Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0550668
Nº Convencional: JTRP00037914
Relator: FERNANDES DO VALE
Descritores: DIVÓRCIO
DOAÇÃO
PARTILHA
Nº do Documento: RP200504110550668
Data do Acordão: 04/11/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA.
Área Temática: .
Sumário: I – Constitui bem próprio da Autora, um imóvel, comprado por si, na constância do seu casamento, no regime da comunhão de adquiridos, mas com dinheiro dado por seu pai, sendo que foi este quem suportou, além de outros, os encargos de hipoteca para garantia do empréstimo contraído para aquisição e sempre foi detentor da chave do imóvel.
II – Por não pertencer tal bem à comunhão conjugal, cessada em função do divórcio da Autora, não dever ser partilhado, como bem comum do casal, por se tratar de uma atribuição patrimonial gratuita, “doação indirecta”, feita pelos pais á sua filha.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1 – B.......... e C.......... instauraram, em 22.06.01, na comarca de Vila Nova de Gaia (com posterior remessa à comarca de Ovar, onde veio a ser distribuída ao .. Juízo), acção ordinária contra D.......... e D.........., pedindo a condenação destes a reconhecerem que o imóvel comprado por escritura pública de 27.07.87 é bem próprio dos AA., para que possam efectuar a necessária correcção no registo predial.
Fundamentando a respectiva pretensão, alegaram, em resumo e essência, factos demonstrativos de que o sobredito imóvel é bem próprio dos AA., não obstante estes figurarem como compradores, na respectiva escritura pública de compra e venda, na situação de casados com os 3º e 4ª R., respectivamente, sob o regime de bens supletivo de comunhão de adquiridos.
Na respectiva contestação, pugnou o R. D.......... pela improcedência da acção, alegando, em síntese, que o bem imóvel em questão é bem comum do ex-casal por si formado e pela A., na medida em que foi na constância do casamento – no regime da comunhão de adquiridos – que o mesmo foi por aquela adquirido.
Foi proferido despacho saneador tabelar, com subsequente e irreclamada enunciação da matéria de facto tida por assente e organização da pertinente base instrutória.
Prosseguindo os autos a sua normal tramitação, veio, a final, a ser proferida (em 15.07.04) douta sentença que, julgando procedente a acção, condenou os RR. no pedido formulado pelos AA.
Inconformado, apelou o R. D.........., visando a revogação da sentença e inerente improcedência da acção, conforme alegações culminadas com a formulação das seguintes e relevantes conclusões:
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1ª - É errónea a interpretação da al. c) do art. 1723º do CC feita pela sentença recorrida de que «a questão da titularidade do bem imóvel coloca-se entre os ex-cônjuges, o que afasta a necessidade de o documento aquisitivo conter a referida menção da al. c)» do art. 1723º do CC;
2ª - Tal entendimento não é pacífico, sendo perfilhado, por jurisprudência (Ac. do STJ, de 15.10.98) e doutrina, entendimento diverso do acolhido na sentença recorrida;
3ª - O legislador do actual CC acolheu a doutrina segundo a qual a prova da proveniência do dinheiro ou valores deveria resultar expressamente do título de aquisição, pelo que os bens adquiridos com dinheiro ou valores próprios só poderiam considerar-se próprios se no documento aquisitivo tal fosse declarado por ambos os cônjuges;
4ª - A al. c) do art. 1723º do CC acolheu esta solução, exigindo, no que se refere aos bens adquiridos ou às benfeitorias feitas com dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges que «a proveniência do dinheiro ou valores seja devidamente mencionada no documento de aquisição, ou em documento equivalente, com intervenção de ambos os cônjuges», «...só haver lugar à sub-rogação real indirecta quando no contrato se observem as formalidades constantes do preceito indicado, que, assim, constituem requisitos absolutos dessa mesma sub-rogação» e «...a falta de menção da proveniência do dinheiro ou valores com que a aquisição seja feita constitui presunção “juris et de jure” de que estes meios são comuns»;
5ª - Mesmo nas relações entre os cônjuges, não é admissível a prova de que o bem adquirido é um bem próprio porque sub-rogado, indirectamente, no lugar de bens comuns, já que tinha de constar, obrigatória e expressamente, do documento de aquisição, “in casu”, da escritura de compra e venda do imóvel;
6ª - A douta sentença recorrida viola o estatuído na al. c) do art. 1723º do CC, bem como a presunção que resulta do art. 7º do Cód. Reg. Predial.
