Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | PAULA LEAL DE CARVALHO | ||
Descritores: | COMPETÊNCIA MATERIAL TRIBUNAL DO TRABALHO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO | ||
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Nº do Documento: | RP202207137769/21.7T8PRT-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 07/13/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | RECURSO PROCEDENTE; REVOGADA A DECISÃO | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO (SOCIAL) | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | Invocando os AA. a existência, entre os mesmos e o Réu, instituto público (Instituto de Emprego e Formação Profissional), de uma relação de trabalho subordinado iniciada em 01.01.2010 e datas posteriores (2013, 2014 e 2016), em que já estavam em vigor, primeiro, as Leis 12-A/2008, de 20.02 e 59/2008, de 11.09 e, depois, a Lei 35/2014, de 20.06, cuja forma de vinculação é o contrato de trabalho em funções públicas e pedindo os AA. a condenação daquele no pagamento de prestações (remuneração de férias e subsídios de férias, de Natal e de refeição) todas elas vencidas no âmbito das mencionadas relações e legislação, o Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho do Porto, não é o materialmente competente para conhecer do objecto da acção, sendo-o os Tribunais Administrativos e Fiscais, o que determina a absolvição da instância do Réu. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Procº nº 7769/21.7T8PRT-A.P1 Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1282) Adjuntos: Des. Rui Penha Des. Jerónimo Freitas Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório Os AA., 1 – AA, 2 - BB, 3 – CC, 4- DD, 5 – EE, 6 – FF, 7 – GG, 8 – HH, 9 – II, intentaram acção declarativa de condenação, com processo comum, contra INSTITUTO DO EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL, I.P. (IEFP, I.P.), pedindo que: “Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exa., deve a presente acção ser julgada procedente, por provada e, em consequência: 1 – Serem os Autores reconhecidos e declarados como trabalhadores do Réu, durante os períodos em que trabalharam para o mesmo, bem como todas as consequências legais inerentes; 2 – em face do sobredito, ser o Réu condenada a pagar aos Autores as quantias de férias, subsídio de férias e de Natal, bem como os subsídios de refeição, no montante global de 367.134,06 €, acrescida dos respectivos juros de mora, desde o final de cada ano civil em que os pagamentos deveriam ter sido efectuados e os vincendos após citação e até efectivo pagamento.” Para tanto, alegaram em síntese que: Os 1º, 4º, 5ª, 6º, 7ª, 8ª e 9º Autores foram contratados pelo Réu, para o Centro de Emprego ... (a 2ª e o 3º para o de ...) com quem celebraram consecutivos contratos anuais de aquisição de serviços de formação (a 2ª A. de Serviço Social), precedidos de procedimentos de contratação, entre 2010 e 30 de Abril de 2020: os 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º e 9º AA, aos, respectivamente, 11.03.2013, 01.01.2010, 03.02.2014, 01.03.2013, janeiro de 2016, 29.04.2014, 01.01.2014, 01.03.2014 e 07.03.2014; “11º Entretanto, com base no PREVPAP, programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública, através do qual o Estado possibilitou a regularização do vínculo precário entre outros os “falsos prestadores de serviços”, em 1 de Maio de 2020, os 1º, 3º, 5ª, 6º, ª 8ª e 9º, a 2ª Autora em 19 de Novembro de 2018 e o 4º A. em 1 de Setembro de 2020 integraram os quadros do IEFP como trabalhadores (de facto e de direito). 12º O primeiro passo para a vinculação ao Estado foi os AA. solicitarem a avaliação da sua situação através da apresentação de um requerimento disponível no sítioprevpap.gov.pt, até ao dia 17 de Novembro de 2017. 13º Os AA. foram reconhecidos como necessidades permanentes do Estado e foi avaliado o vínculo jurídico ao abrigo do qual os AA. exerciam funções. 14º A avaliação da adequação do vínculo ao exercício de funções em causa por parte do trabalhador teve em consideração os diversos tipos de vínculos, sendo os mais frequentes os contratos de trabalho e os contratos de prestação de serviço. 15º Como o vínculo em causa era um alegado contrato de prestação de serviços, não era adequado ao exercício de funções que asseguram necessidades permanentes. 16º Foram ainda ponderados dois elementos: em primeiro lugar, se o trabalhador exercia as funções em causa sem dependência de poderes de direção e disciplina e sem horário de trabalho relativamente ao órgão ou serviço da Administração Pública; se assim for, o contrato de prestação de serviços era adequado ao exercício das funções. 17º Se, pelo contrário e como sucedeu “in casu”, o órgão ou serviço da Administração – IEFP - exercer poderes de direção e disciplina sobre o trabalhador e determinar o horário de trabalho deste, o vínculo assente no contrato de prestação de serviços não foi considerado adequado a esse modo de exercício das funções, o qual, na verdade, corresponde a trabalho subordinado. (…) 19º Caso se concluísse que o vínculo em causa era um contrato de trabalho, não obstante ter sido celebrado sob a designação de contrato de prestação de serviço, constata-se que o contrato celebrado não é adequado ao exercício de funções. 20º No caso dos AA., o próprio Estado reconheceu que eram trabalhadores subordinados do IEFP, sendo a relação laboral regulada pelo Código de Trabalho.”. Pelas razões que invocam, alegam que as relações contratuais mantidas entre os AA. e o Réu, ainda que sob a denominação de prestação de serviços, consubstanciam verdadeiros vínculos “laborais”, invocando designadamente os arts. 11º e 12º do CT/2009. Desde o início da relação laboral até à sua agregação do PREVPAP (aos 30.04.2020 em relação a todos os AA., com excepção da 2ª A. o que se verificou aos 19.11.2018) nunca os AA. receberam qualquer remuneração a título de férias, subsídios de férias e de Natal, bem como subsídios de refeição, prestações essas cujo pagamento reclamam na presente acção. O Réu contestou invocando, no que ora importa, a incompetência absoluta/material do Tribunal do Trabalho, para tanto alegando que: É, de forma pacífica, entendimento da jurisprudência, que a competência, em razão da matéria, de um tribunal se afere em função do pedido e da causa de pedir que o suporta, tal como são configurados ou apresentados pelo autor na sua petição inicial; no caso, em face da estrutura da petição inicial deduzida pelos autores nos presentes autos, conquanto o pedido seja o reconhecimento da existência de contratos de trabalho, a causa de pedir, ou seja, os fundamentos invocados pelos Autores, integram-se e emergem, indubitavelmente, de relações jurídicas administrativas, estabelecidas entre o IEFP, I. P. e cada um dos Autores; conforme se alcança pelos documentos que se juntam sob os n.ºs 1 a 13 e que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, as relações materiais controvertidas, tal como se acham expressas na causa de pedir apresentada pelos autores, baseiam-se em normas pré-contratuais públicas, concretizadas nas Circulares Normativas, nos avisos de abertura dos procedimentos concursais, no Código da Contratação Pública e na Lei do Trabalho em Funções Públicas; o IEFP, I. P. é um Instituto público, que pertence à administração indirecta do Estado e, como tal, as questões relacionadas entre o próprio e os seus colaboradores deverão obedecer, considerando o lapso temporal aqui em causa, à regulamentação prevista na LTFP, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, ou seja, a existir um vínculo laboral, como pretendem os aqui Autores, estaríamos perante contratos de trabalho em funções públicas, os quais deverão ser apreciados na instância judicial competente, os Tribunais Administrativos; o Réu não celebrou, nem poderia celebrar, com os Autores contratos individuais de trabalho, pois que tal possibilidade lhe está legalmente vedada; a LTFP regula o vínculo de trabalho em funções públicas e é aplicável à administração directa e indirecta do Estado (cfr. n.º 1 e primeira parte do n.º 2, ambos do seu artigo 1.º); em conformidade com o n.º 1 do artigo 6.º da LTFP, o trabalho em funções públicas pode ser prestado mediante vínculo de emprego público ou contrato de prestação de serviço, nos termos da presente lei; acrescentam os n.ºs 2 e 3, ambos do mesmo artigo que o vínculo de emprego público é aquele pelo qual uma pessoa singular presta a sua actividade a um empregador público, de forma subordinada e mediante remuneração e reveste as seguintes modalidades: Contrato de trabalho em funções públicas, nomeação e Comissão de serviço; a Lei n.º 112/2017, de 29 de dezembro, que estabelece os termos da regularização prevista no programa de regularização extraordinária dos vínculos precários de pessoas que exerçam ou tenham exercido funções que correspondam a necessidades permanentes da Administração Pública, de autarquias locais e de entidades do sector empresarial do Estado ou do sector empresarial local, sem vínculo jurídico adequado, a que se referem o artigo 25.