Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
298/20.8YRPRT
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: ACÇÃO DE ANULAÇÃO DE DECISÃO ARBITRAL
ARBITRAGEM
PRAZO MÁXIMO DA CONCLUSÃO DO PROCESSO
DECISÃO ARBITRAL
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
Nº do Documento: RP20210128298/20.8YRPRT
Data do Acordão: 01/28/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE A ACÇÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O artigo 43.º da Lei da Arbitragem Voluntária estabelece o prazo máximo dentro do qual a arbitragem deve estar concluída e a respectiva sentença notificada às partes, pelo que não é equiparável nem gera a mesma consequência a disposição do Regulamento do CICAP que estabelece um prazo dentro do qual o árbitro após a conclusão da audiência deve proferir a sentença e esta ser notificada às partes.
II - O prazo do artigo 17.º do CICAP não substitui, nos processos deste tribunal arbitral, o prazo do artigo 43.ºda Lei da Arbitragem Voluntária e a sua ultrapassagem não gera os efeitos fixados neste (caducidade do processo arbitral) e no artigo 46.º da mesma lei (a anulabilidade da sentença arbitral).
III - A amplitude do dever de fundamentação das decisões arbitrais não pode ser definida por decalque do dever sinónimo aplicável às sentenças dos tribunais estaduais e deverá ter em conta as especificidades do processo arbitral e os seus objectivos de celeridade, simplicidade e informalidade, mas a fundamentação deve, em qualquer caso, ter o conteúdo mínimo exigível que permita apreender o sentido, as razões e o percurso racional seguido pelo árbitro na interpretação dos meios de prova.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acção de Anulação de Decisão Arbitral
ECLI:PT:TRP:2021:298.20.8YRPRT
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Sumário:
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Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:
B…, S.A., pessoa colectiva n.º ………, com sede no Porto, instaurou contra C…, contribuinte fiscal n.º ………, residente em …, Maia, acção declarativa com processo comum para anulação de decisão arbitral.
Alegou para o efeito que em 22-10-2019 a ora ré apresentou reclamação junto do Tribunal Arbitral do Consumo – Centro de Informação de Consumo e Arbitragem do Porto (processo n.º 14/2019), pedindo a condenação da requerida e ora autora a colocar o forno objecto da presente acção em conformidade com o contrato por via da reparação, ou se assim não se entender, por via da substituição por outro igual e, em qualquer dos casos, sem encargos para a requerente; foi designada o dia 28-11-2019 para a realização de tentativa de conciliação, seguida de imediata arbitragem com o respectivo julgamento e a ora autora foi citada da reclamação para, querendo, apresentar contestação escrita acompanhada de todos os elementos probatórios dos factos alegados e da indicação dos restantes meios de prova; a autora contestou e juntou prova; no dia 28-11-2019, realizou-se no Tribunal Arbitral de Consumo – Centro de Informação de Consumo e Arbitragem do Porto, a tentativa de conciliação, e uma vez que esta se frustrou, realizou-se julgamento com produção da prova testemunhal; a autora foi notificada da sentença arbitral em 30-09-2019 e, posteriormente, em 12-10-2020, notificada da sentença rectificada, a qual condenou a aqui autora a substituir o fogão adquirido pela Requerente, por um novo de iguais características.
Alegou ainda que o artigo 15.º do Regulamento do Centro de Informação de Consumo e Arbitragem do Porto estabelece que a sentença arbitral deve ser notificada às partes no prazo máximo de 15 dias seguidos a contar da data da realização da audiência; porém, no caso, a audiência de julgamento realizou-se no dia 28-11-2019 e a sentença arbitral só foi notificada à autora em 30-09-2020 e a sentença arbitral rectificada em 12-10-2020; o não acatamento daquele prazo implica automaticamente o termo do processo arbitral e a extinção da competência do Sr. Juiz Árbitro para julgar a acção, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 43º da LAV, aplicável ex vi n.º3, do artigo 19º do Regulamento do Centro de Informação de Consumo e Arbitragem do Porto, razão pela qual a respectiva sentença é anulável nos termos da sub alínea vii) da alínea a) do n.º3 do artigo 46º da LAV, aplicável ex vi n.º3, do artigo 19º do Regulamento do Centro de Informação de Consumo e Arbitragem do Porto.
Alegou também que de acordo com o artigo 17.º do Regulamento do Centro de Informação de Consumo e Arbitragem do Porto os processos de reclamação não podem ter duração superior a 90 dias, pelo que no caso tendo a reclamação sido apresentada em 22-10-2019 a sentença sempre deveria ter sido notificada às partes até ao dia 23-01-2020, altura em que caducou a convenção arbitral por esgotamento do prazo do processo de reclamação, conforme o disposto na sub alínea vii) da alínea a) do n.º3 do artigo 46 da LAV.
