Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | RUI MOREIRA | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADES PARENTAIS INCIDENTE DE INCUMPRIMENTO OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS RESIDENTE NO ESTRANGEIRO | ||
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Nº do Documento: | RP202501281844/21.5T8MTS-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 01/28/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 2. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Não deve admitir-se o prosseguimento de um incidente de incumprimento de responsabilidades parentais, designadamente da obrigação de prestação de alimentos, quando ao requerido, residente na Alemanha, não é apontado qualquer rendimento ou património no estado português, não é pretendida a intervenção substitutiva do FGADM e a realização do direito em causa só pode ser operada na Alemanha. II - Nestas circunstâncias, é adequado o arquivamento do incidente, cabendo a realização do direito decorrer ao abrigo do Regulamento (CE) n.º 4/2009 do Conselho, de 18 de dezembro de 2008. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. nº 1844/21.5T8MTS-A.P1 Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo de Família e Menores ... - Juiz 2 REL. N.º 934 Relator: Juiz Desembargador Rui Moreira 1º Adjunto: Juíza Desembargadora Maria da Luz Teles Meneses de Seabra 2º Adjunto: Juiz Desembargador João Proença * ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO 1 – RELATÓRIO (Transcrição do segmento correspondente da decisão recorrida) “AA, na qualidade de progenitora de BB, instaurou este incidente tutelar cível visando o incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais, na vertente do não pagamento da prestação de alimentos, contra CC, enquanto progenitor daquele, indicando-o como morador em ..., ...28 ..., República Federal da Alemanha. A requerente alegou que por sentença datada de 11-06-2021, foram reguladas, no apenso do processo de divórcio, as responsabilidades parentais relativamente ao filho menor de idade BB, tendo sido fixado a título de pensão de alimentos, o valor mensal de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros), a ser paga pelo requerido. Mais alega que, desde 07-09-2022, o requerido nada tem pago, assim como não tem entregue o abono da Alemanha, no montante de € 169,00 (cento e sessenta e nove euros) tal como se tinha obrigado na sentença acima mencionada. O requerido recusa-se a pagar as quantias em dívida, sendo que este continua a residir na Alemanha. Requer, a final, que o requerido seja compelido no pagamento das quantias em falta pelos meios coercivos a que alude o artigo 48.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC). A Digna Magistrada [do MºPº], na sua vista, defendeu não ser possível aplicar ao caso o disposto no artigo 48.º, do RGPTC, por o devedor de alimentos residir no estrangeiro, não sendo o incidente de incumprimento o meio adequado para fazer desencadear um procedimento internacional destinado a efetivar o cumprimento dos alimentos. Por inadmissibilidade legal, promoveu que se indefira liminarmente o presente incidente.” * Decidiu, então, o tribunal recorrido: “(…) Na situação em apreço, o obrigado a alimentos está a residir na Alemanha, de acordo com a informação prestada pela requerente, sendo desconhecida a sua entidade patronal. Ora, estando o requerido a residir na Alemanha, e não se conhecendo a sua entidade patronal, não é possível recorrer ao preceituado ao artigo 48.º, n. º1, alínea b), do RGPTC. Como muito bem defende a Digna Procuradora do Ministério Público, não é legalmente possível ordenar nesta ação à entidade patronal sediada no estrangeiro que desconte nos salários as quantias necessárias para garantir o pagamento das prestações alimentares vencidas ou vincendas. À requerente, impõem-se, por isso, uma vez que dispõem do competente título executivo que recorra à execução por alimentos autónoma regulada no Código de Processo Civil ou socorrer-se dos mecanismos de cobrança de alimentos no estrangeiro regulada no Regulamento (CE) nº 4/2009 de 18-12-2008. Por todo o expendido, constatando-se a inadmissibilidade legal do mecanismo processual de que a requerente se socorreu para obter a cobrança coerciva dos alimentos vencidos e vincendos devidos ao seu filho, decide-se, sem necessidade de mais considerações, indeferir liminarmente o presente incidente.