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, e a Resolução do Conselho de Ministros n.º 32/2017, de 28 de fevereiro e os termos da regularização extraordinária dos vínculos precários de pessoas que exerçam funções que correspondam a necessidades permanentes dos serviços da Assembleia da República e das entidades administrativas independentes que funcionam junto deste órgão de soberania, distingue as pessoas abrangidas pela Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas das pessoas abrangidas pelo Código do Trabalho (cfr. n.º 1 do artigo 2.º e n.º 1 do artigo 14.º), conforme os Autores também reconhecem nos artigos 16º a 19º da p.i.; no âmbito de aplicação do PREVPAP, os Autores integram-se nas pessoas que exerceram funções que correspondiam ao conteúdo funcional de carreiras gerais ou especiais e que satisfaçam necessidades permanentes dos órgãos ou serviços abrangidos pela Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP) e não pelo Código do Trabalho; de acordo com a Lei n.º 112/2017, de 29 de dezembro, os Autores: (i) foram opositores aos respectivos procedimentos concursais (cfr. artigo 5.º) (ii) foram integrados nos mapas de pessoal do IEFP, I. P. (cfr. artigo 6.º), (iii) foram integrados na carreira correspondente às funções exercidas que deram origem à regularização extraordinária (cfr. artigo 7.º), foram integrados no mapa de pessoal do IEFP, I. P., mediante a constituição de vínculos de emprego público por tempo indeterminado e precedida de aprovação em procedimento concursal (cfr. alínea a) do n.º 1 do artigo 8.º, artigo 9.º, artigo 10.º), (iv) foi dispensado o período experimental (cfr. artigo 11.º), (v) foi-lhe atribuída uma posição remuneratória (artigo 12.º) e (vi) foi contabilizado o tempo de exercício de funções na situação que deu origem à regularização extraordinária para efeitos de reconstituição da carreira (cfr. artigo 13.º); os Autores não foram abrangidos pelo Código do Trabalho, pois que a entidade onde exerciam funções não era abrangida por este Código; nos termos do n.º 1 do artigo 14.º da Lei n.º 112/2017, de 29 de dezembro, apenas nas entidades abrangidas pelo Código do Trabalho é possível o reconhecimento da existência de contratos de trabalho, nomeadamente por efeito da presunção de contrato de trabalho, e por tempo indeterminado por se tratar da satisfação de necessidades permanentes; se os Autores vêm invocar terem sido admitidos ao serviço do Réu ao abrigo de contratos que consideram ser individuais de trabalho, sem pretender sequer o reconhecimento dum vínculo a funções públicas, não podem ser admitidos através do PREVPAP; se foram admitidos no PREVPAP, é porque à data consideravam que não estavam vinculados por contrato individual de trabalho com o Réu; ainda que as relações jurídicas firmadas entre as partes – o Réu, por um lado, e cada um dos Autores, por outro - pudessem ser qualificadas como contratos individuais de trabalho, o que apenas se admite a benefício de raciocínio, mas sem conceder, sempre seria um contrato de trabalho em funções públicas, uma vez que a este Instituto está vedada a possibilidade de celebrar contratos individuais de trabalho, motivo porque o Tribunal competente para dirimir o litígio é o Tribunal Administrativo, de harmonia com o artigo 12.º da LTFP, segundo o qual são da competência dos tribunais administrativos e fiscais os litígios emergentes do vínculo de emprego público; já de acordo com o disposto no artigo 83.º da Lei 12-A/2008, de 27 de fevereiro, que então estabeleceu os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas, a competência para apreciar litígios emergentes de relações jurídicas de emprego público é dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, o que se mostrava confirmado pelo teor da alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), na versão então em vigor, nos termos da qual ficava excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios emergentes de contratos individuais de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito público, com excepção dos litígios emergentes de contratos de trabalho em funções públicas - redacção consagrada pelo artigo 10.º da Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro. Considera, assim, que o Tribunal Administrativo é o materialmente competente para a presente acção, concluindo requerendo a sua absolvição instância, nos termos do n.º 1 do artigo 99.º, da alínea a) do n.º 1 do artigo 278.º e do n.º 2 do artigo 576.º, todos do CPC, ex vi alínea a) do n.º 2 do artigo 1.º do CPT. Realizada audiência prévia, nela foi proferida a seguinte decisão: “Relativamente, à questão da excepção da incompetência em razão da matéria invocada pelo R., o Tribunal considera que a mesma deverá ser julgada improcedente, uma vez que perante a relação material controvertida, tal como descrita pelos aqui demandantes no seu petitório, a mesma configura a existência de vínculo laboral estabelecida entre os aqui intervenientes, pelo que estamos perante matéria que se insere na competência material deste Tribunal.”. Inconformado, veio o Réu recorrer, tendo formulado as seguintes conclusões: “1. O presente Recurso vem interposto do douto Despacho proferido em sede de audiência prévia e exarado na respetiva Ata, realizada no dia 9 de dezembro de 2021, pelas 14:00 horas, na parte em que julgou improcedente a exceção dilatória da incompetência material, invocado pelo ora Recorrente; 2. O douto Despacho recorrido, errando na lei processual aplicável, qualificou incorretamente o feixe de relações jurídicas existentes entre o Recorrente e cada um dos Recorridos previamente à sua integração no mapa de pessoal do Recorrente, através do PREVPAP, não aplicando o artigo 12.º da LTFP, a alínea e) do n.º 1 e a alínea b) do n.º 4 (esta última a contrario sensu), ambas do artigo 4.º do ETAF e, em consequência, desconsiderando os artigos 1.º, 3.º, 6.º e 10.º, todos da citada LTFP, a alínea f) do artigo 18.º da Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, que então aprovou o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, a alínea b) do n.º 1 do artigo 42.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho (Lei preambular e o n.º 1 do artigo 2.º e o n.º 1 do artigo 14.º, ambos da lei n.º 112/2017, de 29 de dezembro, LPREVPAP; 3. In casu, estamos perante uma ação que tem por objeto dirimir litígios emergentes de relações jurídicas administrativas; 4. Estamos perante "litígios emergentes de contratos de prestação de serviço, celebrados nos termos da LTFP, ou vínculo de emprego público"; 5. O Recorrente é uma "pessoa coletiva de direito público", à qual não é, desde 1 de janeiro de 2009, legalmente permitida a celebração de contratos individuais de trabalho; 6. Pretendendo os ora Recorridos exercitar direitos que se reportam ao lapso temporal compreendido entre 2013 e 30 de abril de 2020, jamais poderia vigorar entre as partes qualquer contrato individual de trabalho (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15 de julho de 2015, proferido no Processo n.º 115/10.7TTALM.L2-4, disponível in www.dgsi.pt); 7. Nem se pode estender a competência do Tribunal do Trabalho aos litígios que nos autos estão em causa, pois que não se reportam a lapsos temporais anteriores a 1 de janeiro de 2009; 8. Se A competência material do tribunal se afere pela causa de pedir invocada e pelos pedidos formulados, como esboçou dizer o douto Despacho recorrido, os factos articulados pelos Recorridos na sua douta Petição Inicial, todos posteriores a 1 de janeiro de 2009, ter-se-ão que enquadrar, atentas as suas causas e os seus efeitos, na ambiência pública, isto é, no vínculo de trabalho em funções públicas ou, pelo menos, no âmbito dos contratos administrativos; 9. A base de que deve partir a afirmação da competência material do tribunal – as relações materiais controvertidas, tal como configuradas pelos Recorridos, na petição inicial não apresenta qualquer sustentação legal nem factual; 10. A pretensão dos Recorridos não tem pois, a mínima adesão à realidade fáctica e jurídica; 11. A caracterização feita pelos Recorridos da sua situação não é exclusiva dos contratos individuais de trabalho, tanto mais que, uma vez integrados no mapa de pessoal do Recorrente, exercem as mesmas funções (formação profissional) que desempenhavam antes do ingresso; 12. Note-se que a Lei n.º 112/2017, de 29 de dezembro, distingue as pessoas abrangidas pela Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas das pessoas abrangidas pelo Código do Trabalho (cfr. n.º 1 do artigo 2.º e n.º 1 do artigo 14.º); 13. É que o Recorrente está legalmente impedido de celebrar contratos individuais de trabalho, pois que não pode ter no seu mapa de pessoal nenhum trabalhador titular desta tipologia de contratação laboral; 14. Apenas nas entidades abrangidas pelo Código do Trabalho é possível o reconhecimento da existência de contratos de trabalho, nomeadamente por efeito da presunção de contrato de trabalho, e por tempo indeterminado por se tratar da satisfação de necessidades permanentes (cfr. n.º 1 do artigo 14.º da Lei n.