Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | ANTÓNIO LUÍS CARVALHÃO | ||
| Descritores: | CRIME DE AMEAÇA ATO DE EXECUÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RP20181115248/16.6PBAVR.P1 | ||
| Data do Acordão: | 11/15/2018 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | CONFERÊNCIA | ||
| Decisão: | CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO | ||
| Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º778, FLS.47-70) | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - O crime de ameaça supõe uma mensagem a um destinatário com significado da prática futura de um mal contra este ou contra terceiro. II - Para saber se estamos perante um anúncio de um “mal futuro” que se projeta na liberdade de ação e de decisão futura (visando, portanto, o agente limitar ou coarctar a liberdade pessoal do visado), ou antes diante de um “mal iminente” que pode considerar-se já um ato de execução de um dos crimes do catálogo legal, não podemos cingir-nos a uma análise literal da expressão proferida, é fundamental a análise da conduta no seu contexto global. III - Para aferir se estamos perante a ameaça de um mal futuro, importa ver se a expressão que anuncia o mal é, ou não, seguida de qualquer ação configuradora de execução imediata ou iminente do mal ameaçado, se há, ou não, prática de qualquer ato de execução no momento desse anúncio. IV - Não pode dizer-se que o arguido tenha cometido um crime de ameaça quando afirmou “levas uma coça” num contexto em que empurrou a pessoa visada contra uma viatura e lhe apertou um braço com força. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Rec. Penal n.º 248/16.6PBAVR.P1 Comarca de F… Juízo Local Criminal de F… – J1 Acordam em conferência na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto RELATÓRIO Por sentença proferida no Juízo Local Criminal de F… – J1, da Comarca de F…, processo comum com intervenção do Tribunal Singular nº 248/16.6PBAVR foi decidido condenar o arguido B…:- na pena de 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de €300,00 (trezentos euros), num total de €27.000,00 (vinte e sete mil euros) pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples p.p. pelo art.º 143º n.º 1 do Código Penal; - na pena de 50 (cinquenta) dias ao quantitativo diário de €300,00 (trezentos euros), num total de €15.000,00 (quinze mil euros), pela prática de um crime de ameaça p.p. pelo art.º 153º n.º 1 do Código Penal; - na pena de 60 (sessenta) dias de multa à taxa diária de €300,00 (trezentos euros), num total de €18.000,00 (dezoito mil euros) pela prática de um crime de injúria p.p. pelo art.º 181º do Código Penal; - na pena de cúmulo de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à taxa diária de €300,00 (trezentos euros), num total de €45.000,00 (quarenta e cinco mil euros); - a pagar à assistente C… a quantia de €6.500,00 (seis mil e quinhentos euros), quantia acrescida de juros legais a contar da prolação da sentença, tudo a título de danos morais. Não se conformando com a sentença proferida, dela veio o arguido interpor recurso, formulando as seguintes conclusões: 1 - O presente recurso tem como objeto toda a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos. 2 - O recorrente considera que deveria ter sido absolvido dos crimes por que vinha acusado, por não ter sido feita prova cabal das acusações, pública e particular, como não foi explicado de forma clara o raciocínio que levou à sua condenação com base nas provas produzidas em audiência de julgamento. 3 - O recorrente, enquanto arguido, podia ter-se remetido ao silêncio, mas não o fez, ao contrário optou por esclarecer o que aconteceu no dia constante da acusação de forma clara e simples, tudo numa atitude colaborativa. 4 - A Assistente, principal prova acusadora e condenatória do arguido, prestou declarações, também sem juramento, tal como o arguido. Prestou declarações ora emocionadas, ora frias e calculistas, dizendo agora uma coisa e já de seguida se contradizendo, afirmando que as situações continuam, não se cingindo ao dia em questão e misturando outros episódios que vêm acontecendo já desde 2015, relacionados com um ex-namorado seu, D…. 5 - A Assistente não consegue explicar qual a motivação do arguido para esta situação, pois como a própria afirma, não sabe porque tem mau relacionamento com o arguido, afirmando até, que não tem relacionamento com ele! 6 - Foi incorretamente dado como provado que o arguido tenha proferido a seguinte expressão: “És uma infeliz de merda…” – Factos provados linhas 4 e 5 início do parágrafo 1 dos factos dados como provados, já que não ficou provado por nenhum meio de prova (não podemos considerar que as palavras da Meritíssima Juiz servem de prova!). 7 - Relativamente às expressões proferidas pelo arguido e face à prova produzida neste particular, das declarações da Assistente e do depoimento da D. E…, seria forçoso concluir que o arguido não proferiu a expressão “és uma infeliz de merda”. 8 - Efetivamente, no meio do seu depoimento, algo confuso a Assistente apenas refere que o arguido lhe disse “És uma triste” seguido de um longo silêncio em que a Meritíssima Juiz “corrige a expressão” e tenta saber um pouco mais (minuto 06:30 das declaração da Assistente): “Juiz: Ele disse…. Vou chamar o ex-namorado, levas uma coça, és uma ressabiada…. Assistente: Sim…. És uma in… És uma triste….. Juiz : És uma infeliz….” 9 - Não pode a meritíssima juiz na sua correção às palavras da ofendida, fazer prova, pois da boca da ofendida saiu a expressão és uma triste e não és uma infeliz de merda, como constava da acusação e foi dado como provado. 10 - Assim e nesta medida, após ouvida toda a prova, nomeadamente o depoimento da testemunha E…, muito valorizado pelo tribunal, e que no seu depoimento afirmou perentoriamente apenas ter ouvido o arguido chamar à assistente “Ressabiada”, sabendo que ambos discutiam e trocavam palavras, mas não se recordando de mais nenhuma expressão em concreto, nem de carácter ofensivo, nem ameaçatório. Minuto 02:50 do seu depoimento: E…: “(….) Meti-me entre os dois e pedi para se acalmarem, que já tínhamos chamado a polícia (…) e ouvi a chamar a D. C… que era uma ressabiada, que sabia de tudo e não me lembro de mais coisas que tenha dito”. 11 - Assim, e em face da prova produzida, o tribunal a quo não poderia ter dado como provado que o arguido proferiu a expressão “És uma infeliz de merda”. 12- Também não se provou que o arguido devolveu o telemóvel à ofendida no momento em que esta gritou por socorro, pois não se provou que: “… gritou por socorro. Nesse momento o arguido devolveu-lhe o telemóvel” – Factos provados linha 2 in fine do 4º parágrafo. 13 - Sobre esta questão do telemóvel pronunciou-se a Assistente e a testemunha E…, tendo o arguido também em sede das suas próprias declarações reconhecido que houve um momento em que ficou com o telemóvel da Assistente, mas por razões diferentes. Relativamente ao telemóvel a Assistente refere a instâncias do Ministério Público. Minuto 11:00 do depoimento da Assistente “MP – (…) Mas uma vez, mais que uma vez… Assistente – Mais que uma vez… porque eu estava a tentar sair da situação percebe? Eu só queria dizer, Eu comecei aos gritos larga-me, larga me, ele tirou-me o telemóvel e pô-lo no bolso…” 14 - Daqui facilmente se percebe que é a descrição feita pela Assistente é ao contrário do que vem dado como provado. 15 - O telemóvel não foi devolvido quando pede socorro, mas sim retirado! (Isto a aceitar-se que as declarações da Assistente foram de tal forma isentas e claras que sejam consideradas prova consistente para dar como provados os factos da acusação). 16 - Sobre esta questão do telemóvel e do momento em que o mesmo é devolvido fala também a testemunha E…, e também não no sentido em que o facto foi dado como provado, mas sim que o telemóvel foi entregue à Assistente no final da situação. Minuto 03:15 do depoimento da testemunha: “E…: (…) Entretanto a D. C… pediu o telefone, O senhor tinha o telefone num bolso das calças, não me lembro de que lado é que era. Pedia lhe incansadamente o telefone até que o senhor entregou-lhe o telefone. Até que o senhor saiu do local.” 17 - Assim, e salvo o devido respeito, em face da prova produzida a propósito do momento em que o telemóvel foi entregue à Assistente, dir-se-á que ao contrário do que foi dado como provado, o telemóvel foi entregue no final da situação/discussão entre os dois, e não quando esta gritou por socorro. 18 - Foi dado como provado pelo tribunal a quo e não podia ter sido em face da prova produzida que “C… recebeu tratamento hospitalar” – Factos provados linhas 1 e 2 do parágrafo 5º dos factos provados. 19 - Não se compreende como pode ter sido dado como provado que a Assistente recebeu tratamento hospital quando precisamente a instâncias da Meritíssima Juiz, a Assistente negou ter ido ao Hospital! Minuto 09:55 das declarações da Assistente: “Juiz - Já agora a senhora foi ao hospital depois disto, foi ao hospital logo de seguida… Assistente – Eu fiquei completamente fora de mim, eu fiquei em pânico, era de noite, chamei a minha mãe, foi o tempo de me tentar acalmar, fui à polícia e de seguida ao Instituto de Medicina Legal, penso eu que às 09h da manhã. Juiz – Ah! Não foi ao Hospital, não chegou a ir ao Hospital? Assistente: Não, eles mandaram-me ir para o Instituto de Medicina Legal logo, não sei se foi às 08h30, se foi às 09hrs.” 20 - Assim, e em face desta afirmação da própria assistente (naturalmente conjugada com a ausência de registos de tratamentos médicos) não se compreende como pode o tribunal ter dado como provado que a Assistente recebeu tratamento hospitalar! 21 - Antes devia ter dado como provado que não recebeu tratamento hospitalar, tendo apenas sido observada no Instituto de Medicina Legal F…. 22 - Foi igualmente erradamente dado como provado que o arguido faz cerca de um transporte por mês enquanto piloto freelancer (Factos provados, página três, 8º parágrafo). 23 - Sobre as condições pessoais do arguido apenas este falou, e no final audiência o Tribunal lhe perguntou a profissão e sobre os seus rendimentos, pelo que no minuto 47:03 da gravação das alegações e declarações finais do arguido e encerramento da audiência, o arguido após explicar quanto ganha por hora de voo, quantas horas inclui um voo e quanto tempo de folga tem de ter entre voos, explicou, no dia 02 de maio de 2018 que: Arguido - “O último voo que fiz foi em Dezembro” 24 - Ora daqui não se pode inferir que o arguido faça um voo por mês, já que o arguido afirmou que no período de 5 meses havia feito um voo! 25 - Sendo corretos os valores que mencionou como sendo o valor de hora de voo (e que corretamente foram dados como provados) sempre diremos que o tribunal a quo esteve mal ao dar como provado que o arguido realiza um voo por mês, mas sim deveria ter dado como provado que o arguido, tem realizado um voo a cada 5 meses e que os valores recebidos são naturalmente ilíquidos. 26 - Pelo que esteve mal o tribunal a quo e deve tal decisão ser devidamente corrigida. 27 - Na Motivação da decisão o tribunal afirma que: Página 4 da Decisão recorrida, 5º, 6º, 7º e 8º parágrafos. “O depoimento do arguido não mereceu credibilidade, pelo que a seguir se dirá: Assim: A ofendida, que depôs de forma clara e convicta, confirmou a matéria constante da acusação. Descreveu de forma circunstanciada e coerente quer as agressões de que foi vítima quer as palavras que lhe foram dirigidas, confirmando na essência a matéria constante da acusação, com exceção de uma ou outra expressão.” 28 - Contudo, ao longo das parcas linhas que respeitam à Motivação desta Decisão em crise, não é possível perceber, onde é que o depoimento do arguido foi menos credível do que o da Ofendida, aqui Assistente e que por isso da mesma forma não prestou juramento. 29 - O Tribunal a quo não se deu ao cuidado de colocar em confronto os exatos pontos onde considera que é mais credível uma testemunha ou outra, ou até a Assistente tudo em relação ao arguido. 30 - O arguido prestou declarações, esclarecendo ao tribunal o que aconteceu e ao longo de todo o seu depoimento manteve a mesma versão dos factos. 31 - O Tribunal a quo considerou apenas o depoimento da Assistente como credível e até apelidou a forma como foi prestado como “clara e convicta” e circunstanciada e coerente”! Não se compreende como, quando o próprio tribunal teve de, por diversas vezes, pedir esclarecimentos ao que estava a ser dito pela Assistente e recordar-lhe o objeto do processo. 