Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | CARLOS PORTELA | ||
Descritores: | DOCUMENTOS AUTÊNTICOS FORÇA PROBATÓRIA ADMISSÃO DA PROVA TESTEMUNHAL SIMPLES INTERPRETAÇÃO CONTRATO DE SUPRIMENTO ELEMENTOS OBJECTIVOS | ||
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Nº do Documento: | RP2021031110920/14.0T8PRT-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 03/11/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Nos termos do disposto no art.º 377º do Código Civil, os documentos autenticados são equiparados aos documentos autênticos, mormente no que toca à sua força probatória. II - Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos (declarações e outros) que neles são referidos como praticados pela autoridade ou oficial público documentador, bem como daqueles factos que são atestados como objecto da sua percepção directa. III - De acordo com o disposto nos artigos 393º e 394º do Código Civil, não se deve admitir, em princípio, a admissibilidade da prova testemunhal quanto ao seu conteúdo, mas pode admitir-se esta no que toca à simples interpretação do contexto do documento. IV - Atento o disposto no art.º 372º, nº1, a força probatória plena dos documentos autênticos, apenas pode, em princípio, ser ilidida mediante a arguição e prova da sua falsidade ou seja, da desconformidade entre o facto representativo nele contido e a realidade de todos os de alguns dos seus elementos. V - O contrato de suprimento, previsto no nº1 do art.º 243º do Código das Sociedades Comerciais não é um contrato de mútuo com características especiais, mas antes um contrato com um tipo próprio e autónomo. VI - Neste tipo de contrato a permanência é um elemento objectivo muito relevante, assente no tempo de duração dos créditos e indicador de que a entrega do sócio, que passou para a disponibilidade da sociedade, não foi feita de forma transitória. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Apelação nº 10920/14.0T8PRT-A.P1 Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto. Juízo de Execução do Porto Relator: Carlos Portela Adjuntos: Joaquim Correia Gomes António Paulo Vasconcelos Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto I.Relatório: Por apenso à execução instaurada por B… e C… veio a executada D…, Ld.ª deduzir os presentes embargos à execução onde pede que sejam os embargos julgados procedentes, declarando-se a inexistência e a inexigibilidade do título dado à execução e absolvendo-se a embargante do pedido exequendo. Para tanto começa por descrever o teor da escritura junta aos autos e que constitui o título executivo e os factos descritos no requerimento executivo. Diz que as exequentes são mãe e irmã da sócia da executada que subscreveu a confissão de dívida a qual se tratou de uma fraude/simulação. Isto porque as transferências bancárias não engrossaram a conta de depósitos à ordem da sociedade executada mas sim da “representante” da Executada, ou seja, de E… e que a dita sócia deu instruções, por escrito, à contabilidade da empresa embargante documentando nas mesmas datas em que teria ocorrido o empréstimo, a realização de suprimentos a seu favor e do exacto montante do alegado empréstimo que a executada refuta. Diz também que as exequentes se tentam locupletar à custa da embargante refutando a existência de qualquer dívida da executada para com as Exequentes mas antes um financiamento pessoal da representante da executada para efectivar suprimentos. Defende assim que as Exequentes litigam com abuso de direito, pois que tentam transfigurar/simular um eventual mútuo familiar prestado a uma (de dois) dos sócios (que não gerente) da Executada em mútuo à Executada. A seguir descreve vários episódios levados a cabo pela sócia E…, como o encerramento unilateral da “D…” em Julho de 2014 e impedimento de funcionamento do estabelecimento, a pressão a funcionários para abandonar o posto de trabalho por forma a pôr em causa a perca do alvará da D…, a não justificada interrupção de funcionamento do estabelecimento, a retenção ilícita de mercadoria e de documentação contabilística tudo com o objectivo de “levar ao desespero o sócio maioritário da empresa e obrigá-lo a vender os seus 70% que lhe haviam custado em 30.12.2010 mais de 700.000,00€ por cerca de 70.000,00€. Alega, em síntese, que a execução e o título que alegadamente a fundamenta integra uma simulação sabendo as credoras e a representante da embargante que nenhum empréstimo ou mútuo havia processado à empresa executada. Também veio arguir a inexistência e inexigibilidade do título por entender que a Dr.ª E… não poderia sozinha e sem o outro sócio intervir no acto notarial aqui em causa. Pede a condenação das exequentes como litigantes de má-fé. * Regularmente notificada, a exequente deduziu contestação onde pede que os embargos sejam julgados improcedentes e requer a condenação da executada como litigante de má-fé. Para tanto, afirma que a executada não tem razão, tanto mais que é a própria que nos documentos juntos confirma as entradas de valores por parte da sócia E… e a título de empréstimo. Alega que as quantias não engrossaram a conta D.O. pois a sócia E…, temia a falta de liquidez da Embargante e o uso indevido desse valor em consequência das grandes quantidades de medicamentos comprados pelo sócio G… que se soubesse que a conta estava aprovisionada usaria o mesmo saldo de imediato. Aludiu também às penhoras de saldos bancários e penhoras de créditos da mesma consequência de um processo executivo instaurado na altura e que obrigou a Directora Técnica a gerir a embargante com os recursos que tinha a seu favor. Referiu que foi nesse sentido que E… solicitou ajuda financeira à mãe e irmã que a ajudaram ao transferir tais valores para a conta pessoal da sócia gerente que por sua vez só transferiu o dinheiro para a conta bancaria da Embargante assim que necessário. Afirma que se transferisse o valor total da quantia exequenda o dinheiro rapidamente desapareceria porque o sócio maioritário necessitava de dinheiro para adquirir uma quota noutra farmácia. Por fim respondeu aos factos alegados pela embargante relativamente ao fecho da D… à saída de funcionários e à injustificada interrupção de funcionamento. Foi apresentado um requerimento onde se requereu a rectificação de erros de escrita do requerimento executivo, requerimento que após cumprimento do contraditório, foi deferido. Os autos prosseguiram os seus termos, sendo proferido despacho saneador onde, no que toca à falta de título executivo, se concluiu do seguinte modo. “Assim sendo e porque a escritura pública que constitui título executivo não enferma da nulidade arguida pela Embargante – e sem prejuízo do conhecimento da nulidade por simulação do declarado – afigura-se-nos que este contrato dado à execução celebrado e formalizado em escritura pública perante o Notário respectivo, é pois, documento autêntico e subsumível no art.º 703º, nº1 alínea b) do CPC. Nessa medida e sem prejuízo do que se vier a apurar quanto à demais factualidade arguida pela Embargante, julgamos o título dado à execução como válido.” No mais, procedeu-se à fixação, nos seguintes termos, do objecto do litígio e enunciaram-se os temas de prova. A Executada/Embargante veio apresentar Reclamação ao despacho saneador. Tal Reclamação foi indeferida na íntegra pelo Tribunal “a quo”. Os autos prosseguiram os seus termos, designando-se várias datas para a realização da audiência de discussão e julgamento. Entre as várias sessões de julgamento veio a Executada/Embargante solicitar a realização de várias diligências de prova. A tal propósito foi proferido o seguinte despacho: “Requerimento de fls. 571 e ss. Vem o embargante requerer que seja notificado o AE e/ou os Juízos de Execução da Maia no âmbito do processo 2907/17.7T8MAI que corre termos no 2.º Juízo Central de Execuções da Maia por forma a que o Tribunal seja adicionalmente informado quer das diligências de penhora ou outras efectuadas nesta execução pela AE desde a sua instauração assim como quando e em que local foi citada a aí executada E…. Requer ainda que seja requisitado ao IRN a nomeação de técnico habilitado para que seja emitido parecer urgente sobre a idoneidade (formal e substancial) e autenticidade deste da escritura publica que constitui título executivo ou, alternativamente, sejam notificados os ditos serviços para que procedam à nomeação de Notário e/ou técnico ao seu serviço na comarca do Porto especialista em sociedades comerciais para que preste depoimento em juízo sobre as mesmas questões. Apreciando e decidindo entende o Tribunal não se justifica a realização dos pedidos supra expostos. Em relação ao primeiro pedido, não há necessidade de solicitar qualquer pedido ao AE pois que foi viabilizado ao Tribunal o acesso ao processo electrónico, podendo atestar-se, da consulta efectuada pelo Tribunal, que a executada foi pessoalmente citada a 13.11.2017 na Rua … n.