(…)”. * É desta decisão que vem interposto o presente recurso, que a requerente terminou oferecendo as seguintes conclusões. 1.ª – Perante o incumprimento das responsabilidades parentais quanto ao pagamento da prestação de alimentos fixada, pode o credor, alternativamente, lançar mão de qualquer um dos três mecanismos legalmente previstos para o efeito: o incidente de incumprimento das responsabilidades parentais previsto no artigo 41.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível; o mecanismo do artigo 48.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível; e a execução especial por alimentos regulada nos artigos 933.º a 937.º do Código de Processo Civil. 2.ª – Aqueles três mecanismos processuais articulam-se entre si numa relação alternativa, nada obstando a que o credor de alimentos lance mão do incidente de incumprimento estabelecido pelo artigo 41.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, ao invés de recorrer a um dos demais meios processuais: o mecanismo do artigo 48.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível e a execução especial por alimentos. 3.ª – No presente caso, a Recorrente deduziu o incidente de incumprimento previsto no artigo 41.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, peticionando que fosse ordenada «a notificação do Requerido nos termos e para os efeitos previstos no número 3 do artigo 41.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível», e, ainda, fosse ordenada «a notificação do Requerido» para que comprovasse, nos autos, «o estado do pedido» de concessão de abono «que haja efectuado junto das autoridades competentes da República Federal da Alemanha, incluindo a eventual decisão que sobre o mesmo haja recaído». 4.ª – A causa de pedir dos presentes autos não se limitava, aliás, ao incumprimento pelo Requerido do pontual pagamento da obrigação de alimentos que se encontra vigente. Incluía, ainda, o incumprimento, pelo Requerido, da obrigação, que assumiu, de diligenciar pela percepção do abono de família, junto das entidades competentes, e, consequentemente, pelo pagamento à Requerente – em representação do seu Filho Menor – de parte do montante daquela prestação social – diligências que a Requerente desconhece se foram encetadas, ainda menos se foram concluídas, pelo Requerido. 5.ª – Tendo o Insigne Tribunal a quo principiado por ordenar a notificação do Requerido «para que, em cinco dias, diga o que tiver por conveniente com a expressa advertência de que, nada dizendo, se terão por admitidos por acordo os factos alegados pela requerente, posto que não estão em causa direitos indisponíveis, mas apenas a falta de pagamento da quantia devida a título de alimentos», caberia, decorrido aquele prazo sem que nada tenha sido dito, ser determinado o prosseguimento dos autos, nos termos previstos pelo artigo 39.º, aplicável ex vi do número 7 do artigo 41.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível. 6.ª – Cautelarmente, ainda que se entendesse que os presentes autos se encontravam sujeitos à disciplina do artigo 48.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, caberia apurar, como não foi feito, se, em concreto, o Requerido aufere, em território nacional, qualquer rendimento periódico, que permita concretizar algum dos meios coercivos discriminados nas alíneas daquela norma. 7.ª – Tudo o que impõe, na esperada procedência do recurso, seja revogada a douta decisão recorrida, e, consequentemente, determinada a sua substituição por outra que determine o prosseguimento dos autos nos termos do regime legalmente previsto para a tramitação do incidente de incumprimento estabelecido no artigo 41.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, designadamente notificando as partes para, querendo, apresentarem alegações e prova, nos termos previstos pelo número 4 do artigo 39.º, aplicável ex vi do número 7 do artigo 41.