32 - Requer-se a esse Venerando Tribunal que oiça a totalidade das Declarações da Assistente “Audiência de Julgamento 02/05/2018, minutos 00:00 a 33:12 das declarações da Assistente”, pois a transcrição é quase impossível nomeadamente por causa dos silêncios, das interrogações, das hesitações e das tentativas de centrar a Assistente no objeto deste único processo. 33 - Na verdade, são diversas as vezes que a Meritíssima Juiz tem de dizer: “Vamos lá a ver se a gente se entende”, e usar expressões como “Mas isso agora não está aqui a ser tratado, só estamos a tratar deste episódio” e “Mas vamos lá separar as águas, uma coisa é a relação com o seu ex-namorado e as complicações que isso lhe tem trazido, outra coisa é com este senhor.” 34 - Os silêncios após cada resposta da Assistente, são demonstrativos da dúvida com que o tribunal ficou sobre o que a Assistente havia acabado de dizer e tais silêncios, hesitações, confusões, são impossíveis de transcrever pelo que se requer a audição, nem sequer a transcrição do depoimento na sua íntegra para se compreender que as declarações não foram nem claras, nem convincentes, nem concisas! 35 - Ademais acrescente-se que o tribunal valoriza, de forma quase exclusiva para a maior parte dos factos, as declarações da Assistente. 36 - O Tribunal pode e deve valorar todas as provas e as mesmas são-no sempre no âmbito do princípio da livre apreciação da prova, podendo formar a sua convicção no essencial naquilo que a Assistente disse, mas tem de existir por parte da assistente um depoimento sério e credível e o tribunal, tem de forma muito clara, concisa e transparente, explicar as razões que levaram ao seu convencimento, nomeadamente quando em confronto com as declarações do arguido, que em Audiência de Julgamento não opta pelo silêncio e esclarece a sua versão dos factos. 37 - Ora, o que o tribunal a quo não faz é precisamente explicar de que forma o depoimento da Assistente foi de tal forma sério e convincente que levou a considerar que as declarações do arguido, em conjugação com as regras da experiência comum e todas as demais provas constantes dos autos, tiveram mais peso na decisão que foi tomada. 38 - Tome-se por exemplo o crime de injúria, que é um crime particular e em que se considera quase em exclusivo o depoimento da Assistente para condenar, corroborado estrategicamente pela testemunha que sai da pastelaria E…, ouve ambos os intervenientes Arguido e Assistente a discutir: “Minuto 02:30 do depoimento da testemunha E… E… – (…) Vi um senhor aos gritos, estava de costas para mim, do lado do estacionamento, e a senhora também muito alterada. Desatei a correr para o meio deles. Na altura vejo o senhor com as mãos na senhora que estava de frente para mim a empurrá-la contra o carro. Meti-me entre os dois e pedi para se acalmarem, (…) ouvi a chamar a D. C… que era uma ressabiada”, “que sabia de tudo” e não me lembro de mais coisas que tenha dito.” 39 - Passados dois anos do incidente, a testemunha recordava especificamente a palavra e corrobora nessa parte as declarações da Assistente, mas já não ouve mais nada do que a Assistente refere. 40 - Contudo chamada a explicar, a Assistente a razão porque se dá mal com o arguido a resposta da Assistente é no mínimo estranha! Minuto 08:38m das declarações da Assistente “Juiz – Então e o seu mau relacionamento com este senhor deve-se a isso? – nota nossa – refere-se a ter conhecido o arguido numa situação com o Sr. D… seu ex-namorado. Assistente – Não faço ideia. Tem de lhe perguntar a ele. Eu nunca tive relacionamento nenhum com este senhor.” 41 - Estes autos, iniciaram-se com uma queixa contra o arguido e outras pessoas, entre as quais o ex-namorado da Assistente D…, mas após diversos arquivamentos e extração de certidões para dar origem ou juntar a outros processos contra essas pessoas, apenas esta parte do processo ficou contra o arguido, pessoa com quem a própria Assistente confessa não tem relacionamento, e desconhece o motivo de ter mau relacionamento com o mesmo! 42 - Mas é interessada neste processo e no desfecho do mesmo, pois deduziu acusação particular e pedido de indemnização civil contra o arguido. 43 - E por ser assim parte muito interessada no processo e no desfecho condenatório do mesmo, deveria o seu depoimento ser valorado nestes termos e explicadas razões porque foi mais considerado do que os restantes. 44 - O princípio da livre apreciação da prova não pode ser confundido com livre arbítrio e discricionariedade na decisão e na formação do juízo crítico das provas que levaram à decisão. 45 - O mesmo se diga relativamente aos restantes crimes, de ameaça e ofensa à integridade física, alegadamente praticados pelo arguido em relação à Assistente. 46 - Nenhuma explicação é dada para a “híper” valoração que é feita do depoimento da Assistente e das suas testemunhas, em detrimento das declarações do arguido e das suas testemunhas. 47 - A própria Assistente não consegue apresentar ao tribunal um motivo, uma razão que justificasse a ameaça, ou a existência de mau relacionamento entre si e o arguido, que a própria admite até nem existir! Pelo que as testemunhas que servem para acusar e condenar, têm de servir para ilibar! 48 - E a Assistente chega a dizer nas suas declarações (repete até duas vezes) que esta situação não terminou pois continua a receber mensagens e que a última havia sido na última semana, numa mensagem pública enviada para o seu facebook. Minuto 03:30 das Declarações da Assistente: “ Juiz -Pronto mas isso aqui não está a ser tratado, as mensagens, só estamos a tratar deste episódio que a senhora acabou de relatar. Assistente - Eu queria só dizer que ainda no dia 20, foi há uma semana, eu recebi uma mensagem pública no facebook, aliás tem a ver que tinha sido avisada e a partir do momento em que eu fiz queixa, a partir desta agressão as coisas não pararam. O meu carro foi vandalizado 3 ou 4 vezes, tenho de ter o carro numa garagem, nada ficou provado. As coisas não acabaram Dra. Juiz – Então vamos lá ver se a gente se entende. Então diz que depois deste episódio, de apresentar queixa, as coisas pioraram foi isso…. Assistente – Continuaram sim… (silêncio) e continuam, a última foi no dia 20 de Abril. Juiz – Mas vamos lá separar as águas, uma coisa é a relação com o seu ex-namorado e as complicações que isso lhe tem trazido, outra coisa é com este senhor.” 49 - Na verdade, o próprio tribunal percebeu que a Assistente misturava acontecimentos e agentes, ao trazer, e forçar a trazer para este processo situações ou já arquivadas ou situações ainda em análise noutros processos ou que terão de correr termos noutros processos. 50 - Daí que se torna quase incompreensível que o tribunal a quo tenha ficado completamente convencido que as coisas aconteceram como a Assistente “no essencial” afirma em coincidência com a acusação, não explicando porque razão não conjuga tais declarações com as do arguido e em confronto, valoriza mais umas do que outras! 51 - As lesões apresentadas foram verificadas segundo a própria Assistente no dia seguinte e não no próprio dia. 52 - A testemunha que ouviu a expressão “Ressabiada”(!?) proferida pelo arguido em relação à Assistente, não ouve qualquer expressão ameaçatória, pelo que não se compreende a condenação do arguido pelo crime de ameaça apenas com base nas declarações da Assistente. 53 - Podendo o tribunal basear a sua convicção num só depoimento este deverá ser credível, claro e sério. O que não aconteceu como acima se explanou. 54 - O Direito Penal não pode fazer-se de suspeições, mas tem de se fundar em provas concretas e objetivas. 55 - A testemunha que ouve a expressão ressabiada, não ouve qualquer ameaça? Então o que serve para condenar, reiteramos tem de servir para absolver! 56 - E sempre concluirá dizendo que o tribunal a quo em face da prova produzida e carreada para os autos, teria forçosamente de ter concluído pela dúvida sobre a forma os factos aconteceram e sobre as palavras/expressões efetivamente ditas pelo arguido, pelo que deveria ter chegado ao ponto em que perante a incerteza do que aconteceu e como aconteceu, teria de se considerar em dúvida, perante uma dúvida insanável e assim decidir favoravelmente ao arguido. 57 - Na realidade o Tribunal, como na sua motivação não explana suficientemente as razões da sua convicção para acreditar num depoimento em detrimento de outro, colocando-os em confronto e explicando de forma clara e lógica de que forma optou por um e não por outro, não consegue concluir o processo de raciocínio lógico que o levaria a colocar-se na posição de dúvida, dando a condenação como óbvia e fácil! 58 - Considera assim o recorrente que o tribunal a quo violou o art.º 127º e 412º ambos do Código de Processo Penal e 143º, 153º e 181º todos do Código Penal e da mesma forma os princípios constitucionalmente garantidos da presunção de inocência (art. 32º 2 da CRP) e in dubio pro reo. 60 – [1] Mesmo à luz da matéria dada como provada, é absolutamente impossível configurar a possibilidade de construção dogmática do crime de Ameaça previsto no art.º 153º nº 1 do Código Penal. Na verdade: O bem jurídico protegido é a liberdade individual de decisão e de ação. Do ponto de vista objetivo, são elementos constitutivos do referido crime: d) Mal (que pode ser de natureza pessoal como patrimonial); e) Futuro (o mal ameaçado tem de ser futuro. não pode haver iminência da execução ou a própria execução); f) Cuja ocorrência dependa da vontade do agente (característica que separa a ameaça do simples aviso). 61 - Ora, resulta, já da acusação, que o arguido ameaçou a assistente com a expressão “levas uma coça” e logo de imediato terá passado à ação e a ofende na sua integridade física ao empurrá-la e agarrá-la por um braço, provocando-lhe dores e lesões no corpo. 62 - Da sentença condenatória é dado como provado que o arguido praticou tal ofensa à integridade física simples de que vinha acusado, de forma voluntária. 63 - Assim sendo, dir-se-á que o tribunal a quo considerou provado que o arguido ameaçou dar uma coça à Assistente (a expressão usada é usada no presente do indicativo – “levas”) e por outro lado que de imediato dá um empurrão à Assistente e lhe agarra um braço provocando-lhe lesões no corpo. 64 - Dando como provado que o arguido efetivamente ofendeu a Assistente e lhe provocou lesões (Mal) no corpo é forçoso concluir que a expressão proferida, a tê-lo sido, não poderia ter sido considerada autonomamente como uma Ameaça, pois que não se trataria de um Mal Futuro, mas sim iminente. Não haveria lapso temporal entre a frase dita e a agressão propriamente dita! 65 - Também falta o elemento volitivo. Na verdade o uso da expressão: “levas uma coça” não implica que seja essa a vontade do agente ou até que seja desse agente. Trata-se de uma forma verbal genérica que deixa em aberto o agente da ação. Diferente seria se tivesse sido dado como provado que o arguido tinha dito “Dou-te uma coça”. 66 - Pelo que também aqui esteve mal o tribunal a quo. Não foi demonstrado um motivo válido que levasse o arguido a querer dar uma coça à Assistente, tendo apenas esta referido a expressão e fazendo-o até de forma confusa, mas clarificando que não conhece o arguido, apenas de vista em duas ocasiões e no dia dos factos! Que razão teria então o arguido para a ameaçar e dizer-lhe que lhe dava uma coça? 67 - Acresce que a expressão alegadamente proferida foi dita a uma pessoa adulta, cuja capacidade de entendimento e perceção da realidade é muito diferente da de uma criança. 68 - Se se disser a uma criança a expressão “levas uma coça” esta associa de imediato a expressão a uma tareia ou a um forte castigo corporal por algo que fez de errado. Já um adulto tem necessariamente uma análise diferente da expressão, até pela posição de igualdade em que se encontra em relação a quem lhe profere a expressão – adulto para adulto. E mais ainda por não existir qualquer relação entre ambas as pessoas, conforme ambos confirmaram. A relação que existia entre os dois intervenientes era apenas circunstancial pois o arguido era amigo de um ex-namorado da Assistente! 69 - Não havendo qualquer relação entre os dois, não existindo qualquer motivo (que pelo menos a Assistente tenha trazido aos autos e/ou o Ministério Público tenha conseguido carrear para os autos), dificilmente se consegue compreender como o tribunal ficou com a certeza de que o arguido ameaçou a Assistente, pois que atenta a falta de relação entre os dois, a falta de motivo e a própria expressão em si, que objetivamente não constitui a ameaça de um mal futuro. 