º … Porto. Mais se descrevem, uma sumula, as diligencias desencadeadas ao longo desse processo: - consta da informação da SR. AE datada de 10.1.2018 dirigida ao Exequente que foram efectuadas as seguintes diligências: Informação ADM FISCAL, na qual consta que o Executado não é titular de imóveis, nem de veículos, bem como que se encontra registado como trabalhador categoria B e que apresentou declaração rendimentos IRS 2016; Informação registo automóvel na qual consta que a Executada não é titular de veículos; Registo execuções quanto ao Executado; Consulta SEG SOCIAL relativamente ao Executado na qual consta que o mesmo não se encontra a auferir rendimentos de trabalho; Informação CGA na qual consta que o Executado não se encontra registado como beneficiário desta entidade; A Executada não está insolvente nesta data. Promoveu-se a penhora de saldos bancários da Executada, tendo tal penhora se frustrado” - a 2.05.2018 a Sr. AE solicitou ao PROC 18870/15.6T8PRT informação sobre a penhora da quota da aí executada na D…, tendo o AE desse processo informado que a quota se encontrava em fase de venda; - foi tentada a penhora dos salários na H…, Ld.ª onde a executada exercia funções, constando dos autos um auto de penhora dessa penhora, que não foi concretizada - consta dos autos datado de 25.10.2019 um auto de penhora da quota na sociedade D… - na mesma data foi sustada a execução à penhora da quota por existir penhora anterior; - a execução foi extinta por falta de bens ao abrigo do art.º 750.º do CPC a 6.1.2020; - a 14.2.2020, e na sequencia de pedido do advogado dos exequentes, foi decidido pela Sr.ª AE renovar a execução para penhora do IRS de 2019 o que foi concretizado. O Tribunal imprimirá a documentação que sustenta as diligências acima referidas sendo entregue esta documentação aos Il. Mandatários na próxima sessão de julgamento. No mais não se nos afigura pertinente qualquer outro elemento da referida execução, pelo que nada mais se ordena. Quanto ao segundo pedido solicitado, entende o Tribunal que o mesmo extravasa os temas da prova em discussão nos presentes autos. Na verdade, a autenticidade deste documento nunca foi contestada, não tendo sido arguida, em qualquer momento, a falsidade deste documento. Foi, sim, contestada a validade do mesmo e a sua idoneidade enquanto título executivo. Esta questão foi, contudo, já decidida no despacho saneador. Com as diligências requeridas pretende o embargante que seja apresentada, em audiência, uma interpretação jurídica diferente da já plasmada no nosso despacho e que, dela discordando, deverá contesta-lo em sede de recurso e não nesta fase processual. Pelo exposto e por estas razões indefere-se o requerido. Notifique.” Deste despacho veio interpor recurso a embargante/executada D…, Ld.ª. No culminar da audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença na qual se julgaram os presentes embargos à execução procedentes e, em consequência, se determinou a extinção da execução. Desta decisão interpuseram recurso as embargadas/exequentes C… e B…. Não foram apresentadas contra alegações. Foram proferidos despachos nos quais se julgaram os recursos tempestivos e legais e se admitiram os mesmos como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo. Recebido o processo nesta Relação, emitiu-se despacho que teve os recursos como próprios, tempestivamente interpostos e admitidos com efeito e modo de subida adequados. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. * II. Enquadramento de facto e de direito:Aos presentes recursos são aplicáveis as regras processuais da Lei nº 41/2013 de 26 de Junho. É consabido que o objecto dos recursos, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pelas apelantes nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC). E é o seguinte o teor dessas conclusões: No recurso do despacho de 28.02.2020: A) O despacho objecto de recurso, e que indeferiu um meio de prova (adicional aí referido), é recorrível porque o mesmo violou um preceito legal, ainda que na aparência tal decisão se destine tão somente a regular os termos normais do processo. B) A limitação imposta pela decisão controvertida integra denegação de justiça, porquanto impossibilita a Apelante de concretizar a totalidade da prova desejada e necessária para uma justa composição do litígio, e equitativa decisão da causa, integrando além do mais violação do princípio da descoberta da verdade material. C) Por outro lado, a decisão aqui em causa viola também um dos princípios fundamentais da actual lei adjectiva, qual seja o Princípio da Adequação Formal consagrado no art.º 547.º do C.P. Civil, D) princípio este que visa precisamente atingir e assegurar um processo equitativo através da adopção de tramitação processual adequada às especificidades da causa, ainda que para tanto seja necessário adaptar o conteúdo e a forma dos actos processuais aos fins que estes visam atingir, tal como foi requerido pela Apelante no seu requerimento de 18.02.2020 (Ref.ª 34909410), pedido esse que foi desconsiderado. Aliás, E) o princípio supra, como poder dever que é exige ao julgador uma perspectiva crítica, activa e empenhada das regras procedimentais, em que o rito processual assegure os fins do processo, e a instrumentalidade do direito adjectivo face ao direito substantivo, F) sendo que o cumprimento oficioso do dito princípio por parte do julgador é regra incontornável até por força do princípio do inquisitório consagrado no art.º 411.º do C.P. Civil. G) Neste sentido, o Sr. Juiz deve ordenar ou possibilitar todas as diligências de prova que se mostrem indispensáveis para que o processo siga os seus trâmites tendo em vista o apuramento da verdade e a justa composição do litígio. H) Ao não possibilitar tais meio de prova, a Meritíssima Juiz a quo violou o exercício de um autónomo poder dever de indagação oficiosa, o que tem como consequência uma nulidade por omissão, a qual aqui se invoca para todos os devidos e legais efeitos. I) Acresce que, a suscitada “ampliação” dos meios de prova (dada a complexidade e especificidade técnica da questão em apreço nos presentes autos) afigura-se não meramente útil, mas antes essencial para a justa composição do litígio, porquanto a impossibilidade de produção de prova resultante daquela decisão integra flagrante denegação de justiça. J) Ao sentenciar por modo diverso o Tribunal a quo violou entre outras disposições da Lei Adjectiva, os artigos 195.º, 411.º, 511.º n.º 4, 547.º, todos do C.P. Civil. Termos em que, na procedência da Apelação se deverá revogar o douto Despacho Recorrido (na parte em que indefere os pedidos de ampliação dos meios de prova), substituindo-se por um outro que permita tal ampliação e mormente nos termos aí requeridos pela Apelante, tudo com as legais consequências, assim se fazendo inteira e sã JUSTIÇA. No recurso da sentença: I. No sentença sub judice a Mma Juíz a quo, decidiu que: “Nestes termos, julgo os presentes embargos à execução procedentes e, em consequência, determino a extinção da execução. Custas pelas Exequentes. Registe e notifique.” II. Tendo essa decisão por base a fundamentação de Direito nela constante. III. O Tribunal a quo deu como não provados os seguintes factos: “FACTOS NÃO PROVADOS Não se provaram quaisquer outros factos, para além ou em contrário dos anteriormente referidos, designadamente: A) Que B… e C… entregaram, temporariamente, à “D…, Ld.ª” a importância conjunta de 47.000,00€ com vencimento em 17 de Julho de 2014 e com a condição de lhes serem restituídas, as quantias monetárias pela Executada. B) Que o valor referido em 5) e 6) foi transferido directamente para a conta de E… pois caso tivesse sido transferido para a conta da Executada esse dinheiro rapidamente desaparecia e seria utilizado de imediato pelo sócio G… em proveito próprio. C) Que as transferências referidas em 5) e 6) foram efectuadas para a conta de E… por receio de penhora de saldos bancários da Executada.” IV. Impõe-se a alteração da matéria de facto dada como não provada, passando os factos dados como não provados ao elenco dos factos provados. V. Elencando-se, sumariamente, nos termos do disposto no art.