Alegou por fim que a sentença arbitral é anulável porque não contem qualquer exame crítico da prova produzida nem explica porque foi desprezado ou desconsiderado o depoimento de uma testemunha, o que se traduz em fundamentação insuficiente da sentença e gera a sua anulabilidade nos termos da sub alínea vii) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46º da LAV, aplicável ex vi n.º 3 do artigo 19º do Regulamento dos, e do n.º4 do artigo 607º e da alínea b) don.º1 do artigo 615º do Código de Processo civil. Acresce que o tribunal arbitral se pronunciou sobre matéria que não se encontrava em discussão uma vez que a única reclamação da ré respeitava ao plano de trabalhos e sinalética, razão pela qual o Sr. Juiz Árbitro incorreu em excesso de pronúncia, vício que é fundamento de anulabilidade por caber na previsão da sub alínea v) do n.º3 do artigo 46 da LAV.
A ré foi citada com força de citação pessoal e não contestou, tendo enviado para o processo mensagem de correio electrónico anunciando não ir contestar em virtude de não estar disposta a suportar os custos com a acção.
Estão assim findos os articulados.
Não é necessária a produção de qualquer meio de prova.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II. Questões a decidir:
Os fundamentos da petição inicial pedem que esta Relação decida as seguintes questões:
i) Se a convenção arbitral caducou pelo decurso do prazo para ser proferida a sentença.
ii) Se a sentença arbitral enferma de falta de fundamentação.
iii) Se a sentença arbitral incorreu em excesso de pronúncia.

III. Os factos:
Encontram-se provados por documento (certidão do processo arbitral) os seguintes factos:
1. Em 22-10-2019 a aqui ré apresentou junto do Tribunal Arbitral do Consumo – Centro de Informação de Consumo e Arbitragem do Porto reclamação que deu origem ao processo n.º 14/2019, na qual pedia a condenação da «requerida e ora autora a colocar o forno objecto da presente acção em conformidade com o contrato por via da reparação, ou se assim não se entender, por via da substituição por outro igual e, em qualquer dos casos, sem encargos para a requerente».
2. Recebida a reclamação foi designada o dia 28-11-2019 para a realização de tentativa de conciliação, seguida de imediata arbitragem com o respectivo julgamento.
3. Em 11-11-2019 a aqui autora foi citada para os termos da reclamação, para comparecer na tentativa de conciliação e para apresentar, querendo, contestação escrita acompanhada de todos os elementos probatórios dos factos alegados e da indicação dos restantes meios de prova.
4. Em 25-11-2019 a aqui autora contestou a reclamação e juntou prova.
5. No dia 28-11-2019, realizou-se no Tribunal Arbitral de Consumo -Centro de Informação de Consumo e Arbitragem do Porto, a tentativa de conciliação a qual se frustrou.
6. No mesmo dia, a seguir, realizou-se audiência de julgamento, sob a presidência do Juiz-Árbitro, na qual foram ouvidas as partes em depoimento e se produziu a prova testemunhal indicada.
7. Com data de 27-09-2020 foi proferida sentença pelo Juiz-Árbitro, condenando a aqui autora a substituir o fogão adquirido pela aqui ré por um novo de iguais características.
8. Esta decisão arbitral foi notificada às partes em 30-09-2019.
9. Em 07-10-2020 a aqui ré pediu a rectificação da sentença quanto à sua identificação civil (nome).
10. Por decisão datada de 12-10-2020 foi ordenada a rectificação da decisão.
11. Em 12-10-2020 as partes foram notificadas da sentença rectificada.

IV. O mérito:
Iniciemos a apreciação do recurso recordando que a acção de anulação de sentença arbitral apenas pode ter como fundamento as circunstâncias especificamente consignadas no artigo 27º da Lei da Arbitragem Voluntária, não podendo nesta acção o tribunal estadual sindicar o mérito da sentença arbitral mas somente averiguar os eventuais vícios do percurso processual que levou o árbitro até à sentença, isto é, os erros in procedendo (nesse sentido cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24-10-2006, de 11-02-2010, de 07-06-2011, de 22-09-2016, de 17-06-2011, de 13-07-2017 e de 27-11-2018, todos in www.dgsi.pt; Menezes Cordeiro, in Tratado Da Arbitragem, pág. 424; Manuel Pereira Barrocas, in Manual de Arbitragem, 2ª edição, pág. 520; Mário Esteves de Oliveira, in Lei da Arbitragem Voluntária Comentada, pág. 546).
