Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
465/21.7T8VCD.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: ARRESTO
PERICULUM IN MORA
DECISÃO CAUTELAR IMEDIATA
Nº do Documento: RP20210914465/21.7T8VCD.P2
Data do Acordão: 09/14/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO, RECURSO IMPROCEDENTE.
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - No procedimento cautelar especificado de arresto, o justo receio da perda de garantia patrimonial preenche o requisito periculum in mora que serve de fundamento à generalidade das providências cautelares, constituindo fator distintivo do arresto relativamente às restantes formas de tutela cautelar de direitos de natureza creditícia.
II - Conforme tem sido pacífica e reiteradamente admitido na doutrina e jurisprudência dos tribunais superiores, o preenchimento do requisito enunciado pressupõe a alegação e prova, ainda que perfunctória, de um circunstancialismo fáctico que permita antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito, e o seu critério de avaliação não pode assentar em simples conjeturas, em meras suposições ou em juízos puramente subjetivos do juiz ou do credor, devendo necessariamente basear-se em factos ou em circunstâncias concretas que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 465/21.7T8VCD.P2


Sumário do acórdão:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório

“B… – … Imobiliária, Lda.” instaurou no Juízo Local Cível de Vila do Conde - Juiz 2 do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, procedimento cautelar contra C…, pedindo que seja decretado o arresto da conta bancária da requerida, com o IBAN PT.. …. …. …. …. …. ., domiciliada na agência de … do Banco D…, S.A.
Como fundamento da sua pretensão, alegou a requerente em síntese: a requerente e a requerida celebraram no dia 14.08.2020, o contrato de mediação imobiliária ……., em regime de não exclusividade, com duração de 6 (seis) meses, automaticamente renovável por iguais e sucessivos períodos, caso não fosse denunciado pelas partes, com a antecedência de 10 (dez) dias em relação ao seu termo; o referido contrato de mediação imobiliária teve como objeto o imóvel da requerida, identificado no artigo 5.º do requerimento inicial; conforme acordado, caso a requerente, pela sua diligência e trabalho, conseguisse interessado na compra do referido imóvel, a requerida obrigava-se a pagar à requerente, a título de remuneração pelos serviços prestados, a quantia correspondente a “… 4% calculada sobre o preço pelo qual o imóvel viesse a ser concretizado, salvaguardando-se que, caso este valor resulte inferior à quantia de 6.000,00€ (seis mil euros), será esta mesma e última quantia que se considerará como remuneração. Aos valores em questão acresce IVA à taxa legal em vigor.”; na sequência de todas as diligências efetuadas pela requerente, apareceu uma interessada na compra do imóvel, de nome E…; foi através da requerente que a interessada E… visitou o imóvel; a referida E… manifestou vontade de adquirir o imóvel, e remeteu à colaboradora da requerente email, no qual propôs o preço de 320.000,00€; a requerida recusou a proposta da interessada angariada, referindo à requerente que não estaria interessada em celebrar a escritura pelo valor proposto; em 09.10.2020, a requerida, através da sua mandatária, comunicou à requerente, que havia celebrado com a sociedade F… Imobiliária, S.A., contrato promessa de compra e venda relativamente ao imóvel objeto do contrato de mediação imobiliária; E… é acionista da F… Imobiliária, S.A., nela detendo uma participação de 30%; foi a referida sociedade quem veio a adquirir o imóvel à requerida por escritura outorgada em 24.03. 202; foi a atividade desenvolvida pela requerente que permitiu a aproximação da interessada E… à requerida; com manifesta má fé, a requerida celebrou escritura de compra e venda declarando: “… que no negócio de compra e venda titulado por esta escritura interveio como mediador imobiliário a sociedade comercial unipessoal por quotas “G… – …, Unipessoal Lda.”; assim, sobre o montante de 320.000,00€ deve ser calculada a remuneração devida à requerente, equivalente a 4% dos 320.000,00€ propostos pela interessada adquirente, acrescido do IVA à taxa legal em vigor, ou seja, 15.744,00€; a requerida reside habitualmente na Suécia, tendo já vendido outros bens imóveis situados em território português de que era dona, não sendo titular de qualquer outro património em Portugal para além de uma conta bancária, para a qual terão sido transferidos os fundos resultantes da venda do imóvel.