70 - O tribunal também não se alonga muito na fundamentação sobre o preenchimento do tipo legal de crime de ameaça. Aliás é até muito parco na fundamentação deixando várias lacunas no seu raciocínio, que não permitem ampla e completamente compreender de que forma considerou o tribunal a quo que foi cometido o crime de ameaça, já que apenas diz que “Ora, no caso concreto o arguido pronunciou expressões aptas a causar intimidação à ofendida, tanto mais que foram acompanhadas de todos os outros factos relatados. Assim a expressão “Levas uma coça”.” In Sentença condenatória Página 7, 3º e 4º parágrafo. 71 - E note-se que até desta fundamentação consta a contradição que atrás explanámos sobre o carácter não futuro da ameaça, pois o tribunal considera que a expressão é apta a constituir o crime de ameaça conjugado com os restantes factos que considera igualmente terem ocorrido (ofensa à integridade física da Assistente). 72 - Assim, tal expressão não preenche o tipo legal do crime de ameaça, previsto e punido pelo artigo 153º do Código Penal, nem objetiva, nem subjetivamente, pelo que o arguido do mesmo deveria ter sido absolvido. 73 - No seguimento do que se disse o arguido deveria ter sido absolvido dos crimes porque vinha acusado e por isso também do pedido de indemnização civil. 74 - Relativamente ao crime de ameaça não se aceita de qualquer forma, e pelas razões atrás expostas que o arguido fosse condenado, pelo que sempre teria de ser absolvido quer do crime, quer da indemnização civil arbitrada. 75 - Contudo, e entendendo-se que houve prova suficiente para condenar o arguido pelos crimes de ofensa à integridade física simples e por injúria, sem conceder, sempre se dirá que os valores arbitrados como quantitativo diário da pena de multa em que foi condenado assim como o número de dias são excessivos. 76 - Veja-se que da fundamentação para determinação do número de dias de multa a aplicar para cada crime, se considera que para o crime de ameaça, cujo máximo é 120 dias, o tribunal considera que a ameaça à semelhança da ofensa à integridade física simples são de menor gravidade e ainda assim, condena em número de dias muito semelhante em relação ao crime de injúria cujo máximo é também 120 dias e que o tribunal considera bem mais grave. 77 - Da mesma forma e quanto ao quantitativo diário a considerar para cálculo da pena de multa total, se considera que o tribunal esteve mal, pois esqueceu que os rendimentos falados pelo são ilíquidos e como o próprio afirmou não são rendimentos regulares, nem certos, não permitindo por isso pressupor um rendimento diário de mais de mil euros, já que metade disso será certamente para impostos e outras deduções, sendo que apesar de não pagar renda de casa o arguido tem as suas despesas de manutenção. 78 - Os valores calculados e em que foi condenado, colocam o arguido num situação de total incapacidade de solvência das suas necessidades mais básicas ou numa situação de se ver obrigado a aceitar qualquer serviço para poder pagar os montantes fixados, o que de forma alguma se pode aceitar. 79 - Assim, e tomando em consideração os valores da igualdade e da equidade, entende-se que os valores são excessivos devendo, a manter-se a condenação nos seus precisos termos (o que só por hipótese académica se admite), ser reduzidos a valores reais e que permitam ao arguido pagar as penas em que for condenado sem colocar em risco a sua subsistência. 80 - Sem prescindir e pugnando sempre pela absolvição do arguido, sempre diremos, que até em face dos factos que consideramos não foram dados como provados o arguido teve uma condenação excessiva, devendo o número de dias em cada um dos crimes ser devidamente, e em coerência com a matéria que alegadamente se provou, reduzido. 81 - Reitera-se o que já se disse supra sobre os rendimentos do arguido, e bem assim das medidas da pena, cumpre aqui dizer que o pedido de indemnização civil não poderia nunca ter sido julgado procedente como foi pelo valor integral de €6.500,00. 82 - Quando se refere a condenação do arguido, refere-se que quer o crime de ameaça e o de ofensa à integridade física simples foram de pouca gravidade, atribuindo-se um pouco mais de gravidade ao crime de injúria, ainda que sem se explicar verdadeiramente a razão para tal, o que desde logo levaria a considerarmos que a mesma medida deveria ser tomada quanto ao montante indemnizatório. 83 - Contudo, sem explicação por parte do tribunal e sem fundamento legal para tal, o pedido de indemnização arbitrado pela totalidade num montante de € 6.500,00 (seis mil e quinhentos euros) é absolutamente excessivo e violador dos mais básicos princípios de igualdade e equidade. Se crimes de pouca gravidade, punidos com pena de multa são depois objeto de uma indemnização deste valor, questionamos quanto poderá valer a vida humana! 84 - Os valores indemnizatórios arbitrados são irreais e excedem em muito o razoável, em face da situação concreta, pelo que deverão todos ser reduzidos em conformidade, caso se entenda manter a condenação. 85 - Entende pois o recorrente que o Tribunal a quo violou os art. 483º, 496º, 562º e 566º do Código Civil e bem assim o art.º 13º da Constituição da República portuguesa. Termina dizendo dever ser concedido provimento ao recurso, e, consequentemente, revogada a sentença recorrida e substituída por outra que absolva o arguido/recorrente da prática de qualquer crime e do pagamento de qualquer quantia indemnizatória, A assistente apresentou resposta, formulando as seguintes conclusões: I. Salvo o devido respeito por opinião contrária entendemos que nenhuma censura merece a Douta Decisão de Condenação proferida pela Ilustre Juiz de Direito do Tribunal Judicial da Comarca de F…, relativamente ao Arguido B…, com a qual concordamos e damos integralmente por reproduzida para todos os devidos e legais efeitos. II. Pois, verifica-se que existe nos autos e foi produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento prova plena da verificação dos crimes pelos quais o Arguido B… foi condenado, nomeadamente crimes de Injúria, previsto e punido nos termos do artigo 181.º n.º 1 do Código Penal, ameaça e ofensa à integridade física simples, crime de Ameaça, previsto e punido nos termos do artigo 153.º n.º 1 do Código Penal, e crime de Ofensas à Integridade Física, previsto e punido nos termos do artigo 143.º n.º 1 do Código Penal. III. Além disso encontra-se a decisão de condenação bem fundamentada, tendo sido explicada de forma clara. IV. A Assistente não foi a principal prova acusadora e condenatória do Arguido, mas sim toda a prova carreada nos autos, nomeadamente a prova feita na Audiência de Discussão e Julgamento. V. A Assistente apenas se cingiu à verdade, e às situações, bem como às circunstâncias por que tem passado, relacionadas com o ato praticado no dia 25 de Fevereiro de 2016 pelo recorrente. VI. A Assistente prestou declarações, sem juramento, como arguido, mas estava sujeita ao dever de verdade, ao contrário do arguido. VII. A Assistente explicou, mais do que uma vez, que as suas fobias e as consequências que tem sofrido resultaram todas desta situação específica, e não prestando declarações nem frias nem calculistas, afirmou, inclusive que o arguido desde 2015 que lhe manda mensagens e que a ameaça, não se referindo sequer ao Senhor D…. VIII. Afirmou a Assistente ainda no seu depoimento que este processo desencadeou os outros todos, e que se sente mal por causa deste processo em especifico, tendo sido inclusive aconselhada pela policia a mudar os seus hábitos completamente, mudando os horários, trajetos, colocar nas redes sociais que está num sitio, estando na realidade noutro. IX. A Assistente vive apavorada, tem medo que lhe entrem pela porta de sua casa e que lhe façam mal, porque a ameaçaram de que a iam matar e que ia levar coças. X. Sendo que, antigamente a Assistente/Ofendida era uma pessoa extrovertida, simpática, que se divertia, que trabalhava, que não tinha medo de dormir em sua casa, que não tinha receio de estar em F… e que não tinha constantemente de estar preocupada com o alterar as suas rotinas e toda a sua vida. XI. A Assistente não prestou declarações nem frias nem calculistas, mas sim emocionadas, pois estava nervosa já que tem passado por várias situações como as que referiu na Audiência de Discussão e Julgamento. XII. No mês de Fevereiro, por volta das 19 horas, sem que nada o fizesse prever, quando ia a sair do carro, o arguido encostou a Assistente ao carro e agrediu a. Agarrou-a no braço, e atirou-a diversas vezes contra o carro. Chamou-lhe diversos nomes, nomeadamente “ressabiada” e disse-lhe que ela ia levar uma coça. Foi abordada pelo arguido de repente, do nada, e a arguida por mais que tentasse sair da situação não conseguia porque o mesmo a placou. XIII. A Assistente não conseguiu explicar o porquê do arguido ter agido daquela forma, porque não sabe o motivo, uma razão que justifique a ameaça, ou a existência de mau relacionamento entre si e o arguido, porque ela própria não sabe nem é obrigada a saber o por quê de outra pessoa a ter ameaçado, injuriado e ofendido a sua integridade física e estando sujeita ao dever de verdade não ia mentir em plena Audiência de Discussão e Julgamento. XIV. A Testemunha E… depôs de formal imparcial, independente, pois não conhecia nenhum dos intervenientes na situação em causa, não tinha nada contra nenhum deles, era, portanto, uma testemunha capaz de fazer um depoimento totalmente isento. XV. A entrega do telemóvel à ofendida, pelo arguido, ocorreu no momento em que esta gritou por socorro, tendo o arguido no seu depoimento referido que a Assistente deixou o telemóvel cair, que pega no telemóvel, e a mesma começa aos gritos e só depois é que ele lhe entrega o telemóvel. XVI. A Testemunha E… corrobora tal situação, afirmando no seu depoimento que entrou um Senhor na Pastelaria a pedir para se chamar a polícia que estava um senhor a bater numa senhora. A Testemunha foi a correr ver o que se estava a passar e só entretanto é que o Arguido entrega o telemóvel. Sendo isto um ato contínuo muito rápido. XVII. Quanto à Determinação da Medida da Pena, a Juiz referiu, que mesmo considerando que o arguido só efetua uma viagem de 4 em 4 meses, o seu vencimento diário é de cerca de €1.166,00. XVIII. O Arguido diz que ganha à hora entre os 4.000,00€ e os 5.000,00€ à hora, trabalhando no mínimo 35 horas a 40 horas, por semana, que dá um total de 150.000€ por semana, tendo afirmado ainda que a ultima vez que trabalhou foi em Dezembro. XIX. Pelo que, o arguido não realiza um voo de 5 em 5 meses, mas sim que o ultimo voo que realizou foi em Dezembro, sendo que, o mesmo refere que “trabalho às vezes 1 semana por mês, 3 vezes por semestre”. XX. Pelo exposto, consideramos que foi corretamente dado como provado que o arguido faz cerca de um transporte por mês. XXI. A Assistente confirmou a matéria de acusação de forma clara e convicta descreveu de forma circunstanciada e coerente as agressões de que foi vítima, as palavras que lhe foram dirigidas, estando sujeita ao dever de verdade, embora não tenha prestado juramento, tal como o Arguido. XXII. Existem bastantes incongruências no depoimento do Arguido. XXIII. De acordo com o depoimento da Assistente e da Testemunha E…, o Arguido afirmou não querer saber da policia. Depoimento da Testemunha E…: «E aos gritos e aos berros. Eu meti-me no meio deles os dois. E pedi para se acalmarem que já tinham chamado a polícia, onde o senhor disse que não queria saber da polícia para nada, que não tinha medo. XXIV. Além disso, no seu depoimento o arguido diz que toda a situação se originou porque a Assistente estaria a conduzir o carro de família, e que referiu o carro de família por diversas vezes aquando desta situação. Porém, a Assistente não o ouviu a referir nenhum carro. XXV. O Depoimento do Arguido confrontado com o da sua irmã G…, e com o depoimento do Senhor H…, não é credível. XXVI. O testemunho da irmã do Arguido, G… confirma que a Assistente, naquele dia a tinha ajudado bastante a fazer as mudanças da casa do seu ex-namorado, e que como precisava de outra pessoa para lhe levar o carro que tinha na garagem, que era o tal carro de família, não se importou que a Assistente o levasse. Confirmou ainda que a Ofendida/Assistente lhe tinha mandado uma mensagem quando a mesma estava na Policia. Sendo que, acabou por esclarecer que, o que segundo a mesma “até nem era grande assunto” para ser falado entre os irmãos, acabou por ser falado, tendo admitido que o seu irmão, em vez de estar com uma postura de estranheza que seria normal de se esperar que o mesmo sentisse porque alguém que não era próximo da sua família estava a usar o seu carro, estava sim com uma postura de indignação perante este empréstimo do carro que é uma atitude coincidente com alguém que pratica a conduta de que o arguido foi condenado. XXVII. O