Como se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-09-2016, processo n.º 660/15.8YRLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt, «[…] a LAV actualmente vigente apenas permite a impugnação da sentença arbitral pela via do pedido de anulação dirigido ao competente tribunal estadual […]; o pedido de anulação – que origina uma forma procedimental autónoma, moldada pelas regras da apelação no que se não mostre especialmente previsto no nº2 do art. 46º da LAV – pressupõe a verificação de algum ou alguns dos fundamentos taxativamente previstos na lei, cumprindo, em regra, à parte que faz o pedido o ónus de demonstrar a respectiva verificação; e tal pretensão não envolve um amplo conhecimento do mérito da decisão que se pretende anular, estando a competência do tribunal estadual circunscrita à matéria da verificação do específico fundamento da pretendida anulação, cabendo, mesmo nos casos em que proceda a pretensão anulatória, a reapreciação do mérito a outro tribunal arbitral, nos termos do nº9 do citado art. 46º».
Ora o artigo 46.º, n.º 3, da Lei da Arbitragem Voluntária aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14-12, estabelece que a sentença arbitral só pode ser anulada pelo tribunal estadual competente se a parte que faz o pedido de anulação demonstrar, para além de outras que aqui não estão em causa,uma das seguintes situações:
v) que o tribunal arbitral condenou em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento ou deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar.
vi) A sentença foi proferida com violação dos requisitos estabelecidos nos n.os 1 e 3 do artigo 42.º.
vii) A sentença foi notificada às partes depois de decorrido o prazo máximo para o efeito fixado de acordo com ao artigo 43.º.
Vejamos então cada um dos vícios imputados pela autora à sentença arbitral.
A] A caducidade da convenção arbitral pelo decurso do prazo para ser proferida a sentença:
Como se assinalou a sentença arbitral é anulável se tiver sido notificada às partes depois de decorrido o prazo máximo para o efeito fixado de acordo com ao artigo 43.º.
O artigo 43.º, cuja epígrafe é «prazo para proferir sentença», tem a seguinte prescrição:
«1 - Salvo se as partes, até à aceitação do primeiro árbitro, tiverem acordado prazo diferente, os árbitros devem notificar às partes a sentença final proferida sobre o litígio que por elas lhes foi submetido dentro do prazo de 12 meses a contar da data de aceitação do último árbitro.
2 - Os prazos definidos de acordo com o n.º 1 podem ser livremente prorrogados por acordo das partes ou, em alternativa, por decisão do tribunal arbitral, por uma ou mais vezes, por sucessivos períodos de 12 meses, devendo tais prorrogações ser devidamente fundamentadas. Fica, porém, ressalvada a possibilidade de as partes, de comum acordo, se oporem à prorrogação.
3 - A falta de notificação da sentença final dentro do prazo máximo determinado de acordo com os números anteriores do presente artigo, põe automaticamente termo ao processo arbitral, fazendo também extinguir a competência dos árbitros para julgarem o litígio que lhes fora submetido, sem prejuízo de a convenção de arbitragem manter a sua eficácia, nomeadamente para efeito de com base nela ser constituído novo tribunal arbitral e ter início nova arbitragem. […].»
No caso esta previsão, manifestamente, não foi violada.
Tendo o processo sido iniciado junto do Centro de Informação de Consumo e Arbitragem do Porto em 22-10-2019 e nele sido praticado o último acto em 12-10-2020– notificação às partes da sentença rectificada –, é evidente que entre aquele início e este termo estava decorrido um lapso de tempo que não excedeu o ano (12 meses) previsto no artigo 43.º da Lei da Arbitragem Voluntária.
Por isso, independentemente de para o caso relevar não a apresentação da reclamação propriamente dita mas sim a aceitação pelo árbitro da sua designação para as funções de juiz – árbitro, se o processo não durou mais de 12 meses não podem ter decorrido entre essa aceitação e a notificação da sentença às partes mais de 12 meses.
A autora, no fundo, reconhece essa conclusão, pois na verdade o que ela alega não é que tenha havido a violação do prazo previsto no artigo 43.º da Lei da Arbitragem Voluntária mas sim dos prazos previsto nos artigos 15.º e 17.º do Regulamento do Centro de Informação de Consumo e Arbitragem do Porto.
Embora a autora não o tenha junto aos autos, encontra-se disponível no sítio na internet do referido Centro, no endereço https://www.cicap.pt/cicap/estatutos-e-regulamentos/, um Regulamento que presumimos seja fidedigno.
O artigo 15.º desse Regulamento, sob a epígrafe «sentença arbitral», estabelece o seguinte:
«[…] 2 – A sentença arbitral, cujo original fica depositado no Centro, é notificada às partes com o envio de cópia simples, no prazo máximo de 15 dias seguidos a contar da data da realização da audiência.