º 112/2017, de 29 de dezembro); 15. Ou os Recorridos se encontravam com contratos de prestação de serviço de formação profissional e, por conseguinte, integram o PREVPAP; 16. Ou estariam com contratos individuais de trabalho e, deste modo, não podem integrar o PREVPAP, pois que o Recorrido não é uma entidade abrangida pelo Código do Trabalho; 17. As relações materiais controvertidas, tal como configuradas pelos Recorridos na sua douta Petição Inicial, não podem deixar de ser enquadradas no vínculo de trabalho em funções públicas, atenta a integração dos Recorridos no mapa de pessoal do Recorrente, através do PREVPAP; 18. Independentemente de se tratar de contratos de prestação de serviço em funções públicas ou de contratos de trabalho em funções públicas, sempre emergiriam de relações jurídicas contratuais administrativas, atenta a configuração dos procedimentos concursais de recrutamento, a que os Recorridos previamente se submeteram, publicitados nos respetivos avisos de abertura; 19. Não sendo, nem podendo lícita e legalmente ser, as relações jurídicas em causa de direito privado, mas sim de direito administrativo, não seria o tribunal do trabalho o competente para dirimir o presente litígio; 20. Mas sim a jurisdição administrativa; 21. A verificação da incompetência absoluta implica a absolvição do Recorrente da instância (cfr. n.º 1 do artigo 99.º, alínea a) do artigo 577.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 278.º, todos do CPC, ex vi alínea a) do n.º 2 do artigo 1.º do CPT); 22. Ex posit, a jurisdição laboral comum absolutamente incompetente para julgar o presente litígio, que teve na origem normas de direito administrativo, com a presença de uma pessoa coletiva de direito público e com total ambiência pública. Termos em que, e pelo muito que Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, mui doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso, absolvendo o Recorrente da Instância, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 576.º e na alínea a) do artigo 577.º, ambos do CPC, ex vi alínea a) do n.º 2 do artigo 1.º do CPT, com as legais consequências (…)”. Não foram apresentadas contra-alegações. O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, ao qual respondeu o Recorrente, dele discordando. Colheram-se os vistos legais. *** II. Objecto do recursoO objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo porém as matérias que sejam de conhecimento oficioso, (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10, alterado, designadamente, pela Lei 107/2019). Assim, tem o recurso por objecto a questão da (in)competência material do Tribunal Judicial do Porto – Juízo do Trabalho do Porto - para o conhecimento do objecto da acção. *** III. Fundamentação de factoTem-se como assente o que consta do relatório precedente. *** IV. Fundamentação de Direito1. Como referido, tem a questão em apreço saber se o Tribunal do Trabalho é materialmente competente para conhecer do objecto da acção. No sentido dessa competência pugna a decisão recorrida, do que discorda o Recorrente considerando, pelas razões que invoca e que acima já ficaram expostas, que a competência é da jurisdição administrativa. 2. Desde já importa salientar que todos os pedidos e respectivas causas de pedir se reportam, de acordo com os AA. (e aliás também com o Réu), a relações contratuais iniciadas em/e após janeiro de 2010 e a alegados direitos (remuneração de férias e subsídios de férias, de Natal e de refeição) que, a existirem, se constituíram após essa data [segundo os AA: um (a 2ª A) em 01.01.2010; três em 2013 (1º, 4º e 9º AA); quatro em 2014 (3º, 6º, 7º, 8º AA), um em 2016 (5ª A)]. A essa data, 2010, encontravam-se já em vigor a Lei 12-A/2008, de 20.02, que estabeleceu os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas, bem como a Lei 59/2008, de 11.09, que aprovou o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas [cfr. arts. 118º e 23º, respectivamente, deste constando a sua entrada em vigor em 01.01.2009], diplomas estes entretanto revogados pela Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei 35/2014, de 20.06. É de referir que: a Lei 12-A/2008 é “aplicável a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, independentemente da modalidade de vinculação e de constituição da relação jurídica de emprego público ao abrigo da qual exercem as respectivas funções” (art. 2º, nº 1), e aos serviços que integram a administração directa e indirecta do Estado (art. 3º, nº 1), que designaremos, por facilidade ou economia, de Administração Pública; com a citada Lei passaram a existir, apenas, como modalidades de vinculação a nomeação, o contrato de trabalho em funções públicas e a comissão de serviço, tendo deixado de existir, no âmbito da Administração Pública, o contrato de trabalho “privado” como tal previsto no Código do Trabalho (art. 9º) e que havia sido previsto e admitido pela Lei 23/2004, de 22.06(1), com as especificidades desta constante [afigura-se-nos desnecessário, para o caso em apreço, recuar mais no tempo, designadamente aos diplomas que antecederem a citada Lei 23/2004]. E, sobre competência material, dispunha o art. 83º que “1 - Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os competentes para apreciar os litígios emergentes das relações jurídicas de emprego público. 2 - O disposto no número anterior é irrelevante para a competência que se encontre fixada no momento da entrada em vigor do RCTFP.”. Por sua vez, a Lei 59/2008, que entrou em vigor aos 01.01.2009, veio estabelecer, no seu art. 3º, que “1 - O âmbito de aplicação objectivo da presente lei é o que se encontra definido no artigo 3.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, com as especialidades constantes dos números seguintes.” E, no seu art. 10º, alterou o nº 3 do art. 4º do ETAF, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, que passou a ter a seguinte redacção: “3 - Ficam igualmente excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal: (…); d) A apreciação de litígios emergentes de contratos individuais de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito público, com excepção dos litígios emergentes de contratos de trabalho em funções públicas.» No que toca à Lei 35/2014, dispõe o seu art. 9º, nº 1, [da Lei preambular] que “1 - Ficam sujeitos ao regime previsto na LTFP aprovada pela presente lei os vínculos de emprego público e os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho constituídos ou celebrados antes da sua entrada em vigor, salvo quanto a condições de validade e a efeitos de factos ou situações totalmente anteriores àquele momento.” De harmonia com o art. 1º da LGTFP por aquela aprovada “1 - A presente lei regula o vínculo de trabalho em funções públicas. 2 - A presente lei é aplicável à administração direta e indireta do Estado e, com as necessárias adaptações, designadamente no que respeita às competências em matéria administrativa dos correspondentes órgãos de governo próprio, aos serviços da administração regional e da administração autárquica.” E, de acordo com o seu art. 6º: “1 - O trabalho em funções públicas pode ser prestado mediante vínculo de emprego público ou contrato de prestação de serviço, nos termos da presente lei. 2 - O vínculo de emprego público é aquele pelo qual uma pessoa singular presta a sua atividade a um empregador público, de forma subordinada e mediante remuneração. 3 - O vínculo de emprego público reveste as seguintes modalidades: a) Contrato de trabalho em funções públicas; b) Nomeação; c) Comissão de serviço. 4 - O vínculo de emprego público pode ser constituído por tempo indeterminado ou a termo resolutivo”, dispondo o art. 7º sobre o contrato de trabalho em funções públicas, o art. 8º sobre o vínculo de nomeação, o art. 9º sobre a comissão de serviço e o art. 10º sobre a prestação de serviços, neste se dispondo que: “1 - O contrato de prestação de serviço para o exercício de funções públicas é celebrado para a prestação de trabalho em órgão ou serviço sem sujeição à respetiva disciplina e direção, nem horário de trabalho. 