Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3223/23.0T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI MOREIRA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RENOVAÇÃO DO CONTRATO
PRAZO DA RENOVAÇÃO
NORMA SUPLETIVA
Nº do Documento: RP202401163223/23.0T8VNG.P1
Data do Acordão: 01/16/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: A norma constante do nº 1 do artigo 1096º do C. Civil tem uma natureza supletiva, o que abrange quer a admissibilidade da convenção de que o contrato de arrendamento poderá não ser renovado, quer a previsão de que a renovação do contrato, a ocorrer, poderá ter um prazo diferente daquele de 3 anos que o legislador ali inscreveu.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 3223/23.0T8VNG.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia - Juiz 2

REL. N.º 820
Relator: Rui Moreira
Adjuntos: Artur Dionísio dos Santos Oliveira
Anabela Dias da Silva
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

1 – RELATÓRIO
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AA e BB, residentes na Rua ..., ..., ..., Vila Nova de Gaia, intentaram a presente acção em processo comum contra CC e mulher DD, residentes na Rua ..., ..., ..., Vila Nova de Gaia, pretendendo a condenação destes a reconhecerem que o prédio em que habitam pertence às heranças indivisas abertas por óbito de EE e FF, das quais os autores são os únicos herdeiros, bem como a sua condenação a reconhecerem que o contrato de arrendamento que existiu entre as partes e ao abrigo do qual ocupam esse prédio cessou no dia 31 de Março de 2023, por “oposição à renovação – caducidade” , pelo que devem entregá-lo aos autores, livre de pessoas e bens.
Os réus contestaram, opondo que o contrato de arrendamento em apreço se renovou pelo prazo de três anos, em 1 de Abril de 2022, pois que a comunicação de oposição à renovação, datada de 21 de Fevereiro de 2022, tendo em vista a cessação do contrato a 31 de Março de 2023, é ineficaz. Alegam que o contrato não cessou a 31/3/2022, após uma primeira renovação, por 3 anos, que ocorrera em 2019, pelo que se renovou então, a partir de 1/4/2022, por um novo prazo de 3 anos, e não só pelo de um ano.
Mais requereram a condenação dos autores por litigância de má fé, por terem deduzido pretensão cuja falta de fundamento não deviam ignorar e por terem omitido factos relevantes para a decisão da causa, em particular, as cinco cartas identificadas na contestação.
Foi dispensada a audiência prévia e, depois, com precedência da audição das partes, por ter sido considerado inexistirem factos relevantes para a decisão da causa que carecessem de prova, “… encontrando-se a decisão apenas dependente da apreciação de questão jurídica que já foi debatida nos articulados e subsequentes requerimentos apresentados” foi porferido saneador sentença.
Concluiu o tribunal pela procedência da pretensão dos autores, com o que condenou os réus no pedido, designadamente a reconhecerem “… que o contrato de arrendamento que existiu entre as partes cessou no dia 31 de Março de 2023 - por oposição à renovação – caducidade;” condenando-os “…a entregar aos Autores, livre de pessoas e bens, o prédio urbano sito na Rua ..., ..., em ..., Vila Nova de Gaia…”.
É desta sentença que os réus vêm interpor recurso, que terminaram formulando as seguintes conclusões:
1 - O presente recurso de apelação baseia-se no facto de o Tribunal de 1.ª Instância, ao decidir pela procedência da acção, com a prolação de decisão de que o contrato de arrendamento em questão se renovou, sucessivamente, por 1 ano e que cessou no dia 31 de Março de 2023 - por oposição à renovação - caducidade, condenando os RR., ora Recorrentes, no peticionado pelos AA., violou ou fez errada interpretação, além do mais, dos art.º 1080.º, 1096.º e 1097.º do CC.
2- (não se transcreve, por ser mera reprodução de segmento da sentença, o que resulta inútil nesta sede).
3 - A questão que aqui se coloca, tendo-se renovado o contrato de arrendamento em 01 de Abril de 2019 (uma vez que não foi deduzida oposição à renovação) é se o mesmo se renovou (sucessivamente), pelo prazo de um ano, nos termos contratualmente fixados pelas partes, ou pelo prazo de três anos?