º 640.º n.º 2 b) do CPC, um depoimento constante da gravação da audiência de discussão e julgamento, que as Recorrentes fundamentam, conjuntamente com a demais prova constantes dos autos, para demonstrar que se impõe a alteração da matéria de facto dada como provada e não provada. VI. A testemunha E… cujo depoimento se encontra gravado - 05-11-2019 15:58:55 a 05-11-2019 16:50:20, refere, sumariamente, que: Desde o minuto 20:20: -informou que, num primeiro momento, após os movimentos terem sido feitos, enviou os documentos referentes às transferências para a contabilidade. -mas depois na assembleia geral de sócios verificou que o montante do empréstimo da Mãe e irmã não estava registado na contabilidade. -Em consequência, depois dessa assembleia que ocorreu em Fevereiro de 2014 (referente às contas de 2013 que são aprovadas no ano seguinte), contacta o contabilista da empresa que lhe refere para lhe serem enviados os documentos das transferências e que faça menção nos mesmos “empréstimos E…”. -O sócio não reconhecia a divida fosse à E… fosse às exequentes. -o outro sócio gerente G… tinha poderes para movimentar a conta da sociedade executada. até ao minuto 49:20 VII. O Tribunal a quo não teve em consideração esta parte do depoimento da testemunha E… mas o mesmo é totalmente credível, uma vez que foi quem efectuou os referidos movimentos e mais ninguém teve conhecimento directo dos factos a não ser a referida E… e o gerente G… que é o actual Gerente. VIII. Verifica-se que é neste contexto, constante do depoimento da testemunha E…, que é referido nos documentos aquela menção de que resulta dos autos idêntico depoimento da Exequente B… que se lembrava da ocorrência deste episódio. IX. Em todo o enquadramento dos factos este documento pode levar a crer que se tenha tratado de um suprimento à sociedade uma vez que tem aquele dizer por parte da testemunha E…, porém tal deveu-se a pedido do contabilista. X. O que se julga que tenha pesado mais na ponderação da prova para esse efeito é essa menção manuscrita por parte da sócia gerente E… que se trata de empréstimo dela, mas como resulta do depoimento da testemunha E…, essa menção tem o enquadramento supra identificado, ou seja, foi efectuada a pedido do próprio contabilista da sociedade. XI. Isto depois de questionado o contabilista do porquê de tais quantias não se encontrarem registadas na contabilidade – fosse de que forma fosse, porque não estavam inscritas nem como suprimentos nem como empréstimos de terceiro… XII. Conjugados todos os meios de prova verifica-se que o empréstimo aqui em causa é um empréstimo das Exequentes à Executada pelo que, com a mesma motivação e meios de prova que o Tribunal a quo se socorreu, e ainda, acrescendo, com o depoimento prestado pela testemunha E…, deveria ter sido dado como provado o facto não provado A), o que agora se impõe que seja efectuado. XIII. É patente dos autos a animosidade existente à data dos factos entre os sócios gerentes da sociedade executada, e a confiança entre ambos era nula, aliás, o que levaria a que a gerente E… subscrevesse sozinha a confissão de dívida, senão isso mesmo? XIV. Como é referido pela Exequente B…, existia receio que o gerente G… utilizasse tal quantia para aquisição de uma outra farmácia, mas não seja, pelo conflito existente entre ambos, mandava a prudência que a gerente E… não deixasse todo o dinheiro mutuado na conta bancária da sociedade executada uma vez que o gerente G… tinha poderes para movimentar sozinho a conta bancária. XV. Com a mesma motivação e meios de prova que o Tribunal a quo se socorreu, e o depoimento aqui referido da testemunha E…, deveria ter sido dado como provado o facto não provado B), o que agora se impõe. XVI. É claro e inequívoco, que as quantias mutuadas passaram pela conta da sócia gerente E…, que, as foi transferindo para a conta da executada à medida que esta ia necessitando para fazer face aos compromissos assumidos e só existindo um grande receio por parte da sócia gerente é que assim teria procedido uma vez que ao invés todo o dinheiro tinha sido transferido para a conta da sociedade executada. XVII. Em 15.º dos factos dados como provados está dado como provado que no período em causa pendia sobre a sociedade executada um processo executivo com a quantia exequenda de 46.044,75 € (quantia idêntica à mutuada), sendo que, objectivamente, em face da pendência do mencionado processo executivo, existia receio de penhoras sobre o património da executada o que é atestado pelas regras de experiência comum. XVIII. Com a mesma motivação e meios de prova que o Tribunal a quo se socorreu, deveria ter sido dado como provado o facto não provado C), o que agora se impõe. XIX. Devem ser dados como provados os factos não provados A), B) e C. XX. A presente decisão é Nula. XXI. Por despacho saneador proferido em 04/04/2019, com a referência n.º 402664505, foi proferida decisão através da qual foi julgado como válido o título executivo dado à execução, decisão essa que pôs termo à discussão sobre os poderes de representação da sócia gerente E… para celebrar a escritura pública intitulada de “CONFISSÃO DE DÍVIDA” de 17 de Junho de 2014, atestando-se ali que a sócia gerente E… tinha poderes para esse efeito, tendo vinculado devidamente a sociedade. XXII. Não foi interposto recurso do despacho saneador por parte da Executada, tendo a mesma transitado em julgado. XXIII. No despacho saneador foi ainda fixado como objecto do litígio:“- Nulidade, por simulação, do contrato de mútuo celebrado entre a embargada e embargantes; - Litigância de má-fé de embargadas e embargante.” e os temas da prova ali constantes, verificando-se, assim, que, no que respeita à demais matéria, foi apenas admitida produção de prova quanto a estes temas de prova, XXIV. A decisão a ser proferida nos autos prendia-se, apenas, quanto à apreciação da nulidade por simulação do mútuo celebrado entre as exequentes e a executada e ainda quanto à litigância de má-fé o que não foi feito quanto à nulidade por simulação. XXV. Violando o previsto no disposto no art.º 596.º n.º 1 do CPC. XXVI. Mas mais, é que a sentença sub judice incorre na nulidade prevista no disposto no art.º 615.º n.º 1 d) segunda parte do CPC, uma vez que o Tribunal a quo, na sentença sub judice, conheceu de questões de que não deveria ter tomado conhecimento, o que se impõe, igualmente, que seja declarado, uma vez que o Tribunal convolou a causa de pedir quando tal lhe estava impedido. XXVII. O Tribunal a quo adianta, desde logo, na decisão proferida que: “Na presente decisão, urge apreciar os fundamentos defensivos esgrimidos pela embargante que se traduzem no seguinte: Inexigibilidade do título executivo pelo facto das declarações constantes do mesmo não corresponderem à verdade, por inexistir qualquer dívida da Embargantes às Exequentes.”, e mais à frente na mesma decisão refere que “importa indagar se a Embargante logrou fazer prova de da falsidade da escritura pública dada á execução.” XXVIII. Para melhor enquadramento, importa atentar qual foi a causa de pedir da petição de embargos de 16/12/2014, com a referência n.º 18305617, verificando-se aí que a causa de pedir dos referidos embargos é a “inexistência e inexigibilidade do título dado à execução”, vide artigos 53.º a 57.º da referida petição (titulo já julgado válido no despacho saneador). XXIX. Quando a Embargada discorre tão-somente sobre a falta de poderes da sócia E… para outorgar, sozinha, em representação da sociedade, a escritura pública intitulada de “CONFISSÃO DE DÍVIDA” de 17 de Junho de 2014 – isto é quanto ao título não invoca qualquer outro facto para por em causa a sua validade, culminando a referida petição de embargos com o seguinte pedido: “Nestes Termos e nos melhores de direito aplicáveis, devem os presentes Embargos ser julgados procedentes por provados, e na procedência entre outras razões das invocadas excepções de inexistência e inexigibilidade do título dado à execução, absolver-se a Embargante do pedido exequendo com as legais consequências.” (sublinhado e realce nosso). XXX. E ainda, na referida petição, é referido que: “intervêm como outorgantes as hoje “credoras”, e a Executada, esta na pessoa de uma alegada “representante”, no caso vertente “E…”, que para que se perceba a claríssima fraude/simulação que integra este procedimento, é filha da Exequente B… e portanto irmã da também Exequente C….” (vide art.º 6.