2 - O contrato de prestação de serviço para o exercício de funções públicas pode revestir as seguintes modalidades: a) Contrato de tarefa, cujo objeto é a execução de trabalhos específicos, de natureza excecional, não podendo exceder o termo do prazo contratual inicialmente estabelecido; b) Contrato de avença, cujo objeto é a execução de prestações sucessivas no exercício de profissão liberal, com retribuição certa mensal, podendo ser feito cessar, a todo o tempo, por qualquer das partes, mesmo quando celebrado com cláusula de prorrogação tácita, com aviso prévio de 60 dias e sem obrigação de indemnizar.3 - São nulos os contratos de prestação de serviço para o exercício de funções públicas em que exista subordinação jurídica, não podendo os mesmos dar origem à constituição de um vínculo de emprego público.4 - A nulidade dos contratos de prestação de serviço não prejudica a produção plena dos seus efeitos durante o tempo em que tenham estado em execução, sem prejuízo da responsabilidade civil, financeira e disciplinar em que incorre o seu responsável. [ao contrato de prestação de serviços se reporta também o art. 32º] Ou seja, de harmonia com os citados diplomas, o contrato de trabalho “comum”, isto é o contrato de trabalho como tal regulamentado no Código do Trabalho, encontra-se excluído como modalidade possível de contratação no seio da Administração Pública. E, por sua vez, determina o art. 12º da citada Lei 35/2014 que “São da competência dos tribunais administrativos e fiscais os litígios emergentes do vínculo de emprego público.” Sobre competência material determina ainda: - O art. 4º, nº 4, al. b), do ETAF que “4 - Estão igualmente excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal: (…) b) A apreciação de litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público, com exceção dos litígios emergentes do vínculo de emprego público; (…)”; - O art. 126º da Lei 62/2013, de 26.08 [Lei da Organização do Sistema Judiciário- LOSJ] que: “1- Compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível: (…); b) Das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho; (…); n) Das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o juízo seja diretamente competente; (…)”. - O art. 144º, nº 1, da mesma [Lei 62/2013], que “1 - Aos tribunais administrativos e fiscais compete o julgamento de litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais.” 3. No Acórdão do STJ de 12.09.2013, Proc. 204/11.0TTVRL.P1.S1, in www.dgsi.pt, concluindo-se no sentido da competência material do Tribunal do Trabalho, porém atenta a conexão prevista no art. 85º, al. o) da então LOTJ, referiu-se o seguinte [omite-se a transcrição das notas de rodapé]: “1. Na apreciação da questão atinente à competência material do Tribunal do Trabalho para julgar a presente demanda divergiram as instâncias: a 1.ª instância, julgando procedente a excepção invocada pela ré, declarou a competência dos Tribunais Administrativos; ao invés, no acórdão recorrido afirmou-se a competência do Tribunal do Trabalho para a presente causa. 2. A competência material integra um pressuposto processual cuja apreciação deve necessariamente preceder a do fundo da causa. É pacífico que esse pressuposto se afere pela forma como o autor configura a acção, sendo esta definida pelo pedido, pela causa de pedir e pela natureza das partes, sem embargo de não estar o tribunal adstrito, neste domínio, às qualificações que autor e/ou ré tenham produzido para definir o objecto da acção. Por isso se diz que a fixação da competência do tribunal, em razão da matéria, deve atender «…à natureza da relação jurídica material em debate na perspectiva apresentada em juízo» (acórdão do S.T.J. de 27-9-94 – processo n.º 858/94). Na definição da competência do tribunal, a lei atende à matéria em causa, quer dizer, ao seu objecto, encarado sob um ponto de vista qualitativo – o da natureza da relação substancial pleiteada. Para os sobreditos efeitos, importará considerar, em suma, os termos em que a acção se acha proposta – seja quanto aos seus elementos subjectivos (identidade das partes), seja quanto aos seus elementos objectivos (natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se reclama a tutela judiciária, o acto ou o facto de onde terá dimanado esse direito e, enfim, a qualificação dos bens em disputa)[1]. Em matéria cível, a competência dos Tribunais do Trabalho vem definida no artigo 85.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (de ora em diante denominada LOFTJ), relevando, no que ora importa, o que se estabelece: «Compete aos tribunais do trabalho conhecer, em matéria cível: (…) b) Das questões emergentes de relações de trabalho subordinado (…)». Ora, o que resulta da previsão contida na citada alínea b) é que a competência do Tribunal do Trabalho se afere em função do direito que em concreto se pretende ver acautelado, tornando-se mister que ele provenha da violação de obrigações que resultem de uma relação jurídica laboral para o empregador. Por seu turno, conforme previsto no artigo 212.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa e no artigo 1.º, n.º 1 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, aos Tribunais Administrativos e Fiscais compete o julgamento das acções e recursos que tenham por objecto dirimir litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais. Afirma Fernandes Cadilha que «por relação jurídico-administrativa deve entender-se a relação social estabelecida entre dois ou mais sujeitos (um dos quais a Administração) que seja regulada por normas de direito administrativo e da qual resultem posições jurídicas subjectivas. Pode tratar-se de uma relação jurídica intersubjectiva, como a que ocorre entre a Administração e os particulares, intra-administrativa, quando se estabelecem entre diferentes entes administrativos, no quadro de prossecução de interesses públicos próprios que lhes cabe defender, ou inter-orgânica, quando se interpõem entre órgãos administrativos da mesma pessoa colectiva pública, por efeito do exercício dos poderes funcionais que lhes correspondem. Por outro lado, as relações jurídicas podem ser simples ou bipolares, quando decorrem entre dois sujeitos, ou poligonais ou multipolares, quando surgem entre três ou mais sujeitos que apresentam interesses conflituantes relativamente à resolução da mesma situação jurídica (…)»[2]. Em síntese, a jurisdição administrativa tem competência para a apreciação dos litígios com origem na Administração pública lato sensu e que envolvam a aplicação de normas de direito administrativo ou fiscal ou a prática de actos a coberto do direito administrativo. 2.1. O autor configura o vínculo havido com a ré como contrato individual de trabalho, vigente desde 3 de Janeiro de 2000, e regulado sucessivamente pelo DL n.º 427/89, de 7 de Dezembro, pela Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho e pela Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro. Peticiona, a final, o reconhecimento desse vínculo, desde a apontada data e, consequentemente, que a indemnização devida, por caducidade do contrato, seja calculada em conformidade com o disposto no artigo 252.º, n.ºs 2 e 3 da Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro. 2.2. A delimitação da competência dos tribunais administrativos e fiscais sobre a matéria dos contratos de trabalho em que é parte uma pessoa colectiva pública, prevista no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, é feita de forma negativa, constando do seu artigo 4.º, n.º 3 que «Ficam igualmente excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal: (…) alínea d) A apreciação de litígios emergentes de contratos individuais de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito público, com excepção dos litígios emergentes de contratos de trabalho em funções públicas.» As relações jurídicas de trabalho subordinado estabelecidas entre um ente público e um privado, nascidas, seja sobre a égide do DL n.º 427/89, de 7 de Dezembro, seja sobre a égide da Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, convolaram-se em contrato de trabalho em funções públicas, em virtude da conversão legal operada pelos artigos 88.º e seguintes e 109.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro (que estabeleceu o Regime de Vinculação, de Carreiras e de Remunerações dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas), normas essas vigentes no nosso ordenamento jurídico desde 1 de Janeiro de 2009 (cfr. o artigo 118.º, n.º 7 da Lei n.º 12-A/2008, e artigo 23.º da Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro). Com efeito, dispõe-se no artigo 2.º da Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, cuja epígrafe é «Âmbito de aplicação subjectivo»: «1 – A presente lei é aplicável a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, independentemente da modalidade de vinculação e de constituição da relação jurídica de emprego público ao abrigo da qual exercem as respectivas funções. 2 – A presente lei é também aplicável, com as necessárias adaptações, aos actuais trabalhadores com a qualidade de funcionário ou agente de pessoas colectivas que se encontrem excluídas do seu âmbito de aplicação objectivo». E, quanto ao âmbito objectivo de aplicação do citado diploma legal, rege o seu artigo 3.º, cujo teor é o seguinte: «1 – A presente lei é aplicável aos serviços da administração directa e indirecta do Estado. 2 – A presente lei é também aplicável, com as necessárias adaptações, designadamente no que respeita às competências em matéria administrativa dos correspondentes órgãos do governo próprio, aos serviços das administrações regionais e autárquicas. (…)». Significa o exposto que as relações jurídicas emergentes de contratos celebrados ao abrigo dos citados diplomas legais passaram a ser qualificadas como relações jurídicas emergentes de emprego público, cuja definição encontra previsão no artigo 9.º, n.º 3, da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, no qual se diz: «O contrato é o acto bilateral celebrado entre uma entidade empregadora pública, com ou sem personalidade jurídica, agindo em nome e em representação do Estado, e um particular, nos termos do qual se constitui uma relação de trabalho subordinado de natureza administrativa». Ademais, de acordo com o disposto no artigo 17.