4 - A renovação (sucessiva) pelo prazo de um ano contratualmente fixado é a tese defendida pelos AA. e o entendimento do Tribunal de 1.ª instância, enquanto os RR., ora Recorrentes, entendem que o contrato se renovou, em 1 de Abril de 2019, por três anos, e voltou a renovar-se, por igual período, em 1 de Abril de 2022 (motivo pelo qual a comunicação de oposição à renovação efectuada pela primeira Ré, datada de 21 de Fevereiro de 2022, tendo em vista a cessação do contrato a 31 de Março de 2023, é ineficaz), mantendo-se em vigor até 31 de Março de 2025.
5 - A interpretação do n.º 1, do art.º 1096.º, na redacção dada pela Lei n.º 13/2019, nomeadamente, quanto ao alcance da possibilidade de “estipulação em contrário”, na parte respeitante ao prazo de renovação, não tem merecido consenso.
6 - Os Recorrentes subscrevem e aderem à argumentação plasmada, nomeadamente, no Acórdão do TRG, datado de 11/02/2021, proferido no âmbito do Proc. n.º 1423/20.4T8GMR.G1, e no Acórdão do TRE, datado de 10/11/2022, proferido no âmbito do Proc. n.º 126/21.7T8ABF.E1.
7 - Daí que os Recorrentes, também, subscrevem e aderem, em absoluto, ao teor do sumário dos supra mencionados Acórdãos, em que é referido o seguinte: “No artigo 1º da Lei n.º 13/2019 de 12 de fevereiro enuncia-se que a mesma vem estabelecer medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios e a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano.”;
“Nos arrendamentos para habitação permanente, a liberdade dos contratantes para modelarem o conteúdo do contrato sofreu significativas limitações com as alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, quer quanto à exigência de um prazo mínimo de um ano (cfr. artigo 1095.º, n.º 2, onde está em causa uma norma imperativa que não admite convenção em contrário) mas também quanto à sua renovação pois, ainda que as partes possam convencionar a exclusão da possibilidade de qualquer renovação, só terão liberdade para convencionar prazo de renovação igual ou superior a três anos, impondo o legislador um prazo mínimo, também imperativo, de três anos.”;
“Os contratos de arrendamento com prazo para habitação permanente renovam-se automaticamente, por períodos sucessivos de igual duração ou, se esta for inferior, de três anos, em conformidade com o estipulado no número 1 do artigo 1096.º do Código Civil.”;
“A Lei n.º 13/2019, de 12-02, que alterou a redação do n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil (renovação automática do contrato de arrendamento) aplica-se aos contratos de arrendamento para habitação com prazo certo, já antes celebrados e vigentes à data da entrada em vigor deste diploma legal, por aplicação do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil.”;
“A redação do n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil tem natureza imperativa no que concerne ao prazo mínimo de renovação automática do contrato de arrendamento, sem prejuízo das partes poderem convencionar a exclusão da renovação automática do contrato ou um prazo superior ao prazo mínimo de renovação do contrato legalmente previsto de três anos.”.
8 - Concluindo e resumindo, o regime introduzido pela Lei n.º 13/2019 tem aplicação ao contrato celebrado entre as partes, não obstante o mesmo ter sido celebrado em data anterior à ua entrada em vigor pois, no que respeita à aplicação da lei no tempo, estas alterações aplicam-se não só aos contratos futuros, mas também aos contratos em curso, em conformidade com a regra geral do art.º 12.º, n.º 2 do CC.
9 - Assim, o prazo mínimo de três anos para a renovação do contrato de arrendamento, previsto no n.º 1, do art.º 1096.º do CC, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019, que entrou em vigor em 13 de Fevereiro de 2019, aplica-se ao contrato de arrendamento celebrado pelas partes e que se renovou em 01 de Abril de 2019 e voltou a renovar-se em 01 de Abril de 2022, pelo que o novo termo ocorrerá apenas findo o decurso desse prazo de três anos, ou seja em 31 de Março de 2025.