Arguido refere no seu depoimento que foi abordado pela senhora da pastelaria a dizer que ele se acalmasse, e que depois foi embora. Porém, a Testemunha H…, seu amigo, afirma que não havia ninguém junto nem do Arguido nem da Assistente. Por outro lado, não é de regras de experiencia normal alguém tão próximo, tao amigo, que até chama de tia à companheira do arguido, ver o seu “tio” numa altercação de tamanha natureza e não ir ver o que se estava a passar verdadeiramente, se o Arguido precisava de alguma coisa, não tendo feito, verdadeiramente nada, nem sequer disse na Audiência de Discussão e Julgamento perante o Tribunal que porventura, estaria atrasado para algo, não se conseguindo perceber se esta testemunha estava presente na altura dos factos porque razão não foi a mesma arrolada em sede de inquérito! XXVIII. Sendo que, desta forma pode-se concluir que o depoimento do arguido não é coerente, havendo contradição entre o seu depoimento e os da Testemunha H… e da sua irmã que, em vez de confirmar o depoimento do irmão, confirma sim o da assistente. XXIX. A Assistente, tendo sido vítima de crime de Injúrias, Ameaças e Ofensa à Integridade Física Simples, está em todo o pleno direito de fazer valer esses seus mesmos direitos, entre os quais realizar o Pedido de Indemnização Civil, que fez, tendo sido o arguido condenado no pagamento desse mesmo pedido, tendo-se feito justiça face ao que a Assistente/Ofendida passou. XXX. Foi a situação com o arguido que despoletou todas as suas fobias, todos os seus medos e receios, e não a situação com o Senhor D…, tal como supra confirmado pela Assistente, pela sua mãe, J… e a sua amiga, I…. XXXI. O Tribunal a quo decidiu e bem, na nossa opinião, munido de provas mais do que suficientes da prática dos três crimes de que o arguido veio a ser condenado, já que tem além da prova testemunhal, que é a prova rainha, a prova documental, que mostra as diversas lesões no corpo da ofendida provocadas pelos apertos e encontroes praticados pelo arguido sobre a mesma, conforme consta do relatório de perícia médico-legal. XXXII. Encontram-se preenchidos todos os requisitos legais dos crimes imputados ao Arguido, tendo este sido corretamente condenado, em conformidade com o Ordenamento Jurídico Português, tendo-se feito Justiça! XXXIII. Relativamente ao crime de ameaça, nos termos do artigo 153.º do Código Penal «1 - Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias. 2 - O procedimento criminal depende de queixa.» XXXIV. O cerne deste tipo de crime é proteção da liberdade pessoal que é considerada como o interesse jurídico do individuo à imperturbada formação e atuação da sua vontade, à sua tranquila possibilidade de ir e vir, à livre disposição de si mesmo ou do seu status libertatis, nos limites traçados pela lei. XXXV. Para haver Ameaça basta que o agente provoque medo ou receio na vítima e que o meio usado seja adequado a provocar-lhe esse medo ou receio e, no caso concreto isto aconteceu. XXXVI. Estão preenchidos os requisitos do tipo legal de crime Ameaça, já que foi praticado um mal, de natureza pessoal, pois ameaçaram a assistente “Levas uma coça” e que a iam mantar. É um mal futuro, pois a coça a que o Arguido se referiu não foi a que ele praticou, mas sim uma que ele e o D… iam dar no futuro à Assistente, até porque o D… não estava naquele momento com os dois, pelo que só podia ser concretizada no futuro. E está igualmente preenchido o requisito de depender da vontade do agente, pois foi o próprio agente que proferiu a respetiva ameaça num tom de voz elevado. XXXVII. Refere o Tribunal da Relação de Coimbra no Acórdão de 7-03-2012 «Após a revisão do C. Penal de 1995, passou a ser claro que no crime de ameaça não se exige que, em concreto, o agente tenha provocado medo ou inquietação, isto é, que tenha ficado afetada a liberdade de determinação do ameaçado, bastando que a ameaça seja suscetível de a afetar. O crime de ameaça deixou, pois, de ser um crime de resultado e de dano. A ameaça «adequada» é aquela que, de acordo com a experiência comum, é suscetível de ser tomada a sério pelo ameaçado, independentemente do seu destinatário ficar, ou não, intimidado.» XXXVIII. Do mesmo modo dispõe o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 23-03-2015: «I. Após a revisão do Cód. Penal de 1995, o crime de ameaça não exige que, em concreto, o agente tenha provocado medo ou inquietação, isto é, que tenha ficado afetada a liberdade de determinação do ameaçado, bastando que a ameaça seja suscetível de a afetar. II. O crime de ameaça deixou de ser um crime de resultado e de dano.» XXXIX. Segundo Américo Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, págs. 340 a 348, no crime de ameaça, o que está em causa é um ataque ou afetação ilícita da liberdade individual, em que o bem jurídico protegido é a liberdade de decisão e de ação, concluindo que o crime de ameaça é um crime de mera ação e de perigo, de perigo concreto, exigindo apenas que a ameaça seja suscetível de afetar ou de lesar a paz individual ou a liberdade de determinação, não sendo necessário que, em concreto, se tenha provocado medo ou inquietação, isto é, que tenha ficado afetada a liberdade de determinação do ameaçado, deixando de ser um crime de resultado e de dano, passando a crime de ação e de perigo. XL. Além do mais, a expressão «Levas uma coça» foi dita a uma adulta e com a intenção com que a Assistente interpretou, pois, de outro modo, não andaria o Arguido, a mandar mensagens à Assistente, e não a uma criança, variando a perceção da realidade conforme se diga uma coisa a uma criança ou a um adulto. Uma criança associa essa expressão a levar palmadas. Porém, o adulto já não interpreta do mesmo modo, principalmente a Assistente que já desde 2015 que é ameaçada através de mensagens inclusive, tendo esta associado tal expressão à violação da sua integridade física. Até porque, a mesma só tinha estado 2 vezes com o arguido, não o conhecendo e não sabendo o que ele realmente queria dizer com tal expressão, não esquecendo que a forma e o tom com que o Arguido se dirigiu é de fácil interpretação como meio de intimidação de outra pessoa. XLI. Portanto, concordamos com a interpretação do Tribunal de que a expressão supra referenciada é apta a causar intimidação à Assistente, preenchendo todos os requisitos do tipo legal do crime de Ameaça, previsto e punido pelo artigo 153.º do Código Penal, objetiva e subjetivamente, pelo que o Arguido foi corretamente condenado. XLII. A decisão de condenação do Arguido foi corretamente formulada e decidida, pois cumpriu todos os requisitos legais exigidos, nomeadamente o artigo70.º do Código Penal «Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição». XLIII. Estando os requisitos do artigo 71.º do Código Penal estão igualmente preenchidos, visto que a determinação da pena achou-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção geral e especial, já que os antecedentes criminais, agiu sempre de forma livre, voluntária, sendo a ilicitude acentuada, tendo em conta a duração da conduta e a preteição da situação de agressão física e moral. E, sabia inclusive que as suas condutas supra descritas eram proibidas e criminalmente punidas. Agiu com culpa, com dolo ao ofender a integridade física da ofendida, ao ameaça-la e injuria la. XLIV. Além do mais, o Arguido manifestou sentimentos de indignação próprios de quem pratica o tipo de crime de que vinha acusado e de que foi condenado. XLV. O Arguido tem condições económicas e pessoais acima da média comparativamente com a generalidade da população portuguesa. XLVI. A Assistente sofreu perturbação na sua vida do dia-a-dia, sofrendo vergonha, medo, bem como perturbações no sono. XLVII. O crime de Ameaça cometido pelo arguido é punido, em abstrato, com uma pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, tendo o tribunal condenado na pena de multa de 50 dias ao quantitativo diário de €300,00, num total de €15.000,00, nos termos do artigo 153.º n.º 1 do Código Penal, cumprindo assim todos os requisitos legais, tendo cumprindo do mesmo modo relativamente ao crime de Ofensas à Integridade Física Simples cometido pelo arguido é punido, em abstrato, com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa., tendo o tribunal condenado na pena de multa de 90 dias ao quantitativo diário de €300,00, num total de €27.000,00, nos termos do artigo 143.º n.º 1 do Código Penal e crime de Injúria cometido pelo arguido é punido, em abstrato, com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias., tendo o tribunal condenado na pena de multa de 60 dias ao quantitativo diário de €300,00, num total de €18.000,00, nos termos do artigo 181.º n.º 1 do Código Penal. XLVIII. Deste modo, podemos concluir que o Tribunal calculou corretamente o quantitativo diário e a Indemnização Civil aplicada, pois o arguido trabalha, como disse, pelo menos uma vez por mês, ganhando, pelo menos, €150.000,00. E mesmo tendo bastantes gastos, e pressupondo que não tem um rendimento diário (considerando que já foram deduzidas as despesas) de mais de mil euros, nada impede o pagamento da pena multa e da Indemnização Civil a que foi condenado, já que, caso se considere que ganha €1.000,00 por dia, ganha cerca €30.000,00 por mês. E além do mais, este goza de uma situação económica estável e desafogada, pois não tem gastos com rendas, já que vive em casa própria, reside com a companheira, e apesar de ter 3 filhos só paga pensão de alimentos a 1 deles, não se pondo em causa a subsistência do arguido. XLIX. O Pedido de Indemnização Civil foi corretamente julgado procedente. L. Nos termos do artigo 129.º do Código Penal, a Indemnização é regulada pela lei civil, nos termos dos artigos 483.º, 496.º, 562.º e 566.º, sendo que, nos presente autos, houve violação de direitos de personalidade da Assistente, através da pratica de um facto pelo agente, na medida em que proferiu ameaças- “Levas uma coça”-, injúrias- “És uma ressabiada”- e ofendeu a Integridade Física da Assistente” através de empurrões, tendo praticado deste modo atos ilícitos previstos na lei e punidos nos termos dos artigos 143.º, 153.º, 181.º do Código Penal. Também esta preenchido o requisito da culpa, pois praticou aqueles atos com dolo, visto que pretendia praticar o facto e acabou por praticá-lo. Como consequência, surgiu um dano, comprovada pela prova documental e testemunhal. Está também preenchido o requisito do nexo de causalidade, pois se não fossem os atos praticados pelo agente (arguido) não teria a Assistente tais lesões nem as consequências supra expostas. LI. Estão, deste modo, preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil de acordo com o artigo 483.º do Código Civil, nomeadamente: prática de um facto, ilicitude, culpa; dano; e nexo de causalidade entre o facto e o dano, e os requisitos para condenação do arguido ao pagamento do Pedido de Indemnização Civil. LII. Além do mais, o Arguido aufere por dia mais de mil euros, sendo que nada olvida ao pagamento da Indemnização Civil a que foi condenado, já que o Arguido vive com uma situação económica estável, ganhando pelo menos €1.000,00 por dia, que dá para ele viver a sua vida de forma condigna, não tem grandes despesas, na medida em que vive em casa própria, reside com a sua companheira e paga pensão de alimentos a 1 filho. LIII. A assistente sofreu lesões, sentiu medo, vergonha, tem receio de dormir sozinha, mesmo não dormindo sozinha dorme mal, teve de mudar as suas rotinas e toma anti depressivos. LIV. Nos termos do artigo 496.º do Código Civil «Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito». E nos termos do n.º 3 do artigo 496.º, o montante da indemnização tem de ser fixado equitativamente. LV. Sendo que se deve ter sempre em conta o referido no artigo 494.º do Código Civil que são: culpa do agente, situação económica do mesmo e do lesado e respetivas circunstâncias, entre as quais a gravidade da lesão. E neste caso, não há dúvidas de que a ofendida sofreu lesões graves, que o Arguido praticou o ato com culpa, as suas condições pessoais e económicas são bastante elevadas, acima da média da população portuguesa, daí que o Tribunal tenha julgado procedente o Pedido de Indemnização Civil. LVI. Concordamos plenamente com a decisão de condenação do Arguido no pagamento da quantia de 6.500,00€ de Pedido de Indemnização Civil, pois foi julgada procedente a condenação do Arguido dos três crimes de que o Arguido vinha acusado. LVII. O Tribunal decidiu também com base no principio da livre apreciação da prova que é absolutamente admissível, desde que não contrarie as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científico, que não contrariou. LVIII. Quando o julgador de Primeira Instância considera credível uma fonte de prova assente na imediação e oralidade, o Tribunal de recurso só não a poderá valorar se demonstrar que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”. LIX. O julgador é livre ao apreciar as provas. LX. Entende o Arguido que o tribunal deu demasiada valoração ao depoimento da Assistente, em detrimento do depoimento do mesmo, para provar os factos, sendo exatamente o contrário, pois, LXI. De acordo com o acórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo n.