º, n.º 2 da Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, «Sem prejuízo do disposto no artigo 109.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, a transição dos trabalhadores que, nos termos daquele diploma, se deva operar, designadamente das modalidades de nomeação e de contrato individual de trabalho, para a modalidade de contrato de trabalho em funções públicas é feita sem dependência de quaisquer formalidades, considerando-se que os documentos que suportam a relação jurídica anteriormente constituída são título bastante para sustentar a relação jurídica de emprego público constituída por contrato». Tal como já antes referido, fica excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios emergentes de contrato individual de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito público, justamente com a excepção dos litígios emergentes de relações jurídicas de emprego público (artigo 4.º, n.º 3, alínea d), do ETAF). Na mesma linha, o artigo 83.º, n.º 1, da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro estabelece a competência da jurisdição administrativa e fiscal para a apreciação dos litígios emergentes das relações jurídicas de emprego público. 2.3. Aqui chegados, importa agora proceder à resolução do caso dos autos. Relativamente aos contratos que servem de base ao pedido do autor, estes foram qualificados, pelas partes, à data da celebração dos mesmos, da seguinte forma: o primeiro como contrato de trabalho a termo certo, celebrado a 3 de Janeiro de 2000, e os seguintes como contratos de prestação de serviço, sendo, por último, celebrado, entre as partes, um contrato individual de trabalho a termo, contrato que vinculou o autor e ré – pessoa colectiva de direito público – até 1 de Janeiro de 2009. Contudo, a partir de 1 de Janeiro de 2009, aquele contrato convolou-se, por mero efeito da lei, em contrato de trabalho em funções públicas, face ao disposto no artigo 17.º, n.º 2, da Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro. O certo é, porém, que a convolação do contrato de trabalho subordinado em contrato de trabalho em funções públicas não tem por consequência que o tribunal competente seja o Tribunal Administrativo. Analisemos o pedido do autor: Apesar de o pedido formulado pelo autor se reconduzir à compensação pela caducidade do contrato de trabalho em funções públicas, com fundamento no art. 252.º da Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, o certo é que, tal como se extrai dos artigos 20.º a 25.º da petição inicial[3], bem como dos artigos 43.º e 44.º [4] do mesmo articulado, o que o autor pretende é que seja declarado que «a sua relação com a Ré sempre revestiu todas as características de contrato de trabalho e assim deve ser reconhecido e tratado para efeitos da presente acção». Com efeito, alega o autor que, «em momento algum deixou de ser trabalhador da Ré, pois que o contrato de prestação de serviço mais não era do que um contrato individual de trabalho, mantendo-se todos os vínculos de subordinação jurídica já referidos nos artigos 9.º a 11.º» e que, «nos termos do artigo 12.º do Código de Trabalho (CT), perante o alegado, presume-se a existência do contrato de trabalho», sendo que «a sucessiva celebração de falsos contratos de prestação de serviço e contratos de trabalho a termo, mais não tinham como objectivo contornar os constrangimentos de ordem legal impostos sobre a Ré». Em consequência, propugna na petição inicial (artigos 43.º e 44.º) que «o número de meses de duração do vínculo é de 125, se considerarmos, como não podemos deixar de fazer, todo o período de tempo que decorreu desde o início da relação com a Ré, a 03 de Janeiro de 2000», período que o autor entende dever ser considerado, «uma vez que durante todo esse período, de forma ininterrupta, o Autor prestou o seu trabalho para a Ré, conforme antes se alegou». Assim, tal como foi considerado no acórdão do Tribunal de Conflitos, de 5 de Maio de 2011 (processo 029/10)[5], o que o autor pede é a qualificação como contrato de trabalho dos sucessivos contratos de prestação de serviço celebrados com a Ré, assim fazendo remontar o início do período temporal relevante para o cálculo da indemnização devida por caducidade a 3 de Janeiro de 2000. Não obstante o nomen iuris utilizado pelas partes - «contrato de prestação de serviço» - o autor pretende que seja declarada a existência de um contrato de trabalho no período decorrido entre 3 de Janeiro de 2000 e 31 de Maio de 2010, sendo a totalidade deste período levada em conta no cálculo da compensação pela caducidade do contrato de trabalho, entretanto, convertido em contrato de trabalho em funções públicas. Dispõe o art. 85.º, alínea o) da LOTJ que: «Compete aos tribunais do trabalho conhecer em matéria cível: Das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade e dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja directamente competente.» Dada a conexão específica de acessoriedade e dependência que se verifica entre as temáticas da qualificação dos contratos celebrados e do cálculo da indemnização devida, compete aos tribunais do trabalho, por aplicação do critério de extensão da competência que resulta da alínea o) do art. 85.º da LOTJ, decidir se os contratos invocados devem, ou não, qualificar-se como contratos de trabalho, e também fixar a compensação pela caducidade do contrato de trabalho agora convertido em contrato de trabalho em funções públicas. Tendo-se em conta os termos da pretensão do autor e respectivos fundamentos – qualificação dos contratos de prestação de serviço como contratos de trabalho subordinado – a competência para a causa incumbe aos tribunais do trabalho, nos termos das alíneas b) e o) do art. 85.º da LOTJ.”. E no mesmo sentido se pronunciou o Acórdão do STJ de 18.06.2014, Proc. 2596/11.2TTLSB-L1.S1, in www.dgsi.pt, de cujo sumário consta o seguinte: “I - A determinação do tribunal materialmente competente radica na estrutura da relação jurídica material submetida à apreciação do tribunal, segundo a versão apresentada pelo autor, isto é, tendo em conta a pretensão concretamente formulada e os respetivos fundamentos. II - Na petição inicial, o A. configura o vínculo estabelecido entre as partes (iniciado em 23.09.1990) como contrato individual de trabalho, contrato em que se fundam todos os pedidos formulados pelo mesmo. III – Este vínculo contratual converteu-se numa relação jurídica de emprego público, nos termos do art. 17.º, n.º 2, da Lei 59/2008, de 11/9, e da Lei 12-A/2008 de 27/2, sendo certo que, segundo o art. 83º deste último diploma (norma que entrou em vigor em 01.01.2009, nos termos do preceituado no seu art. 118.º, nº 7, e no art. 23.º da Lei 59/2008), os Tribunais Administrativos são os normalmente competentes para apreciar os litígios emergentes de relações jurídicas desta natureza. IV – Todavia, pretendendo o autor exercitar direitos que, em grande parte, se reportam a período anterior a 01.01.2009, período em que entre as partes vigorava uma relação contratual regulada pela lei laboral comum, não pode deixar de estender-se a competência do Tribunal do Trabalho à totalidade das questões que nos autos se encontram em causa, nos termos do art. 85.º, alínea o), da LOTJ.”. Já no Acórdão desta Relação do Porto de 28.10.2015, Proc. 206/14.5T8VLG.P1, in www.dgsi.pt, se concluiu no sentido da incompetência em razão da matéria do Tribunal do Trabalho e da competência do Tribunal Administrativo, em caso de contrato de trabalho que, embora celebrado com ente público em data anterior a 01.09.2009, seja sob a égide do DL 427/89, de 07.12, seja sob a égide da Lei 23/2004, de 22.06, mas que se convolou em contrato de trabalho em funções públicas (por força da conversão legal operada pelos arts. 88º e segs. e 109º da Lei 12-A/2008, de 27.09), em que os pedidos se reportam a factos verificados depois dessa conversão, dele Acórdão constando o seguinte: “9.1. Sobre idêntica questão foi proferido o Acórdão da Relação do Porto de 03 de Novembro de 2014, Processo n.º 45/14.3TTLMG.P1, relatado pela ora relatora e igualmente subscrito pelo ora primeiro adjunto, pelo que se seguirá no essencial o que em tal aresto foi dito[1]. Como refere Manuel de Andrade, a competência dos tribunais em geral resulta da medida de jurisdição atribuída aos diversos tribunais, do modo como entre si fraccionam e repartem o poder jurisdicional que, tomado em bloco, pertence ao conjunto dos tribunais[2]. Quanto aos tribunais judiciais, estabelece o art. 40º, n.º 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ)[3], que “[o]s tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”. O artigo 40.º da LOSJ está em consonância com o “princípio da plenitude da jurisdição comum” consagrado no art. 211º, n.º 1 da CRP, de acordo com o qual os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais, na mesma senda estabelecendo o artigo 64.º do Código de Processo Civil. Extrai-se do modo como se encontra enunciada a regra geral contida no art. 40º, n.