º da petição de embargos - realce nosso), bem como que: “é patente que a presente execução e nomeadamente o título que alegadamente a fundamenta, integra claríssima simulação que aqui não se deixa de invocar para ulterior apreciação, já que,” - vide art.º 37.º da petição de embargos. XXXI. A Executada ao alegar que a divida não existe está a faze-lo invocando, como causa de pedir, a simulação do negócio realizado, sendo que em nenhum momento é alegado que o titulo executivo é falso, e isto quando a validade do título foi já julgada pelo despacho saneador proferido pelo mesmo Tribunal e transitado em julgado – caso julgado formal e material – art.º 620.º e 621.º do CPC, devendo ser reconhecida a nulidade invocada por violação do caso julgado. XXXII. Foi violado o estatuído nos art.ºs 620.º e 621.º do CPC. XXXIII. O Tribunal a quo convolou a causa de pedir dos presentes autos, quando tal lhe estava subtraído. XXXIV. O Tribunal a quo ao julgar procedente os presentes embargos de executado, com fundamento na inexistência da executada, fê-lo com fundamento em causa de pedir diversa daquela que foi invocada pela Executada, não podendo restar dúvidas de que se conheceu de questão não submetida à apreciação do tribunal, isto é, de questão de que não devia tomar conhecimento, o que se trata de nulidade de pronúncia indevida, pelo que a sentença terá de ser revogada. XXXV. Vide a este respeito o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 01/07/2008, processo n.º 181/04.4TBSRE.C1 e ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 07/02/2019, processo n.º 5569/17.8T8.BRG.G1, disponíveis em www.dgsi.pt. XXXVI. Resulta da lei e do texto da sentença sub judice, que a única forma de pôr em causa a força probatória de um documento autêntico é invocando a sua falsidade (do documento propriamente dito), o que não foi alegado. XXXVII. Refere o Tribunal a quo que: “Por outro lado, para abalar tais documentos, há ainda que atender na regra prevista nos arts. 393º e 394º, do C. Civil, que prevê, em princípio, a inadmissibilidade da prova testemunhal quanto ao seu conteúdo mas admitindo-a apenas no que tange à simples interpretação do contexto do documento – vide o nº 3 do citado art.393º e ainda o Acórdão do STJ de 13-11-1986, in BMJ nº 361, pág. 496.” XXXVIII. Foi admitida prova quanto ao conteúdo do referido documento. XXXIX. Resulta da confissão de dívida uma obrigação da executada perante as exequentes, obrigação essa devidamente documentada, por forma a que não houvessem dúvidas sobre a entrega das quantias mutuadas. XL. Resulta da própria sentença sub judice que: “… sendo certo que independentemente das razões que estiveram na base desde negócio o mesmo não produz juridicamente o efeito pretendido pelas Exequentes, como ficou patente na prova testemunha produzida.”, o que o Tribunal a quo refere tendo por base um julgamento de falsidade de um documento autêntico – que não foi invocada. XLI. Estava subtraído ao Tribunal a quo socorrer-se de prova testemunhal para esse efeito. XLII. Foi violado o disposto no art.º 393.º n.º 1 e 3 do código civil. XLIII. O Tribunal a quo julga como falso o documento, determinado que o emprestimo sub judice não é um empréstimo de terceiro mas sim um contrato de suprimento, considerando fundamental para tanto, o facto de o dinheiro não ter sido transferido directamente para a executada, tendo passado num primeiro momento pela conta da sócia gerente E…. XLIV. Para a perfeição do contrato de mútuo exige-se a entrega da quantia mutuada ao mutuário, independentemente da forma da entrega, não existindo da lei semelhante exigência de entrega directa ao mutuário – vide art.ºs 1142.º e 1144-.º do Código Civil. XLV. Não está em causa que as quantias mutuadas chegaram à conta bancária da executada, facto que é assumido por esta. XLVI. Ocorreu, assim, erro de julgamento de direito por violação do disposto nos art.ºs 1142.º e 1144.º do Código Civil. XLVII. Em face da requerida alteração da matéria de facto dada como não provada para provada, impõe-se a alteração da decisão. XLVIII. Ficando dado como provados os seguintes factos: A) Que B… e C… entregaram, temporariamente, à D…, Ld.ª” a importância conjunta de 47.000,00€ com vencimento em 17 de Julho de 2014 e com a condição de lhes serem restituídas, as quantias monetárias pela Executada. B) Que o valor referido em 5) e 6) foi transferido directamente para a conta de E… pois caso tivesse sido transferido para a conta da Executada esse dinheiro rapidamente desaparecia e seria utilizado de imediato pelo sócio G… em proveito próprio. C) Que as transferências referidas em 5) e 6) foram efectuadas para a conta de E… por receio de penhora de saldos bancários da Executada.” XLIX. A dívida exequenda é da executada perante as exequentes, ou seja, é um empréstimo de terceiro à executada e não da sua sócia à sociedade executada, não se tratando, assim, de um contrato de suprimento, ou empréstimo dos sócios, conjugando tais factos com os que já estavam dados como provados. Decidindo em conformidade com as conclusões agora aduzidas, Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, contribuirão para a realização do Direito, fazendo cumprir a LEI e a JUSTIÇA. * Perante o antes exposto, resulta claro que são as seguintes as questões suscitadas nestes recursos:No recurso do despacho com a Ref.ª 412724761: A admissibilidade das diligências de prova requeridas pela Executada/Embargante. No recurso de sentença: 1ª) A impugnação da decisão da matéria de facto; 2ª) A nulidade da sentença; 3ª) O erro de julgamento e a revogação da decisão proferida. * Iniciando a nossa análise pelo primeiro dos recursos aqui interposto, cabe dizer, desde já, que não colhem os argumentos que sustentam a pretensão da executada/embargante D….Assim, resulta evidente que o pedido de notificação do AE e/ou dos Juízos de Execução da Maia no âmbito do processo 2907/17.7T8MAI, para prestar informações sobre as diligências de penhora ou outras efectuadas nos referidos autos e sobre o momento e o local da citação da aí executada E…, mostra-se desnecessário pelas razões melhor referidas no despacho recorrido. Assim e como ali se afirma, tais informações podem ser obtidas através do acesso concedido ao processo electrónico dos supra referidos autos. Deste modo e porque todos os elementos solicitados estão devidamente documentados e acessíveis às partes como se verifica de fls. 580 e seguintes, bem andou o Tribunal “a quo” quando considerou não ser necessário solicitar à referida acção quaisquer outros elementos. Ou seja, nesta parte nenhuma censura merece o que então ficou decidido. E o mesmo ocorre relativamente ao que logo a seguir foi requerido pela Executada/embargante. Assim também nós consideramos que nos autos não está em causa a autenticidade da escritura pública que nos autos foi dada à execução. Ou seja, o que se discute é sim a questão de saber se a mesma escritura pública pode valer como título executivo. E tal questão foi já decidida (em sentido afirmativo) no despacho saneador. Perante tal realidade, bem decidiu o Tribunal “a quo”, ao considerar que este seu entendimento sobre a validade do título executivo, só podia ser questionado em sede de recurso e não através do recurso às diligências solicitadas no requerimento de fls. 571 e seguintes. Em suma também aqui não merece reparo o despacho recorrido. Cabe agora apreciar e decidir as questões suscitadas no recurso da sentença interposto pelas exequentes/embargadas, B… e C…. E a primeira delas é a que tem a ver com o recurso da decisão da decisão da matéria de facto. Na mesma decisão foram dados como provados os seguintes factos: 1. Por escritura pública intitulada “CONFISSÃO DE DÍVIDA” de 17 de Junho de 2014 feita no Cartório Notarial do Dr. I… sito na Rua … n.º .. em …, E… (…) que outorgou na qualidade de sócia gerente e em representação da sociedade comercial por quotas “D…, Ld.