º 975/14.2PBAVR.P1DE 11/05/2016, «relativamente à credibilidade dos depoimentos e declarações prestadas por assistente e arguido, o tribunal ponderou de forma livremente a sua convicção, em Audiência de Discussão e Julgamento, sob os princípios da oralidade, imediação, e contraditório. Se essas condições acredita no depoimento da assistente e desvaloriza as declarações do arguido e fundamenta tal convicção, a mesma é valida, desde que possível e plausível, de acordo com as regras da experiência comum.». LXII. Não tendo o tribunal duvidas sobre os crimes praticados, acreditando no depoimento da assistente, não se mostra violado o princípio do in dubio pro reo, pois o Tribunal formou uma convicção positiva válida. LXIII. O principio in dubio pro reo segundo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.º 518/08.7PLLSB.L1-5 de 14/12/2010: «só vale para dúvidas insanáveis sobre a verificação ou não de factos (objetivos ou subjetivos) relevantes, quer para a determinação da responsabilidade do arguido, quer para a graduação da sua culpa. A circunstância de o tribunal ter optado por como meio de prova credível, fundamental na formação da sua convicção, o depoimento do ofendido não é de censurar já que a fundamentação da sentença recorrida enuncia os elementos que constituem o núcleo essencial da sua imposição e aceitabilidade face aos seus destinatários diretos (os sujeitos processuais) e perante a comunidade, permitindo alcançar que ela não é fruto do arbítrio do julgador, de uma sua qualquer tendenciosa inclinação, mas sim de um processo sério assente em juízos de racionalidade, de lógica e de experiência sobre o material probatório de que o tribunal pôde dispor, cumprindo, pois, a sua missão.» LXIV. O Arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. LXV. Ao proferir expressões constantes dos autos arguido ofendeu de forma grave a Assistente, atingindo-a na honra e consideração que lhe são devidas, humilhando-a e envergonhando-a à frente de diversas pessoas, diminuindo a no bom nome e reputação de que goza nos meios onde vive. Como consequência necessária, adequada e direta das expressões proferidas a mesma ficou muito desgostosa, triste, humilhada, e perturbada, o que se refletiu no seu ambiente familiar. LXVI. Esta atitude do arguido causou à assistente um forte abalo psíquico, sobretudo pela vergonha, perturbação e medo, desgosto, e tristeza por que passou e tem passado. LXVII. Com a atitude do arguido de ofender a sua integridade física, ameaçar e injuriar como sua consequência necessária, adequada e direta, a assistente sentiu medo, ao que acresce que, pelas circunstâncias de lugar e modo em que foram praticadas, em lugar público, em voz alta e na presença de várias pessoas, a Assistente sentiu vergonha, tendo a situação ocorrido perto de sua casa. LXVIII. A sentença aqui em crise não infirma de nenhuma ilegalidade, está devidamente fundamenta e foi tomada com base em provas sólidas e credíveis de que o arguido praticou os três crimes contra a Assistente pelo qual vinha o mesmo acusado e pelos quais foi condenado, não nos merecendo a mesma qualquer censura, devendo a mesma ser mantida nos seus precisos termos. Termina dizendo que deve ser negado provimento ao recurso apresentado pelo recorrente B…, por manifestamente improcedente, mantendo-se a decisão condenatória proferida relativamente ao arguido B…, pelo Tribunal a quo. O MºPº na 1ª instância apresentou resposta pronunciando-se pela improcedência do recurso, formulando as seguintes conclusões: 1. O presente recurso reflete uma mera discordância do recorrente relativamente à valoração que o Tribunal fez da prova submetida à sua apreciação, contestando a convicção da Mmª. Juiz a quo com a sua própria versão dos factos, desconsiderando que uma decisão judicial resulta da convicção do julgador e não das partes, como claramente resulta do artigo 127.º do Código de Processo Penal. 2. Não merecendo qualquer censura o decidido quanto à matéria de facto consignada como provada, resulta cristalino que, face aos elementos fornecidos pela imediação e a oralidade os determinantes para a avaliação da prova, a decisão tomada pela Mmª. Juiz a quo se mostra fundada na sua livre convicção pelo que, sendo uma das soluções possíveis face às regras da experiência comum e estando suportada por prova testemunhal, não deve ser alterada pelo Tribunal de recurso, devendo, pois, manter-se a decisão quanto à matéria de facto nos exatos termos em que consta da sentença recorrida. 3. O princípio do in dubio pro reo (enquanto correlato processual do princípio da presunção da inocência do arguido, consagrado no artigo 32, nº 2, da Constituição da República Portuguesa) só será desrespeitado quando o Tribunal, colocado em situação de dúvida irremovível na apreciação das provas, decidir, em tal situação, contra o arguido – o que não sucedeu no caso em apreço, pois a motivação de facto evidencia que a Mmª. Juiz obteve convicção plena, porque subtraída a qualquer dúvida razoável, sobre a verificação dos factos imputados à arguida e que motivaram a sua condenação. 4. A factualidade consignada como provada preenche os elementos típicos (objetivos e subjetivos) dos crimes pelos quais o arguido foi condenado, mormente o crime de ameaça. 5. As concretas penas (parcelares e única) de multa aplicadas ao arguido mostram-se, dentro das respetivas molduras abstratas, justas e criteriosas, dando expressão acertada às exigências de prevenção, especial e geral, que no caso se faziam sentir e resulta de uma criteriosa aplicação, pelo tribunal a quo, dos critérios gerais de determinação da medida das penas (cfr. artigos 71.º, n.º 1 e 40.º, nºs 1 e 2 do Código Penal). 6. Não se mostram, pois, violados, por qualquer forma, quaisquer preceitos legais ou princípios, designadamente os referidos pelo recorrente. O Sr. Procurador-Geral-Adjunto, neste Tribunal, emitiu parecer, no qual adere à essência das respostas ao da assistente e do Ministério Público na 1ª instância, exceto no que diz respeito ao crime de ameaça, referindo: na medida em que, em face da matéria de facto dada como provada (o recorrente, no decurso da provada agressão na pessoa da assistente, entre frases injuriosas proferiu a frase “levas uma coça”), forçoso é concluir não se mostrarem provados os elementos objetivos e subjetivos do imputado crime de ameaça como o prevê o art.º 153° n° 1 do Código Penal, não se podendo concluir que o Arguido, ainda que estivesse no momento em que proferiu a dita frase a agredir a assistente, se referisse a promessa de inflição de um mal futuro e não à concretização efetiva, em termos de intensidade, da agressão em curso. Sendo assim de considerar que a matéria de facto provada nesse específico é insuficiente para a decisão de condenação pela prática do aludido crime de ameaça. Não sendo de ignorar o que na motivação da sentença consta, na análise crítica da prova mormente das declarações da ofendida/assistente em que se refere “que a ofendida entende que este episódio é apenas mais um, de uma série de outros, que incluem o envio de mensagens ameaçadoras e injuriosas e a danificação de bens ...” (fls. 376), a verdade é que tais factos não estavam a ser julgados, não tendo consequentemente sido integrados na matéria de facto provada, concluindo-se assim que não podem servir para fundamentar a condenação pelo crime de ameaça. O recorrente deve ser absolvido da prática do imputado crime, com a subsequente reforma do cúmulo jurídico das penas, expurgado da pena parcelar cominada por tal crime. Quanto ao mais deve a sentença recorrida ser confirmada. Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, tendo a assistente apresentado requerimento reafirmando que a sentença recorrida deve ser mantida. Procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir. * A) O recorrente manifesta discordância com a matéria de facto, dizendo em síntese:FUNDAMENTAÇÃO I) por um lado, que foram incorretamente dados como provados os seguintes factos: i) o arguido proferiu a seguinte expressão (dirigida à assistente): “és uma infeliz de merda”; ii) o arguido devolveu o telemóvel à assistente no momento em que gritou por socorro; iii) a assistente recebeu tratamento hospitalar (tendo apenas sido observada na Medicina Legal); iv) o arguido faz cerca de um transporte por mês enquanto piloto freelancer; II) por outro lado, que não é percetível porque foi dada maior credibilidade às declarações da assistente em relação às declarações do arguido, e em face da prova produzida o tribunal a quo teria forçosamente de ter concluído pela dúvida sobre a forma como os factos aconteceram e sobre as palavras/expressões efetivamente ditas pelo arguido e decidir favoravelmente ao arguido. B) Manifesta o recorrente também discordância com a matéria de direito, dizendo em resumo: I) mesmo à luz dos factos dados como provados não se configura a prática do crime de ameaça, pois que não estamos perante um mal (ameaçado) futuro (mas iminente), e falta o elemento volitivo (a vontade do agente). II) a admitir-se que houve prova suficiente para condenar o arguido pelos crimes de ofensa à integridade física simples e de injúria, são excessivos os dias de multa e o quantitativo diário da pena de multa. III) o valor da indemnização arbitrado é absolutamente excessivo e violador dos princípios da igualdade e da equidade. Conforme têm considerado a doutrina e a jurisprudência, a qual seguimos, à luz do disposto no art.º 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões que o recorrente extraiu da sua motivação, em que resume as razões do pedido, sem prejuízo, naturalmente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso. Assim, aquilo que importa apreciar e decidir é saber se: - a matéria de facto deve ser alterada nos termos que o arguido defende? - a factualidade provada não integra o tipo legal do crime de ameaça? - as penas aplicadas são excessivas? - o valor da indemnização fixado é excessivo? Na sentença objeto de recurso foram considerados os seguintes FACTOS PROVADOS: - No dia 25 de Fevereiro de 2016, pelas 19h15m, na Rua …, em frente à pastelaria “K…”, em F…, quando C… se encontrava a sair da viatura que conduzia, o arguido dirigiu-se a ela e agarrou-a, impedindo-a de prosseguir, e de forma exaltada disse-lhe, entre outras afirmações: “És uma infeliz de merda e uma ressabiada, não tens onde cair morta que até no carro da irmã andava!” e “Levas uma coça”.- Percebendo que a ofendida se preparava para chamar auxílio, o arguido empurrou-a contra a mesma viatura e apertou-lhe o braço direito com força, retirando-lhe o telemóvel da mão e guardando-o. - Perante estas as atitudes do arguido, a ofendida com receio e temendo pela sua integridade física gritou por socorro. Nesse momento o arguido devolveu-lhe o telemóvel. - Em consequência direta do comportamento do arguido, C… recebeu tratamento hospitalar e sofreu dores no dorso, a nível da região interescapular do tórax, e edema no braço direito com escoriação, com 0,4 cm de comprimento, na região deltóide direita que lhe determinaram três dias de doença, sendo um com afetação da capacidade de trabalho. - O arguido agiu com o propósito de provocar receio à ofendia e de a fazer temer pela sua integridade física, bem sabendo que as expressões por si usadas eram adequadas a condicionar a liberdade e as decisões da ofendida. - Ao empurrar a ofendida e ao apertar-lhe o braço, o arguido atuou com o propósito concretizado de a molestar fisicamente, com consciência que destas condutas advinham lesões para o corpo e para a saúde da ofendida. - Agiu sempre de forma livre e deliberada, bem sabendo que as suas condutas supra descritas eram proibidas e criminalmente punidas. - O arguido foi condenado: - no âmbito do processo 31/07.0PACSC do 4º Juízo Criminal de Cascais na pena de cúmulo de 280 dias de multa pela prática de um crime de burla simples, um crime de falsificação de documento e um crime de furto simples, remontando os factos a 2006 a decisão a 07/07/2011 e o trânsito a 06/03/2012; - no âmbito do processo 423/10.7TAALQ do Tribunal Judicial de Alenquer, na pena de 4 (quatro) meses de prisão, suspensa por um ano, sujeita a deveres pela prática de um crime de violação da obrigação de alimentos, remontando os factos a 24/09/2010, a decisão a 13/02/2014 e o trânsito em julgado a 28/03/2014; - no âmbito do processo 3877/15.1JAPRT do Juízo Local Criminal de Vila Nova de Famalicão, na pena de 150 dias de multa, pela prática de um crime de burla simples, remontando os factos a 21/11/2015, a decisão a 17/05/2017 e o trânsito a 26/06/2017; - Em consequência da conduta descrita a assistente sofreu perturbação na sua vida diária, sofrendo vergonha, medo que o arguido a volta a agredir e perturbações no sono. - O arguido é piloto de aviação, freelancer, fazendo voos para diversas partes do mundo. Faz transportes de carga, estando ligado a uma empresa que trabalha para ONGs. Faz transportes de 35/40 horas, auferindo por hora €4.000,00 a €5.000,00. - Faz cerca de um transporte por mês. - Vive em casa própria. Reside com companheira e enteada. - Tem três filhos, a quem deve pagar, a cada um, €1.200,00 de pensão de alimentos Só tem pago essa pensão a um deles. Nos factos NÃO PROVADOS, consta: (que) o arguido tenha pronunciado as palavras “Agora vamos esclarecer umas coisas.”; “Não sabes o que é que te pode acontecer!”, “Põe-te fina!”