Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
10221/23.2T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS CUNHA RODRIGUES CARVALHO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
ATO INÚTIL
CONTRATO DE ARRENDAMENTO NÃO HABITACIONAL
ARRENDATÁRIO COMERCIAL
UTILIZAÇÃO ABUSIVA
REPARAÇÃO DO DANO
Nº do Documento: RP2024121110221/23.2T8PRT.P1
Data do Acordão: 12/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A legalidade da decisão administrativa que indeferiu a ocupação de espaço público para colocação de toldo em fachada de locado, ainda que seja pressuposto da autorização contratualizada entre senhorio e inquilino para a instalação referida, não é sindicável no âmbito de processo de natureza cível onde se discute a observância duma prudente utilização do arrendado.
II - A impugnação da decisão da matéria de facto tem natureza instrumental, não devendo ser conhecido por despiciendo, mesmo que do seu conhecimento resultasse a alteração do julgamento dos factos no sentido pretendido, quando se mostre irrelevante para a definição do direito aplicável ao caso.
III - A instalação de iluminação led acoplada a toldo em toda a largura da fachada do prédio, sobreposta à loja arrendada e à porta para as habitações existentes nos pisos superiores, ocupando uma parte da fachada do prédio que nada tem que ver com o locado, corresponde a uma imprudente utilização do mesmo, legitimando a pretensão da sua remoção ao abrigo dos art. 1038.º al. d) e 1043.º, nº1 do CC.
IV - A perfuração de moldura de ferro (existente na fachada do edifício) para a colocação dos suportes de fixação do toldo, ordenada que seja a remoção deste elemento, deve ser reparada por configurar tal acção uma utilização imprudente da coisa nos termos e por efeito dos artigos atrás citados.
V - Tal remoção e reparação podem ser exigidas inclusivamente antes de cessado o contrato de arrendamento.
VI - Não é só no momento da restituição que a coisa deve conservar-se no estado em que foi recebida, ressalvadas as detiorações inerentes a uma prudente utilização, mas a todo o momento, após a entrega.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. 10221/23.2T8PRT.P1


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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.

A..., S.A., NIPC ...93, com sede na Rua ..., ... Porto, intentou acção declarativa contra B..., Lda., NIPC ...77, com sede na Rua ..., ... ... (...).

Pede a condenação da R.:

a) a remover da fachada do prédio urbano sito na Rua ..., no Porto, no prazo de 30 dias, o reclamo, o toldo e a iluminação led aplicadas naquela fachada;

b) a reparar, no prazo de 30 dias, a moldura do ferro fundido por si perfurada para a colocação dos suportes de fixação do toldo.

c) sob a égide do preceituado no art. 829.º-A do Cód. Civil, após o decurso do prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença condenatória, no pagamento à A. de uma sanção pecuniária compulsória no valor de €150,00 por cada dia de atraso na remoção do reclamo, do toldo, da iluminação led e da reparação da moldura de ferro por si perfurada.

Alegou para tal o contrato de arrendamento que vincula as partes, surgindo a recorrente A. como senhoria e a recorrente R. como arrendatária, a colocação daquele reclamo com os dizeres “Official Store” e “Força Portugal”, do toldo e da iluminação led na fachada do arrendado em violação do que contratualmente clausuraram - os termos autorizados por acordo para colocação dos citados elementos, envolvendo inclusivamente o respeito pelas posturas municipais.

Por sua vez, a R. alegou que a A. autorizou a colocação do reclamo, do toldo e da iluminação led aplicadas naquela fachada, pelo que, ao exigir agora a remoção dos mesmos, estaria a incumprir o contrato e a agir em manifesto abuso de direito, na modalidade do venire contra factum proprium.

Conclui pela improcedência da acção e pela condenação da A. como litigante de má-fé.

A R. respondeu à contestação, impugnando a factualidade ali alegada e mantendo a posição assumida na petição inicial. Pugnou ainda pela improcedência do pedido de condenação como litigante de má-fé.


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Foi dispensada a audiência prévia e proferido despacho saneador.

Agendada e realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, decidindo-se a final:

«1)- condenar a R. a remover o reclamo com os dizeres "Official Store" colocado na fachado do prédio descrito em 1), no prazo de 30 dias;

2)- condenar a R. a remover o toldo colocado na fachada do prédio descrito em 1), no prazo de 30 dias;

3)- absolver a R. do demais peticionado pela A.;

4)- absolver a A. do pedido de condenação em multa e indemnização como litigante de má fé.»


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Do assim decidido interpôs a A. recurso de apelação oferecendo alegações e formulando as seguintes CONCLUSÕES:


1.ª - O presente recurso vai interposto da sentença proferida em 20/06/2024, tendo a Recorrente legitimidade para recorrer, a sentença é recorrível e o recurso é tempestivo.
2.ª - A matéria constante dos itens ns. 34 e 39 dos factos provados, para além de não integrarem “questões de facto” contradizem-se entre si, pois saber se a afixação de um reclamo/publicidade na fachada do prédio da Recorrente necessita ou não de licenciamento camarário corresponde a uma pura ”questão de direito”, pelo que a sentença recorrida padece de uma patologia na medida em que a mesma assume como matéria de facto provada aquilo que pura e inequivocamente integra matéria de Direito.
3.ª - O presente recurso tem por objecto (i) o segmento da sentença relativo à instalação de iluminação led da fachada do prédio, bem como (ii) à reparação do ferro fundido perfurado pela arrendatária, aqui Recorrida, para colocação do toldo.
4.ª - Entendeu o Tribunal “a quo” que a Recorrida poderá colocar uma iluminação led na fachada do prédio, invadindo mesmo a área contígua à loja arrendada (como está actualmente), fundamentandoquea iluminação led nãoéumaobra quealterea estrutura exterior do prédio, pelo que deve entender-se que a Recorrida agiu licitamente e reconhecer-se-lhe o direito de instalar aquela iluminação led.
5.ª - Desde já se dirá estar errada a sentença recorrida ao qualificar a instalação de iluminação led como se de uma obra na fachada do prédio se trata-se, a que se refere a cláusula 7.ª do contrato de arrendamento.
6.ª - A instalação de uma calha contendo a iluminação led em toda a fachada do prédio não constitui uma obra, mas apenas uma inovação (não é sequer uma benfeitoria) que nãocabenaesfera depoderes deumarrendatário, pois estedispõeapenasdeumdireito pessoal de gozo e, nos ermos do art. 1043.º do Cód. Civil «é obrigado a manter e restituir a coisa no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato».
7.ª No caso sub judice, a Recorrida ao fixar a iluminação led (para mais em toda a fachada do prédio excedendo os limites do local arrendado), sem o consentimento da senhoria, praticou um acto ilícito que deve ser qualificado como violação contratual, o que significa que a senhoria tem o direito de exigir, com fundamento em que a arrendatária/Recorrida não respeitou a obrigação de manter o prédio no estado em que o recebeu (art. 1043.º n.º1 do Cód. Civil), que a iluminação led seja removida e o imóvel restituído ao estado anterior a violação cometida.
8.ª A título de exemplo, suponha-se que um arrendatário urbano coloca, na fachada do edifício, um painel de azulejos de mau gosto, ou que, para não ter o trabalho de abrir e fechar um portão de acesso ao logradouro, o retira e deixa entrada livre. Dúvidas não subsistem que, embora estes factos não justifiquem o despejo, assiste ao senhorio o direito de exigir que o painel seja retirado e que o portão seja recolocado no local onde se encontrava.
9.ª O que se compreende bem, se atentarmos que o prédio é do senhorio e o arrendatário, como titular de um simples direito pessoal de gozo, não pode, por sua livre iniciativa, proceder a inovações ou a modificações que alterem a configuração, ainda que estética ou funcional, do imóvel.
10.ª - E não se diga, para afastar o carácter ilícito do acto, que a senhoria não sofre qualquer dano irreparável, porque tem, o direito de exigir, no termo do arrendamento, que a iluminação led seja removida da fachada do prédio, pois como é consabido a circunstância de poder ser reposta a situação anterior à instalação da iluminação led na fachada do prédio, não elimina a ilicitude de tal acto e os efeitos jurídicos que decorrem da sua feitura.
11.ª A não ser assim, quaisquer actos como o analisado in casu ou até obras realizadas por um arrendatário nunca revistariam carácter ilícito, porque, em matéria de edificações urbanas, é sempre possível repristinar ou reconstruir aquilo que foi aplicado, modificado ou até destruído.
12.ª - No caso sub judice nenhuma dúvida pode haver de que à Recorrida não era permitido, sem o consentimento da Recorrente, instalar na fachada do prédio uma calha metálica com iluminação led, para mais ocupando uma área da fachada que nada tem a ver com o local arrendado, pelo que, contrariamente ao decidido pelo Tribunal “a quo”, a instalação da iluminação led, sem autorização da Recorrente, configurou um acto ilícito que confere àquela o direito de exigir a sua remoção.
13.ª - Relativamente aos danos provocados pela Recorridaaoperfurara moldura de ferro fundido existente na fachada do edifício da Recorrente para a colocação dos suportes de fixação do toldo, não pode deixar de reconhecer-se senhoria, ao abrigo as regras gerais sobre a responsabilidade contratual, o direito de exigir à arrendatária a reparação dos danos que lhe tenham sido causados.
14.ª - No caso em análise, assiste à Recorrente o direito a exigir à Recorrida a reposição ou a repristinação da situação anterior, isto é, a reparação a moldura do ferro fundido por si perfurada para a colocação dos suportes de fixação do toldo.
15.ª Como afirma a Câmara Municipal do Porto, a Recorrida deveria ter colocado o toldo por cima dos elementos decorativos e compositivos da fachada em ferro forjado, de forma a evitar perfurar a moldura de ferro fundido para a colocação dos suportes de fixação daquele, não provocando na fachada do prédio danos irrecuperáveis dos materiais destes elementos”.
16.ª - Aliás, mesmo que se tratasse de pequenas deteriorações, destinadas a uma acomodação moderada da Recorrida, estaria sempre esta obrigada a reparar as mesmas antes da restituição do prédio – cfr. art. 1073.º n.º 2 do Cód. Civil.
17.ª Naturalmente que in casu tem a Recorrida que reparar os danos que decorrem das perfurações que fez para a colocação dos suportes de fixação de um toldo, cuja remoção o Tribunal ordenou.
18.ª - De outra forma ficariam as perfurações dos elementos decorativos e compositivos da fachada em ferro forjado realizadas pela Recorrida à vista de todos, com o óbvio prejuízo estético para um edifício reabilitado sito na Rua ..., sendo certo que, se não forem reparadas aquelas perfurações, acabarão por enferrujar, atendendo ao clima da cidade do Porto, aumentando os danos sofridos pela Recorrente.
19.ª Destarte, ao decidir como decidiu, não fez o Tribunal “a quo” a correcta interpretação e aplicação das normas constantes dos arts. 1043.º e 562.º, todos do Cód. Civil, pelo que deve ser revogada a sentença recorrida e proferido acórdão julgue procedente o presente recurso de apelação.


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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Também a R. recorreu da decisão oferecendo alegações e formulando as seguintes CONCLUSÕES:

1.- Não obstante se encontrar junto aos autos reproduções fotográficas do prédio da A onde se encontra instalado o estabelecimento comercial da Ré e o estabelecimento denominado «C...», sendo neste visível a existência de um toldo com as mesmas características do toldo colocado pela Ré.

2.- Em toda a zona histórica do Porto, classificada como Património Cultural da Humanidade, onde se insere o estabelecimento comercial da Ré, existem outros estabelecimentos comerciais que mantêm os seus toldos fora dos vãos e sanefas com altura superior à prevista no CRMP.