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, e, após, prosseguindo-se para instrução e julgamento, nos termos consignados pelos números seguintes da mesma norma. * O MºPº ofereceu resposta ao recurso, afirmando que o meio adequado à tutela dos direitos invocados é o mecanismo de cobrança de alimentos no estrangeiro, previsto no Regulamento (CE) n.º 4/2009 do Conselho, de 18 de dezembro de 2008, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares. Reafirmou a inaplicabilidade do regime previsto nos arts. 41º e 48º do RGPTC. E concluiu pelo acerto da decisão de indeferimento liminar proferida. * O recurso foi admitido para subir nos próprios autos e com efeito devolutivo. Foi, todavia, determinada a baixa dos autos ao tribunal recorrido, para notificação do requerido quanto aos termos do processo e do recurso. Operada tal notificação, não sobreveio aos autos qualquer outra resposta. Cumpre decidir. * 2- FUNDAMENTAÇÃO O objecto do recurso é circunscrito pelas respectivas conclusões, sem prejuízo da decisão de questões que sejam de conhecimento oficioso - arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3 do CPC. No caso, atentas as conclusões acima reproduzidas, importa decidir se, atentos os factos alegados pela requerente, deve admitir-se o prosseguimento do presente incidente de incumprimento de responsabilidades parentais, designadamente quanto á obrigação de prestação de alimentos. * Tal como alega a apelante, resultam dos autos os seguintes elementos: 1º- Por Acordo, homologado por sentença de 11/06/2021, proferida nos autos de Divórcio Sem Consentimento do Outro Cônjuge – convolado em Divórcio por mútuo consentimento –transitada em julgado, Requerente e Requerido acordaram quanto ao exercício das responsabilidades parentais relativas ao filho de ambos, BB, nascido a ../../2017. 2.º - Obrigou-se então o Requerido, «a título de pensão de alimentos» ao seu filho Menor, a contribuir «com a quantia mensal de € 250,00 (duzentos e cinquenta Euros) a pagar até último dia de cada mês por depósito ou transferência bancária» para a conta bancária da Requerente. 3º - Obrigou-se ainda o Requerido, caso viesse «a receber o abono na Alemanha», a entregar à aqui Requerente «a quantia mensal de € 169,00 (cento e sessenta e nove Euros), a pagar até último dia de cada mês por depósito ou transferência bancária» para a conta bancária desta – cfr. a Cláusula 7 do Acordo homologado. 4º - Alegou a requerente desconhecer se o requerido recebeu qualquer quantia a esse propósito. 5º - Concluiu a requerente impor-se que “…seja o Requerido compelido no pagamento das quantias em falta, inclusive, se necessário, pelos meios coercivos a que alude o artigo 48.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.” * Além da realidade processual que acaba de se descrever, constata-se que a requerente não alude à existência de qualquer património ou rendimentos do requerido, em território nacional, nem tão pouco invoca qualquer impossibilidade de obter a cobrança da obrigação de alimentos junto do requerido, em ordem a sustentar uma mediata pretensão de imputação dessa obrigação ao FGADM, em substituição daquele.Em qualquer caso, pretende ainda, por via do incidente, apurar se o requerido cumpriu a obrigação de providenciar pela obtenção de um subsídio, na Alemanha, tal como se obrigara. Foi nestas circunstâncias que, sob promoção do MºPº, o tribunal recorrido concluiu pela inviabilidade do presente procedimento, pois que jamais poderia resultar em qualquer efeito útil, designadamente o da cobrança coerciva das prestações devidas junto de qualquer entidade devedora de quaisquer rendimentos ao requerido, na Alemanha. É óbvio não estar em causa o expediente da execução especial por alimentos, nos termos do art. 933º, do CPC, não tendo sido essa a opção da requerente para a cobrança do valor que alega ser devido pelo requerido. Para além desse instrumento para a realização do direito invocado, dispõem os arts. 41º e 48º, na sua parte útil ao caso do RGPTC: Art. 41.