10 - A comunicação efectuada pela primeira A. aos RR., datada de 21/02/2022, de que não pretendia a renovação do contrato de arrendamento e este cessaria a 31 de Março de 2023, não respeita aquele prazo, não produzindo efeitos contra os RR., uma vez que, encontrando- se em curso o prazo decorrente da renovação ocorrida em 01 de Abril de 2022, mantém-se em vigor o contrato.”
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Os AA. apresentaram resposta, pronunciando-se pela confirmação da sentença recorrida.
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O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e efeito suspensivo.
Cumpre apreciá-lo.
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2- FUNDAMENTAÇÃO
Não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas nas conclusões, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3 do CPC - é nelas que deve identificar-se o objecto do recurso.
Assim, cumpre decidir se a renovação do contrato de arrendamento que integra a causa de pedir ocorreu, no último acto da sua renovação, por um prazo de três anos, ou de apenas um ano.
Sem que isso mereça qualquer impugnação, a decisão recorrida assentou nos seguintes pressupostos factuais, que teve por provados:
1. EE faleceu no dia 11 de Fevereiro de 2014, tendo-lhe sucedido como únicos herdeiros a sua mulher, FF, e os seus dois filhos, aqui autores.
2. FF faleceu no dia 20 de Agosto de 2017, tendo-lhe sucedido como únicos herdeiros os seus dois filhos, aqui Autores.
3. Faz parte das heranças indivisas por óbito de EE e de FF o prédio urbano sito na Rua ..., ..., em ..., Vila Nova de Gaia, descrito na Conservatória do Registo Predial, de Vila Nova de Gaia sob o número ..., da freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., união de freguesias ... e ..., concelho de Vila Nova de Gaia (antigo artigo matricial ... da extinta freguesia se ...).
4. Por documento particular de 01 de Abril de 2013 denominado de “contrato de arrendamento para habitação com prazo certo”, o pai dos Autores, EE, deu de arrendamento aos réus o prédio urbano identificado em 3.
5. O contrato de arrendamento foi celebrado para a habitação com prazo certo de um ano, com início em 1 de Abril de 2013 e termo no dia 31 de Março de 2014, considerando-se prorrogado por períodos sucessivos de um ano, enquanto não fosse denunciado nos termos legais.
6. Foi acordada a renda mensal de 245,00 €, a ser paga no primeiro dia útil do mês anterior a que respeitar, na residência do senhorio.
7. Devido aos sucessivos aumentos legais, a renda mensal era de 255,50 €.
8. O local arrendado destinava-se exclusivamente à habitação dos inquilinos.
9. Por cartas registadas com aviso de receção, datadas de 21 de Fevereiro de 2022, a primeira Autora, na qualidade de cabeça de casal, comunicou aos Réus não pretenderem a renovação do contrato de arrendamento, pelo que o denunciavam com efeitos para o dia 31 de Março de 2023, data em que o mesmo espaço arrendado deveria ser entregue livre de pessoas e bens.
10. Tais missivas foram recebidas pelos réus.
11. Os réus não entregaram aos autores o locado nem no dia 31 de Março de 2023 nem posteriormente, continuando a ocupá-lo.
12. Na petição inicial apresentada, os autores não mencionam a existência da correspondência por carta trocada com os réus, de 5.4.2022, 8.4.2022, 21.11.2022, 9.12.2022 e 11.1.2023, na qual trocam razões acerca da duração do contrato de arrendamento.
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É exacta a descrição do regime legal a convocar para a solução da questão colocada que consta da sentença. Por isso, passamos simplesmente a transcrevê-la:
“O regime jurídico aplicável à duração do contrato de arrendamento urbano para habitação e à oposição à renovação do mesmo sofreu alteração durante a vigência do contrato em apreço.
Quando o contrato de arrendamento foi celebrado, estabelecia o n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil, na redacção que lhe havia sido conferida pela Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto, com início de vigência a 12 de Novembro de 2012, que “Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, sem prejuízo do disposto no número seguinte.” Já o número seguinte estatuía que, “Salvo estipulação em contrário, não há lugar a renovação automática nos contratos celebrados por prazo não superior a 30 dias”.