Contra-alegando, defendem os apelados a manutenção do julgado.
Corridos os vistos e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.
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2 – Na sentença apelada, tiveram-se por provados os seguintes factos:
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a) – Os AA., B.......... e C.........., são irmãos e, respectivamente, ex-mulher e marido dos D.......... e E.......... (A);
b) – Os AA. são filhos de F.......... e G.......... (B);
c) – O casamento da A., B.........., e do R., D.........., foi dissolvido, por divórcio por mútuo consentimento, decretado por sentença, em 10/12/1997, transitada em julgado, proferida no processo n.º .../96, do .. Juízo, .. secção, do Tribunal de Família do Porto (C);
d) – Por escritura de compra e venda outorgada no Cartório Notarial de .........., em 27 de Julho de 1987, em que intervieram como Outorgantes:
“Primeiros) H.........., e mulher, I.........., casados sob o regime de comunhão geral de bens (...)
Segundos) B.........., casada sob o regime de comunhão de adquiridos com D.......... (...) e C.........., casado sob o regime de comunhão de adquiridos com E.......... (...)”,
Consta, designadamente, que:
“os primeiros outorgantes declararam: que pelo preço de três milhões de escudos, que já receberam, vendem aos segundos outorgantes, B.......... e C.........., uma casa destinada a habitação, composta de rés-do-chão e primeiro andar, com quintal, sita no .........., freguesia de .........., do concelho de .........., (...) o imóvel inscrito na matriz sob o art.º 1452º(...)
Declararam os segundos outorgantes que aceitam a venda nos termos expostos e que o prédio vendido se destina à sua habitação permanente” (D);
e) – O imóvel referido em d) encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de .......... sob o n.º 42459, a fls. 94 do Livro B-110, está inscrito na competente matriz predial urbana sob o art.º 1452º e encontra-se registado em nome de “B.........., c.c. D.........., em comunhão de adquiridos (...) e de C.........., c.c. E.........., no mesmo regime (E);
f) – A fls. 23, encontra-se uma fotocópia de um cheque emitido por F.......... a favor de H.........., no valor de 1.500.000$00, com data de 28.01.87 (F);
g) – A fls. 24/25, encontram-se juntas as fotocópias de dois recibos de prémio de seguro, no valor de 7.320$00 cada, emitido pela “Companhia de Seguros ..........”, referente ao imóvel de d), nas quais figura como tomador G.......... (G);
h) – A fls. 26/27, encontra-se junta uma fotocópia de um documento intitulado “Proposta de Seguro de Incêndio e Elementos da Natureza”, na qual consta, como data de início do seguro, 18.12.87., relativa ao imóvel de d), na qual figura como tomador G.......... (H);
i) – Na sequência do divórcio entre a A., B.........., e o R., D.........., este último veio requerer, por apenso a esse processo, um inventário para partilha dos bens comuns do extinto casal, o qual corre termos sob o n.º .../A/1996, no .. Juízo, .. secção, do Tribunal de Família do Porto (I);
j) – Nesse processo de inventário, o R., D.........., na qualidade de cabeça de casal, veio relacionar, como bem comum do extinto casal, designadamente, o imóvel de d) (J);
k) – Citada para os termos do inventário, a A. deduziu oposição, alegando, em síntese, que o imóvel de d) não faz parte do acervo de bens comuns a partilhar (K);
l) – Arrolada e admitida a prova a produzir, foi designado dia para a audiência de produção de prova, tendo sido proferida decisão, em 02.05.01, transitada em julgado, da qual ficou a constar, nomeadamente:
“Da prova produzida provaram-se os seguintes factos:
- Na conferência a que se refere o art.º 1777, do Código Civil, que teve lugar em 97.12.10, nos autos de Divórcio por Mútuo Consentimento em que foram requerentes os, então, cônjuges, B.......... e R. D.........., que correu termos sob o n.º .../97, deste .. Juízo, .. secção, e de que estes autos são apenso, foi consignada a seguinte declaração dos cônjuges requerentes:
“Que mantêm os acordos definitivamente, declarando que neste momento já não há bens a partilhar” (cfr. fls. 47 dos autos principais).
- Na mesma conferência, verificados os pressupostos legais, foi proferida sentença de divórcio, que transitou em julgado.
- Os bens móveis pertencentes ao casal formado por D.......... e B.......... foram já por eles divididos entre os dois, com intenção de os partilhar.