3 - Na sequência da sobredita situação, a Ré solicitou à Câmara Municipal do Porto, informação sobre a existência de licenciamento de diversos toldos instalados na mesma rua onde se situa o estabelecimento comercial da Ré e ruas adjacentes, tendo obtido como resposta a falta de legitimidade da Ré para obter semelhante informação.

4 - Decorre do teor do doc. n.º 4 junto com a contestação da Ré, que a posição manifestada pela CMP, face à existência de outros toldos na mesma zona e em edifício com fachada de ferro forjado ao nível do rés-do-chão, revela-se discriminativa e violadora do princípio da igualdade plasmado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.

5 - O toldo instalado no estabelecimento comercial da Ré foi devidamente licenciado,todavia, sem que as normas constantes do CRMP fossem objeto de qualquer alteração, a CMP, invocando razões que anteriormente não foram suscitadas, alega que o mesmo viola o disposto no CRMP.

6 - A manutenção do toldo poderá eventualmente reconduzir-se à prática de uma contraordenação pela Ré, mas, como decorre do documento n.º 6 da P. I., a CMP deu conhecimento da informação à A. e arquivou o processo.

7 - O toldo está colocado nos termos do acordo celebrado entre ambas as partes, verificando-se, por isso, abuso de direito da A. na modalidade de venir contra factum proprium.
8 - Destarte, o Tribunal a quo dispunha de prova suficiente para considerar como provado o facto constante da al. h) dos factos não provados.
9 - Termos em que se impunha, pois, a improcedência do pedido formulado pela A. neste segmento.


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A este recurso a A. contra-alegou.

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Os recursos foram admitidos como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Foram colhidos os vistos legais.

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II.

O tribunal a quo julgou provada a seguinte factualidade:


1) Por escrito de 07/12/2016 a A., na qualidade de proprietária do prédio urbano constituído por uma loja sita no rés-do-chão, três andares e águas furtadas, sito na Rua ..., no Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ...2 e inscrito na respectiva matriz predial urbana da União das Freguesias ..., ..., ..., ..., ... e ..., sob o artigo ..., deu de arrendamento à R., tendo esta reciprocamente tomado de arrendamento, o rés-do-chão do descrito prédio urbano;
2) O prazo convencionado pelas partes foi de 10 anos, com início em 01/01/2017 e termo em 31/12/2026, renovando-se automaticamente no fim do prazo, por períodos sucessivos de dez anos, salvo denúncia ou oposição à renovação;
3) A renda mensal acordada foi de € 5.000,00 que a R. se obrigou a pagar no primeiro dia do mês imediatamente anterior àquele a que disser respeito;
4) Foi pelas partes convencionado na cláusula 7.ª, sob a epígrafe "Manutenção, Obras e Benfeitorias": «7.1 A ARRENDATÁRIA obriga-se a manter a PARCELA em bom estado de conservação, ficando responsável pela realização de obras de conservação ordinária, incluindo a limpeza, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma norma e prudente utilização, não podendo realizar quaisquer obras na PARCELA que impliquem alterações estruturais do IMÓVEL e da fachada sem o consentimento prévio e por escrito do SENHORIO, sem prejuízo do disposto nos números seguintes»;
5) No que tange à publicidade foi pelas partes convencionado na cláusula 8.ª, sob a epígrafe “publicidade e toldos”, o seguinte: «A ARRENDATÁRIA poderá colocar no exterior do IMÓVEL em local próprio afecto à PARCELA, publicidade relativa a si próprio ou a produtos e serviços que comercialize, e proceder à colocação de um toldo, desde que obtenha, a expensas suas, as autorizações e licenças legalmente necessárias para tal fim junto das entidades competentes»;
6) Por documento escrito de 09/01/2017, A. e R. elaboraram um primeiro Aditamento ao contrato de arrendamento tendo acordado sobre a responsabilidade, execução e custo de determinadas obras a realizar, essencialmente, no local arrendado;
7) Em 24/10/2019 a partes acordaram em celebrar um segundo Aditamento ao contrato de arrendamento, tendo sido convencionado, entre diversas matérias, fixar o prazo do mesmo em 14 anos, com início em 01/01/2017 e termo em 31/12/2030;
8) Nesse segundo Aditamento foi acordado que a renda mensal se cifrava durante os primeiros 10 anos de vigência do contrato em €5.000,00, ascendendo a € 6.750,00 no décimo primeiro a décimo terceiro anos, sendo majorada em € 250,00 no décimo quarto ano (cfr. Doct. n.º 3; cl. 1.3 e 1.4.).;
9) Foi também acordado no segundo Aditamento fixar o seguinte regime quanto ao reclamo da R. a fixar na fachada do prédio em que se integra a loja arrendada: «4. Reclamo 4.1 A Primeira Contraente autoriza a Segunda Contraente a colocar um reclamo na fachada da loja nos espaços da fachada com “moldura” própria para esse fim. 4.2 O reclamo será aplicado pela face interior dos painéis de vidro existentes na fachada e dentro das molduras que limitam esses mesmos painéis, conforme fotografia anexa que constitui o Anexo G»;
10) A R. aplicou os reclamos com os dizeres “Official Store” e Força “Portugal” na fachada da loja, com a extensão constante do anexo G (doc. n.º 2) excedendo a largura da fachada do estabelecimento;
11) As letras de um dos reclamos – Offical Store - não estão aplicadas no interior do vidro, mas no exterior,
12) O local arrendado integra um prédio urbano sito na Rua ..., a qual se insere na zona da cidade do Porto classificada como Monumento Nacional “Centro Histórico do Porto, Ponte Luiz I e Mosteiro da Serra do Pilar”;
13) O Departamento Municipal do Espaço Público da Câmara Municipal do Porto, informou a A., em 30/06/2022, que o anúncio instalado pela R. – isto é, o reclamo – não cumpre o Código Regulamentar do Município do Porto;
14) Como decorre da informação prestada pelo Departamento Municipal do Espaço Público da Câmara Municipal do Porto no processo NUP/...62/2022/CMP, o reclamo instalado pela R. não cumpre a alínea a) do n.º 2 do art. 2 do Anexo D_2 do Código Regulamentar do Município do Porto por o mesmo exceder a largura da fracção do estabelecimento;
15) Por outro lado, a alínea b) do n.º 2 do art. 8.º do Anexo D_2 do Código Regulamentar do Município do Porto determina que os anúncios devem ser justapostos à montra envidraçada, podendo ocupar até 50% da largura da mesma, sendo que, in casu, o anúncio ocupa mais de 50% da largura do vão da montra da loja arrendada, pelo que também por esse motivo o anúncio viola o referido Código Regulamentar;
16) Por fim, e conforme consta da citada Informação prestada pelo Departamento Municipal do Espaço Público da Câmara Municipal do Porto, a instalação de suportes publicitários na zona onde se encontra o local arrendado deve manter a estrutura encoberta e pintada com a cor que lhe dê menor destaque, como preceitua a alínea a) do n.º 1 do art. 8.º do Anexo ao Código Regulamentar, sendo que no caso em apreço o suporte publicitário – i.e., o reclamo – apresenta cores fortes e contrastante com a tonalidade dos materiais e acabamento da fachada do prédio;
17) Tudo isto decorre, expressamente, da informação prestada pelo Departamento Municipal do Espaço Público da Câmara Municipal do Porto (cfr. Doct. n.º 6).
18) No que toca ao toldo instalado pela R., resulta da informação camarária que, “em 17/02/2022, foi submetido no Balcão do Empreendedor o pedido de autorização n.º ...57/2022 para a ocupação do espaço público com toldo com a área 10,00 m2 (5,00 metros de comprimento x 2,00 metros de abertura/projeção sobre o espaço público) a que corresponde ao processo com o NUP/...03/2022/CMP”;
19) Continuando a seguir a referida informação, “em 30/03/2022 o pedido de autorização para a ocupação do espaço público com toldo, obteve o despacho de indeferimento por despacho da Ex.ª Senhora Diretora do Departamento Municipal do Espaço Público, pois não cumpria a disposição legal, para o licenciamento de toldos em fachadas, constante do n.º 1 do artigo D-1/10.º do Código Regulamentar do Município do Porto, que determina que os toldos devem ser instalados no interior dos vãos das portas, janelas e montras dos estabelecimentos, garantindo a visibilidade do emolduramento dos vãos e não sobrepondo a cunhais, pilastras, cornijas ou outros elementos com interesse arquitetónico ou decorativo”;
20) A instalação do toldo pela R. oculta o trabalho de emolduramento da fachada em ferro fundido e implicou que aquela perfurasse a moldura de ferro fundido para a colocação dos suportes de fixação do toldo;
21) A R. decidiu, sem pedir autorização à A., instalar uma calha metálica com iluminação led acoplada ao toldo em toda a largura da fachada do prédio;
22) A referida iluminação encontra-se sobreposta à loja arrendada e à porta do prédio para as habitações existentes nos pisos superiores;
23) Ocupando, assim, aquela iluminação led uma parte da fachada do prédio que nada tem que ver com a loja arrendada;
24) A A., por e-mail de 05/08/2020, expôs à R. a necessidade de o reclamo “Official Store” ser aplicado na face interior dos painéis de vidro existentes na fachada e dentro das molduras, pretendendo colocar o número de polícia na porta contígua à loja (n.º 82) que dá acesso aos apartamentos existentes no prédio, tendo enviado uma imagem do que pretendia à R. (Doct. n.º 11).
25) Nesse mesmo e-mail de 05/08/2020, a A. informou a R. da necessidade de subir o toldo de forma a permitir a visualização da cornija que integra a moldura artística da fachada em ferro fundido;
26) A R. respondeu por email nos termos que constam do doc. n.º 12 junto com a petição inicial;
27) Por e-mail de 11/03/2022 remetido pela A. à R., aquela reiterou a necessidade de colocar o número de polícia para a porta de entrada para as habitações do prédio (n.º ...2);
28) Para o efeito enviou uma imagem à R. idêntica à junta sob o doc. n.º 11;
29) A R. respondeu por e-mail de 01/04/2022 nos termos que constam do doc. n.º 14 junto com a petição inicial;
30) A R. perfurou a moldura de ferro fundido existente na fachada do edifício para a colocação dos suportes de fixação do toldo;
31) Foi pago pela Ré a importância de 100 000,00€, a título de compensação pelo direito de ingresso no arrendado (key money), direito que decorre da celebração do contrato de locação;
32) Bem como suportou e pagou as obras descritas no art.º 7.º do contrato de arrendamento, no aditamento e no acordo designadamente, entre outras, a fachada do rés-do-chão em ferro forjado, o que tudo representou um investimento na importância de €122 396,17 (cento e vinte dois trezentos e noventa e seis euros e dezassete cêntimos);
33) O reclamo com os dizeres "Força Portugal" encontra-se no interior dos painéis de vidro existentes na fachada e dentro das molduras que limitam esses mesmos painéis, com a extensão constante do anexo G (doc. n.º 2) excedendo a largura da fachada do estabelecimento;
34) O reclamo referido em 32) não ocupa espaço público, não carecendo de autorização ou licenciamento administrativo;
35) No que respeita ao toldo, a Ré, desde a abertura do estabelecimento, em Abril de 2017, sempre promoveu a obtenção dos respetivos licenciamentos de ocupação da via pública;
36) Com efeito, a Ré, quando, em Abril de 2017, abriu o estabelecimento comercial, promoveu a autorização camarária necessária para a ocupação do espaço público com um toldo que foi autorizado até ao ano de 2022;
37) Posteriormente, no ano do referido ano de 2022, a Câmara Municipal do Porto manifestou a intenção de indeferir a ocupação do espaço público com o toldo, em virtude de entender que o mesmo estava fora do vão e, por isso, não cumpria o Código Regulamentar do Município do Porto (doravante CRMP);
38) A comunicação da CMP da intenção de indeferir a ocupação do espaço público com o toldo foi objecto de resposta por parte da Ré, nos termos constantes do doc. n.º 4 junto com a contestação, cujo teor dá por integralmente reproduzido;
39) A afixação de publicidade no prédio necessita de licença da Câmara Municipal do Porto (e também do pagamento das inerentes taxas);
40) O prédio da A. está integrado na Área Especial de Protecção (i) ao imóvel classificado como Monumento Nacional “Igreja dos Clérigos”, designadamente a sua torre, (ii) ao Monumento Nacional “Centro Histórico do Porto, Ponte Luiz I e Mosteiro da Serra do Pilar e (iii) ao imóvel classificado com interesse Público “Zona histórica do Porto”;
41) A R. mantém na fachada do prédio um reclamo com os dizeres “Official Store” sem ter obtido o licenciamento municipal;
42) A R. mantém um toldo na fachada do prédio sem licenciamento municipal;
43) Do ofício do Departamento Municipal do Espaço Público junto pela R. com a sua contestação como doc. n.º 3, decorre que: “ A instalação do toldo é realizada sobre os elementos decorativos e compositivos da fachada em ferro forjado, prejudicando a visibilidade e a leitura integralmente livre da fachada, para além de provocar danos irrecuperáveis dos materiais destes elementos, contrariando os artigos D-1/10º e D-1/16 atrás referidos. No caso, e uma vez que as características da fachada do estabelecimento comercial não permite proceder à alteração da instalação, deve o toldo que não cumpre ser removido”.