º 1 da LOSJ que a competência dos tribunais judiciais comuns é residual, só se verificando quando as regras reguladoras da competência de outra ordem jurisdicional não abarcam o conhecimento da questão que é submetida à apreciação do tribunal. No âmbito dos tribunais judiciais a que se reporta a LOSJ, encontram-se as instâncias centrais onde podem ser criadas secções de competência especializada de Trabalho – cfr. os arts. 79.º e 81.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, alínea e). A competência especializada das Secções do Trabalho encontra-se definida no art. 126°, desta Lei, norma de acordo com a qual compete a estas Secções conhecer, em matéria cível, entre outras: “b) Das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho; (...) n) Das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o juízo seja directamente competente;” De modo similar se dispunha nas alíneas b) e o) do artigo 85.º da LOFTJ, relativo à competência dos Tribunais do Trabalho. Por seu turno, conforme previsto no artigo 212.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa “[c]ompete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”. Nos mesmos termos estabelece o artigo 144.º, n.º 1 da LOSJ e o artigo 1.º, n.º 1 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro. Segundo Fernandes Cadilha “por relação jurídico-administrativa deve entender-se a relação social estabelecida entre dois ou mais sujeitos (um dos quais a Administração) que seja regulada por normas de direito administrativo e da qual resultem posições jurídicas subjectivas. Pode tratar-se de uma relação jurídica intersubjectiva, como a que ocorre entre a Administração e os particulares, intra-administrativa, quando se estabelecem entre diferentes entes administrativos, no quadro de prossecução de interesses públicos próprios que lhes cabe defender, ou inter-orgânica, quando se interpõem entre órgãos administrativos da mesma pessoa colectiva pública, por efeito do exercício dos poderes funcionais que lhes correspondem”[4]. Na intercepção entre os domínios administrativo e laboral, importa ainda ter presente o artigo 4º, n.º 3, do ETAF, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 59/2008 de 11 de Setembro, nos termos do qual fica igualmente “excluída” do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal: “d) A apreciação de litígios emergentes de contratos individuais de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito público, com excepção dos litígios emergentes de contratos de trabalho em funções públicas.” Como se diz no Acórdão da Relação de Lisboa de 2013.12.04[5], “a excepção à exclusão redunda manifestamente na inclusão, o que é o mesmo que dizer que os litígios emergentes de contratos de trabalho em funções públicas são da competência da jurisdição administrativa e fiscal”. * 9.2. Constitui entendimento jurisprudencial sedimentado o de que a competência em razão da matéria do tribunal se afere pela natureza da relação jurídica, tal como ela é configurada pelo autor na petição inicial, ou seja, no confronto entre a pretensão deduzida (pedido), independentemente do seu mérito, e os respectivos fundamentos (causa de pedir)[6]. Parte esta jurisprudência dos ensinamentos do Prof. Manuel de Andrade no sentido de que a competência dos tribunais, ou a medida da sua jurisdição, se afere em função dos termos em que a acção é proposta, seja quanto aos seus elementos objectivos (natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto donde teria resultado esse direito, bens pleiteados, etc.), seja quanto aos seus elementos subjectivos[7].Analisando o modo como a A. estruturou a presente causa e exprimiu a sua pretensão em juízo, verifica-se que a mesma configura os vínculos que alega ter estabelecido e mantido com o R. Município … como contratos de trabalho a termo resolutivo (juntando os documentos que os titulam), tendo todos eles sido objecto de renovação até cessar o contrato, o que, segundo alega, ocorreu em Janeiro de 2014. E sustenta na Lei n.º 69/2013, de 30 de Agosto – que procedeu à quinta alteração ao Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, ajustando o valor da compensação devida pela cessação do contrato de trabalho – a sua tese no sentido de que o valor da compensação devida pela cessação do contrato de trabalho é superior à que lhe foi paga pelo R. Ou seja, fundou o pedido que formula em regras de direito substantivo laboral constantes do Código do Trabalho. Perante este desenho que a A. conferiu à causa, verifica-se que a mesma caracteriza como relação laboral de direito privado o vínculo jurídico que a ligava à R. em Janeiro de 2014. A questão que se coloca é a de saber se, já perante os factos alegados na petição inicial, é possível caracterizar esta relação jurídica como “contrato de trabalho em funções públicas” e, em caso afirmativo, se os pedidos que foram submetidos à apreciação do órgão judicial respeitam, ou não, ao período em que o vínculo estava ainda sujeito à lei laboral comum. Foi desta perspectiva que partiu a decisão recorrida ao sustentar a incompetência absoluta da Secção do Trabalho perante o alegado pela Autora – contratação pela Câmara Municipal … através de contratos de trabalho a termo certo – e perante os normativos legais que regiam tais contratos, considerando que a relação mantida “é uma relação jurídica de emprego público e mesmo que assim não fosse sempre se teria convolado por força da lei num contrato de trabalho em funções públicas e tendo a cessação da relação laboral ocorrido já na vigência da Lei nº 59/2008 de 11 de setembro, sempre seriam os Tribunais Administrativos e Fiscais os materialmente competentes - artigo 83.º da citada Lei e artigo 12.º da atual Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas aprovada pela Lei n.º 35/2014”. E fê-lo com acerto. 9.2.1. Com efeito, de acordo com a factualidade alegada na petição inicial, as relações contratuais estabelecidas foram-no entre uma pessoa individual e uma pessoa colectiva pública, no caso uma autarquia local (cfr. os artigos 235.º e 236.º da Constituição da República Portuguesa), com vista à prestação de trabalho por parte da primeira. Dispõe o artigo 2.º da Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro (Regime de Vinculação, de Carreiras e de Remunerações dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas)[8], que rege sobre o âmbito de aplicação subjectivo desta lei, que: «1 – A presente lei é aplicável a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, independentemente da modalidade de vinculação e de constituição da relação jurídica de emprego público ao abrigo da qual exercem as respectivas funções. 2 – A presente lei é também aplicável, com as necessárias adaptações, aos actuais trabalhadores com a qualidade de funcionário ou agente de pessoas colectivas que se encontrem excluídas do seu âmbito de aplicação objectivo». E, quanto ao âmbito objectivo de aplicação do citado diploma legal, o seu artigo 3.º, n.º 1, dispõe que: «1 – A presente lei é aplicável aos serviços da administração directa e indirecta do Estado. 2 – A presente lei é também aplicável, com as necessárias adaptações, designadamente no que respeita às competências em matéria administrativa dos correspondentes órgãos do governo próprio, aos serviços das administrações regionais e autárquicas. (…)». Ao definir quais as modalidades da relação jurídica de emprego público, estipula o artigo 9.º, n.º 1 que esta se constitui por “nomeação” (modalidade a que se reportam os artigos 10º e seguintes) ou por “contrato de trabalho em funções públicas” (modalidade a que se reportam os artigos 20º e seguintes e que a lei passa a designar singelamente por “contrato”), sendo que este, por sua vez, reveste as modalidades de “contrato por tempo indeterminado” e de “contrato a termo resolutivo, certo ou incerto” (art. 21º, n.º 1). As relações jurídicas emergentes dos contratos a que se reporta este diploma legal constituem relações jurídicas de emprego público, cuja definição se encontra no n.º 3 do artigo 9.º, da Lei n.º 12-A/2008, segundo o qual “[o] contrato é o acto bilateral celebrado entre uma entidade empregadora pública, com ou sem personalidade jurídica, agindo em nome e em representação do Estado, e um particular, nos termos do qual se constitui uma relação de trabalho subordinado de natureza administrativa”. Em relação aos trabalhadores já vinculados directa ou indirectamente ao Estado, aos serviços das administrações regionais e autárquicas e a outros serviços mencionados no seu art. 3º, aquele diploma estabelece nos artigos 88º e seguintes, diversas normas de transição ou de conversão de vínculos. Assim, no artigo 88º que se reporta à transição de modalidade de constituição da relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado, estabelece que: «1 - Os actuais trabalhadores nomeados definitivamente que exercem funções nas condições referidas no artigo 10.º mantêm a nomeação definitiva. 2 - Os actuais trabalhadores contratados por tempo indeterminado que exercem funções nas condições referidas no artigo 10.