Em 6.04.2021 foi proferida decisão na qual se indeferiu liminarmente a providência requerida.
Não se conformou a requerente e interpôs recurso de apelação.
Subiram os autos a este Tribunal, onde foi proferido acórdão em 11.05.202, no qual se julgou procedente o recurso e, em consequência, se revogou o despacho recorrido, determinando o prosseguimento dos autos.
Baixaram os autos ao Tribunal de 1.ª instância, tendo-se realizado a audiência de julgamento, em 21.06.2021, com produção de prova – apresentação de documentos e inquirição das testemunhas indicadas pela requerente – após o que, em 21.06.2021 foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção as considerações expendidas e o quadro legal aplicável, julga-se improcedente, por não provada, a presente providência cautelar de arresto proposta por B… – … Imobiliária, Lda. contra C….
Custas pela requerente (artigo 527.º, n.º 1 e n.º 2, do CPC).
Não se conformou novamente a requerente e interpôs recurso de apelação, apresentando alegações, findas as quais formula as seguintes conclusões:
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Não foi apresentada resposta às alegações de recurso.

II. Do mérito do recurso
1. Definição do objeto do recurso
O objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635.º, n.º 3 e 4 e 639.º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 3.º, n.º 3, do diploma legal citado), consubstancia-se na apreciação de uma única questão: averiguação sobre a existência, ou não, do requisito periculum in mora.

2. Fundamentos de facto
O Tribunal considerou provada e não provada a seguinte factualidade relevante:
1. A Requerente é uma sociedade comercial que, com intuito lucrativo, se dedica à mediação imobiliária, possuindo, para esse efeito, um estabelecimento comercial na Praça …, n.º .., ….-… em Vila do Conde e desenvolvendo a sua atividade sob a marca ….
2. A Requerente encontra-se devidamente licenciada para o exercício da atividade de mediação imobiliária, através da licença AMI …., emitida pela entidade competente, ou seja, pelo Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção, IP (IMPIC).
3. No exercício da sua atividade, a Requerente foi contactada pela Requerida para que aquela promovesse a venda do imóvel objeto do contrato de mediação imobiliária, de que esta era proprietária.
4. Nesse âmbito, foi celebrado entre a Requerente e a Requerida, no dia 14 de Agosto de 2020, o contrato de mediação imobiliária ……., em regime de não exclusividade, com duração de 6 (seis) meses, automaticamente renovável por iguais e sucessivos períodos, caso não fosse denunciado pelas partes, com a antecedência de 10 (dez) dias em relação ao seu termo.
5. O referido contrato de mediação imobiliária tem como objeto o imóvel identificado na sua cláusula 1.ª, de que a Requerida era proprietária e legítima possuidora:
- Fracção autónoma designada pela letra “O”, correspondente a habitação do tipo T3, situado no … … …, do Bloco ., com entrada pela Avenida …, n.º …, freguesia e concelho de Vila do Conde, do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 8930, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número 3945/20030207-O.
6. Conforme decorre da cláusula 2.ª, n.º 1 do supra referido contrato de mediação imobiliária, a Requerente obrigou-se a “… diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra, pelo preço de 385.000,00€, desenvolvendo, para o efeito, acções de promoção e recolha de informação sobre os negócios pretendidos e características dos respectivos imóveis”.
7. A Requerida obrigava-se a pagar-lhe, a título de remuneração pelos serviços prestados, a quantia correspondente a “… 4% calculada sobre o preço pelo qual o imóvel viesse a ser concretizado, salvaguardando-se que, caso este valor resulte inferior à quantia de 6.000,00€ (seis mil euros), será esta mesma e última quantia que se considerará como remuneração. Aos valores em questão acresce IVA à taxa legal em vigor.”.
8. Nos termos da cláusula 5.ª do contrato de mediação imobiliária – a remuneração seria devida “… se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo Contrato…” e, bem assim, que o pagamento do total da remuneração seria devido aquando da celebração do contrato promessa.
9. À Requerida foram prestadas todas as informações e esclarecimentos relativamente ao teor do contrato, tendo esta tomado conhecimento de todas as condições da mediação, aceitando-as.