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E deu como não provados os seguintes factos:


a) O local arrendado integra um prédio urbano de arquitectura barroca do século XVIII;
b) A R. instalou um toldo na fachada do prédio sem ter obtido o licenciamento municipal;
c) O prédio propriedade da A. é edifício construído no princípio do século XX;
d) O aludido edifício não está classificado como edifício de interesse histórico, cultural, arquitetónico, paisagístico ou ao qual tenha sido atribuído prémio de arquitectura;
e) O reclamo "Official Store" encontra-se no interior dos painéis de vidro existentes na fachada e dentro das molduras que limitam esses mesmos painéis;
f) A A. pretendia que a Ré procedesse à alteração das cores (da bandeira nacional) do reclamo, desvirtuando a marca “Força Portugal”;
g) As cores fortes da bandeira nacional por eventualmente contrastar com a tonalidade dos materiais de acabamento da fachada, não afecta a estética ambiente dos sistemas de vistas, dos lugares ou da paisagem natural ou construída emblemática da cidade;
h) Na zona classificada como Património Cultural da Humanidade onde se insere o estabelecimento comercial, existem outros estabelecimentos comerciais que mantêm os seus toldos fora dos vãos e sanefas com altura superior à prevista no CRMP.
i) A CMP arquivou o processo referido em 36) e 37).


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III.

É consabido que resulta dos artº635º, n.ºs3 a 5 e 639º, n.ºs1 e 2, ambos do CPC, que o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das respetivas alegações[1], sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso.

Assim, em síntese, do que resulta das conclusões, caberá apreciar as seguintes questões:

Quanto ao recurso da R:

- impõe-se a apreciação do objecto do recurso quanto ao facto h) que se deseja provado em face da consequência que dessa alteração surja para a decisão de direito?

Quanto ao recurso da A:

- a factualidade provada permite decidir pela condenação da R. em remover a iluminação led da fachada do prédio e na reparação do ferro forjado perfurado pela R. para colocação do toldo em cujo remoção foi condenado?


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Apreciando desde já o recurso interposto pela R. e em face do que se projecta decidir em relação ao mesmo, assim se exaurindo a necessidade de conhecimento da sua substância.

Tem o recurso da R. por objecto a alteração do facto h)[2] que consta dos factos não provados e por forma a que, assente o mesmo, se conclua que a Câmara Municipal do Porto violou o princípio da igualdade na decisão administrativa que indeferiu, em 30.3.2022, a licença para colocação do toldo acoplada à fachada do locado, desta sorte se devendo rever a decisão no sentido de que fazer improceder a condenação na remoção do toldo[3].

Resulta dos factos provados (18 e 19) o seguinte:

«No que toca ao toldo instalado pela R., resulta da informação camarária que, “em 17/02/2022, foi submetido no Balcão do Empreendedor o pedido de autorização n.º ...57/2022 para a ocupação do espaço público com toldo com a área 10,00 m2 (5,00 metros de comprimento x 2,00 metros de abertura/projeção sobre o espaço público) a que corresponde ao processo com o NUP/...03/2022/CMP”.

Continuando a seguir a referida informação, “em 30/03/2022 o pedido de autorização para a ocupação do espaço público com toldo, obteve o despacho de indeferimento por despacho da Ex.ª Senhora Diretora do Departamento Municipal do Espaço Público, pois não cumpria a disposição legal, para o licenciamento de toldos em fachadas, constante do n.º 1 do artigo D-1/10.º do Código Regulamentar do Município do Porto, que determina que os toldos devem ser instalados no interior dos vãos das portas, janelas e montras dos estabelecimentos, garantindo a visibilidade do emolduramento dos vãos e não sobrepondo a cunhais, pilastras, cornijas ou outros elementos com interesse arquitetónico ou decorativo”»

Na conjugação com o que resulta dos factos não provados sob a al. b)[4] e da motivação da sentença[5], retira-se que até 2022 a instalação do citado toldo esteve administrativamente autorizada, deixando de o estar por decisão de 30.3.2022.

Pretende a R. que se dê como provado que «Na zona classificada como Património Cultural da Humanidade onde se insere o estabelecimento comercial, existem outros estabelecimentos comerciais que mantêm os seus toldos fora dos vãos e sanefas com altura superior à prevista no CRMP» para assim se concluir que a decisão administrativa de Março de 2022 é ilegal por violar o princípio da legalidade previsto no art.13º da CRP.

De facto, é premissa da decisão quanto à legalidade da colocação do toldo que, como decorre da cláusula 8.º do contrato de arrendamento[6], a mesma seja administrativamente autorizada.