3 – O prazo referido no número anterior poderá ser prorrogado, por igual período, por impedimento do árbitro.[…]»
Já o artigo 17.º, sob a epígrafe «prazos processuais», contem a seguinte estatuição:
«Os processos de reclamação não podem ter duração superior a 90 dias, a não ser que o litígio revele especial complexidade, podendo então ser prorrogado no máximo por duas vezes, por iguais períodos, nos termos do n.º 5 e 6 do artigo 10.º da Lei RAL.»
Na nossa leitura, pese embora o modo muito semelhante como se encontram redigidas as normas, o regime do artigo 15.º do Regulamento do Centro de Informação de Consumo e Arbitragem do Porto não é equiparável ao regime do artigo 43.º da Lei da Arbitragem Voluntária, isto é, as duas normas em questão não se referem à mesma situação.
Basta comparar os dois prazos para se imediato compreender que enquanto o prazo do artigo 43.º da Lei da Arbitragem Voluntária se refere ao prazo máximo dentro do qual a arbitragem deve estar concluída com a notificação da respectiva sentença às partes, o artigo 15.º do Regulamento se refere ao prazo dentro do qual o árbitro deve após a conclusão da audiência proferir a sentença e esta ser notificada às partes.
Só essa leitura permite compreender que o prazo do artigo 43.ºcomece a correr desde a aceitação do árbitro da sua designação e, portanto, esse prazo compreenda o tempo necessário à instrução e julgamento do litígio e elaboração da sentença. Tal como só desse modo se atinge que o prazo do artigo 15.º se conte a partir da realização da audiência – independentemente do tempo já decorrido desde o início do processo – e que o prazo seja de apenas 15 dias, tempo que seria absolutamente insuficiente para permitir à parte demandada exercer o contraditório e arrolar prova, realizar-se a audiência de produção de prova e ser proferida sentença, tudo isso actos que têm obrigatoriamente de ser praticados.
É certo que o artigo 43.º da Lei da Arbitragem Voluntária está feito para compreender situações em que a arbitragem se pode mostrar muito complexa e demorada e que o Centro de Informação de Consumo e Arbitragem do Porto se ocupa apenas de litígios de consumo que em condições normais não possuem complexidade que permita delongas.
Todavia, o artigo 43.º da Lei da Arbitragem Voluntária não apenas fixa um prazo que vale para todas as situações independentemente da sua complexidade, como consente que o prazo de um ano seja prorrogado por decisão do próprio tribunal arbitral, por uma ou mais vezes, por sucessivos períodos de 12 meses, desde que essa decisão seja devidamente fundamentada e a ela não se opuserem ambas as partes de comum acordo. Já o prazo do artigo 15.º do Regulamento apenas pode ser prorrogado por igual período e por impedimento do árbitro, o que se afasta enormemente do prazo que pode ser atingido ao abrigo do artigo 43.º.
Não sendo o prazo do artigo 15.º do Regulamento um prazo equiparado, rectius, estabelecido para a mesma situação e/ou finalidade do prazo previsto no artigo 43.º da Lei da Arbitragem Voluntária, não é defensável que no caso se devesse considerar que o prazo máximo dentro do qual a arbitragem devia estar concluída com a notificação da respectiva sentença às partes era de 15 dias e/ou que este prazo se contava desde a realização da audiência.
Por outro lado, a Lei da Arbitragem Voluntária não só não fixa um prazo que deva ser observado pelos peritos entre a conclusão da audiência e a prolação da sentença, como, naturalmente, não associa a esse – inexistente – prazo a consequência de por termo automaticamente ao processo arbitral que é aquilo que nos termos da sub alínea vii) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º da Lei da Arbitragem Voluntária gera a anulabilidade da sentença arbitral.
Por sua vez, nem o artigo 15.º do Regulamento nem qualquer outro preceito do mesmo Regulamento estabelecem que o decurso de mais de 15 dias entre a data da realização da audiência e a prolação da sentença e sua notificação às partes produza a consequência do encerramento automático do processo arbitral.
Ora essa previsão era indispensável – independentemente do mais – para se poder defender que o decurso desse prazo deve ser equiparado ao prazo do artigo 43.º da Lei da Arbitragem Voluntária para efeitos da remissão fechada[1] para esse preceito em particular feita pela sub alínea vii) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º do mesmo diploma, sendo certo que, como vimos, as situação de anulabilidade da sentença arbitral são apenas as previstas na lei e essa previsão é, pelo menos tendencialmente, taxativa.