No que respeita a oposição à renovação pelo senhorio, estabelecia o artigo 1097.º do Código Civil, na redacção conferida pelo mesmo diploma legal, o seguinte:
“1- O senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte:
a) 240 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis anos;
b) 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos;
c) 60 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis meses e inferior a um ano;
d) Um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, tratando-se de prazo inferior a seis meses.
2 - A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação.”
(…)
A 13 de Fevereiro de 2019 entrou em vigor a Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, que alterou a redacção dos artigos 1096.º e 1097.º do Código Civil pelo seguinte modo:
“Artigo 1096º (Renovação automática)
1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 - Salvo estipulação em contrário, não há lugar a renovação automática nos contratos previstos n.º 3 do artigo anterior.
3 - Qualquer das partes pode opor-se à renovação, nos termos dos artigos seguintes.”
“Artigo 1097º (Oposição à renovação deduzida pelo senhorio)
1 - O senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte:
a) 240 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis anos;
b) 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos;
c) 60 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis meses e inferior a um ano;
d) Um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, tratando-se de prazo inferior a seis meses.
2 - A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação.
3 - A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
4 - Excetua-se do número anterior a necessidade de habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em 1.º grau, aplicando-se, com as devidas adaptações, o disposto no artigo 1102.º e nos n.os 1, 5 e 9 do artigo 1103.º”
Acrescentou a sentença, a este propósito: “A nova redacção do n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil, continuando a ressalvar estipulação em contrário, prevê que o contrato de arrendamento celebrado com prazo certo se renove automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior.
Já o artigo 1097.º do Código Civil ganhou, com a Lei de 2019, um novo número 3 que, sem ressalvar estipulação contratual em sentido diverso, estatui que a oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data.”
A razão da sentença recorrida é a de que, mantendo o art. 1096º do CC uma caracter claramente supletivo, aos contratos anteriores e em execução ao tempo da sua entrada em vigor se aplicará o prazo de renovação que, para eles, as partes estipularam, não se lhes imponto o prazo de renovação de 3 anos, previsto pela nova redacção para as hipóteses em que as partes nada convencionaram de diferente. Assim, no caso dos autos, em que o contrato original previa a sua renovação por períodos de um ano, continuará a ser esse o prazo do contrato renovado, pois o art. 1096º não lhe impõe solução diferente.
De resto, nas conclusões 3ª e 4, os RR. traduzem perfeitamente a questão, cumprindo apenas aplicar a solução tida por pertinente à situação sub judice.
Temos, assim, que o contrato se renovara em 1/4/2019. Ora, saber se então se renovou por períodos sucessivos de um ano, como constava do contrato original, ou se se renovou por 3 anos, por efeito na nova redacção do art. 1096º, nº 1 do C.C., terá por consequência concluir que os AA. declararam tempestivamente a sua oposição à renovação do contrato (por carta de 21 de Fevereiro de 2022, tendo em vista a cessação do contrato a 31 de Março de 2023); ou que não o conseguiram, por em 1/4/2022 o contrato se ter renovado por mais 3 anos, respectivamente.
Em qualquer caso, e tal como afirmado na sentença em crise, temos por certo que, como dispõe o nº 2 do art. 12º do C. Civil, o novo regime do art. 1096º se aplica, não apenas aos contratos ulteriores a Fevereiro de 2019, como também aos anteriores, como é o caso do contrato dos autos.
Todavia, a referida norma constante do nº 1 desse artigo tem uma natureza claramente supletiva, isto é, cede perante uma convenção das partes com conteúdo diferente. E a possibilidade de prevenir a solução supletiva do legislador estende-se quer à previsão de que o contrato se não renovará, como também à previsão de que a renovação, a ocorrer, possa ter um prazo diferente daquele de 3 anos que o legislador referiu.
Com efeito, não se compreende que o legislador tivesse pretendido limitar a natureza supletiva a metade do dispositivo da norma. Isso corresponderia a uma técnica legislativa infeliz em que, de resto, o legislador não incorreu, como se constata do teor da regra do nº 3 do art. 1097º, onde ficou clara a sua natureza injuntiva, de que resulta que a oposição à renovação jamais pode ser eficaz antes do prazo de 3 anos.