Estando autorizada a mesma, o sentido da decisão, porque em conformidade com o acordado e autorizado pela citada cláusula, imporia a revogação da decisão fazendo improceder a condenação da remoção do toldo.

Ocorre que a decisão administrativa não é nem pode ser objecto destes autos, sendo outra a sede onde se poderia discutir da legalidade da mesma, assim levando à sua revogação com consequente decisão pela entidade administrativa de decisão diversa.

Trata-se, pois, de matéria que deveria ser acomodada e discutida no âmbito de impugnação administrativa - mediante reclamação ou recurso (hierárquico)[7]-, ou através de recurso de mera legalidade[8].

Por conseguinte, não se podendo contornar o que decidido foi pela entidade administrativa, nenhuma utilidade terá o assentamento do facto dado como não provado sob a al. h).

Por assim ocorrer emerge precípua a desnecessidade de conhecer do recurso da R. quanto à impugnação do citado facto.

Com efeito a impugnação da decisão da matéria de facto perante a Relação tem “carácter instrumental”, “não se justifica(ndo) a se, de forma independente e autónoma da decisão de mérito proferida, assumindo um carácter instrumental face à mesma[9].

O seu fim último é “conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada”, não com esse único objectivo autónomo, mas a “modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante”[10].

Por este motivo, o tribunal de recurso não deve conhecer da impugnação da matéria de facto sempre que, “o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação for insuscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente[11].

Mostrando-se espúrio o conhecimento do recurso da R. quanto à impugnação do citado facto, igualmente se torna inútil o conhecimento da legalidade do documento junto com as alegações de recurso e contra a qual se insurge a A..

Sobraria do recurso da R. o conhecimento de alegado abuso de direito, muito sintética e conclusivamente alegado na motivação do recurso.

Todavia a invocação do abuso de direito, também ele, na economia da interpretação do que se retira das peças processuais da R. [12], pressupunha o reconhecimento de que esta estaria legalmente autorizada a colocar o toldo por este tribunal poder sindicar da legalidade da decisão administrativa que indeferiu a pretendida autorização.

De resto, dizer que, não existindo autorização administrativa, a exigida remoção corresponderia ao exercício do «não direito», donde a desnecessidade de invocação do instituto referido: só há abuso de direito quando, formalmente, esse direito existe e se exercita.

Não sendo aquela matéria objecto a conhecer neste recurso, mantendo-se o facto a que se refere a falta de autorização camarária para colocação do toldo (como resulta provado do facto assente 18 e 19), na relação com o que clausulado está no contrato de arrendamento quanto ao toldo (a que já se referiu), a exigência da A. de o ver removido ou retirado surge no exercício balizado do seu direito acautelado no citado instrumento negocial.

A A. exerceu o seu direito[13], exigir a remoção do toldo, no pressuposto fáctico do que foi consignado especialmente contratado, ou seja, a inexistência de autorização camarária exigida para a sua colocação, não se perscrutando qualquer violação do princípio da confiança por não se antolhar que a R. tivesse outra expectactiva que não a de lhe ser exigido isso mesmo[14]. É exactamente isso que é afirmado na sentença: «R. não podia desconhecer que a falta de licenciamento do toldo podia conduzir à sua remoção

Não fosse essa a sua expectactiva, mal se compreenderia o esforço[15] para a obtenção da autorização para colocar o toldo e para o manter no período de 2017 a 2021, como também o esforço no mesmo sentido para o período que se lhe seguiu.

A A. actuou no exercício do seu direito, exigir a remoção do toldo face a ausência de autorização administrativa, dentro do que a boa fé lhe permitia[16].

Em face do exposto, improcede o recurso interposto pela R.


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Impõe-se neste segmento o conhecimento do recurso da A.

Pretende ela que se revogue a decisão na parte em que absolveu a R. do pedido de condenação a retirar os leds da fachada da sua propriedade, o locado, igualmente do pedido de condenação na reparação do ferro perfurado para colocação do toldo.

Previamente invoca-se, no entanto, uma patologia da sentença, qual seja, a circunstância de o que consta dos artigos 34 e 39, além de encerrarem matéria de direito, estarem em contradição.

Teria o Tribunal, até por via da oficiosidade imposta pelo art. 662º n.º1 do CPC, de se debruçar sobre essa alegada patologia[17].

Ocorre, todavia, que os citados artigos dizem respeito ao reclamo, matéria cujo tratamento não foi colocado em crise pelos recursos.

Trata-se, pois, de aspecto que não importa analisar por despiciendo ao destino dos recursos, nomeadamente da A.

Por ser assim, passamos a análise do verdadeiro objecto do recurso da A.[18]

Relativamente ao segmento que se pretende revogado e referente à absolvição da R. do pedido de condenação na retirada da iluminação leds instalada pela R. na fachada do locado, está provado o que consta dos factos 21 a 23.

Destes factos resulta que a R. instalou, sem autorização da A., uma calha metálica com iluminação led acoplada ao toldo em toda a largura da fachada do prédio. Tal iluminação encontra-se sobreposta à loja arrendada e à porta para as habitações existentes nos pisos superiores, ocupando uma parte da fachada do prédio que nada tem que ver com o locado.

Diz-se a propósito na sentença: «A iluminação led, que está acoplada ao toldo, com a remoção deste será também, em princípio, removida.

Porém, a colocação da iluminação led na fachada do prédio não constitui, nos termos da cláusula 7.ª do Contrato de Arrendamento, uma obra que implique uma alteração estrutural do prédio e da fachada, pelo que não carece de consentimento prévio e por escrito do senhoria, ora A..

Não tem, assim, razão a A. quando pretende que a R. remova a iluminação led porque não autorizou a sua colocação.»

A sentença labora quanto a esta iniciativa da R. excluindo-a da qualificação de obra que altere a estrutura do prédio e da fachada e, assim, reconduzindo-a à legalidade.

Não é disso que, de facto, se trata, e nenhum relevo contra a pretensão da A. dessa conclusão se retira.