ª” e B… e C…, declararam, a primeira na qualidade de primeira outorgante, e as segundas na qualidade de segundas outorgantes, o seguinte: “A primeira outorgante na mencionada qualidade que: recebeu a título de empréstimo para a sociedade que representa as seguintes quantias, para fazer face a compromissos e encargos vários e urgentes daquele: o montante de 15.000,00€ (quinze mil) euros, empréstimos efectuado pela segunda outorgante B… por transferência bancária no dia 24/07/2013, - o montante de 17.000,00€ (dezassete mil euros) euros, empréstimo efectuado pela segunda outorgante C…, por transferência bancária no dia 23/08/2013 – o montante de 2.000,00€ (dois mil) euros, empréstimo efectuado pela segunda outorgante C…, por transferência bancária de 30/08/2013 – o valor de 13.000,00€ (treze mil euros) empréstimo efectuado pela segunda outorgante C…, por transferência bancária no dia e no dia 24/09/2013. – que estes empréstimos perfazem a quantia global de quarenta e sete mil euros, correspondente quinze mil ao montante emprestado pela outorgante B… e trinta e dois mil ao montante emprestado pela outorgante C…. Declaram as outorgantes que aceitam as confissões de divida que o montante mutuado não vence juros e que o capital mutuado deverá ser reembolsado no prazo de um mês a contar da data da assinatura desta escritura. Que a pedido das partes vou arquivar uma listagem de movimentos da conta da outorgante E… do Banco J…. – cfr. documento junto aos autos principais a fls. 3 verso a 4 verso e cujo conteúdo no demais se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 2. A listagem de movimentos anexa à escritura referida em 1) consta de fls. 162 a fls. 165 dando-se o seu teor como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 3. A Executada é uma sociedade por quotas que se encontra matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob a matrícula ……… e foi registada pela inscrição Ap 08/19450501, tendo descrito como objecto “a exploração como estabelecimento de venda de medicamentos não sujeito a receita medica para uso humano” - cfr documento junto aos autos a fls. 81 e ss e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 4. E… era, à data da declaração referida em 1), uma das sócias gerentes da sociedade - cfr documento junto aos autos a fls. 81 e ss e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 5. B… efectuou a 24.07.2013 uma transferência para crédito para a conta do Banco J… da qual é titular E… do valor de € 15.000,00, ficando descrito no histórico de movimento da conta a transferência por parte de “K…” – cfr documento junto aos autos a fls. 163 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 6. C… efectuou, a 23.08.2013 uma transferência para crédito para a conta do Banco J… da qual é titular E… do valor de € 35.000,00 - cfr documento junto aos autos a fls. 164 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais 7. A 26.07.2013 foi realizada uma transferência a débito da mesma conta referida em 5) para a conta da Executada, D…, sob a rubrica de «Emprést. D…», dessa mesma quantia de € 15.000,00 - cfr documento junto aos autos a fls. 163 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 8. A 23.08.2013 foi efectuada a transferência a débito da conta referida em 5) para a conta da Executada, D…, sob a rubrica de «Emprést. D…», de parte dessa mesma quantia, no valor de € 17.000,00. cfr documento junto aos autos a fls. 164 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 9. A 30.08.2013 foi efectuada a transferência a débito da mesma conta para a conta da Executada, D…, sob a rubrica de «Emprést. D…, no valor de € 2.000,00 cfr documento junto aos autos a fls. 164 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 10. A 24.09.2013 foi efectuada a transferência a débito da mesma conta para a D…, Executada, sob a rubrica de «Emprést. D…, no valor de € 13.000,00 -cfr documento junto aos autos a fls. 164 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 11. Com as transferências referidas em 7) e 8) E… pagou, em nome e no interesse da Executada os seguintes montantes: - em 23.7.2013 a quantia de €16.375,50 ao armazenista “L…; - em 23.08.2013 a quantia de €16.375,00 ao armazenista “L…” (cfr documento junto aos autos a fls. 164 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 12. As demais quantias referidas em 9) e 10) destinaram-se ao pagamento de outros débitos da D… designadamente para fazer face à penhora de créditos sobre a M… a outros pagamentos mensais ao armazenista L… – cfr. documento junto aos autos a fls. 171 e ss e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais 13. E… e C… são filhas de K… e de B…. - documento junto aos autos a fls. 252 a 255 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 14. As quantias transferidas da conta de E… para a conta da executada foram lançadas na contabilidade da Executada como “suprimentos a favor da socia gerente E…” - cfr documento junto aos autos a fls. 30 a 32 e fls. 33 e 34 e ainda fls. 17 e ss e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais e aceitação por parte das exequentes (cfr artigo 5.º da contestação). 15. No período em que foram efectuadas as transferências referidas em 5) e 6) pendia contra a Executada um processo executivo instaurado por uma ex- funcionaria N… que corria termos na 3.ª Secção do Tribunal de Trabalho do Porto sob o n.º 1804/11.4TTPRT-A com o valor da quantia exequenda de 46.044,75€, no âmbito do qual havia sido penhorado a 11.7.2013, um credito da Executada sobre a “M…, SA” no valor de 14.411,59€ - cfr fls. 117 e ss e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. * E foram tidos como não provados os seguintes factos:A) Que B… e C… entregaram, temporariamente, à D…, Ld.ª” a importância conjunta de 47.000,00€ com vencimento em 17 de Julho de 2014 e com a condição de lhes serem restituídas, as quantias monetárias pela Executada. B) Que o valor referido em 5) e 6) foi transferido directamente para a conta de E… pois caso tivesse sido transferido para a conta da Executada esse dinheiro rapidamente desaparecia e seria utilizado de imediato pelo sócio G… em proveito próprio. C) Que as transferências referidas em 5) e 6) foram efectuadas para a conta de E… por receio de penhora de saldos bancários da Executada. * Na mesma decisão ficou ainda consignado o seguinte:“A demais matéria que não se faz alusão nos factos provados ou não provados e que haja sido alegada pelas partes trata-se de matéria de direito e/ou conclusiva e que por isso é irrespondível. Mais se salienta que toda a matéria factual alegada nos articulados designadamente a constante nos factos 11.º e ss da petição de embargos ou nos factos 22.º e ss da contestação trata-se de factos que o Tribunal entende não terem relevância para o cerne da questão a decidir nos presentes autos, razão pela qual não os elencou na matéria de facto provada ou não provada.” * Como antes já vimos, neste seu recurso as Exequentes/embargadas pretendem ver alterada a decisão que acabamos de transcrever, propondo que passem de não provados a provados os factos contidos nas supra referidas alíneas A), B) e C).E fundamenta tal pedido, essencialmente no depoimento prestado pela testemunha E…. Perante tal pretensão importa recordar, desde logo, o seguinte: Com a nova redacção do art.º 662º do CPC, mantém-se, agora com mais força e clareza, a possibilidade de sindicar a decisão quando assente em prova que foi oralmente produzida e tenha ficado gravada, afastando definitivamente o argumento de que a modificação da decisão da matéria de facto deveria ser reservada para casos de “erro manifesto” ou de que não é permitido à Relação contrariar o juízo formulado pela 1ª instância relativamente a meios de prova que foram objecto de livre apreciação. Como afirma António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, a pág.224/225, “sem embargo de essas e outras circunstâncias deverem ser ponderadas, a Relação deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações que se justificarem.” Sendo assim e como se nos impunha, procedeu-se à audição da gravação onde ficaram registados os depoimentos prestados em juízo pelas partes e pelas testemunhas melhor identificadas nas respectivas actas de julgamento, dando particular atenção ao que então foi declarado pela supra identificada testemunha E…. E de tal audição retiramos uma convicção probatória que coincide com a que esteve na base da decisão de facto ora impugnada. Vejamos, pois: É certa a coincidência entre os depoimentos prestados pela referida testemunha E… e pela sua mãe e irmã, as exequentes B… e C…, estas em depoimento de parte/declarações de parte. Assim todas elas defendem a tese de que a quantia unitária de € 47.000,00 transferida pelas exequentes ora embargadas para a conta da sua filha e irmã, a identificada Dr.