º 1 - Se, relativamente à situação da criança, um dos pais ou a terceira pessoa a quem aquela haja sido confiada não cumprir com o que tiver sido acordado ou decidido, pode o tribunal, oficiosamente, a requerimento do Ministério Público ou do outro progenitor, requerer, ao tribunal que no momento for territorialmente competente, as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até vinte unidades de conta e, verificando-se os respetivos pressupostos, em indemnização a favor da criança, do progenitor requerente ou de ambos. (…) Art. 48.º 1 - Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida nos 10 dias seguintes ao vencimento, observa-se o seguinte: a) Se for trabalhador em funções públicas, são-lhe deduzidas as respetivas quantias no vencimento, sob requisição do tribunal dirigida à entidade empregadora pública; b) Se for empregado ou assalariado, são-lhe deduzidas no ordenado ou salário, sendo para o efeito notificada a respetiva entidade patronal, que fica na situação de fiel depositário; c) Se for pessoa que receba rendas, pensões, subsídios, comissões, percentagens, emolumentos, gratificações, comparticipações ou rendimentos semelhantes, a dedução é feita nessas prestações quando tiverem de ser pagas ou creditadas, fazendo-se para tal as requisições ou notificações necessárias e ficando os notificados na situação de fiéis depositários. (…). As normas citadas tendem a adopção de soluções que permitam, coercivamente, por ordem do tribunal, apreender bens ou rendimentos, para entrega imediata ao titular do direito correspondente, ou a quem o represente. Por outro lado, situações frequentes há em que o próprio procedimento é útil em ordem a certificar a existência do incumprimento e a impossibilidade de obtenção dos alimentos devidos junto do respectivo obrigado, a fim de o fazer substituir pelo FGADM. Mas, como se referiu, essa não é a situação destes autos. Assim, nas concretas circunstâncias do caso, é forçoso concluir que o prosseguimento do incidente tenderia apenas a diagnosticar a situação de incumprimento. Com efeito, não aponta a requerente qualquer património ou rendimento que o requerido detenha ou obtenha no estado português, que possa ser aplicado ao pagamento das obrigações alegadamente incumpridas. E não serve o incidente para promover uma busca de tais meios que, ab initio, não são ditos como sequer passíveis de existir. Aliás, nada a esse respeito vem concretamente requerido pela ora apelante. Além disso, o eventual apuramento sobre se o requerido recebe, ou não, algum subsídio do estado alemão, como se propôs obter, seria inconsequente, por não se poder determinar à entidade estrangeira pagadora a sua entrega à requerente. Por fim, como referiu o tribunal recorrido, também não seria este incidente apto a cobrar, na Alemanha, onde reside, qualquer rendimento laboral que o requerido aí aufira. Com efeito, não estaria a entidade pagadora sujeita à obrigação de cumprir qualquer ordem judicial de desconto da quantia adequada, no salário do requerido, e de proceder à sua entrega à requerente. Uma tal decisão deste tribunal seria impertinente e inconsequente. Todavia, não pode deixar de estar disponível um meio processual adequado para a realização do direito já reconhecido ao filho da requerente e do requerido. Acontece que esse expediente existe: é o previsto no Regulamento (CE) n.º 4/2009 do Conselho, de 18 de dezembro de 2008, a operar através da Direção Geral da Administração da Justiça, que é a Autoridade Central portuguesa para efeitos de aplicação desse Regulamento, relativo à competência, lei aplicável, reconhecimento e execução de decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares. Nestas circunstâncias, tal como o entendeu o tribunal recorrido, o prosseguimento dos termos deste incidente sempre seria uma actuação estéril, inútil, inapta à produção de qualquer efeito na realização do direito a alimentos invocado. Pelo exposto, sem outras considerações que a simplicidade do caso dispensa, resta concluir pelo não provimento da apelação, na confirmação da decisão recorrida. * Sumário (art. 663º, nº 7 do CPC): ………………………………….. ………………………………….. ………………………………….. * 3 - DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em negar provimento ao presente recurso de apelação, com o que confirmam a decisão recorrida. Custas pela apelante. Reg. e not. * Porto, 28 de Janeiro de 2025 Rui Moreira Maria da Luz Seabra João Proença |