Como refere a A., não tem a acção por objecto qualquer pedido de despejo com base em obra que alterou a estrutura do prédio e que, por isso, pela sua gravidade ou consequência, torna insustentável a manutenção do contrato (por inexigível ao senhorio a sua manutenção – artº1083.º, nº2, in princ., do CC).

O que se pretende é a reposição da fachada, retirando-se os leds ali colocados, à situação em que se encontrava quando foi celebrado o contrato, tudo com arrimo na circunstância de tal não ter sido autorizado.

De facto, pode-se concluir com a sentença que a colocação dos leds não constitui obra que seja suficientemente grave (digamos, impropriamente, suficientemente ilícita em face da sua gravidade) que sirva de estribo para um pedido de resolução contratual.

Mas nem por isso tal inovação deixa de ser ilícita por não ter sido autorizada e resultar do artº1043 do CC o dever do locatário manter o locado no estado em que o recebeu (ressalvadas as detiorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com o contrato[19]).

Acresce que também o artº1074 nº2 do CC[20]/[21] apenas autoriza a realização de qualquer obra[22] desde que se verifique autorização do senhorio ou tal esteja contratualmente previsto.

Não resultando provada qualquer autorização, sequer qualquer estipulação contratual que o permita (que apenas existe para obras de conservação), a instalação da citada iluminação, com o jaez que comporta[23], corresponde a um ilícito contratual por consubstanciar, desde logo, um uso imprudente da coisa[24] que legitima a condenação da R. a retirar a mesma da fachada[25].

Procede, pois, neste segmento, o recurso da A.


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Relativamente ao segmento que se pretende revogado e referente ao pedido de condenação da R. na reparação do ferro perfurado para colocação do toldo, está provado o que consta dos factos 20 e 30: «A instalação do toldo pela R. oculta o trabalho de emolduramento da fachada em ferro fundido[26] e implicou que aquela perfurasse a moldura de ferro fundido para a colocação dos suportes de fixação do toldo /A R. perfurou a moldura de ferro fundido existente na fachada do edifício para a colocação dos suportes de fixação do toldo».

Ora, retirado o toldo conforme decidido pelo tribunal a quo, segmento que se mantém em face da improcedência do recurso da R., pergunta-se se deve ser ordenada a reparação do ferro forjado perfurado para suportar aquela estrutura.

Tenderíamos a afirmar que a reparação apenas teria de ocorrer no momento da entrega do locado, findado que estivesse o contrato.

E para não arredarmos dessa perspectiva, relevar-se-ia a circunstância das detiorações provocadas ocorreram para instalar um toldo que estava autorizado pelo senhorio por licenciado pela entidade administrativa (período até 2022), detiorações que, assim consideradas lícitas, deveriam, ao abrigo do art.1073.º nº2 do CC[27], ser reparadas pelo arrendatário antes da restituição do locado.

Acontece que a instalação, conforme decorre do facto assente sob o artº43[28], ocorreu em local impróprio.

Se assim ocorreu, trata-se de uma perfuração de ferro forjado decorativo compondo a fachada que não poderá qualificar-se como derivando de uma utilização prudente da coisa nos termos e para os efeitos do art.1043.º, nº1 do CC.

Não o sendo, é ilícita a acção da R, donde se impondo, ao abrigo do art. 1043.º, nº1 do CC, a reparação do estrago provocado por forma a manter-se o locado no estado em que o recebeu[29].


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IV.

Face ao exposto, acorda-se em:

- julgar improcedente o recurso interposto pela R., assim mantendo a decisão recorrida no que com este recurso se colocou em crise;

- julgar procedente o recurso interposto pela A. e, em consequência condenar a R., para além da condenação que consta da sentença, (i)a reparar os danos provocados com a perfuração do ferro forjado existente na fachada do locado aquando da instalação do toldo, e (ii) a retirar a iluminação led também aí colocou, tudo no prazo de 30 dias.

As custas ficarão a cargo da R. quanto a ambos os recursos.


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Sumário

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Porto, 11.12.2024.