10. A Requerida leu o contrato de mediação, ficou ciente do seu conteúdo e do significado das cláusulas nele apostas e assinou o mesmo pelo seu próprio punho, confirmando a aceitação e concordância com os termos do contrato.
11. A Requerida não fez qualquer reparo, objeção e/ ou reclamação relativamente ao teor do contrato e às condições acordadas.
12. Nos termos do contrato de mediação, a Requerida autorizou e consentiu que os colaboradores da Requerente diligenciassem pela obtenção de todos os documentos necessários para a venda do imóvel.
13. A Requerida autorizou e consentiu, ainda, que a Requerente promovesse a venda do imóvel, nomeadamente através da publicitação do mesmo nos habituais canais disponíveis no mercado imobiliário para tal efeito.
14. Assim, a Requerente publicitou o pretendido negócio juntos dos seus clientes, colocou a sua placa no imóvel objeto do contrato, inseriu o imóvel na sua página da internet www…..pt.
15. A Requerente publicitou o imóvel em várias outras plataformas da internet, direcionadas especialmente ao mercado imobiliário e promoveu e publicitou a venda imóvel igualmente nas redes sociais.
16. Os colaboradores da Requerente efetuaram deslocações ao imóvel, com potenciais interessados na compra.
17. A Requerente e os seus colaboradores sempre prestaram aos potenciais interessados todas as informações e esclarecimentos que lhes eram solicitados, dedicando todo o seu empenho na promoção da venda do imóvel ora em questão.
18. Na sequência de todas as diligências efetuadas pela Requerente, apareceu uma interessada na compra do imóvel, de nome E…, que teve conhecimento do imóvel e de que este se encontrava à venda através da Requerente e das diligências por esta encetadas.
19. A interessada E… nunca havia visitado o imóvel anteriormente e foi através da Requerente (na pessoa da sua colaboradora H…) que, em 17 de Agosto de 2020, a interessada E…, juntamente com o seu pai I…, visitou o imóvel objeto do contrato de mediação imobiliária celebrado com a Requerida.
20. A referida E… ficou interessada no imóvel, tendo manifestado, logo aquando da visita, elevada vontade em adquirir a fração, circunstância que foi comunicada pela colaboradora da Requerente à Requerida.
21. Nesse mesmo dia (17.08.2020), a interessada E… remeteu à colaboradora da Requerente email através do qual se propôs adquirir o imóvel pelo preço de 320.000,00€ (trezentos e vinte mil euros).
22. A Requerente comunicou à Requerida a respetiva proposta da interessada angariada e a Requerida recusou a proposta da interessada angariada, referindo à Requerente que não estaria interessada em celebrar a escritura pelo valor proposto (320.000,00€).
23. A Requerente continuou a praticar todos os atos necessários à promoção da venda do imóvel, diligenciando, nomeadamente, pela recolha de todos os elementos referentes ao imóvel e, no interesse da pretensão da Requerida, prosseguindo na procura de interessados na aquisição do imóvel desta, objeto do contrato de mediação imobiliária assinado entre as partes.
24. Em 09.10.2020, a Requerida, através da sua mandatária, comunicou à Requerente, que havia celebrado contrato promessa de compra e venda relativamente à fração de que era proprietária, sita na Avenida … (Vila do Conde), objeto do contrato de mediação imobiliária que havia celebrado com a Requerente, estando este em vigor e válido.
25. A Requerente teve mesmo conhecimento de que a referida interessada – E… – passara a habitar a fração autónoma objeto do contrato de mediação imobiliária.
26. Logo que tomou conhecimento de tal circunstância, a Requerente remeteu, de imediato, comunicação escrita à Requerida, alertando-a para o facto de ser devida a remuneração prevista no contrato de mediação imobiliária, já que o negócio objeto da mediação, apenas foi possível graças aos serviços de mediação e promoção prestados pela Requerente.
27. A Requerida, por carta datada de 09.02.2021, veio responder à Requerente, confirmando que:
- havia celebrado contrato promessa de compra e venda (“… a minha promessa de venda não tem nada a ver com a referida interessada…”);
- a sua fração se encontrava já a ser habitada pela interessada E… (“Desconheço por que razão e a que título a mesma se encontra a residir na habitação.”).
