT/1/... vencida a 30-12-2021, no valor de € 1.086,95; ii. FT/1/... vencida a 02-01-2022, no valor de € 1.135,17; jj. FT/1/... vencida a 19-01-2022, no valor de € 199,26; kk. FT/1/... vencida a 21-01-2022, no valor de € 754,73; ll. FT/1/... vencida a 06-02-2022, no valor de € 887,69; mm. FT/1/... vencida a 23-03-2022, no valor de € 1.334,43; nn. FT/1/... vencida a 03-04-2022, no valor de € 987,32; oo. FT/1/... vencida a 16-04-2022, no valor de € 123,74; pp. FT/1/... vencida a 29-04-2022, no valor de € 402,39; qq. FT/1/... vencida a 29-04-2022, no valor de € 927,24; rr. FT/1/... vencida a 13-05-2022, no valor de € 410,62; ss. FT/1/... vencida a 22-05-2022, no valor de € 699,92; tt. FT/1/... vencida a 05-06-2022, no valor de € 437,63; uu. FT/1/... vencida a 24-06-2022, no valor de € 1.073,64; vv. FT/1/... vencida a 24-07-2022, no valor de € 689,11; ww. FT/1/... vencida a 17-08-2022, no valor de € 106,00; xx. FT/1/... vencida a 19-08-2022, no valor de € 658,52; yy. FT/1/... vencida a 09-10-2022, no valor de € 1.432,43; zz. FT/1/... vencida a 26-10-2022, no valor de € 498,40; aaa. FT/1/... vencida a 11-11-2022, no valor de € 502,70. 4. As referidas facturas foram emitidas pela autora e perfazem o valor de € 36.045,40 (trinta e seis mil e quarenta e cinco euros e quarenta cêntimos) talqualmente resulta do extrato conta designado como documento n.º 54, anexo ao requerimento de 05.06.2023, com a ref.ª 45777827, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 5. O R. recebeu os referidos produtos descritos nas facturas a que se alude no facto provado n.º 3 e não deduziu qualquer reclamação. 6. O requerimento de injunção é datado de 17.03.2023. * Factualidade não provadaNão se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão a proferir, designadamente não se provou que: a. A A. e o R. acordaram que as facturas descritas no facto provado n.º 3 seriam pagas pelo R. na data de vencimento das mesmas. b. O R. tenha pago à A. a quantia de € 36.045,40 (trinta e seis mil e quarenta e cinco euros e quarenta cêntimos). c. A A. tenha interpelado constantemente o R. para proceder ao pagamento da quantia de € 36.045,40 (trinta e seis mil e quarenta e cinco euros e quarenta cêntimos). d. A A. despendeu em outras quantias (despesas administrativas com escopo de obtenção do pagamento da quantia a que se alude no facto provado n.º 4) o valor de € 500,00 (quinhentos euros). 3. Do mérito do recurso O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 CPC), salvo questões do conhecimento oficioso não transitadas (artigos 608.º, n.º 2, in fine, e 635.º, n.º 5, CPC), consubstancia-se em saber se o requerimento injuntivo padece de ineptidão. Sustenta o apelante que a apelada, no requerimento de injunção, que vendeu lhe mercadorias, sem especificar os contratos em causa, os bens, as quantidades, os preços unitários dos alegados produtos/artigos, bem como não identifica a data da emissão dessas alegadas facturas. E que a invocação genérica de fornecimento de bens que não estão devidamente identificados é insuficiente para garantir o pleno uso do contraditório. E que, embora tenha mencionado os números das facturas em causa, não discriminou as datas das vendas, dos respectivos valores nem do que supostamente foi adquirido. Conclui pela inexistência de uma menção aos factos concretos integradores da causa de pedir, por entender que a data em que os bens foram vendidos constitui um facto jurídico essencial a integrar a causa de pedir; Apreciando: A ineptidão da petição inicial é fundamento de nulidade de todo o processo (artigo 186.º, n.º 1, CPC, sendo a ptição inicial inepta, designadamente quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir. Em consonância, constitui requisito da petição inicial a exposição dos factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento a acção (artigo 552.º, n.º 1, alínea d), CPC). Desnecessário será sublinhar a inportância da causa de pedir na economia da acção. Desde logo por que, juntamente com o pedido, delimita os poderes de cognição do Tribunal (princípio do dispositivo – artigos 5.º, 609 e 615.º, n.º 1, alíneas d) e e), CPC) e define os parâmetros do caso julgado. E, não menos importante, desempenha um papael fundamental para permitir o exercício do contraditório (artigos 3.º CPC e 569.º e ss. CPC). Nas palavras da decsião singular ra Relação de Lisoa, de 03.12.2009, Tomé Gomes, www.dgsi.jtrl.pt., proc. n.