. Na MOTIVAÇÃO da sentença foi consignado o seguinte: O tribunal fundou a sua convicção: No relatório de perícia médico-legal de fls. 10 e ss relativamente às lesões que a ofendida apresentava e que são compatíveis com as agressões descritas na acusação. No CRC de fls. 352 e ss. O arguido admitiu que no dia e local se encontrou com a ofendida. Abordou-a porque esta conduzia uma viatura que lhe pertencia a ele e à irmã, estranhando ser a ofendida a conduzi-la. Negou ter pronunciado as palavras constantes da acusação, bem como ter empurrado ou apertado os braços da ofendida. Afirmou que, a certa altura a ofendida deixou cair o telemóvel ao chão. Quando se baixou para o apanhar, a ofendida começou aos gritos a dizer que estava a ser agredida. O seu depoimento não mereceu credibilidade, pelo que a seguir se dirá: Assim: A ofendida, que depôs de forma clara e convicta, confirmou a matéria constante da acusação. Descreveu de forma circunstanciada e coerente quer as agressões de que foi vítima quer as palavras que lhe foram dirigidas, confirmando, na essência a matéria constante da acusação, com exceção de uma ou outra expressão. Resultou do seu depoimento que a ofendida entende que este episódio é apenas mais um, de uma série de outros, que incluem o envio de mensagens ameaçadoras e injuriosas e a danificação de bens. Foi o mais grave porque incluiu agressão física e que, por isso, a levou a apresentar queixa e a reagir, com medo que situações similares se repetissem, até porque o arguido fazia menção a um antigo namorado, que dizia que ia chamar e com quem a ofendida mantém mau relacionamento. Conhece vagamente o arguido por ele ser amigo de esse seu ex-namorado. O depoimento da ofendida foi confirmado pelo depoimento da testemunha E…. A mesma é funcionária no estabelecimento referido na acusação. Depôs de forma clara e convicta, relatando o por si observado. Foi alertada para o que estava a acontecer por um senhor idoso que entrou no estabelecimento, dizendo que estava uma senhora a ser agredida. Saiu, de imediato, e viu o arguido aos berros, a empurrar a ofendida contra um carro. Lembra-se de o mesmo lhe chamar ressabiada. Meteu-se no meio de ambos, dizendo para se acalmarem. O arguido largou a ofendida e, a pedido desta, entregou-lhe o telemóvel que tinha no bolso. Conhece tanto o arguido como a ofendida, por ambos serem clientes do estabelecimento, onde é funcionária. A ofendida estava muito alterada, chorando. Note-se que o arguido, admite a presença do local desta testemunha e referiu também a passagem de um senhor idoso pelo local. Face ao depoimento da assistente e da testemunha L… a credibilidade do depoimento da testemunha H… gera muitas dúvidas. De facto este depôs de foram genérica, afirmando ter presenciado os factos de passagem e afirmando ter visto uma senhora exaltada a falar com o arguido. Não se lembra de ver mais ninguém no local e não distinguiu palavras concretas. Estranhamente, embora tenha laços de proximidade com o arguido (companheiro da melhor amiga da mãe), não se aproximou do mesmo para se inteirar do que estava a acontecer. Depôs também a testemunha J…. Não assistiu a nada mas foi ter com a ofendida, depois de esta lhe ter telefonado. Esta estava chorosa, nervosa e magoada num braço. Mais disse que o comportamento da filha se alterou, passando a andar assustada e triste com ataques de pânico frequentes. Embora já existissem problemas anteriores, foi a situação de agressão que despoletou a alteração de comportamento da sua filha. Quanto às alterações de comportamento da ofendida, despoletadas pelo episódio descrito, depôs também a testemunha M…. Depôs também a testemunha G…, irmã do arguido. Confirmou as circunstâncias descritas pela ofendida quanto à razão porque tinha na sua posse a viatura a ela pertencente. Confirmou ainda que no dia referido na acusação, recebeu uma mensagem da ofendida afirmando que estava na polícia. Não presenciou os factos descritos na acusação, pelo que em tudo o mais, o seu depoimento foi irrelevante. O arguido prestou depoimento no que se refere à sua situação pessoal. ** Vejamos então as questões supra enunciadas (seguindo a numeração quando se resumiu o alegado):A)-I) importa ver se foram incorretamente dados como provados os factos indicados: Os poderes de cognição deste Tribunal da Relação abrangem matéria de facto e matéria de direito (cfr. art.º 428.º do Código Processo Penal). Em face do alegado pelo recorrente, está aqui em causa a denominada impugnação ampla da matéria de facto, ou seja, em que não está em causa o âmbito restrito de arguição dos vícios decisórios previstos no art.º 410º, nº 2, do Código Processo Penal, mas uma impugnação alargada à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, impondo-se ao recorrente o dever de especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa. Este ónus tem de ser observado para cada um dos factos impugnados, devendo ser indicadas em relação a cada facto as provas concretas que impõem decisão diversa e bem assim referido qual o sentido em que devia ter sido produzida a decisão. Mas esta impugnação da matéria de facto não se destina a um novo julgamento, constituindo apenas um remédio para os vícios do julgamento em primeira instância. Com efeito, o reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso constitui, salvo os casos de renovação da prova (art.º 430º do Código de Processo Penal), uma atividade de fiscalização e de controlo da decisão proferida sobre a matéria de facto, rigorosamente delimitada pela lei aos pontos de facto que o recorrente entende erradamente julgados e ao reexame das provas que sustentam esse entendimento, isto é, o tribunal de recurso não realiza um segundo julgamento da matéria de facto, incumbindo-lhe apenas emitir juízos de censura crítica a propósito dos pontos concretos que sejam especificados e indicados como não corretamente julgados [2] [sem prejuízo da audição da totalidade da prova para contextualização do alegado]. De notar que não basta à procedência da impugnação e, portanto, para a modificação da decisão de facto, que as provas produzidas permitam uma decisão diversa da proferida pelo tribunal, sendo necessário que as provas concretas imponham a modificação da decisão de facto, isto é, que façam prova por si, de que os factos se passaram de forma diversa da que perfilhou o tribunal a quo. Ora, o tribunal decide, salvo existência de prova vinculada, de acordo com as regras da experiência e a livre convicção, e por isso, não é suficiente para a pretendida modificação da decisão de facto que as provas especificadas pelo recorrente permitam um decisão diferente da proferida pelo tribunal, sendo imprescindível, para tal efeito, que as provas especificadas pelo recorrente imponham decisão diversa da recorrida[3]. Na verdade, dispõe o art.º 127º do Código Processo Penal, com a epígrafe «livre apreciação da prova», que, “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. Rege, pois, o princípio da livre apreciação da prova, significando este princípio, por um lado, a ausência de critérios legais predeterminantes de valor a atribuir à prova e, por outro lado, que o tribunal aprecia toda a prova produzida e examinada com base exclusivamente na livre apreciação da prova e na sua convicção pessoal. Como refere Germano Marques da Silva[4], “a livre valoração da prova não deve ser entendida como uma operação puramente subjetiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou conjeturas de difícil ou impossível objetivação, mas como uma valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objetivar a apreciação, requisito necessário para uma efetiva motivação da decisão”. i) Quanto à expressão (alegadamente dirigida pelo arguido à assistente) “és uma infeliz de merda”, ficou assente o seguinte (sublinhando-se a expressão em causa): - No dia 25 de Fevereiro de 2016, pelas 19h15m, na Rua …, em frente à pastelaria “K…”, em F…, quando C… se encontrava a sair da viatura que conduzia, o arguido dirigiu-se a ela e agarrou-a, impedindo-a de prosseguir, e de forma exaltada disse-lhe, entre outras afirmações: “És uma infeliz de merda e uma ressabiada, não tens onde cair morta que até no carro da irmã andava!” e “Levas uma coça”. Lendo a motivação conclui-se que esta factualidade resultou das declarações da assistente, a que o tribunal a quo deu credibilidade por conjugação com o depoimento da testemunha E… [a referência à testemunha L… – no 3º parágrafo da pág. 5 da sentença – é manifesto lapso, porque nenhuma das testemunhas ouvidas tem esse nome, querendo a Mmª Juiz a quo referir se claramente à testemunha E…], ou seja, o depoimento dessa testemunha deu credibilidade às declarações da assistente, não querendo isso dizer que confirmou tudo o que esta afirmou, mas se a Mmª Juiz a quo teve a perceção de estar perante declarações convincentes, e com esse depoimento confirmou-o (será esse o sentido da afirmação “foi confirmado pelo depoimento da testemunha” depois de lida toda a motivação). É o que extraímos de tudo o escrito na motivação. Ora, tendo-se procedido à audição de toda a prova produzida, não se alcançam razões para contrariar esse convencimento. Todavia, nas suas declarações a assistente não refere a expressão “és uma infeliz de merda”, mas refere a expressão “és uma infeliz” (e “és uma triste” – que não está aqui em causa), e fê-lo de forma espontânea, não tendo sido induzida ou sugestionada, limitando-se a Mmª Juiz a quo a de seguida repeti-la (possivelmente por estar a tomar nota dela). Assim, há que alterar a matéria de facto mas em conformidade com o acabado de referir, de modo que passa a constar o seguinte: - No dia 25 de Fevereiro de 2016, pelas 19h15m, na Rua …, em frente à pastelaria “K…”, em F…, quando C… se encontrava a sair da viatura que conduzia, o arguido dirigiu-se a ela e agarrou-a, impedindo-a de prosseguir, e de forma exaltada disse-lhe, entre outras afirmações: “És uma infeliz e uma ressabiada, não tens onde cair morta que até no carro da irmã andava!” e “Levas uma coça”. ii) Quanto à devolução do telemóvel, está em causa o momento dessa devolução, tendo ficado assente o seguinte (sublinhando-se o segmento em causa): - Percebendo que a ofendida se preparava para chamar auxílio, o arguido empurrou-a contra a mesma viatura e apertou-lhe o braço direito com força, retirando-lhe o telemóvel da mão e guardando-o. - Perante estas as atitudes do arguido, a ofendida com receio e temendo pela sua integridade física gritou por socorro. Nesse momento o arguido devolveu-lhe o telemóvel. e dizendo o arguido, em recurso, que o telemóvel foi entregue à assistente no final da situação. Ouvida a prova, conjugando as declarações do arguido, declarações da assistente e depoimento da referida testemunha (E…), fica claro que o arguido teve na sua posse o telemóvel da assistente (o próprio o refere), mas relativamente à sua devolução decorre que foi momentos antes de o arguido se retirar. Deste modo, há que alterar a matéria de facto em conformidade, sendo eliminada a frase Nesse momento o arguido devolveu-lhe o telemóvel do parágrafo transcrito, e sendo intercalado um parágrafo entre os 3º e 4º parágrafos com o seguinte teor: - Antes de se retirar do local o arguido devolveu o telemóvel à assistente. iii) Quanto ao receber tratamento hospitalar, ficou provado o seguinte (sublinhando-se o segmento em