Por todas estas razões, entendemos que a sentença arbitral não é anulável pela circunstância de entre a data da realização da audiência e a notificação às partes da sentença arbitral terem decorrido mais de 15 dias, pese embora essa circunstância se traduza no incumprimento de uma regra ordenatória da tramitação do processo arbitral no Centro de Informação de Consumo e Arbitragem do Porto (violação sem consequências processuais e apenas relevante ao nível da avaliação do trabalho do juiz-árbitro no Centro).
Questão diferente é a que se prende com o prazo do artigo 17.º do Regulamento em análise.
Resulta expressamente da redacção da norma que o prazo que ela assinala é um prazo máximo para a conclusão dos processos de reclamação, característica que de facto aproxima a norma do artigo 43.º da Lei da Arbitragem Voluntária porque, como vimos, também esta fixa um prazo máximo para a conclusão do processo arbitral.
Essa constatação obriga a perguntar se apesar da notória diferença entre os dois prazos a violação de qualquer deles deve importar a mesma consequência, isto é, o termo automático do processo arbitral e a anulabilidade da sentença arbitral que apesar desse termo haja sido proferido; e se nos processos instaurados no Centro de Informação de Consumo e Arbitragem do Porto se deve entender que o prazo do artigo 43.º da Lei da Arbitragem Voluntária se encontra substituído pelo prazo do artigo 17.º do respectivo Regulamento para efeitos de possível anulação da decisão arbitral.
Não parece defensável misturar ambos os preceitos, regulamentar e legal, para alcançar uma redacção conjugada e através dela uma disposição que não se encontra numa nem noutra das normas, isto é, que valeria o prazo de 90 dias (do artigo 17.º do Regulamento) mas contado da aceitação do último perito (como o prazo do artigo 43.º da Lei da Arbitragem Voluntária). O que não obsta a que seja necessário saber como se conta o prazo do artigo 17.º do Regulamento, questão que passará pela interpretação e integração do próprio Regulamento.
A primeira questão suscitada emerge desde logo da enorme diferença entre os prazos: no primeiro caso, 12 meses, prorrogáveis por iguais períodos, uma ou mais vezes, por decisão fundamentada que pode não estar associada à complexidade do processo; no segundo caso, 3 meses, prorrogáveis por igual período apenas até duas vezes e apenas em situações de especial complexidade.
Para compreender essa diferença convém estabelecer a distinção necessária entre processo arbitral e procedimento de resolução alternativa de conflitos (RAL).
Os processos arbitrais são aqueles que se integram na competência dos tribunais arbitrais e se encontram regulados pela Lei da Arbitragem Voluntária e pelos estatutos dos respectivos tribunais no caso de a arbitragem funcionar no âmbito de um Tribunal Arbitral já constituído. Estes processos podem variar muito de complexidade, pela dificuldade, diversidade e natureza das questões a decidir ou pelas exigências de produção de prova que essa decisão demanda.
Para as questões que envolvem relações de consumo e consumidores foram criados específicos meios de resolução alternativa de litígios através da Lei n.º 144/2015, de 8 de Setembro, que transpôs a Directiva 2013/11/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2013, sobre a resolução alternativa de litígios de consumo e o enquadramento jurídico dos mecanismos de resolução extrajudicial de litígios de consumo. Os procedimentos de resolução extrajudicial de litígios de consumo podem envolver a mediação, a conciliação, e a arbitragem. Todavia, em qualquer caso, são procedimentos que se devem orientar segundo princípios de eficácia, disponibilidade, acessibilidade e celeridade (artigos 10.º e seguintes).
Não estabelecendo a lei o contrário, deve entender-se que os processos arbitrais estão sujeitos aos prazos estabelecidos na Lei da Arbitragem Voluntária e que os procedimento de resolução alternativa de conflitos (RAL) aos prazos estabelecidos na Lei n.º 144/2015, de 8 de Setembro, na medida em que embora qualquer deles vise a resolução dos conflitos fora dos tribunais estaduais se tratam de mecanismos de resolução distintos que possuem regimes jurídicos específicos. Naturalmente quando o procedimento de resolução alternativa de conflitos compreende a realização da arbitragem deve aplicar-se a essa fase do procedimento as regras e as normas da Lei da Arbitragem Voluntária.
Enquanto o artigo 43.º define expressamente a consequência da ultrapassagem do prazo para a conclusão do processo arbitral com a notificação da sentença às partes, estabelecendo que essa circunstância «põe automaticamente termo ao processo arbitral, fazendo também extinguir a competência dos árbitros para julgarem o litígio que lhes fora submetido, sem prejuízo de a convenção de arbitragem manter a sua eficácia,nomeadamente para efeito de com base nela ser constituído novo tribunal arbitral e ter início nova arbitragem», a Lei n.º 144/2015, de 8 de Setembro, não fixa qualquer consequência para a ultrapassagem do prazo máximo para a decisão do procedimento estabelecido no respectivo artigo 10.º.