- O prédio urbano para habitação, composto de casa de rés-do-chão e primeiro andar, sito na .........., concelho de .........., inscrito na matriz sob o art.º 1452, e descrito na Conservatória de Registo Predial de .......... sob o n.º 42459, a fls. 94, do Livro B-110, e lá inscrito a favor de B.......... e C.........., sob o n.º 533, no Livro G2.
Por escritura pública de compra e venda celebrada em 27 de Julho de 1987, os mesmos B.......... e C.......... declararam aceitar a venda do mesmo prédio, que foi declarado ser-lhes feita por H.......... e mulher I.........., pelo preço de 3.000.000$00, que os primeiros declararam já ter pago e os segundos já ter recebido, tudo conforme a escritura pública de compra e venda junta de fls. 38 a 43 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
- O pagamento do preço foi realizado com dinheiro dos pais de B.......... (então J..........) e de C.......... .
- A contribuição autárquica, o seguro do imóvel e as obras que têm sido feitas no imóvel, foram sempre pagos pelos pais de B.......... .
- O prédio em causa nunca foi destinado a habitação permanente da requerente B.........., nem do seu irmão.
- Na data da compra, B.......... e o irmão, C.........., já eram casados, e tinham as respectivas casas de morada de família, onde viviam (...)” (L);
m) – Nessa sequência, foi determinada a remessa da, ora, A., B.........., e do, aqui, R., D.........., “para os meios comuns, quanto à questão de ter sido ou não o prédio” referido em d) “adquirido por B.......... de forma a integrar o património comum do casal que formava” com o Réu D.......... e decretada a suspensão do processo de inventário (M);
n) – A compra referida em d) foi integralmente custeada com dinheiro dado pelos pais dos AA., tendo sido estes que pagaram directamente aos vendedores o preço (1º);
o) – Os pais dos AA. deram-lhes esse dinheiro com intenção de os beneficiar, possibilitando-lhes a aquisição de um imóvel que ficaria bem próprio dos AA., independentemente de serem estes casados com os RR. (2º);
p) – Os RR. sempre reconheceram que o imóvel não era deles, porquanto sabiam qual tinha sido a intenção dos pais dos AA. ao dar-lhes o dinheiro (3º) e sabiam, igualmente, que os pais dos AA. usufruiriam o imóvel até à sua morte (4º);
q) – Os pais dos AA. têm sido, até esta data, os possuidores da fracção de d) e os únicos que possuem a chave desse imóvel (5º) e têm sido eles que custeiam todas as despesas inerentes à manutenção da casa e decidem as obras necessárias a fazer no imóvel, como já fizeram ao longo destes anos, obras essas que pagaram integralmente (6º);
r) – Os pais dos AA. pagaram a quantia devida por uma hipoteca existente sobre o imóvel de d), que os vendedores não tinham expurgado, de modo a que o referido imóvel pudesse ser registado (7º);
s) – Desde a data da compra e até há cerca de um ano, que, para AA. e RR., a casa comprada era tida por todos como sendo dos pais dos AA., enquanto vivos, o que foi aceite unanimemente por todos, sem contestação (8º).
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3 – Como é bem sabido, são as conclusões formuladas pelo recorrente que, em princípio (exceptuando as meras razões de direito e as questões de oficioso conhecimento), delimitam o âmbito e objecto do recurso (Cfr. arts. 660º, nº2, 664º, 684º, nº3 e 690º, nº1, todos do CPC).
Assim, a questão suscitada pelo apelante e que demanda apreciação e decisão por parte deste Tribunal de recurso consiste em saber se o direito de propriedade incidente sobre o questionado imóvel mencionado nos autos (mais rigorosamente, sobre a quota correspondente à respectiva metade – Cfr. art. 1403º, nº2, parte final do CC, em conjugação com o certificado, a fls. 22vº) deve ser qualificado como integrante do património comum do casal, em tempos, formado pelo apelante e pela A., ou se, pelo contrário, o mesmo deverá ser havido como pertencendo ao património próprio da A., no dissolvido casal.