causa): - Em consequência direta do comportamento do arguido C… recebeu tratamento hospitalar e sofreu dores no dorso, a nível da região interescapular do tórax, e edema no braço direito com escoriação, com 0,4 cm de comprimento, na região deltóide direita que lhe determinaram três dias de doença, sendo um com afetação da capacidade de trabalho. Ora, não consta do processo ficha clínica que ateste o tratamento hospitalar, havendo sim relatório de perícia médico legal. E da audição da prova resulta claro que a assistente não o teve, tendo sim no dia seguinte (ao dia 25.02.2016) ido ao Gabinete Médico Legal F… (GML) cujas instalações, percebe-se, ficam junto do Hospital F…. Com efeito, a própria assistente refere que não foi ao hospital, tendo ido à polícia e no dia seguinte foi à Medicina Legal, e a sua mãe (testemunha J…) refere a ida com a filha no seguinte ao hospital, mas percebe-se que está a referir deslocação às instalações do Hospital F… (talvez sem ter a perceção que nessas instalações funciona o GML). Assim, impõe-se alterar a matéria de facto quanto a este aspeto, de modo que passa a constar o seguinte: - Em consequência direta do comportamento do arguido C… sofreu dores no dorso, a nível da região interescapular do tórax, e edema no braço direito com escoriação, com 0,4 cm de comprimento, na região deltóide direita que lhe determinaram três dias de doença, sendo um com afetação da capacidade de trabalho, tendo sido avaliada no Gabinete Médico Legal F… como consta do relatório junto ao processo cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. iv) Quanto ao rendimento do arguido ficou assente o seguinte. - O arguido é piloto de aviação, freelancer, fazendo voos para diversas partes do mundo. Faz transportes de carga, estando ligado a uma empresa que trabalha para ONGs. Faz transportes de 35/40 horas, auferindo por hora €4.000,00 a €5.000,00. - Faz cerca de um transporte por mês. A convicção do tribunal foi, quanto a este aspeto, suportado apenas nas declarações do arguido. Sustenta em recurso o arguido que não disse que fizesse um voo por mês, mas que tem realizado um a cada 5 meses, e que os valores são ilíquidos. Ora, ouvidas as declarações do arguido (no final da audiência), o mesmo refere que desde que prestou TIR tem feito menos transportes/voos [referindo que teria que se justificar à empresa, embora na verdade a “justificação” seria perante o Tribunal e não perante a empresa], dizendo que o último que fez foi em Dezembro passado (sensivelmente cinco meses antes de quando teve lugar o julgamento). No entanto, também referiu que por vezes trabalhava uma semana (que corresponde ao voo de 35/40 horas) por mês, ou três vezes por semestre, dependendo dos sítios para onde é realizado o transporte/voo. Assim, não é razoável dizer que faz um voo em cada 5 meses, sendo razoável, para ponderar uma média, assentar os 3 transportes/voos por semestre. Quanto aos valores serem ilíquidos, tal não foi esclarecido, pelo que não há que o assentar (sem prejuízo de, na dúvida, quando se atender ao valor auferido se considere ser um valor ilíquido). Deste modo, impõe-se alterar a matéria de facto quanto a este aspeto, de modo que passa a constar o seguinte: - Faz uma média de 3 transportes/voos em cada semestre. A)-II) Sustenta o arguido que o tribunal a quo “valoriza, de forma quase exclusiva para a maior parte dos factos, as declarações da assistente”, na sua perspetiva mal, e que “em face da prova produzida e carreada para os autos, teria [o tribunal a quo] forçosamente de ter concluído pela dúvida. Aqui o recorrente não especifica concretos pontos de facto de que discorde, não estando em causa a acima referida impugnação ampla da matéria de facto, estando em causa a motivação, ou a insuficiência da mesma (o terem sido atendidas as declarações da assistente em detrimento das declarações do arguido), e mais especificamente estando em causa saber se houve violação do princípio in dubio pro reo porque o que o tribunal a quo, transcreve-se o alegado, “não faz é explicar de que forma o depoimento da assistente foi de tal forma sério e convincente que levou a considerar que as declarações do arguido, em conjugação com as regras da experiência comum e todas as demais provas constantes dos autos, tiveram mais peso na decisão que foi tomada”. Isto é, está posta em causa a observação das regras que disciplinam a formação da livre convicção do tribunal, nomeadamente o grau de convicção imposto para a decisão, alegando o recorrente a violação do princípio in dubio pro reo (a decisão recorrida não ficou em estado de dúvida, mas o recorrente entende que deveria ter ficado). Como se sabe, o princípio in dubio pro reo, sendo corolário da garantia constitucional da presunção de inocência (art.º 32.º, n.º 2, CRP), constitui princípio probatório, dirigido à apreciação dos factos objeto de um processo penal e impõe que, em caso de dúvida razoável e insanável sobre os factos imputados ao arguido, o tribunal deve decidir a favor deste. Portanto, a aplicação do princípio in dubio pro reo tem lugar somente quando se verifique a existência de dúvida razoável e insanável quanto à verificação de certa factualidade. O princípio de inocência in dubio pro reo, deve estar sempre presente na mente do julgador, mas por outro lado deve conjugar-se com a observância do princípio da livre apreciação da prova, cabendo ao julgador fazer uma apreciação crítica da conjugação dos vários elementos probatórios, valorando e credibilizando uns em detrimento de outros. A apreciação pelo Tribunal da Relação da eventual violação do princípio in dubio pro reo encontra-se dependente de critério idêntico ao que se aplica ao conhecimento dos vícios da matéria de facto, designadamente erro notório na apreciação da prova, isto é, deve ser da análise da decisão que se deve concluir pela violação deste princípio, seguindo o processo decisório, evidenciado pela análise da motivação da convicção, se se chegar à conclusão que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido [5]. No caso concreto, lendo a motivação afigura-se-nos estar explicado, como já se referiu, porque foi dada credibilidade às declarações da assistente, em detrimento de outras, pois as suas declarações tiveram pontos de contacto em pontos relevantes com o depoimento da testemunha E… (“foi confirmado” refere-se na sentença). E ouvida toda a prova produzida, incluindo as declarações da assistente na íntegra, não se nos afigura que haja censura a fazer (não decorrendo qualquer dúvida insanável sobre a matéria de facto provada). Sobre o sucedido em concreto, com relevância apenas falaram arguido, assistente e a testemunha E… (a testemunha H… assistiu de longe a parte do sucedido, sem conseguir, face à distância, ouvir algo, não sendo um contributo relevante). Quanto às declarações da assistente, se é certo que várias vezes referiu, ou tentou referir, factos que não constituem objeto deste processo (que constituíram ou constituem objeto de outro processo) e fez várias vezes referências a um seu ex namorado, tal não interferiu com a clarificação do sucedido naquele dia. E, na verdade, a testemunha E… confirmou uma parte relevante das declarações da assistente, dando-lhe credibilidade, sendo de destacar que referiu expressamente que quando chegou o Sr. estava com as mãos na Sra. e a empurrar contra o carro, e que ouviu o Sr. chamá-la de “ressabiada”. É certo que não ficou esclarecido porque aconteceu aquilo que ficou assente, mas não há dúvidas de que sucedeu. Em face do exposto, concluímos que não foi violado o invocado princípio probatório. Sistematizando, de acordo com o que se decidiu supra, a FACTUALIDADE a considerar ASSENTE passa a ser a seguinte: - No dia 25 de Fevereiro de 2016, pelas 19h15m, na Rua …, em frente à pastelaria “K…”, em F…, quando C… se encontrava a sair da viatura que conduzia, o arguido dirigiu-se a ela e agarrou-a, impedindo-a de prosseguir, e de forma exaltada disse-lhe, entre outras afirmações: “És uma infeliz e uma ressabiada, não tens onde cair morta que até no carro da irmã andava!” e “Levas uma coça”. - Percebendo que a ofendida se preparava para chamar auxílio, o arguido empurrou-a contra a mesma viatura e apertou-lhe o braço direito com força, retirando-lhe o telemóvel da mão e guardando-o. - Perante estas as atitudes do arguido, a ofendida com receio e temendo pela sua integridade física gritou por socorro. - Antes de se retirar do local o arguido devolveu o telemóvel à assistente. - Em consequência direta do comportamento do arguido C… sofreu dores no dorso, a nível da região interescapular do tórax, e edema no braço direito com escoriação, com 0,4 cm de comprimento, na região deltóide direita que lhe determinaram três dias de doença, sendo um com afetação da capacidade de trabalho, tendo sido avaliada no Gabinete Médico Legal F… como consta do relatório junto ao processo cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. - O arguido agiu com o propósito de provocar receio à ofendia e de a fazer temer pela sua integridade física, bem sabendo que as expressões por si usadas eram adequadas a condicionar a liberdade e as decisões da ofendida. - Ao empurrar a ofendida e ao apertar-lhe o braço, o arguido atuou com o propósito concretizado de a molestar fisicamente, com consciência que destas condutas advinham lesões para o corpo e para a saúde da ofendida. - Agiu sempre de forma livre e deliberada, bem sabendo que as suas condutas supra descritas eram proibidas e criminalmente punidas. - O arguido foi condenado: - no âmbito do processo 31/07.0PACSC do 4º Juízo Criminal de Cascais na pena de cúmulo de 280 dias de multa pela prática de um crime de burla simples, um crime de falsificação de documento e um crime de furto simples, remontando os factos a 2006 a decisão a 07/07/2011 e o trânsito a 06/03/2012; - no âmbito do processo 423/10.7TAALQ do Tribunal Judicial de Alenquer, na pena de 4 (quatro) meses de prisão, suspensa por um ano, sujeita a deveres pela prática de um crime de violação da obrigação de alimentos, remontando os factos a 24/09/2010, a decisão a 13/02/2014 e o trânsito em julgado a 28/03/2014; - no âmbito do processo 3877/15.1JAPRT do Juízo Local Criminal de Vila Nova de Famalicão, na pena de 150 dias de multa, pela prática de um crime de burla simples, remontando os factos a 21/11/2015, a decisão a 17/05/2017 e o trânsito a 26/06/2017; - Em consequência da conduta descrita a assistente sofreu perturbação na sua vida diária, sofrendo vergonha, medo que o arguido a volta a agredir e perturbações no sono. - O arguido é piloto de aviação, freelancer, fazendo voos para diversas partes do mundo. Faz transportes de carga, estando ligado a uma empresa que trabalha para ONGs. Faz transportes de 35/40 horas, auferindo por hora €4.000,00 a €5.000,00. - Faz uma média de 3 transportes/voos em cada semestre. - Vive em casa própria. Reside com companheira e enteada. - Tem três filhos, a quem deve pagar, a cada um, €1.200,00 de pensão de alimentos Só tem pago essa pensão a um deles. B)-I) Do crime de ameaça: Sustenta o arguido que a factualidade assente não permite configurar a prática do crime de ameaça, pois que não estamos perante um mal (ameaçado) futuro (mas iminente), e falta o elemento volitivo (a vontade do agente).Prevê o art.