Ora a redacção do artigo 17.º do Regulamento do Centro de Informação de Consumo e Arbitragem do Porto remete expressamente para a redacção do referido artigo 10.º da Lei n.º 144/2015, de 8 de Setembro, ao estabelecer que os processos de reclamação não podem ter duração superior a 90 dias, a não ser que o litígio revele especial complexidade, podendo então ser prorrogado no máximo por duas vezes, por iguais períodos, nos termos do n.º 5 e 6 do artigo 10.º da referida Lei. Daí que, nem directamente através do respectivo clausulado, nem indirectamente através da remissão para a Lei n.º 144/2015, de 8 de Setembro, o Regulamento estabeleça qualquer consequência para a ultrapassagem daquele prazo.
Nesse contexto, sendo certo que a caducidade é uma forma de extinção do processo de resolução do conflito fora dos tribunais estaduais que tem de estar consagrada na lei ou na convenção de arbitragem, entendemos que não estando fixada qualquer consequência para a ultrapassagem do prazo do artigo 17.º do Regulamento do Centro de Informação de Consumo e Arbitragem do Porto este é um mero prazo regulador ou disciplinador do procedimento, que tem por objectivo imprimir celeridade ao procedimento e cujo cumprimento pode determinar consequências relativamente à diligência com que o árbitro exerce as suas funções e/ou à inscrição do Centro de Informação de Consumo e Arbitragem do Porto junto da Direcção-geral do Consumidor na lista de entidades de RAL.
A consequência do encerramento automático do processo arbitral relativamente a um procedimento que corra termos no Centro de Informação de Consumo e Arbitragem do Porto apenas ocorrerá quando este procedimento incluir a realização de arbitragem e o seu curso se prolongue para além do prazo do artigo 43.º da Lei da Arbitragem Voluntária, isto é, quando o procedimento, mais do que ter excedido o prazo 3 meses do artigo 17.º do Regulamento, se prolongue mesmo por mais de 12 meses a que a Lei da Arbitragem Voluntária associa aquela consequência.
Assim, não tendo este prazo sido ultrapassados, somos a concluir pela improcedência da arguição da caducidade do processo arbitral e extinção da competência do árbitro, não sendo a decisão arbitrável anulável com tal fundamento.
B] da falta de fundamentação da decisão:
A autora alega que a sentença arbitral não se encontra fundamentada uma vez que nela não é efectuado o exame crítico da prova documental junta pela autora ou do depoimento das testemunhas, sendo que o depoimento da testemunha E… não é sequer mencionado na motivação e não é adiantada qualquer justificação ou fundamento para o tribunal arbitral o desconsiderar.
O artigo 42.º, n.º 3, da Lei da Arbitragem Voluntária estabelece que a sentença arbitral «deve ser fundamentada, salvo se as partes tiverem dispensado tal exigência ou se trate de sentença proferida com base em acordo das partes, nos termos do artigo 41.º».
Por sua vez o artigo 15.º do Regulamento do Centro de Informação de Consumo e Arbitragem do Porto, estabelece que a «sentença arbitral deve conter um sumário, ser fundamentada e conter a identificação das partes, a exposição do litígio e os factos dados como provados».
Nenhuma destas normas fornece pistas sobre o que se deve entender por fundamentação, rectius, qual a densidade do dever de fundamentação de uma sentença arbitral. A norma do Regulamento até complica sem necessidade essa tarefa ao referir-se separadamente à «fundamentação» e à indicação dos «factos provados».
Segundo as regras processuais estaduais, constantes do Código de Processo Civil, a fundamentação da decisão é de facto ou de direito. A fundamentação de facto consiste na especificação dos factos que o tribunal julgou provados e aos quais vai de seguida aplicar o direito para concluir pelo dispositivo. A fundamentação de direito consiste na indicação, interpretação e aplicação das normas e princípios de direito aos factos provados e na formulação ao silogismo judiciário que há-de conduzir ao dispositivo.
O artigo 154.º do Código de Processo Civil estabelece o «dever de fundamentar a decisão», prescrevendo que «as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas». O n.º 2 da norma, sem concretizar o modo como essa fundamentação deverá ser feita, estabelece pela negativa que a fundamentação «não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade».
É o artigo 607.º desse diploma que ao definir o conteúdo da sentença nos dá mais indicações sobre o âmbito da fundamentação. Nos termos do n.º 3, a sentença deve apresentar os respectivos «fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicaras normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final».