º 61495/09.0YIPRT.L1-7, Com efeito, a causa de pedir consiste na alegação de uma factualidade concreta que, na sua significação normativa, consubstancia o facto jurídico de que se faz proceder o efeito pretendido, ou seja, o pedido. Não se trata, como por vezes se tem ouvido, de um conceito formal, legalista, quase despiciendo, mas, bem pelo contrário, de uma categoria processual com função de garantia postulada pelos princípios constitucionais do processo equitativo e da tutela efectiva do direito, proclamados nos nº 4 e 5 do artigo 20º da Constituição, tanto sob o ponto de vista de quem demanda, para que possa confinar ao seu interesse concreto o âmbito preciso da tutela judicial pretendida, como na perspectiva do demandado, para que possa organizar a sua defesa de forma esclarecida e sustentada, ou ainda sob o prisma do interesse público de modo a delimitar o alcance objectivo do caso julgado, evitando assim a repetição de causas. Na verdade, a causa de pedir, como factor delimitativo que é da pretensão, tanto exerce uma função endoprocessual na configuração do objecto da causa e no que lhe está associado, como uma função extrapro-cessual de definição objectiva do julgado, o que se torna fulcral mormente no âmbito das acções declarativas, permitindo ainda que a execução da sen-tença possa ser desprovida de meios de oposição alargada, como impõe o preceituado no artigo 814º do CPC. Na síntese do acórdão da Relação de Coimbra, de 13.12.2023, Cristina Neves, www.dgsi.jtrc.pt., proc. n.º 886/23.0YIPRT.C1, O critério para aferir a falta de causa de pedir, conforme refere Abrantes Geraldes [Temas da Reforma do Processo Civil, I Volume, 2.ª ed., pág. 189.17], assenta num juízo de prognose acerca da delimitação do caso julgado, pressupondo uma sentença favorável ao autor. Assim, como aí se refere: “ … projectando no futuro a decisão, se for então possível determinar concretamente qual a situação jurídica que foi objecto de apreciação jurisdicional, sem correr riscos de repetição da causa, não se verificará a falta de causa de pedir. Já quando, por falta de invocação de qualquer matéria de facto, por grave deficiência na sua descrição ou por falta de localização no espaço e no tempo, for previsível o risco de repetição da causa ou se tornar impossível a averiguação da relação jurídica anteriormente litigada deverá concluir-se pela ineptidão da petição inicial”. No caso vertente, está em causa uma injunção para pagamento de fornecimento de bens. Nos termos do artigo 7.º do Regime dos Procedimentos a que se refere o artigo 1.º do Diploma Preambular ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01 de Setembro, considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro. E, de acordo com o artigo 10.º do mesmo Regime, no requerimento deve o requerente expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão. O propósito de desjudicialização prosseguido pelo Decreto-Lei n.º 269/98, subjacente a criação da figura da injunção, trouxe consigo a simplificação do rito processual, o que, no entanto, e não libera o requerente de identificar a causa de pedir, ainda que de forma resumida. Como se refere na decisão singular supra identificada, será em função das citadas finalidades da causa de pedir que terá de ser aferida a densidade factual da sua enunciação. Continua aquela decisão: Quer isto dizer que os factos estruturantes da causa de pedir devem permitir, pelo menos, determinar a fonte concreta ou o título da obrigação de que emerge o efeito jurídico concreto judicialmente declarado ou decretado. Neste sentido, é bem elucidativo o doutrinado no douto acórdão desta Relação, de 12/4/1984, que não obstante a sua data se mantém bem actual, ao afirmar que “a referência vaga à venda de diverso material da actividade comercial do autor para a actividade comercial da ré não satisfaz a necessidade de indicação concreta da causa de pedir …, pois não se faz referência à qualidade, quantidade e natureza ou data dos fornecimentos e preços” …“a causa de pedir tem de ser concretamente definida para evitar repetições de julgamento da mesma causa” …só assim a decisão pode ser respeitada em outro processo como caso julgado. Tudo isto tem de ser conjugado com as características que o legislador atribuiu ao requerimento de injunção: formulário apresentado na plataforma electrónica, com campos de preenchimento inalteráveis e até limitação do número de caracteres. A que acresce a impossibilidade de juntar documentos no momemto da apresentação de documentos. Revertendo ao caso dos autos, verifica-se que o apelado, no requerimento de injunção supra transcrito alegou: ─ o montante da díivida ─ € 40.846,47, de que € 36.045,40 corresponde a capital e € 4.148,07 de juros; ─ data do contrato: 30.05.2020; ─período a que se refere: 30.05.2020 a 11.11.2022; ─ contrato de fornecimento de bens ou serviços (garrafas de gás butano e de gás propano) constantes das facturas identificadas, no montante total de € 36.045,40, IVA incluído, que emitiu e enviou ao apelado; ─ qualidade de comerciantes das partes e respectivas actividades comerciais; ─ enquadramento das transacções comerciais operadas entre apelante e apelado no regime do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio; ─ recebimento de bens pelo apelado e ausência de reclamação; ─ data de pagamento ─ datas de vencimento indicadas na factura; ─ não pagamento das facturas apesar das interpelações. Notificado do requerimento injuntivo, o apelante deduziu oposição, excepcionanda ineptidão da petição inicial, pois embora a apelante tenha mencionado os números das faturas em causa, não discriminou as datas das vendas, dos respetivos valores nem do que supostamente foi adquirido. Face a alegação de ineptidão do requerimento injuntivo, e mesmo antes de qualquer despacho judicial, a apelante juntou as facturas respectivas. A questão do recurso aos documentos para integração da causa de pedir tem sido abordada pela jurisprudência, havendo quem partindo da premissa que os documentos se destinam a prova, não alegação de factos, respondem negativamente. No entanto, cremos ser maioritária a jurisprudência que o admite, as vezes com a observação de que não se trata de boa técnica jurídica. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Almedina, I vol., 2.ª edição revista e ampliada, pg. 201, após enunciar diversas decisões num e noutro sentido, escreveu: … se ao abrigo do disposto no CPC de 1961, caracterizado por um maior rigor formal, já era maioritária a tese que admitia a alegação de factos por referência a documentos simultaneamente apresentados com o respectivo articulado, a nova filosofia inerente aos princípios orientadores da reforma processual e a concretização normativa a que foram sujeitos torna ainda mais defensável a conclusão acerca da admissibilidade da alegação por remissão para documentos, desde que destes resulte qual o facto neles demonstrado que se procura invocar. No acórdão da Relação do Porto, de 30.05.2006, Emídio Costa, www.dgsi.jtrp.pt, proc. n.º 0622845 entendeu-se que: I - É legal a remissão feita na petição inicial para documentos a ela juntos, desde que a causa de pedir fique bem concretizada. II - É suficiente, numa petição de injunção, a descriminação de várias facturas, indicando-se as várias datas, vencimento e valores, alegando-se ainda o fornecimento de bens e serviços que totalizam o pedido. No acórdão da Relação de Coimbra, de 12.01.2010, Emídio Costa, www.dgsi.jtrc.pt., proc. n.º 13/05.6TBVNO-A.C1, pondera-se: Como se sabe, existem duas correntes jurisprudenciais sobre esta matéria, uma mais exigente, segundo a qual não se ajusta ao estatuído no art.º 467.º, n.º 1, al. d), do referido código, (na petição inicial, deve o autor expor os factos e as razões de direito que servem de fundamento à acção), a simples remissão para os factos que constem de documentos que o autor junte e que considere como reproduzidos. Os defensores da outra corrente, menos exigente que a primeira, entendem que a causa de pedir é o contrato específico de que emerge a obrigação a pagar. E que “há petições em que se alega o tipo de actividade exercido pelo autor e o fornecimento de determinadas mercadorias ou serviços no exercício dessa actividade, durante certo tempo ou na execução de certa encomendas, que se demonstrem devidamente com facturas ou guias de remessa, ou numa conta-corrente, que assim completam a petição, em consequência das quais se invoca a existência de um crédito de certo montante, correspondente ao preço ou saldo existente, cujo pagamento se pede. Nesses casos não pode haver dúvidas quanto à relação concreta de que se trata, ou seja, quanto ao facto jurídico concreto invocado para obter o efeito pretendido”. Daí que exista ineptidão apenas quando o autor se limita a indicar vagamente uma transacção comercial ou serviço, como fonte do seu direito. E já não existirá ineptidão, por desconhecimento da causa de pedir, quando a petição inicial em que se pede o pagamento de determinada quantia proveniente de vendas contabilizadas em forma de conta-corrente de mercadorias e outros artigos, entendendo-se que em tal caso é nítida a causa de pedir, pois consiste nas referidas vendas. Esta é a corrente por nós perfilhada e não vemos motivo para a alterar. O documento junto com a petição deve considerar-se parte integrante dela, suprindo as lacunas de que possa enfermar. A mesma virtualidade deve ser atribuída ao que for junto ulteriormente, mas a tempo de surtir o efeito que a concomitante junção produz. No acórdão da mesma Relação, de 21.03.2023, Albertina Pedroso, num processo com contornos idênticos ao dos autos, www.dgsi.jtrc.pt., proc. n.º 69464/12.6YIPRT.C1, lê-se: Sendo pedido o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, alegado pela autora o facto essencial respeitante à prestação de serviços de catering a solicitação do réu, nada impede que quanto aos concretos serviços prestados remeta para a discriminação constante das facturas que identifica, não conduzindo este procedimento à ineptidão do requerimento inicial. No mesmo sentido. o acórdão da mesma Relação, de 06.07.2010, Carlos Querido, www.dgsi.jtrc.pt., proc. n.º 19788/09.7YIPRT.C1. Não vemos razão para afastar este entendimento. Assim sendo, não colhe a pretensão do apelante quando diz que esteve impossibilitado de exercer o contraditório. Na parte final das facturas consta a data em que a mercadoria foi entregue. Notificado destes documentos, o apelante nada disse, apesar de as transacções estarem todas identificadas, quer quanto a data, quer quanto aos produtos entregues (unidades, valor unitário, e total da factura). Não se verifica, pois, a ineptidão da petição inicial. 4. Decisão Termos em que, julgando a apelação improcedente, confirma-se a decisão recorrida. Custas pelo apelante, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia (artigo 527.º CPC). Porto, 11 de Fevereiro de 2025 Márcia Portela Maria Eiró João Proença |