Carlos Cunha Rodrigues Carvalho

Isoleta Almeida Costa

Álvaro Monteiro

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[1] Cfr. a citação da doutrina a propósito no Ac. do STJ de 6.6.2018 proc. 4691/16.2T8LSB.L1.S1: (a) António Santos Abrantes Geraldes - «[a]s conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do artigo 635º, n.º 3, do CPC. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões do recurso devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo Tribunal a quo.» - in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 – 4ª edição, Almedina, página 147. / (b) Fenando Amâncio Ferreira - «[n]o momento de elaborar as conclusões da alegação pode o recorrente confrontar-se com a impossibilidade de atacar algumas das decisões desfavoráveis. Tal verificar-se-á em dois casos; por preclusão ocorrida aquando da apresentação do requerimento de interposição do recurso, ou por preclusão derivada da omissão de referência no corpo da alegação. Se o recorrente, ao explanar os fundamentos da sua alegação, defender que determinada decisão deve ser revogada ou alterada, mas nas conclusões omitir a referência a essa decisão, o objeto do recurso deve considerar-se restringido ao que estiver incluído nas conclusões.» - in Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 2000, página 108 / (c) José Augusto Pais do Amaral - «[o] recorrente que tenha restringido o âmbito do recurso no requerimento de interposição, pode ainda fazer maior restrição nas conclusões da alegação. Basta que não inclua nas conclusões da alegação do recurso alguma ou algumas questões, visto que o Tribunal ad quem só conhecerá das que constem dessas conclusões.» - Direito Processual Civil, 2013, 11ª edição, Almedina, páginas 417/418.
[2] «Na zona classificada como Património Cultural da Humanidade onde se insere o estabelecimento comercial, existem outros estabelecimentos comerciais que mantêm os seus toldos fora dos vãos e sanefas com altura superior à prevista no CRMP.»
[3] Como se retira do ponto I da motivação do recurso da R., tem o mesmo por objecto o segmento da decisão que julgou procedente a acção quanto à remoção do toldo no prazo de 30 dias.
[4] «A R. instalou um toldo na fachada do prédio sem ter obtido o licenciamento municipal.»
[5] «No que tange ao facto descrito em b), as testemunhas AA e BB referiram, como já se disse, que o toldo esteve licenciado de 2017 a 2021 e que só a partir de 2022 é que deixou de estar licenciado. Não é assim verdade que o toldo tenha sido instalado sem estar licenciado, razão pela qual se julgou não provado tal facto.»
[6] «No que tange à publicidade foi pelas partes convencionado na cláusula 8.ª, sob a epígrafe “publicidade e toldos”, o seguinte: «A ARRENDATÁRIA poderá colocar no exterior do IMÓVEL em local próprio afecto à PARCELA, publicidade relativa a si próprio ou a produtos e serviços que comercialize, e proceder à colocação de um toldo, desde que obtenha, a expensas suas, as autorizações e licenças legalmente necessárias para tal fim junto das entidades competentes.».
[7] Artº184 e seguintes do CPA.
[8] Artº50 e seguintes do CPTA.
[9] Acórdão da Relação de Guimarães de 15-12-2016, proferido no processo n.º 86/14.0T8AMR.G1.
[10] Cfr. Ac. citado.
[11] Como se escreveu no Acórdão da Relação de Coimbra de 27-05-2014, também citado naqueloutro.
[12] Alega-se no recurso, pressupondo a autorização administrativa: «O toldo está colocado nos termos do acordo celebrado entre ambas as partes, verificando-se, por isso, abuso de direito da A. na modalidade de venir contra factum proprium». Afirma-se no artº34 da contestação: «sendo que o toldo está colocado conforme o acordo celebrado (…) também aqui ocorre abuso de direito na modalidade de venir contra factum propium».
[13] «Há abuso de direito quando um comportamento, aparentando ser exercício de direito, se traduz na não realização dos interesses pessoais de que esse direito é instrumento e na negação de interesses sensíveis de outrem» - Coutinho de Abreu, Do Abuso de Direito, Almedida, pag.43
[14] Dizer, como se refere na sentença, que A R. obteve autorização para colocar o toldo e para o manter no período de 2017 a 2021, tendo sido indeferido em 2022 o pedido formulado pela R. para a ocupação do espaço público com o toldo.
[15] Também para acautelar alguma sanção contraordenacional.
[16] A boa fé, nos termos e para os efeitos do artº334 do CC, significa que as pessoas devem ter um comportamento honesto, correcto e leal no exercício dos seus direitos, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros – Cfr. op. cit. pag.55 e 59 (parte final do primeiro parágrafo). Mas dizer apenas isto não chega, como refere o A. citado, destacando algumas modalidades de abuso de direito, dentre elas e para o que interessa, o venir contra factum proprium: proibição de promover-se a tutela de uma pretensão incompatível ou contraditória com a conduta anterior do pretendente.
[17] Que facilmente se reconheceria por ser patente: há de facto contradição no que de direito se selecionou como facto nos artº34 e 39.
[18] Relevando-se para o efeito que a matéria de facto permanece intocada por não ter sido impugnada (pela A., e com sucesso pela R)  e não se antolhar qualquer motivo para que, oficiosamente, se altere a mesma, remete-se para os termos da mesma conforme decidido pelo Tribunal a quo – artº663ºnº6 do CPC.
[19]A dimensão da iluminação, sobreposta à loja arrendada e à porta para as habitações existentes nos pisos superiores, ocupando uma parte da fachada do prédio que nada tem que ver com o locado, não corresponde seguramente a uma prudente utilização do prédio em conformidade com os fins do contrato como se refere.Decorre do artº1038º al.d) do CC que o arrendatário não deve fazer da coisa locada uma utilização imprudente. «A utilização pode situar-se, na verdade, dentro do fim a que pode destinar-se o gozo do prédio, e vir a assumir, todavia, um carácter imprudente» - Pinto Furtado, Manual de Arrendamento Urbano, Almedina, 1966, pag.411
[20] Notar que se o artigo no seu número 1 se refere exclusivamente a obras de conservação ordinária e extraordinária, já o número 2 se refere a quaisquer obras: donde se poder incluir nelas, além daquelas, todas as demais como a dos autos – instalação iluminação led.
[21] Não releva o artº1111 do CC por tratar este preceito das obras de conservação ordinárias e extraordinárias, coisa a que não corresponde a inovação em causa.
[22] A inovação não deixa de ser uma obra por envolver, na instalação, seguramente procedimentos na fachada, como o aparafusamento, igualmente por alterar a iluminação existente ou acrescendo-a.
[23] Vide factos 21-23.
[24] A bitola será o típico comportamento exigido do diligente pai de família – Pinto Furtadp, op e loc. cit.
[25] «Na verdade, não é só no momento da restituição que a coisa deve conservar-se no estado em que foi recebida, ressalvadas as detiorações inerentes a uma prudente utilização, mas a todo o momento, após a entrega» - Pinto Furtado, op. cit., pág.416.
[26] Cremos que, do que se trata efectivamente, é de ferro forjado como se retira do facto assente 43.
[27] Dizer que se se consideram lícitas as pequenas detiorações quando se tornam necessárias a assegurar o conforto ou comodidade do locado, por extensão interpretativa se considerarão lícitas aquelas que resultaram de autorização e visam assegurar o fim do contrato, no caso o exercício do comércio
[28] «Do ofício do Departamento Municipal do Espaço Público junto pela R. com a sua contestação como doc. n.º 3, decorre que: “ A instalação do toldo é realizada sobre os elementos decorativos e compositivos da fachada em ferro forjado, prejudicando a visibilidade e a leitura integralmente livre da fachada, para além de provocar danos irrecuperáveis dos materiais destes elementos, contrariando os artigos D-1/10º e D-1/16 atrás referidos. No caso, e uma vez que as características da fachada do estabelecimento comercial não permite proceder à alteração da instalação, deve o toldo que não cumpre ser removido”.
[29] Cfr. nota 25.