Nos termos do n.º 4, na parte dedicada à fundamentação da sentença o juiz deve declarar os factos que julga provados e os que julga não provados, «analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência».
Convém ter presente que independentemente da sua inserção sistemática na parte da sentença denominada por fundamentação, no domínio do processo civil possuem regimes próprios e distintos os vícios da falta de fundamentação da sentença e os vícios da motivação da decisão sobre a matéria de facto. Aquela falta afecta a própria sentença e conduz à respectiva nulidade. Já as deficiências desta decisão apenas afectam o próprio acto do julgamento da matéria de facto e o seu tratamento é feito no âmbito da impugnação da decisão sobre a matéria de facto provocando-se a intervenção do tribunal de recurso na fixação dessa matéria e cabendo a este o poder de a alterar para suprir aquelas deficiências e ajustar a decisão à prova produzida ou, excepcionalmente, forçando o tribunal recorrido a aperfeiçoar a motivação acrescentando a fundamentação devida e em falta.
Daí resulta que não devem confundir-se a fundamentação de facto e a motivação da decisão sobre a matéria de facto, isto é, a indicação dos factos que por terem sido julgados provados irão ser objecto de subsunção jurídica e a actividade de explanação do raciocínio que o juiz seguiu na análise dos meios de prova para formar a sua convicção que o levou a decidir julgar desse modo aqueles factos. As deficiências da motivação da decisão sobre a matéria de facto apenas são sindicáveis através do recurso, nos casos em que ele seja cabido, não através da arguição da nulidade da sentença de que essa motivação faz parte.
Por outro lado, constitui entendimento doutrinário e jurisprudencial pacífico que só a absoluta falta de fundamentação produz a nulidade da sentença, devendo distinguir-se as situações em que a fundamentação existe mas é insuficiente, lacunosa ou errada, e as situações em que a fundamentação foi pura e simplesmente suprimida (ou cujas deficiências atingem um nível tal que a situação deve ser tratada como falta de fundamentação) e que são as únicas que podem conduzir à nulidade da sentença.
Como quer que seja, sabe-se que a Constituição da República Portuguesa consagra no artigo 205.º, n.º 1, o dever de fundamentação das decisões decorre ao estabelecer que «as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».
Gomes Canotilho, in Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, Almedina, 4.ª Edição, 2000, pág. 651, afirma que esta exigência constitucional é justificada pela necessidade de exercer o controlo da administração da justiça, excluir o carácter voluntarístico e subjectivo do exercício da actividade jurisdicional, permitir o conhecimento da racionalidade e da coerência argumentativa dos juízes, permitir o melhor exercício do direito ao recurso ao dar às partes um recorte mais preciso e rigoroso dos vícios das decisões judiciais recorridas.
Alguns autores acentuam e bem que «mais do que uma imposição constitucional, a exigência de fundamentação das decisões integra o elenco de princípios concretizadores do processo justo (muitas vezes designado “due process of law”), que tem como conteúdo fundamental a conformação do processo de forma materialmente adequada a uma tutela jurisdicional efectiva» (cf. Diogo Cunha, in Da forma, conteúdo e eficácia da sentença arbitral, Themis, ano XV, n.ºs 26/27, 2014, pág. 218, Patrícia Pereira, in Fundamentos de anulação da sentença arbitral, O Direito, 142, 2010, V, pág. 1081).
É discutível se o dever de fundamentação deve ter a mesma densidade na sentença arbitral que na sentença de um tribunal estadual. Podemos ser levados a pensar que a densidade deve ser igual por maioria de razão, isto é, se é exigido de juízes togados que fundamentem a determinado nível as suas decisões apesar das habilitações e do treino que possuem para avaliar os meios de prova, por maioria isso deve ser exigido de que não possui essas habilitações e experiência não obstante esteja dotado de competência para proferir decisões que irão produzir os mesmos efeitos de uma sentença de um tribunal estadual e submeter as partes às mesmas consequências, sendo certo que as regras de escolha dos árbitros e de organização e funcionamento dos tribunais arbitrais transportam para o julgamento arbitral menor credibilidade, confiança e imparcialidade.
Todavia, importa ter presente que os peritos não têm de ser licenciados em direito e em determinadas situações há mesmo o interesse legítimo que a sua habilitação académica e formação profissional esteja ligada a áreas de conhecimento não jurídicas mas requeridas pela questão submetida a julgamento. Nesse contexto, cremos, não é curial impor-lhe exigências que demandam conhecimento jurídico e para as quais eles não estão manifestamente preparados.