ª E…, se destinava a solver os problemas financeiros da D… de que esta última era à data, sócia gerente. Sustentaram ainda a versão de que tal “entrega” de dinheiro foi feita sob a condição do respectivo montante lhes ser restituído pela executada/embargante até 17 de Julho de 2014. Afirmaram ainda que as verbas de € 15.00,00 e de € 35.000,00 melhor identificadas nos pontos 5) e 6) dos factos provados, foram transferidas para a supra identificada conta da sua filha e irmã e não para a conta da “D…”, porque se não fosse assim tais quantias seriam, certamente, utilizadas em proveito próprio pelo sócio G…. Para justificar tal procedimento também aludiram à intenção de “fugir” a penhoras que pudessem incidir sobre os saldos bancários da executada D…. Na decisão recorrida, o Tribunal “a quo” não deixou de se referir que “o Tribunal formou a sua convicção das respostas positivas e negativas à matéria alegada, através da ponderação crítica dos elementos constantes dos autos e do conjunto da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, tendo ainda em consideração as regras da experiência e do normal acontecer quanto à realidade dos factos.” Por ser assim, também a nós se impunha igual procedimento. E começando, desde logo, pela análise da prova documental produzida o que cabe salientar é o seguinte: Está visto por todos que o título executivo em que se fundamenta a presente execução é uma escritura pública que as respectivas subscritoras intitularam de “Confissão de Dívida”. Como bem se afirma na decisão recorrida, tal escritura enquanto documento autêntico faz prova plena em relação à materialidade das afirmações atestadas, ou seja, quanto ao facto de terem sido feitas determinadas declarações, mas já não quanto à sinceridade, à veracidade ou à validade das declarações emitidas pelas partes, pelo que a inveracidade destas não acarreta a falsidade do que foi declarado, não afectando a sua força probatória, razão pela qual se mostra possível ilidir a falsidade da realidade que subjaz no documento. Resulta também comprovado que tal escritura incorpora uma declaração confessória de dívida, sendo certo que nos autos a executada/embargante D… pretende afastar a sua exequibilidade apesar de questionar a existência do mútuo que a mesma titula. Defende no entanto, que a quantia mutuada não traduz um empréstimo de terceiro como declarado na escritura mas antes um empréstimo a um sócio (no caso concreto à sócia que declara a confissão de dívida), afirmando que a mesma decidiu usar as quantias mutuadas para pagar encargos da Executada. E foi perante tal alegação, que o Tribunal “a quo” entendeu e bem, que era necessária a invocação e a prova de qualquer causa de falta ou vício de vontade que pudesse afectar tal declaração confessória. Analisando a prova documental à luz de tal entendimento, o que se constata desde logo é que só por si, os documentos que estão juntos ao processo comprovam as transferências de dinheiro realizadas nos dias 24 de Julho de 2013 e 23 de Agosto de 2013, pelas identificadas B… e C…, a primeira no valor de € 15.000,00€ e a segunda no valor de € 35.000,00€, transferências essas realizadas das suas contas bancarias para a conta bancaria da identificada E… (cf. pontos 5 e 6 dos factos provados). A prova documental produzida também comprova que nos dias 26.7.2013, 23.08.203, 30.8.2013 e 24.09.2013, a referida E… transferiu as verbas de € 15.000,00, € 17.000,00, € 2.000,00 e € 13.000,00 para a conta da Executada (cf. pontos 7, 8, 9 e 10 dos factos provados). Comprovam ainda que os referidos montantes foram utilizados para pagar a fornecedores e armazenistas da D… aqui executada. Apesar de tudo o que deixamos exposto manteve-se a dúvida quanto à questão de saber se as referidas transferências realizadas pelas exequentes B… e C…, tiveram como objectivo a concessão de um empréstimo à executada D… ou antes um empréstimo à sua filha e sócia, a qual, posteriormente usou tais verbas para fazer face a despesas correntes da executada D…. E tudo isto porque são duas as versões trazidas aos autos pelas partes: - Pela executada D… a de que o mútuo realizado está ferido de simulação já que o empréstimo foi realizado pelas exequentes B… e C… à filha e irmã E… a qual, posteriormente, decidiu encaminhar os respectivos montantes para pagamento de encargos da D… de que era sócia; Mais ainda que a declaração de dívida que titula a execução, teve apenas por objectivo conseguir o reembolso de tais verbas não da identificada E… mas sim da executada D…. - Pelas exequentes B… e C… a de que o empréstimo se destinava à executada D… e não à sócia E… a título pessoal; Mais ainda que a razão pela qual não foi feito um depósito directo na conta da D… se justificou pela desconfiança de que tais verbas fossem usadas pelo socio maioritário G… em proveito ou que as mesmas viessem a ser absorvidas pela penhora de saldos bancários que incidia sobre a conta da empresa. Perante este enquadramento tem razão o Tribunal “a quo” quando defende que cabia à executada D…, provar a sua versão dos factos. E também para nós tal prova foi conseguida nos autos, resultando assim confirmada a tese de que no caso não existe empréstimo das exequentes à D… aqui executada. Vejamos, pois: Tal prova resulta, desde logo, da prova documental produzida, a qual pode ser sintetizada da seguinte forma: - Os extractos bancários que foram juntos a fls.158 e seguintes e a fls.162 e seguintes, os quais comprovam que o dinheiro foi transferido das contas de B… e C… para a conta de E… e não para a conta da Executada; -As declarações documentadas a fls.19, 22, 26 a 29 a 59 nas quais é a própria E… que reconhece o empréstimo efectuado por si própria à D…, fazendo constar expressamente a seguinte menção: “Empréstimo da sócia E… no valor de 15.000,00€ à D…”; - O email junto a fls.556, com data de 14.02.2014, ao qual foi dado o título e “Empréstimos sócios”, enviado por E… para a contabilidade da empresa. Por outro lado, também a prova testemunhal produzida em julgamento corrobora a tese da executada D… acima melhor identificada. Assim e com particular importância, as declarações prestadas pelos dois contabilistas que prestaram e prestam serviços para a Executada. Primeiro, a testemunha O… que disse ter sido o responsável pela contabilidade da D… até ao ano de 2014. O mesmo ao ser confrontado com o extracto bancário de fls.17 e seguintes afirmou que os mesmos espelham as transferências de empréstimos, confirmando que alguns deles (os das contas 1205 e 2532) são da sócia E… à sociedade executada. Soube esclarecer que a conta …. é uma conta aberta em nome da Dr.ª E…. Referiu, também, que era hábito a sócia Dr.ª E…, levar periodicamente (uma vez por mês), tais documentos à contabilidade. Disse ainda recordar-se que a mesma nunca fez qualquer referência quanto à proveniência desse dinheiro, razão pela qual tais transferências da sua conta pessoal, foram classificados como empréstimos da sócia à sociedade. Afirmou saber do seu conhecimento que as contas da empresa podiam ser movimentadas com as assinaturas dos dois sócios. Confirmou a existência de um mau relacionamento entre os sócios a partir do ano de 2013, originado em seu entender pelas movimentações das contas da empresa, não sabendo no entanto adiantar mais pormenores. Esclareceu que era prática habitual da D… os sócios fazerem suprimentos, mas referiu que na empresa qualquer movimentação de dinheiro para ser considerada um empréstimo de terceiro teria que dar lugar à emissão de um documento aprovado pelos sócios em assembleia, o que no caso não se verificou. Quanto às declarações do actual TOC da empesa, a testemunha P…, o que importa salientar é o seguinte: Confirmou que na altura em que começou exercer funções já sabia das mas relações entre os sócios e que a D… se encontrava numa situação de “falência técnica”. Referiu só ter tido conhecimento da alegada existência de um empréstimo das exequentes à D… já no decurso da presente acção, afirmando que na contabilidade da empresa os documentos existentes não suscitavam quaisquer dúvidas sobre a natureza das verbas aqui em discussão pelo facto do dinheiro ter origem numa conta pessoal da sócia Dr.ª E…. Declarou que em sua opinião, a existir um empréstimo das Exequentes à Executada se impunha a existência de um acordo dos sócios ou de uma deliberação social. E que só assim era possível alterar o tratamento contabilístico dado ao mesmo, alteração essa que a verificar-se teria necessárias consequências fiscais com a obrigação de pagamento do imposto de selo. Afirmou ainda que se os referidos montantes tivessem sido transferidos directamente da conta da Exequente para a conta da Executada, não seria possível proceder a quaisquer levantamentos na mesma por parte de um dos sócios, no caso o Dr. G…, por ser necessária a autorização ou o consentimento da outra sócia a Dr.