Vejamos, pois:
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4 – I – Sem quebra do respeito devido, a polémica suscitada nos autos não tem, em nosso entender, a simplicidade e linearidade insinuadas pelas conclusões das alegações apresentadas pelo apelante. Isto porque aquela não entronca no preceituado no art. 1723º, al. c), do CC (Se assim fosse, a respectiva solução seria fácil, perante a factualidade provada e o entendimento – que cremos generalizado e de que nos dá exaustiva conta o douto Ac. do STJ, de 15.05.01 (Cons. Silva Paixão), in COL/STJ – 2º/75, para o mesmo, “data venia”, se remetendo – de que “A disciplina do art. 1723º” (há manifesto lapso, na referência, constante do respectivo sumário, ao art. 1823º) “, al. c), do CC, ao exigir que a proveniência do dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges seja mencionada no documento de aquisição deve ser interpretada restritivamente, aplicando-se apenas nas relações dos cônjuges com terceiros”.
Ora, no caso dos autos, não nos confrontamos com tal hipótese, uma vez que nem os próprios AA. sustentam que o preço da aquisição do questionado imóvel foi pago com dinheiro ou valores próprios dos mesmos.
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II – Bem ao contrário, e na decorrência do alegado pelos AA., encontra-se provado, entre o mais, que:
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- A compra referida em d) foi integralmente custeada com dinheiro dado pelos pais dos AA., tendo sido estes que pagaram directamente aos vendedores o preço (resposta dada ao art. 1º da base instrutória (b.i.);
- Os pais dos AA. deram-lhes esse dinheiro com intenção de os beneficiar, possibilitando-lhes a aquisição de um imóvel que ficaria bem próprio dos AA., independentemente de serem estes casados com os RR. (resposta dada ao art. 2º da b.i.);
- Os pais dos AA. têm sido, até esta data, os possuidores da fracção de d) e os únicos que possuem a chave desse imóvel (resposta dada ao art. 5º da b.i.) e têm sido eles que custeiam todas as despesas inerentes à manutenção da casa e decidem as obras necessárias a fazer no imóvel, como já fizeram ao longo destes anos, obras essas que pagaram integralmente (resposta dada ao art. 6º da b.i.);
- Os pais dos AA. pagaram a quantia devida por uma hipoteca existente sobre o imóvel de d), que os vendedores não tinham expurgado, de modo a que o referido imóvel pudesse ser registado (resposta dada ao art. 7º da b.i.); e
- Desde a data da compra e até há cerca de um ano, que, para AA. e RR., a casa comprada era tida por todos como sendo dos pais dos AA., enquanto vivos, o que foi aceite unanimemente por todos, sem contestação (resposta dada ao art. 8º da b.i.).
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III – Como em hipótese similar, ou mesmo equiparável, foi anotado por Rita Lobo Xavier (in “Cadernos de Direito Privado”, nº5 – Janeiro – Março 2004, págs. 30 e segs., que, “data venia”, seguiremos, de perto), não se pode encarar de forma isolada o contrato de compra e venda do imóvel em que intervieram apenas os AA., na qualidade de respectivos compradores, antes sendo imprescindível a consideração global do contexto fáctico que àquele serve de enquadramento. Com efeito, no caso debatido nos autos, e tendo em conta o aludido contexto, é indiscutível que teve lugar uma atribuição patrimonial gratuita a favor dos AA. – compradores, ainda que de forma encoberta. Ocorreu uma “doação indirecta”, tendo o contrato de compra e venda funcionado como “negócio-meio” – como negócio apto a transmitir o direito de propriedade sobre o imóvel, porquanto foram os pais dos AA. que pagaram o respectivo preço de aquisição e não estes, apesar de identificados como compradores.
Ou seja, tal compra e venda camufla e dá cobertura a uma verdadeira liberalidade praticada pelos pais dos AA. a favor destes, consubstanciando a mesma uma verdadeira doação (indirecta) efectuada por aqueles aos AA., porquanto a mesma reúne os três correspondentes requisitos apontados por P. de Lima e A. Varela (in “CC Anotado”, Vol. II, 4ª Ed., págs. 237), ou seja: a) – Disposição gratuita de certo bem em benefício do donatário, ou seja, a atribuição patrimonial sem correspectivo; b) – Diminuição do património do doador; e c) – Espírito de liberalidade.