º 153º do Código Penal que quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias. São, assim, elementos do crime de ameaça, o anúncio de que o agente pretende infligir a outrem um mal futuro, dependente da sua vontade e que constitua crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor e que esse anúncio seja adequado a provocar na pessoa a quem se dirige medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação. Como se refere no Ac. deste TRP de 09.07.2014[6], a ameaça há de consistir numa mensagem a um destinatário com significado da prática futura de um mal a este ou a um terceiro. Para se saber se estamos perante o anúncio de um “mal futuro” que se projeta na liberdade de ação e de decisão futura (visando, portanto, o agente limitar ou coartar a liberdade pessoal do visado) ou antes diante de um “mal iminente” que pode considerar-se já um ato de execução de um dos crimes do catálogo legal, é fundamental a contextualização da situação. Afirmações como «limpo-te o sebo», «é hoje que te vou matar», «enfio-te um tiro nos cornos», «vou-te acabar com a vida filho da puta» ou outras do mesmo jaez tanto podem ser entendidas como anúncio de mal futuro como a manifestação de violência que está prestes a concretizar-se. Depende do contexto, do circunstancialismo em que as afirmações são proferidas. Ou como se escreveu no Ac. do TRC de 06.05.2015[7], importa, para aferir se estamos perante ameaça de mal futuro, ver se a expressão que anuncia o mal é ou não seguida de qualquer ação configuradora de execução imediata ou iminente do mal ameaçado, se há ou não prática de qualquer ato de execução no momento do crime anunciado[8]. De salientar que esta aferição não se pode cingir a uma análise literal da expressão que configure ameaça, mas será uma análise da conduta na sua globalidade, todo o contexto em que expressão é proferida. No caso em apreço, o mal anunciado pelo arguido com as palavras “levas uma coça”, foi num contexto em que o arguido empurrou a assistente contra a viatura e lhe apertou o braço direito com força. Ainda que esta “coça” (a expressão “levas uma coça”, como é do conhecimento geral, tem o significado de “levas uma sova”, encarando a o homem comum como uma ameaça séria) tenha acontecido quando o arguido percebeu que a ofendida se preparava para chamar auxílio, não sendo um ato contínuo ao proferir a expressão, afigura-se-nos que ainda assim, porque já a tinha agarrado quando profere a expressão, se pode dizer que aquele mal seria infligido naquele exato momento e não no futuro, ainda que próximo. Deste modo, não se pode dizer que o arguido tenha incorrido na prática do crime de ameaça, impondo-se a absolvição no que diz respeito à prática do mesmo. B)-II) Da concreta pena de multa: Concluindo pela absolvição da prática do crime de ameaça, impõe-se por consequência a reformulação do cúmulo jurídico efetuado.No entanto, argumenta o arguido que são excessivos os dias de multa e o quantitativo diário da pena de multa, pelo que há que ver das penas concretas aplicadas pela prática dos crimes de injúria e ofensa à integridade física simples, já que face ao decidido supra não há dúvidas de que o arguido incorreu na prática dos mesmos, não sendo a alteração da matéria de facto operada (de a expressão “és uma infeliz de merda” passar a “és uma infeliz”, mantendo-se “…e uma ressabiada, não tens onde cair morta que até no carro da irmã andava”) que leva a alterar a conclusão de se ter verificado a prática de um crime de injúria, pois as expressões proferidas atingiram, como se refere na sentença de recorrida, a honra pessoal da visada (já se verá se tal leva a alterar a pena concreta), nem leva a alterar a conclusão de se ter verificado a prática do crime de ofensa à integridade física simples (os factos relativos a este crime mantêm-se). O crime de injúria é punido, uma vez que houve opção por pena de multa (o que não é questionado), com pena de multa de 10 a 240 dias (arts. 180º, nº 1 e 47º, nº 1 do Código Penal) e o crime de ofensa à integridade física simples é punido com pena de multa de 10 a 360 dias (arts. 143º, nº 1 e 47º, nº 1 do Código Penal). Na sentença de 1ª instância foi aplicada a pena de 90 dias de multa pela prática do crime de ofensa à integridade física simples e a pena de 60 dias de multa pela prática do crime de injúria, sendo para o efeito considerado que o arguido agiu de forma absolutamente gratuita, sem qualquer razão justificativa; o quadro geral dos factos apresenta uma violência considerável pois que o arguido agrediu, injuriou e ameaçou a ofendida; no entanto, a agressão física tem uma gravidade reduzida; já quanto à injúria, o seu teor é bastante humilhante, fazendo alusão à vida particular da ofendida; o arguido tem antecedentes criminais mas de diversa natureza. Vejamos. A determinação dos dias de multa é efetuada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, apresentando-se a culpa não um fundamento mas limite da pena, sendo que não há pena sem culpa (cfr. arts. 40º, 47º, nº 1 e 71º, nº 1, todos do Código Penal). Para o efeito, ponderam as agravantes e atenuantes gerais, que não façam parte do tipo de crime, apuradas relativamente ao arguido - cfr. art.º 71º, nº 2 do Código Penal. No caso, concorda-se que depõe em desfavor do arguido a gravidade das expressões proferidas, que no entanto foram ouvidas por poucos, e os antecedentes criminais (mas de natureza diversa), sendo que não existe qualquer “motivação” que sirva de atenuante [nem de agravante], depondo a favor a gravidade reduzida da ofensa à integridade física (a assistente não careceu de tratamento hospitalar, levando a 3 dias de doença, sendo 1 com afetação da capacidade para o trabalho em geral). Em termos de prevenção geral, e tendo em conta a necessidade de evitar situações como a dos autos, verificam-se necessidades de importância mediana. Assim, atentas a culpa e as exigências de prevenção, ponderando as agravantes e atenuantes, afigura-se-nos que as penas de multa concretas aplicadas ao arguido, situadas entre o limite mínimo e o meio da moldura legal estão adequadas, pelo que se mantêm (90 dias de multa pela prática do crime de ofensa à integridade física simples e de 60 dias de multa pela prática do crime de injúria). Relativamente à determinação do quantitativo diário será efetuado atendendo à situação económica e financeira do arguido e aos seus encargos pessoais, correspondendo cada dia de multa a uma quantia entre €5,00 e €500,00 (cfr. art.º 47º, nº 2 do Código Penal). Não se pode esquecer que a multa é uma pena, pelo que o montante diário da mesma deve ser fixado em termos de tal sanção representar um sacrifício real para o condenado, sob pena de se estar a desacreditar esta pena, os tribunais e a própria justiça, gerando um sentimento de insegurança, de inutilidade de impunidade[9]. Ainda que não possa valer como regra que o quantum diário mínimo da multa penal deve ser reservado para quem aufere o SMN ou para quem receba prestações sociais, mas apenas que aquele é o valor adequado para quem se encontre naquela situação ou, em todo o caso, para condenado relativamente ao qual não foi possível apurar qual a sua situação económica e financeira, a verdade é que não se pode desvirtuar a essência da pena de multa e não se podem criar injustiças relativas entre os condenados. Na sentença de 1ª instância foi fixada a taxa diária de €300,00, considerando que o mesmo tem rendimentos muito acima da média, auferindo não menos de €140.000,00 por viagem que efetua, e mesmo considerando que o arguido só efetua uma viagem de 4 em 4 meses, o seu vencimento diário é de cerca de €1.166,00. Como se vê, apesar do que havia sido dado como provado (a realização de uma viagem por mês, que agora se altera como acima se expôs), o tribunal a quo ponderou uma viagem de 4 em 4 meses (indo agora considerar-se de igual forma, apesar do assente, tendo-se presente ser valor ilíquido). Há que ter presente que o legislador manda fixar o valor entre €5,00 e €500,00, de modo a ter em consideração a grande diversidade de situações económicas e financeiras, não podendo partir-se do mínimo como regra. Ora, no caso em apreço é manifesto que o valor não se pode aproximar do mínimo porquanto o rendimento do arguido não se aproxima de forma alguma de rendimentos mínimos em Portugal [a retribuição mínima mensal garantida é atualmente de €580,00 ilíquidos[10], o RSI para pessoa singular é sabido que ronda os €186,68 mensais[11], antes estando acima da média dos rendimentos dos portugueses (o próprio arguido o reconheceu em julgamento ao referir “mão de obra qualificada é assim”), não apresentando encargos em especial (tem obrigação de pagar pensão de alimentos a 3 filhos, pagando a um). Assim, é de concluir que a situação do ora arguido permite-lhe pagar a quantia diária definida pelo tribunal a quo, ligeiramente acima do meio do intervalo previsto pelo legislador, sem o confrontar com dificuldades que não sejam de exigir a quem cumpra uma pena [se a poderá pagar faseadamente é questão que não cabe agora apreciar]. Deste modo, tem-se por adequado o quantitativo diário fixado de €300,00. Importa agora determinar a pena única a aplicar ao arguido dentro da moldura de 90 a 150 dias (a pena concreta mais elevada e soma das penas concretas – art.º 77º do Código Penal). Atentos os factos e a personalidade do arguido tem-se por adequada a pena única de 110 dias de multa à taxa de €300,00. B)-III) Do valor da indemnização: Alega o arguido que o valor arbitrado (€6.500,00 – o que fora pedido, sendo €1.500,00 reportados ao crime de injúria e €2.500,00 duas vezes, reportados a cada um dos crimes de ofensa à integridade física e de ameaça) é absolutamente excessivo e violador dos princípios da igualdade e da equidade.Tendo-se acima concluído pela não imputação do crime de ameaça, tal implicaria desde logo reavaliar o montante da indemnização. Vejamos se o valor fixado deve ser alterado. A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil (art.º 129º do Código de Processo Penal). Na fixação da indemnização deve atender-se, não só aos danos patrimoniais, como também aos danos não patrimoniais (os referentes a desgostos e sofrimentos). Nestes últimos apenas serão de considerar aqueles que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, sendo essa gravidade medida por um padrão objetivo e não por fatores subjetivos (cfr. art.º 496º, nº 1 do Código Civil). Caberá ao tribunal, em cada caso concreto, dizer se o dano é ou não merecedor da tutela jurídica. No caso, confirma-se o juízo feito em 1ª instância de que “é indubitável que os danos sofridos pela ofendida têm relevância suficiente para serem indemnizáveis”, tudo estando em fixar o valor. Ora, quanto ao cálculo do montante da indemnização por danos não patrimoniais, é sempre feito com base em critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado e do titular da indemnização, e deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida – art.º 494º, ex vi artº 496º, nº 3, ambos do Código Civil[12]. Ponderando o já referido aquando da fixação da medida da pena e os reflexos da conduta do arguido na assistente, tem-se por adequado o valor de €4.000,00, a que acrescem juros desde a presente data. Em suma, a sentença de 1ª instância é alterada parcialmente, mantendo-se no demais. *** Pelo exposto, acordam os juízes da segunda secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder parcial provimento ao recurso, revogando parcialmente a decisão de 1ª instância, e, em conformidade com o acima exposto, decide-se:DECISÃO - alterar a matéria de facto fixada na sentença recorrida, passando os factos assentes a ser os que acima se sintetizaram nas págs. 38-40. - absolver o arguido B… da prática do crime de ameaça, previsto e punível pelo art.º 153º do Código Penal. - condenar o arguido, pela prática de um crime de injúria previsto e punido pelo art.º 181° do Código Penal na pena de 60 dias de multa à taxa diária de €300,00, e pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples previsto e punido pelo art.º 143° n° 1 do Código Penal na pena de 90 dias de multa à taxa diária de €300,00; operando o respetivo cúmulo jurídico é o arguido condenado na pena única de 110 (cento e dez) dias de multa à taxa diária de €300,00 (trezentos euros), num total de €33.000,00 (trinta e três mil euros). - condenar o arguido a pagar à assistente, C…, a quantia de €4.000,00 (quatro mil euros), quantia acrescida de juros à taxa legal a contar da presente data, a título de danos não patrimoniais. Decaindo ambos no recurso, fixo a taxa de justiça devida pelo arguido e pela assistente pelo mínimo, ou seja 3 UC para cada (arts. 513º, nº 1 e 515º, nº 1, al. b) do Código de Processo Penal e art.º 8º, nº 9 do RCP e tabela III anexa). Custas do pedido de indemnização civil a cargo da demandante e demandado na proporção do decaimento (61,54% e 38,46% respetivamente). * Notifique.Porto, 15 novembro de 2018 António Luís Carvalhão Borges Martins ____ [1] houve um lapso na numeração das conclusões, de modo que passa da 58ª para 60ª, mantendo-se a numeração atribuída. [2] vd. Ac. do TRL de 15.07.2014 e Ac. STJ de 20.11.2008, consultáveis em www.dgsi.pt, processo nº 290/97.4GGSNT.L1-5 e nº 08P33269 respetivamente. [3] vd. Ac. do TRL de 29-03-2011. consultável em www.dgsi.pt processo nº 288/09.1GBMTJ.L1-5. [4] in “Curso de Processo Penal”, Verbo, vol. II, pág. 111. [5] vd. Ac. do TRC de 24.02.2016, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 100/14.0GCSRT.C1. [6] consultável em www.dgsi.pt processo nº 150/10.5PBCBR.P2. [7] consultável em www.dgsi.pt processo nº 151/12.9GCAVR.C1. [8] cfr. também Ac. TRG de 18.11.2013, processo nº 52/11.8GBFLG.G1. [9] cfr. Ac. do TRG de 07.04.2008, consultável em www.dgsi.ptprocesso nº 153/08-1. [10] cfr. DL nº 156/2017, de 28 de dezembro. [11] como se alcança do “guia prático rendimento social de inserção” consultável no site da Segurança Socal. [12] vd. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed., pág. 501. |