ª E…. Perante tais declarações tem pois razão a Sr.ª Juiz “a quo” quando salienta que as mesmas, por virtude das funções que exerceram e exercem, “foram fundamentais para a formulação da convicção do tribunal sobre a matéria de facto provada (desde logo o facto descrito em 14) e a não provada, respeitante à dinâmica da administração da sociedade (referindo que ambos os sócios tinham vários suprimentos a receber), bem como no respeitante à actuação de E… como sócia da empresa e ao silêncio desta à contabilidade quanto à origem dos empréstimos, sendo ainda os seus depoimentos importantes na interpretação dos extractos e dos lançamentos das contas.” Em suma, a prova documental e testemunhal produzida a agora identificada, questiona a versão dos factos trazida aos autos pelas Exequentes B… e C… e confirmada pela testemunha E…. Assim e apesar da comprovado mau relacionamento entre os sócios da D…, não se confirmou qualquer razão válida que obrigasse as exequentes a terem fundado receio que a transferência directa das suas contas para a conta da D… pudesse ser posta em risco por qualquer comportamento do sócio G…. Tem também razão o Tribunal “a quo” quando, referindo o que se mostra de fls.18 e seguintes e de fls.556, faz notar a importância do lapso temporal que decorreu entre a realização das transferências e a realização da escritura: a saber quase um ano entre estes dois momentos e mais de 4 meses após a assembleia geral onde teriam atestado o não reconhecimento da dívida perante terceiros, e após ter existido correspondência entre as partes, na qual a própria socia E… reconhece tais empréstimos como empréstimo a sócios e não como empréstimos a terceiros. Subscrevemos, pois, as razões inscritas na fundamentação da decisão de facto e que agora, para um reforçado entendimento, aqui passamos a transcrever: “De resto, juízos de experiência comum, à luz dos descritos termos de funcionamento da sociedade, levariam à mesma conclusão: o que efectivamente os documentos comprovam é que B… e C… transferem para a conta de E… o valor de 50.000,00€ e que E… efectuou, com dinheiro depositado na sua conta, o pagamento de encargos da D….”. Também para nós não se mostra admissível que um documento muito posterior (a escritura publica celebrada a 17.6.2014), possa pôr em causa a natureza que um documento anterior (o lançamento dos valores a título de suprimentos), conferiu a determinada operação financeira. Aliás, o referido montante – estando ou não documentado no balancete de 2013 ou 2014 – acabou por vir a ser reconhecido como suprimento pela D… (neste sentido o que resulta dos documentos de fls.17 e seguintes). Mais, foi a própria sócia E… que por sua iniciativa, assim o classificou (cf. o que resulta dos documentos de fls.18 e seguintes e dos email (s) que trocou com a contabilidade (cf. fls.556). Em suma, bem decidiu o Tribunal “a quo” quando deu como provados os factos contidos nas Alíneas A), B) e C). Não estando verificados no caso os pressupostos previstos no art.º 662º, nº1 do CPC, improcede sem mais o recurso da decisão de facto aqui interposto pelas apelantes B… e C…. Cabe agora apreciar e decidir a questão da nulidade da sentença recorrida. Como ficou já visto e decorre das conclusões XX a XXV das alegações, no presente recurso vem arguida a nulidade da sentença por violação do disposto no art.º 596º, nº1 do CPC. Vejamos, pois, se com fundamento. Decorre de tal norma que “a seguir ao despacho saneador deve ser inscrita a peça em que o juiz identifica o objecto do litígio, através da formulação genérica, de pendor jurídico, à semelhança do que ocorre na sentença. Formulação que, por outro lado, serve de baliza aos temas de prova, levando a que se exclua toda a matéria que não revele concreto interesse para a decisão do caso. O objecto do litígio é definido em face dos pedidos deduzidos (das pretensões formuladas) e corresponde ao thema decidendum.” (cf. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, pág.698/699). Ora é certo que no caso foi definido como objecto do litígio o seguinte: “Nulidade, por simulação, do contrato de mútuo celebrado entre a embargada e as embargantes”. No entanto, importa considerar que foi o seguinte o pedido formulado pela executada/embargante no seu articulado inicial: “Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis, devem os presentes Embargos ser julgados procedentes por provados, e na procedência entre outros das invocadas excepções de inexistência e inexigibilidade do título dado à execução, absolver-se a Embargante do pedido exequendo com todas as legais consequências.” Já sabemos que no despacho saneador e previamente à identificação do objecto do litígio e da enunciação dos temas de prova ficou consignado o seguinte: “Assim sendo e porque a escritura pública que constitui título executivo não enferma da nulidade arguida pela Embargante – e sem prejuízo do conhecimento da nulidade por simulação do declarado – afigura-se-nos que este contrato dado à execução celebrado e formalizado em escritura pública perante o Notário respectivo, é pois, documento autêntico e subsumível no art.º 703º, nº1 alínea b) do CPC. Nessa medida e sem prejuízo do que se vier a apurar quanto à demais factualidade arguida pela Embargante, julgamos o título dado à execução como válido.” (sublinhado nosso) Daí que nos temas de prova tenha ficado consignado, para além do mais o seguinte: “1- Se o empréstimo referido no documento exequendo foi, na realidade, efectuado pelas embargadas à E…, a título pessoal”. Verifica-se, pois, o seguinte: Contrariamente ao que agora afirmam as exequentes/embargadas, no despacho saneador não ficou decidida em definitivo a questão da exequibilidade do título relativamente às mesmas. Daí que se tenha enunciado como um dos temas de prova o supra referido. Deste modo, não pode pois considerar-se que quando na sentença recorrida se decidiu pela inexistência da dívida da Executada perante as Exequentes, se violou o disposto no art.º 596º, nº1 do CPC: Para além do acabado de referir, nas alegações de recurso também se alega que a decisão proferida padece de mais uma nulidade, a prevista na alínea d) do nº1 do art.º 615º do CPC. Mas também aqui sem razão. Todos sabemos que, por força do disposto no art.º 609º, nº1 do CPC, a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir. Sabe-se, ainda, que é nula a sentença quando o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido (cf. artigo 615º, nº1, alínea e) do CPC). Assim, “a sentença será nula, se condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido infringindo a regra segundo a qual ne eat iudex ultra vel extra petita partium” (cf. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, pág.691). Nas palavras do saudoso Professor Manuel de Andrade, o pedido “é a pretensão do Autor; o direito para que ele solicita ou requer tutela judicial e o modo por que intenta obter essa tutela (a providência, judiciária requerida), o efeito jurídico pretendido pelo Autor” (cf. Noções Elementares de Processo Civil, pág.111). Ora conhecendo nós, por força do supra consignado, qual foi o pedido formulado pela embargante/executada na petição inicial dos presentes embargos, resulta evidente que na decisão proferida não foi cometida a nulidade invocada. Em suma, improcede a segunda das questões aqui suscitadas. Importa agora saber se na sentença recorrida se incorreu ou não no alegado erro de julgamento. Ora como bem se afirma na decisão recorrida, nos presentes autos as exequentes deram à execução a escritura pública intitulada “Confissão de Dívida” melhor identificada no ponto 1 dos factos provados. Segundo o disposto no art.º 731º do CPC, não se baseando a execução em sentença ou em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, além dos fundamentos de oposição especificados no art.º 729º, na parte em que sejam aplicáveis, podem ser alegados quaisquer outros que possam ser invocados como defesa no processo de declaração.” Estando em causa uma confissão de dívida a qual configura um documento autêntico (escritura pública exarada perante notário), podiam e deviam ser chamadas à colação as regras previstas nos artigos 370º e 377º do Código Civil. Assim, bem andou o Tribunal “a quo” quando defendeu que o contrato dado à execução era dotado da força probatória legalmente atribuída aos documentos autênticos. E também quando entendeu aplicável ao caso o regime previsto nos artigos 371º, nº1 e 377º, do mesmo código, considerando que por força desta última norma os documentos autenticados são equiparados a documentos autênticos, mormente quanto à sua força probatória. Mais ainda ao recordar que por força de tais normas, foi vontade do legislador substantivo prever um modo específico – e mais rigoroso, em atenção à sua reforçada força probatória – de impugnação ou de arguição da sua falsidade. Deste modo e segundo o previsto no supra citado art.