Tal como não se compreende que o legislador tivesse previsto a possibilidade de as partes convencionarem a não renovação do contrato, proibindo porém que, a haver renovação, não pudessem estipular que esta ocorresse por períodos de 1 ou 2 anos.
Tal como, ainda, a solução resultaria incoerente em face da disposição, essa sim imperativa, do nº 3 do art. 1097º: daqui resulta que o primeiro período de vigência do contrato tenha de ser de três anos, pois que a oposição à renovação não pode ser eficaz antes disso; mas sendo estipulado o prazo de vigência de um ano e devendo a renovação operar por mais três, se as partes a não excluíssem, então sempre estaria previsto um período inicial de vigência do contrato de 4 anos. O que seria incongruente, face à solução de 3 anos do nº 3 do art. 1097º.
Isso mesmo se explica no Ac. do TRL de 10-01-2023, no proc. nº 1278/22.4YLPRT.L1-7 (relator Luis Pires de Sousa, em dgsi.pt), a cujas razões e solução aderimos: “I. A jurisprudência vem entendendo, maioritariamente, que, da redação do Artigo 1096º, nº 1, do Código Civil, dada pela Lei nº 13/2019, de 1.2. (entrada em vigor a 13.2.2019), decorre que, desde que as partes prevejam a renovação do contrato de arrendamento, só terão liberdade para convencionar prazo de renovação igual ou superior a três anos, impondo o legislador um prazo mínimo imperativo de três anos. II. Dissente-se dessa interpretação porquanto: i. Se a lei permite que as partes afastem, de todo, a renovação, então também permite que esta tenha uma vigência diferenciada em caso de renovação (argumento a maiori ad minus); ii. A tutela da posição do inquilino e da estabilidade do arrendamento, erigida como um dos propósitos da Lei nº 13/2019 não decorre neste circunspecto, em primeira linha, da nova redação do nº1 do artigo 1096º, mas sim do aditado nº 3 ao Artigo 1097º; iii. Na lógica da tese referida em I, desde que as partes prevejam a renovação do contrato de arrendamento, este terá, inapelavelmente, uma duração sempre de quatro anos (mínimo imperativo de um ano, acrescendo renovação imperativa por mais três anos). Se assim fosse, o disposto no nº3 do Artigo 1097º não faria qualquer sentido porquanto os contratos de arrendamento, desde que as partes não afastassem expressamente a sua renovabilidade, teriam sempre uma duração mínima de quatro anos. Porém, o que decorre do nº 3 do Artigo 1097º é que, prevendo-se a renovação do contrato, o prazo mínimo garantido da vigência do contrato é de três anos a contar da data da celebração do mesmo. iv. O direito de o senhorio opor-se à renovação do contrato, quando seja prevista a renovação do contrato, está apenas condicionado à vigência ininterrupta do contrato por um período de três anos, contado da data de celebração do contrato.”
Pelo exposto, sem prejuízo de se conhecer a jurisprudência de sinal contrário (por ex., o recente ac. deste TRP, de 12-10-2023, proc. nº 328/23.1YLPRT.P1, relator Paulo Silva, em dgsi.pt). entendemos ser adequada a solução acima descrita, nos termos da qual, por reconhecimento da validade da estipulação das partes, que previram que o contrato de arrendamento em causa haveria de vigorar por um ano, com renovações sucessivas pelo mesmo prazo, se há-de concluir que, em 1/4/2019 o mesmo se renovou por mais um ano e não por três, assim, acontecendo sucessivamente até 2022. E isso porquanto nada impõe diferentemente o nº 1 do art. 1096º do C.C., na sua nova redacção.
Daqui decorre que, tal como decidido pelo tribunal a quo, foi válida e eficaz a comunicação de oposição à resolução do contrato remetida aos RR. pelos AA., em Fevereiro de 2022, para operar em 31/3/2023.
Cumpre, pois, confirmar a decisão recorrida.
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Sumário:
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3 - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em negar provimento ao presente recurso, na confirmação integral da douta decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.
Registe e notifique.
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Porto, 16 de Janeiro de 2024
Rui Moreira
Artur Dionísio Oliveira
Anabela Dias da Silva