28. Nessa mesma carta, a Requerida informa que celebrou o contrato promessa de compra e venda com uma sociedade designada F… Imobiliária, S.A., “…empresa que será a compradora…”.
29. A interessada E… – que visitou o imóvel com a colaboradora da Requerente e a esta fez chegar proposta para aquisição do mesmo, manifestando o seu forte interesse em adquirir a fração – é acionista da F… Imobiliária, S.A., nela detendo uma participação de 30%.
30. Apurou, entretanto, a Requerente que, por escritura outorgada no passado dia 24 de Março de 2021 no Cartório Notarial da Dra. J…, em Vila do Conde, a Requerida declarou vender à sociedade F… Imobiliária, S.A. que, por sua vez, declarou comprar àquela, o seguinte bem imóvel: “Fracção autónoma designada pela letra “O”, correspondente ao … … …, destinada a habitação do tipo “T-três”, no Bloco ., com entrada pela Avenida …, número …, com terraço, garagem na cave, identificada com o número trinta e sete, integrada no prédio urbano sito na Avenida …, números …, …, …, …, …; Rua … número … e Rua do …, número .., na freguesia e concelho de Vila do Conde, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 8930, com o valor patrimonial tributário, correspondente à fracção autónoma, de 169.976,07€, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número TRÊS MIL NOVECENTOS E QUARENTA E CINCO, da freguesia de …., submetido ao regime da propriedade horizontal pela apresentação setenta e nove, de dezoito de julho de dois mil e oito…”, tendo ainda sido declarado na escritura “… que no negócio de compra e venda titulado por esta escritura interveio como mediador imobiliário a sociedade comercial unipessoal por quotas “G… – …, Unipessoal Lda.”.
31. A compra e venda referida em 30. foi celebrada pelo preço de 285.000,00€.
32. Foi a atividade desenvolvida pela Requerente que permitiu a aproximação da interessada E… (acionista da sociedade compradora) à Requerida e que essa atividade foi essencial à compra e venda que veio a ser realizada, o que bem sabia – e sabe – a Requerida.
33. A venda do imóvel foi efetuada à revelia da Requerente e sem o conhecimento desta, com o propósito de privar a Requerente da remuneração que lhe é devida.
34. Não obstante a Requerente ter já interpelado a Requerida ao pagamento da quantia devida a título de remuneração, esta não efetuou qualquer pagamento, revelando na sua resposta que não tem qualquer interesse ou pretensão de liquidar o montante.
35. A Requerida reside habitualmente na Suécia, tendo sido representada por procuradora na escritura pública de compra e venda do imóvel em causa.
Factos não provados
Não resultaram indiciariamente provados os seguintes factos:
a) Foi com a interessada angariada por esta – E… – que a Requerida veio a outorgar o contrato promessa de compra e venda e a concretizar o negócio de venda do imóvel aqui em questão.
b) O valor da remuneração equivale a 4% sobre a quantia de 320.000,00€, valor esse acrescido do IVA à taxa legal em vigor, ou seja, 15.744,00€ (quinze mil setecentos e quarenta e quatro euros) (12.800,00€ + IVA).
c) A Requerida deixou de responder às tentativas de contacto da Requerente.
d) A Requerente sabe que a Requerida não é titular de qualquer outro património em Portugal, tendo já vendido outros bens imóveis situados em território português de que era dona e legítima possuidora.
e) A Requerida não terá património que possa responder pelas suas dívidas e garantir à Requerente o ressarcimento do seu crédito.
f) A Requerente tem conhecimento de que a Requerida será apenas titular de uma conta bancária.
g) O saldo depositado na anteriormente identificada conta bancária será a única garantia de a Requerente ver ressarcida a quantia que lhe é devida.
h) Não duvida a Requerente que, tendo a Requerida conhecimento de que aquela desenvolve esforços junto dos meios judiciais próprios com vista à recuperação do seu crédito, a primeira medida que certamente tomará é o imediato levantamento do saldo que se encontra depositado na conta bancária de que é titular.