º 371º, deve aceitar-se que os documentos autênticos fazem prova plena dos factos (declarações e outros) que neles são referidos como praticados pela autoridade ou oficial público documentador, bem como daqueles que são atestados como objecto da sua percepção directa No entanto, também se sabe que por força do disposto nos artigos 393º e 394º, a credibilidade do conteúdo destes documentos não pode, em princípio, ser posta em causa, através do recurso à prova testemunhal. De todo o modo, importa não esquecer que tal prova se admite sim relativamente à (simples) interpretação do contexto do documento. Ou seja e agora nos termos do disposto no art.º 372º, nº1, a força probatória plena dos documentos autênticos, apenas pode, em princípio, ser ilidida mediante a arguição e prova da sua falsidade. Sabemos todos que na doutrina a falsidade é tida como a desconformidade entre o facto representativo contido no documento e a realidade de todos ou de alguns dos seus elementos. No entendimento do Tribunal “a quo”, nos autos a embargante/executada, D… logrou fazer prova da falsidade da escritura pública dada à execução. E justificou tal conclusão nos seguintes argumentos que tentaremos sintetizar: A questão que se colocava nos autos era a da qualificação jurídica do negócio celebrado entre as partes, a qual não resulta, necessariamente do “nome jurídico” que as partes lhe atribuíram. Como se verifica, na escritura pública de confissão de dívida que serve de título executivo, as pessoas nele intervenientes, por um lado a identificada E…, que outorgou o contrato em representação da D…, e por outro as aqui exequentes/embargadas (B… e C…), declaram que a primeira recebeu das segundas e a título de empréstimo para a sociedade que representa a quantia global de 47.000,00€. Está também visto que na presente execução as mesmas exequentes pretendem obter da executada D…, o pagamento coercivo da referida quantia, alegando que a mesma lhe foi concedida a título de empréstimo. Sabemos ainda que a executada D…, não negando que a referida quantia entrou na sua conta, afasta a exigibilidade da dívida perante as Exequentes, defende que tais montantes foram entregues à sócia, então gerente, da sociedade e desta transferidos para a conta da Executada. Mais classifica o contrato celebrado não como um empréstimo de terceiro mas como um contrato de suprimento da sócia, razão pela qual não lhe é exigível pelas Exequentes. Perante tais posições importava, pois, qualificar o negócio em questão tendo em conta os factos dados como provados. E para este efeito impõe-se considerar os seguintes factos: - A Executada é uma sociedade comercial e E… era, à data da declaração de divida, uma das sócias gerentes da sociedade. - A exequente B… efectuou a 24.07.2013 uma transferência para crédito para a conta do Banco J… da qual é titular E… do valor de € 15.000,00, e C… efectuou, a 23.08.2013 uma transferência para crédito para a conta do Banco J… da qual é titular E… do valor de € 35.000,00. - Tais montantes foram canalizados para pagamentos de encargos da Executada feitos pela titular da conta onde foram depositado as quantias reclamadas – E… socia gerente da empresa – nos termos constantes dos factos provados sob os n.ºs 7) a 12) Está pois provado que entre Julho e Agosto de 2013 as Exequentes entregaram a E… um total de 50.000,00€ (15 mil a primeira e 35 mil a segunda) e que nos meses subsequentes Julho e Agosto e Setembro de 2013 E… utilizou tais montantes para pagar encargos da Executada. Segundo a Executada/embargante tais valores foram entregues como suprimentos pela sócia E… e não como empréstimo de terceiros. É sabido que o regime do contrato de suprimento é o previsto nos artigos 243º a 245º do Código das Sociedades Comerciais. Segundo o nº1 do art.º 243º, o contrato de suprimento é "o contrato pelo qual o sócio empresta à sociedade dinheiro ou outra coisa fungível, ficando aquela obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade, ou pelo qual o sócio convenciona com a sociedade o diferimento do vencimento de créditos seus sobre ela, desde que, em qualquer dos casos, o crédito fique tendo carácter de permanência". Como bem se refere na decisão recorrida, trata-se, pois, de um contrato especial, típico e nominado, que se revela como uma modalidade especial de mútuo em que sobressaem duas notas caracterizadoras: o de ser a mutuária uma sociedade e o mutuante um seu sócio; e o de ter o empréstimo carácter de permanência. O contrato de suprimento é pois um meio contratual especial de financiamento da sociedade pelos seus sócios. Diversamente e segundo o disposto no art.º 1142º do Código Civil, “o mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade”. Ora tendo em conta os factos que ficaram provados nos autos, bem discorreu a Sr.ª Juiz “a quo” quando considerou que o negócio descrito na “Confissão de Dívida” de 17.07.2014, não podia ser classificado como um empréstimo de terceiro à sociedade aqui Executada. E isto e desde logo porque se provou que os respectivos montantes não foram transferidos pelas Exequentes à sociedade D…, mas sim a esta por E… que era sua sócia gerente. Tem igualmente razão quando defende que, “independentemente das razões que tiveram na base dessa opção, (transferência para a E… e não directamente para a sociedade), o certo é que esse acto de vontade não pode ser ignorado (…).” Acresce que como resultou provado em 14., foi a própria sociedade que contabilizou as referidas quantias como suprimentos. E a ser assim, também nós consideramos que por força de um documento posterior (escritura datada de 17 de Junho de 2014) a esse acto contabilístico, não pode ser sobreposta uma natureza diversa daquela que lhe foi concedida por um documento anterior (no caso o lançamento das ditas quantias na contabilidade da empresa como suprimentos da sócia E…). E a tal não obsta, como antes já vimos, a natureza da referida escritura. Deste modo, impunha-se concluir, como se concluiu, que a qualificação das sucessivas operações de entrega de dinheiro feitas pela E… à Executada configura um investimento/financiamento da sócia na “sua” sociedade, através da realização de empréstimos a esta. E isto porque também se verifica o preenchimento do segundo critério diferenciador dos suprimentos e dos empréstimos e que é como já referimos, o da “permanência dos créditos dos sócios na sociedade”. Tudo isto pela importância que deve ser atribuída ao mesmo. Ora, no caso concreto, comprovou-se que as Exequentes transferiram os montantes em causa em Julho e Agosto de 2013 para uma conta da sócia da Executada e não cuidaram de prever qualquer prazo de entrega. Mais, celebraram a referida escritura de “confissão de dívida” quase um ano após as referidas transferências e vieram reclamar a juízo o pagamento de tais montantes mais de um ano após tais transferências. Por outro lado e como se referiu na sentença recorrida, “ficou por provar a ocorrência de quaisquer circunstâncias que forçassem esta relação triangular que caracteriza o negócio, como seja, o facto de existir um fundado receio de que o outro sócio usasse tais montantes em proveito próprio (que não se logrou provar) ou que os mesmos fossem absorvidos por penhoras a saldos bancários (que não foi demonstrado em audiência).” Perante tudo o antes exposto, bem concluiu o Tribunal “a quo” quando concluiu pela inexistência da dívida relativamente às exequentes e aqui embargadas B… e C… e nestes termos, julgou improcedentes os embargos e determinou a extinção da execução. Em suma, não ocorreu o apontado erro de julgamento por violação das normas referidas nas alegações de recurso, razão pela qual improcedem os argumentos que o sustentam. * Sumário (cf. art.º 663º, nº7 do CPC):……………………………… ……………………………… ……………………………… * III. Decisão:Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso de apelação e, em consequência confirma-se a decisão recorrida. * Custas a cargo das apelantes/embargadas (cf. art.º 527º, nºs 1 e 2 do CPC).* Notifique.Porto, 11 de Março de 2021 Carlos Portela Joaquim Correia Gomes António Paulo Vasconcelos |