º transitam, sem outras formalidades, para a modalidade de nomeação definitiva. 3 - Os actuais trabalhadores contratados por tempo indeterminado que exercem funções em condições diferentes das referidas no artigo 10.º mantêm o contrato por tempo indeterminado, com o conteúdo decorrente da presente lei. (…).» Nos termos do nº 2 do artigo 17º da Lei nº 59/2008, de 11 de Setembro (que aprovou o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas): «Sem prejuízo do disposto no artigo 109.º da Lei n.º 12 -A/2008, de 27 de Fevereiro, a transição dos trabalhadores que, nos termos daquele diploma, se deva operar, designadamente das modalidades de nomeação e de contrato individual de trabalho, para a modalidade de contrato de trabalho em funções públicas é feita sem dependência de quaisquer formalidades, considerando-se que os documentos que suportam a relação jurídica anteriormente constituída são título bastante para sustentar a relação jurídica de emprego público constituída por contrato.» Assim, as relações jurídicas de trabalho subordinado estabelecidas entre um ente público e um privado nascidas antes da vigência destas leis publicadas em 2008, seja sobre a égide do DL n.º 427/89, de 7 de Dezembro, seja sobre a égide da Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, convolaram-se em contrato de trabalho em funções públicas, em virtude da conversão legal operada pelos artigos 88.º e seguintes e 109.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro. Esta legislação de 2008 entrou em vigor no nosso ordenamento jurídico em 1 de Janeiro de 2009, como resulta das disposições conjugadas dos artigos 118.º, n.º 7 da Lei n.º 12-A/2008 e 23.º da Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, pelo que, sendo o contrato de trabalho alegado pela A. de constituição anterior a esta data, convolou-se em 1 de Janeiro de 2009 em contrato de trabalho em funções públicas. Assim, tendo em consideração a causa de pedir alegada pela A. na petição inicial (os factos concretos em que radica o petitório), as relações contratuais que constituem o fundamento dos pedidos formulados deixaram de ser reguladas por normas de direito privado a partir de 1 de Setembro de 2009 – altura em que decorria uma das renovações do último contrato de trabalho a termo formalmente celebrado em 16 de Janeiro de 2008 – e passou então a subsumir-se à normação da Lei n.º 59/2008, que estabelece o regime dos contratos de trabalho em funções públicas, por então se ter convolado em contrato de trabalho em funções públicas. Ao invés do que parece entender a recorrente, não é porque invocou na petição inicial a lei geral do trabalho que se pode considerar que o pedido emerge de relações de trabalho subordinado ou que se pode considerar que à data as partes se encontravam vinculadas por uma relação jurídico-laboral regulada por normas de direito privado. Vigora no nosso ordenamento jurídico-processual a chamada «teoria da substanciação» que entende que “a causa de pedir é o próprio facto jurídico genético do direito, ou seja, o acontecimento concreto, correspondente a qualquer «fattispecie» jurídica que a lei admita como criadora de direitos”[10], cumprindo ao autor a alegação desses factos (os factos essenciais), nos quais o juiz funda a sua decisão e sendo o tribunal absolutamente livre na qualificação jurídica dos factos (artigo 664.º do Código de Processo Civil em vigor à data da petição inicial e o artigo 5.º, n.º 3 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho). Se, de acordo com os factos alegados na petição inicial – ou seja a causa de pedir – e a natureza jurídica do empregador nela identificado, as relações estabelecidas e em vigor com a A. se convolaram em contrato de trabalho em funções públicas em 1 de Janeiro de 2009, é essa realidade que deve ser tida em vista pelo julgador para aferir da competência material. 9.2.2. No que diz respeito aos pedidos formulados, todos eles emergem de uma relação de trabalho que se caracterizava como contrato de trabalho em funções públicas e não estava já sujeita à lei laboral comum quando se verificaram os factos que os fundamentam, na medida em que a A. invoca a cessação contratual operada em Janeiro de 2014 – ou seja, em data posterior à conversão do contrato – e os créditos peticionados, que se restringem às consequências patrimoniais de tal cessação (a A. questiona o acerto da compensação que lhe foi paga pela cessação do contrato de trabalho) e à contrapartida pelo trabalho prestado em Janeiro de 2014, se venceram a partir de então[11]. 9.2.3. É perante este desenho da petição inicial (causa de pedir e pedido) que deve aferir-se a competência material do tribunal. E, perante o mesmo, impõe-se concluir que o litígio emerge, claramente, de uma relação contratual denominada de “contrato de trabalho em funções públicas”, ou seja, de uma relação jurídica de emprego público, assim configurada desde data bem anterior aquela em que se verificaram os factos que constituem fundamento dos pedidos formulados na presente acção. 9.2.4. A esta conclusão não obsta o facto de a A. não ser funcionária pública, como vem alegar no recurso. O contrato de trabalho na Administração Pública, fosse o contrato a termo certo a que se referia o DL n.º 427/89, fosse o contrato de trabalho mencionado na Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho (diplomas que são invocados nos sucessivos contratos de trabalho a termo celebrados entre as partes e documentados a fls. 11, 12, 21, 22, 31 e 32), era uma relação laboral de direito privado e, por isso, não conferia aos trabalhadores contratados a qualidade de funcionário ou agente administrativo, o que implicava, antes do novo regime de 2008, que os litígios emergentes dessa relação devessem ser dirimidos pelos tribunais comuns, designadamente em matéria disciplinar (artigo 4º, n.º 3, alínea d), do ETAF, na sua redacção originária). Como refere o Conselheiro Carlos Cadilha, “o novo regime [de 2008] introduziu um novo paradigma: o contrato de pessoal é o regime-regra de constituição da relação de emprego público. A Lei deixou, por outro lado, de fazer qualquer referência expressa às noções de funcionário e agente administrativo, as quais se mantêm como meras categorias conceituais. Segundo o mesmo autor, “[o] Contrato de Trabalho em Funções Públicas (CTFP), regulado na Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, embora tenha um regime decalcado do Código de Trabalho, é expressamente qualificado como uma relação de trabalho subordinado de natureza administrativa (artigo 9º, n.º 3, da Lei n.º 12-A/2008), e não deixa de constituir uma relação laboral específica que é apenas aplicável no âmbito da Administração Pública []. Assim se compreende que o pessoal contratado seja recrutado através de procedimento concursal (artigo 50º da Lei n.º 12-A/2008), se encontre sujeito a um estatuto disciplinar próprio (artigos 1º, n.º 1, do ED e 88º da Lei n.º 59/2008) [], e ainda a um sistema de incompatibilidades (artigo 26º da Lei n.º 12-A/2008), e que a competência para a apreciação dos litígios emergentes do contrato se encontre atribuída aos tribunais administrativos (artigos 83º, n.º 1, da Lei n.º 12-A/2008 e 4º, n.º 3, alínea d), do ETAF, na redacção introduzida pela Lei n.º 59/2008) []”[12]. Assim, se é certo que os contratos de trabalho celebrados nos termos do DL n.º 427/89, de 7 de Dezembro, enquanto modalidade de constituição de relação de emprego público, se regiam pela lei laboral privada e não conferiam ao trabalhador a qualidade de funcionário ou agente administrativo, tendo um carácter residual, destinado à satisfação de necessidades transitórias dos serviços de duração determinada (artigos 3º, 4º, n.º 1, 14º, 15º e 18º do DL n.º 427/89, de 7 de Dezembro), por contraposição à nomeação e ao contrato administrativo de provimento, que implicavam a sujeição do trabalhador ao regime jurídico da função pública, é igualmente certo que não tem qualquer relevo, após a introdução do novo regime de 2008, que o trabalhador não tivesse anteriormente a qualidade de funcionário público. Mesmo não a tendo – como a A. não tem – a partir da vigência do novo regime, o contrato é igualmente qualificado como uma relação de trabalho subordinado de natureza administrativa (artigo 9º, n.º 3, da Lei n.º 12-A/2008). Igualmente não confere natureza privada ao vínculo sub judice o facto de a A. descontar para a Segurança Social como uma trabalhadora por conta de outrem, não tendo esse facto qualquer interferência na convolação contratual operada em 1 de Janeiro de 2009 para uma relação jurídica de emprego público. * 9.3. Em conformidade com o disposto no já citado artigo 4º, nº 3, alínea d) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, bem como com o artigo 83.º, nº 1 da Lei 59/2008, de 27/02, “[o]s tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os competentes para apreciar os litígios emergentes das relações jurídicas de emprego público”.Igualmente o artigo 12.º da actual Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas aprovada pela Lei n.