3. Fundamentos de direito
Como é sabido, constituem requisitos da providência cautelar de arresto: i) a aparência do direito: face à sua provisoriedade, impõe-se uma avaliação sumária (summaria cognitio), assente num juízo de probabilidade séria (fumus boni iuris) ou verosimilhança; ii) o periculum in mora: a tutela cautelar tem por finalidade acorrer a situações em que há um perigo para a efetividade de um direito ameaçado.
Na sentença recorrida, após se declarar a existência do primeiro requisito, conclui-se pela não verificação do segundo:
«[…] A requerente tem direito à remuneração prevista no contrato, embora não pelo valor constante no requerimento inicial, uma vez que a venda veio a celebrada pelo valor de 285.000,00€, pelo que os 4% sempre teriam de incidir sobre este valor e não sobre o valor de 320.000,00€, na medida em que não existem elementos de facto bastantes que permitam afirmar que foi declarado um valor diverso do real.
Contudo, os factos indiciariamente provados não permitem concluir que há justo receio de perda da garantia patrimonial do crédito.
É que não se apurou, em concreto, qual a situação patrimonial da requeria, nem tão pouco que esta não tenha quaisquer bens, que já tenha vendido outros imóveis que tinha em Portugal e que só tenha o saldo da conta bancária cujo arresto é pedido.
Sublinhe-se que não há quaisquer factos objectivos de que a requerente possa perder a sua garantia patrimonial e de que haja um justo receio desse facto.
A requerida não tem bens móveis ou imóveis? Desconhecemos por completo.
A requerida tem mais dívidas do que activos e há um perigo de a requerente não vir a ser ressarcida do seu crédito? Não sabemos, os factos provados não permitem afirmá-lo.
Para que exista uma tutela provisória do direito, não pode o Tribunal bastar-se com possibilidades e conjecturas que não se baseiem em factos reais.
Em suma, a matéria alegada e indiciariamente provada não integra o justo receio a que alude a lei.».
A questão recursória resume-se, face ao exposto, na averiguação sobre a existência ou não do requisito periculum in mora.
Como refere António Abrantes Geraldes[1], o justo receio da perda de garantia patrimonial, previsto no artigo 391.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e no artigo 619.º do Código Civil, pressupõe a alegação e prova, ainda que perfunctória, de um circunstancialismo fáctico que faça antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito. Tal receio preenche no arresto o requisito periculum in mora que serve de fundamento à generalidade das providências cautelares. Sendo a probabilidade quanto à existência do direito, comum a todas as providências, o justo receio referente à perda de garantia patrimonial é o fator distintivo do arresto relativamente a outras formas de tutela cautelar de direitos de natureza creditícia.
Como enfatiza o autor citado, um mesmo direito de crédito pode, em abstrato, servir de pano de fundo a alimentos provisórios, ao arbitramento de reparação provisória, à apreensão de veículos automóveis e, por vezes, ao próprio arrolamento, já que nestas e noutras providências não deixa de se exigir, de modo expresso ou implícito, o receio de que a demora processual possa determinar a ineficácia da decisão. No entanto, em nenhuma delas o justo receio está direcionado à perda da garantia patrimonial, constituindo essa exigência legal o elemento estrutural e distintivo do arresto.
Mais refere o autor citado, que o critério de avaliação deste requisito não deve assentar em juízos puramente subjetivos do juiz ou do credor, em simples conjeturas, devendo antes basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata, como fator potenciador da eficácia da ação declarativa ou executiva[2].
O entendimento de que o critério de avaliação do justo receio da perda de garantia patrimonial não se pode fundar em simples conjeturas, devendo antes assentar em factualidade concreta tem sido pacífica e reiteradamente admitido na jurisprudência dos tribunais superiores, como ocorreu no acórdão desta Relação, de 17.09.2013[3], e se ilustra com a síntese conclusiva que se transcreve: «A jurisprudência também é unânime no sentido de que o referido “justo receio” não pode bastar-se com o receio subjectivo do credor, baseado em meras conjecturas ou suposições, antes tem de assentar em factos concretos que o revelem sumariamente […]»[4].
Pressupondo o requisito em apreço a alegação e prova, ainda que perfunctória, de um circunstancialismo fáctico que faça antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito, haverá que averiguar, com base na factualidade indiciariamente provada nos autos, se poderemos concluir, na reponderação jurídica nesta sede processual, pela verificação do periculum in mora.