Como se expende na mencionada anotação (discordante) ao Ac. da Rel. de Coimbra, de 21.01.03, aí transcrito, “A figura da «doação indirecta» abrangerá todos aqueles negócios em que o resultado ou efeito fundamental da doação – enriquecimento do património de alguém a expensas de outrém – se obtém mediante a alteração do próprio negócio causal típico ou através de um daqueles negócios chamados «acausais» ou «policausais», como acontece...no fenómeno recorrente de aquisição de um bem imóvel por parte de um sujeito, mas em que o pagamento do correspectivo é realizado por pessoa distinta”. E, como assinala a mesma anotadora, citando, a propósito, o Prof. Orlando de Carvalho (in “Negócio Jurídico Indirecto” – Teoria Geral, “Escritos, Páginas de Direito”, Coimbra, Almedina, 1988, págs. 131),...”o regime aplicável ao “negócio indirecto” será o regime que corresponde ao negócio querido pelas partes”.
Ora, não se suscitando dúvidas de que os AA., na mencionada e ostensiva qualidade de compradores, aceitaram tal liberalidade prodigalizada por seus pais (se a não aceitassem, não teriam celebrado o contrato dito de compra e venda, nos moldes em que o fizeram, nem, subsequentemente, teriam registado, a seu favor, o correspondente direito de (com)propriedade), tem de concluir-se que este direito entrou na esfera jurídico-patrimonial da A., em consequência da correspondente doação a si efectuada pelos seus pais (Cfr. art. 954º, al. a), do CC). É que, mesmo que se sobrevalorize a factualidade acolhida nas als. p) (resposta dada ao art. 4º da b.i.) e s) de 2 supra (resposta dada ao art. 8º da b.i.), ainda assim, sempre estaríamos perante uma doação com reserva de usufruto vitalício a favor dos doadores, a qual, como, doutamente, decidido, no Ac. de 16.07.81, desta Relação (Cons. – então, Des. – Oliveira Domingues) – Col. – 4º/187 – “não é uma doação «mortis causa»...antes uma doação «inter vivos», a que foi aposta uma cláusula modal”, nos termos previstos no art. 963º do CC. Sempre, porém, com o efeito essencial a que se refere o art. 954º, al. a) do mesmo Cód., ou seja, a automática transmissão para o donatário da propriedade da coisa ou da titularidade do direito.
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IV – Decorrendo do exposto que o discutido direito de (com)propriedade ingressou na esfera jurídico-patrimonial da A., então casada com o R. D.........., por via de doação a si (e seu irmão e co-A., C..........) efectuada pelos pais, F.......... e G.........., terá de extrair-se a conclusão de que tal direito, ao arrepio do preceituado no art. 1724º, al. b), do CC e por via da excepção a tal, contemplada no art. 1722º, nº1, al. b), do mesmo Cód., tem a natureza de bem próprio da A., que não de bem comum do casal que a mesma formara com o R. D.......... .
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5 – “Ex abundanti”, não se terminará sem deixar duas breves notas que temos por reforçadoras do entendimento por nós sufragado:
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I – A primeira para acentuar que, mesmo que não se mostrasse provada a factualidade acolhida em o) de 2 supra (resposta dada ao art. 2º da b.i.), sempre seria de admitir tal factualidade, por via da consideração (no caso, autorizada – Cfr. Prof. Antunes Varela, in RLJ, Ano 122º - 223/224) da correspondente presunção judicial (Cfr. arts. 349º e 351º, ambos do CC), em ordem a integrar e completar (que não alterar) a factualidade assente na douta sentença apelada, uma vez que aquela decorre, desde logo, da consideração das máximas da experiência e dos dados da intuição humana, que rejeitariam a admissão do contrário, mormente quando – como ocorre, no caso dos autos – os próprios doadores projectam viver no imóvel objecto da doação, o que seria periclitante se, em vez de doarem, exclusivamente, aos filhos, tivessem doado também aos respectivos cônjuges, caso em que sobre os mesmos penderia autêntica “espada de Dâmocles”, objectivável numa sempre possível separação ou divórcio dos filhos.
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II – A segunda para consignar que, atenta a factualidade constante da al. p) de 2 supra (respostas dadas aos arts. 3º e 4º da b.i.), sempre seria de considerar a conduta do R. D.......... como consubstanciando abuso do respectivo direito, por, manifesta e clamorosamente, transpor os limites que, no caso, são impostos pela boa fé (Cfr. art. 334º, do CC).
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6 – Em face do exposto e na improcedência das conclusões formuladas pelo recorrente, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se, na parte impugnada e com a aduzida fundamentação, a douta sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
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Porto, 11 de Abril de 2005
José Augusto Fernandes do Vale
António Manuel Martins Lopes
Rui de Sousa Pinto Ferreira