º 35/2014 estabelece que “[s]ão da competência dos tribunais administrativos e fiscais os litígios emergentes do vínculo de emprego público”. Assim, uma vez que a relação contratual invocada na presente acção se converteu ope legis em 1 de Janeiro de 2009 em relação de trabalho subordinado de natureza administrativa, com a entrada em vigor da Lei n.º 59/2008, de 11.09, passando a constituir contrato de trabalho em funções públicas sujeito às normas instituídas na Lei n.º 12-A/2008 reguladoras desse tipo de contrato (cfr. o respectivo artigo 81.º, que rege sobre as fontes normativas do contrato), falecia às Secções do Trabalho das Instâncias Centrais competência material para apreciar os pedidos nela formulados, ainda que possa considerar-se que o contrato em vigor em Janeiro de 2014 tenha nascido em data anterior a 1 de Janeiro de 2009 e sob a égide da lei geral do trabalho. Se, de acordo com os factos alegados na petição inicial e a natureza jurídica do empregador, a relação jurídica estabelecida e em vigor com a A. se convolou em contrato de trabalho em funções públicas em 1 de Janeiro de 2009, tendo igualmente tal natureza as relações contratuais ulteriormente estabelecidas e mantidas, e se os pedidos formulados se reportam a factos verificados em data posterior aquela conversão e em plena vigência do contrato de trabalho em funções públicas, este desenho da petição inicial determina a afirmação efectuada na decisão sob censura da incompetência material da Secção do Trabalho de Valongo da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca do Porto. Independentemente da natureza jurídica do contrato de trabalho da recorrente antes de 01 de Janeiro de 2009 e do regime jurídico ao abrigo do qual foi inicialmente celebrado, à data da propositura da acção - em 21 de Outubro de 2014 - o litígio a decidir emergia de uma relação jurídica de trabalho subordinado celebrada com uma autarquia local (artigos 235.º e 236.º da CRP), que devia qualificar-se como relação jurídica de emprego público, e os pedidos formulados fundavam-se em factos verificados em Janeiro de 2014. Assim, cabe concluir que à data da interposição da acção pela recorrente a relação contratual da qual emergiu o litígio submetido à apreciação da 4.ª Secção do Trabalho da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca do Porto (com sede em Valongo) já era uma relação jurídica de emprego público, pelo que não cabia competência em razão da matéria para da mesma conhecer aquele tribunal, bem andando o Mmo. Julgador a quo em absolver o R. da instância por procedente a excepção dilatória da incompetência material, nos termos prescritos nos artigos 96.º, alínea a), 97.º, n.º 1, 99.º, n.º 1, 577.º, alínea a) e 578º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho. Competentes para o julgamento da presente acção são os Tribunais Administrativos e Fiscais – cfr. o artigo 101.º, n.º 1, alínea g) do Decreto-Lei n.° 49/2014, de 27 de Março, que regulamentou a LOSJ e o artigo 144.º desta última lei.” 4. Dos arestos do STJ acima transcritos retira-se que, não fosse a competência por conexão a que se reporta o nº 1, a al. a), do art. 126º da LOSJ, os juízos do trabalho seriam materialmente incompetentes para a acção dada a convolação legal dos contratos de trabalho (de direito comum- CT) em contratos de trabalho em funções públicas operada pela Lei 12-A/2008 e Lei 59/2008. E o mesmo se retira do Acórdão desta Relação de 28.10.2015, em que, face a essa convolação e uma vez que todos os pedidos já se inseriam no âmbito de um contrato de trabalho em funções públicas, se entendeu no sentido da incompetência material dos juízos do trabalho. Concordamos inteiramente com o entendimento preconizado no citado Acórdão desta Relação. E se assim foi em relação à situação vertida nesse aresto [bem como nos arestos citados do STJ], assim terá que ser, até por maioria de razão, para o caso ora em apreço nos autos. Com efeito, neste e tal como os AA. estruturaram a acção, invocam eles como causa de pedir uma relação de trabalho subordinado, de que o Réu é empregador, iniciada em 2010 e datas posteriores, em que já se encontravam em vigor, primeiro, a Lei 12-A/2008 e a Lei 59/2008 e, depois, a Lei 35/2014, ou seja, em que já se encontrava em vigor, na Administração Pública, a constituição da relação jurídica de emprego [à excepção da nomeação e da comissão de serviço] unicamente por contrato de trabalho em funções públicas, e sendo que os pedidos formulados se reportam, todos eles, a essa alegada relação jurídica de trabalho subordinado, sendo o Réu, instituto público, entidade integrada na administração indirecta do Estado e a quem são aplicáveis as mencionadas leis. Diga-se que uma relação de trabalho subordinado consubstancia um contrato de trabalho e este tanto o é quando celebrado, na qualidade de empregador, por uma entidade privada como por uma entidade pública. A diferença reside na natureza da entidade com quem, na qualidade de empregador, figura no contrato e no regime jurídico aplicável (o Código do Trabalho no contrato de trabalho “privado”, e o previsto na Lei 59/2008 e, depois, na Lei 35/2014, no contrato de trabalho em funções públicas). E é de salientar que, a partir daquela (e da Lei 12-A/2008) e que se manteve na Lei 35/2014, deixou de existir, na relação jurídica de emprego público, o contrato de trabalho comum, de direito privado, isto é, o como tal previsto no CT/2009 (salvo por aplicação subsidiária (salvo por aplicação subsidiária de algumas das suas normas nos termos previstos nas citadas Leis). Ou seja, tendo em conta quer a causa de pedir, esta os factos que sustentam o pedido, quer os pedidos e, bem assim, a natureza do Réu, de instituto público, há que concluir que os direitos invocados pelos AA. assentam, necessariamente, numa relação jurídica de “emprego público”, ou seja, num contrato de trabalho em funções públicas. Aliás, os AA. não alegam sequer qualquer facto ou fundamento que sustentasse a existência, entre as partes, de um contrato de trabalho de direito comum/privado, não bastando, para tanto e para a determinação da competência material, a invocação dos arts. 11º e 12º do CT/2009, sendo de realçar que o Tribunal não está vinculado à qualificação jurídica ou direito invocado pelas partes (art. 5º, nº 3, do CPC/2013). Aliás não basta, nem pode bastar, para a determinação da competência material do tribunal a mera invocação de uma qualquer norma do Código do Trabalho, sob pena do “desaforamento” do Tribunal materialmente competente por simples vontade das partes, mormente por simples vontade do autor – cfr. art. 95º do CPC/2013, nos termos do qual “1. As regras da competência em razão da matéria, da hierarquia e do valor da causa não podem ser afastadas por vontade das partes; (…)”. E, acrescente-se, mesmo que a acção prosseguisse e se viesse a porventura considerar que as relações contratuais consubstanciariam uma relação de trabalho subordinado, isto é, um contrato de trabalho (e não um contrato de prestação de serviços), sempre se teria que, a final, retirar a conclusão que é já possível retirar agora, qual seja a de que, pelas razões apontadas, o contrato de trabalho consubstanciaria um contrato de trabalho em funções públicas, não subordinado ao Código do Trabalho, com a consequente improcedência do pedido uma vez que não assentaria ou não decorreria das normas constantes do Código do Trabalho, este aplicável apenas aos contratos de trabalho de direito comum/”privados” e não ao contrato de trabalho em funções públicas, com a consequente inutilidade dos actos processuais anteriormente praticados (sendo que o art. 130º do CPC proíbe a prática de actos inúteis). Assim sendo, o Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho do Porto, não é o materialmente competente para conhecer do objecto da presente acção, sendo-o os Tribunais Administrativos e Fiscais (art. 144º da LOSJ). A incompetência material do Tribunal constitui excepção dilatória que determina a absolvição da instância nos termos dos arts. 96.º, alínea a), 97.º, n.º 1, 99.º, n.º 1, 577.º, alínea a) e 578º do CPC/2013. Procede pois o recurso. *** V. DecisãoEm face do exposto acorda-se em julgar o recurso procedente, em consequência do que se revoga a decisão recorrida, que é substituída pelo presente acórdão em que se decide julgar procedente a excepção dilatória da incompetência material do Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho do Porto para o conhecimento do objecto da presente acção, absolvendo-se o Réu, INSTITUTO DO EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL, I.P., da instância. Custas da acção pelos Recorridos. Custas do recurso pelos Recorridos, não sendo neste, todavia, devida taxa de justiça na medida em que, não tendo contra-alegado, não deram impulso processual ao recurso – art. 6º, nº 1, do RCP. Dê-se desde já conhecimento do presente acórdão à 1ª instância, embora com a informação de que o mesmo ainda não transitou em julgado. Porto, 13.07.2022 Paula Leal de Carvalho Rui Penha Jerónimo Freitas _____________ (1) Revogado pela Lei 59/2009, com excepção dos seus arts. 16º, 17º, 18º. |