Vejamos.
Tendo-se provado que a requerida reside habitualmente na Suécia [facto 35], não se provaram os seguintes factos [vertidos na sentença, no elenco factual não provado, sem impugnação]:
c) A Requerida deixou de responder às tentativas de contacto da Requerente.
d) A Requerente sabe que a Requerida não é titular de qualquer outro património em Portugal, tendo já vendido outros bens imóveis situados em território português de que era dona e legítima possuidora.
e) A Requerida não terá património que possa responder pelas suas dívidas e garantir à Requerente o ressarcimento do seu crédito.
f) A Requerente tem conhecimento de que a Requerida será apenas titular de uma conta bancária.
g) O saldo depositado na anteriormente identificada conta bancária será a única garantia de a Requerente ver ressarcida a quantia que lhe é devida.
Foi também considerada não provada a seguinte afirmação da recorrente – com o devido respeito, mera conjetura: h) Não duvida a Requerente que, tendo a Requerida conhecimento de que aquela desenvolve esforços junto dos meios judiciais próprios com vista à recuperação do seu crédito, a primeira medida que certamente tomará é o imediato levantamento do saldo que se encontra depositado na conta bancária de que é titular.
Em conclusão, a requerente (ora recorrente) não logrou provar, para além da mera conjetura, ainda que indiciária ou perfunctoriamente, um circunstancialismo fatual que permita ao Tribunal antever, face às regras da experiência comum, o perigo de tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito invocado.
Contrariamente ao que a recorrente refere nas suas conclusões, da divergência da recorrida relativamente ao crédito, por considerar que vendeu a fração a uma sociedade imobiliária e não à ‘interessada’ E…, recusando com tal fundamento o pagamento da comissão, não se poderá inferir, sem mais, pela dificuldade ou impossibilidade de cobrança caso a recorrente venha a obter ganho de causa na ação de condenação.
Para o efeito seria necessária a prova que a recorrente não logrou fazer.
Consideramos, face ao exposto, que não merece censura a decisão recorrida, pelo que se deverá manter, naufragando a pretensão recursória.
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III. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso, ao qual negam provimento e, em consequência, em manter a decisão recorrida.
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Custas pela recorrente.
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Porto, 14.09.2021

Carlos Querido
José Igreja Matos
Rui Moreira
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[1] Temas da Reforma do Processo Civil, IV Volume, Almedina, 2006, pág. 191 a 193.
[2] Na obra e local citados, refere o mesmo autor o acórdão do STJ, de 3-3-98, CJSTJ, tomo I, pág. 116, bem como o acórdão da Relação de Lisboa, de 2-10-03, CJ, tomo IV, pág. 103, arestos em que se acentua a necessidade de invocação de factos concretos que consubstanciem o receio, concluindo-se no último acórdão citado que “o requisito do receio de perda da garantia patrimonial tem de ser objectivamente justificado, não bastando o receio, subjectivo, fundado em simples conjecturas”.
[3] Processo n.º 643/12.0TBAMT-B.P1, acessível no site da DGSI.
[4] No sentido de que para a comprovação do justo receio da perda da garantia patrimonial não basta o receio subjetivo do credor, baseado em meras conjeturas, devendo tal conclusão assentar em factos concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação, vejam-se os seguintes arestos, todos disponíveis no site da DGSI: da Relação de Coimbra, de 10.02.2009, Proc. 390/08.7TBSRT.C1; de 19.12.2012, Proc. 244/10.7JAAVR-B.C1; de 30.10.2010, Proc. 308-B/2002.C1; de 10.02.2009, Proc. 390/08.7TBSRT.C1; desta Relação, de 10.02.2009, Proc. 3994/08.4TBVLG-C.P1; de 7.03.2002, Proc. 0230228; de 16.12.2009, Proc. 459/09.0TJVNF-A.P1; de 16.06.2009, Proc. 3994/08.4TBVLG-C.P1; e de 07.10.2008, Proc. 0823457; da Relação de Lisboa, de 25.02.2010, Proc. 1114-A/2001.L1; e de 16.10.2003, Proc. 7016/2003-6.