Em tais situações exigir aos árbitros que motivem a sua decisão sobre a matéria de facto como o faria ou deveria fazer um juiz togado seria abrir o caminho à inutilidade da arbitragem tantas seriam as possibilidades de obter a anulação da decisão arbitral. Por isso, cremos, a definição da amplitude do dever de fundamentação das decisões arbitrais não pode ser feito de modo absolutamente decalcado do dever sinónimo aplicável às sentenças dos tribunais estaduais; importa ter em conta as especificidades do processo arbitral e os seus objectivos de celeridade, simplicidade e informalidade. Onde essas ideias nos conduzem é algo que deve ser visto caso a caso, verificando se a fundamentação tem no caso o conteúdo mínimo exigível aferido em função da necessidade de apreensão do sentido, das razões e do percurso racional seguido pelo árbitro na interpretação dos meios de prova, mas também da complexidade dos factos em discussão e do volume de prova produzida.
Apliquemos agora esta interpretação jurídica ao caso concreto.
O conteúdo da sentença arbitral no campo da respectiva fundamentação é o seguinte:
«Fundamentação:
2.1 Factos provados:
A) A Requerente adquiriu um fogão Tecnogás Modelo …….., em 06.02.2018, pelo preço de € 800,00, mais IVA.
B) Em data não concretamente apurada, mas antes de Janeiro de 2019, o tabuleiro superior do fogão ficou castanho, com aspecto queimado.
C) As manchas referidas em B) não saíram, nem após utilização de produto referido pela Requerida como indicado para tal, nem após as intervenções da Requerida.
D) A ventoinha do forno faz demasiado ruído quando que é usada.
E) A Requerida é representante legal do produtor do fogão e não celebrou qualquer contrato com a Requerente.
F) A Requerida já prestou pelo menos 1 assistência e reparação ao fogão da Requerente.
Factos não provados:
Toda a demais factualidade alegada
3.3
Motivação
A prova positiva e negativa à factualidade levada a apreciação deste Tribunal, prendeu-se essencialmente com o acordo das partes quanto a parte dos factos, sendo que, os quesitos b) c) e) e f) resultam provados pelo acordo das partes quanto aos mesmos, à forma como os factos ocorreram e se sucederam temporalmente, designadamente, quanto à ocorrência dos defeitos denunciados e quanto à sua subsistência (ainda que discutia a causa dos mesmos, o que será objecto de apreciação peio Tribunal-arbitral).
Para a prova positiva do facto a), concorreu, antes de mais, a prova documental carreada paras os autos pela Requerente, designadamente, a factura de fls. 5 dos autos.
No que aos quesito d) e f) concerne, verificamos que para a prova positiva dos mesmos concorreu o depoimento da testemunha D… que confirmou ter já feito uma reparação no fogão da Requerente por ordem da Requerida, confirmando, inclusive que o fogão fazia muito barulho e que as desconformidades subsistem.
Relativamente à fixação da matéria dada como não provada, a ausência de prova, quer documental quer testemunhal, não permitiu ao Tribunal aferir da veracidade dos factos, justificando-se, desta forma, a resposta negativa dado aos mesmos
Na nossa interpretação esta fundamentação é absolutamente suficiente para preencher o requisito da fundamentação da sentença arbitral. Nela o perito indica os factos que julgou provados e os factos que julgou não provados e assinala de modo claro os meios de prova em que se baseou para formar a convicção que produziu esse julgamento. O árbitro acrescenta inclusivamente a razão de ciência da testemunha cujo depoimento atendeu e o conteúdo do depoimento que converge no facto julgado provado com esse fundamento probatório. O outro meio de prova atendido pelo árbitro é um documento e mais propriamente uma factura pelo que é totalmente desnecessário qualquer explicação dos motivos pelos quais se retirou desse documento a prova do negócio jurídico celebrado.
Vendo bem, a autora não questiona nada disso. O que a autora sustenta é que o árbitro tinha não apenas de indicar os meios de prova em que alicerçou a sua convicção como justificar porque não atendeu aos outros meios de prova produzidos, isto é, que a motivação não se basta com a justificação racional da convicção formada e exige uma análise ponto por ponto de cada um e de todos os meios de prova produzidos.
Esta exigência, porém, independentemente de saber se é imposta pelo artigo 607.º do Código de Processo Civil às sentenças dos tribunais estaduais – o n.º 4 manda que o juiz analise criticamente as provas, ou seja, todas as provas produzidas, mas também determina que o juiz só tem de indicar as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificar os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, isto é,expor o raciocínio lógico que seguiu na interpretação e apuramento do valor probatório das provas em resultado das quais formou a sua convicção e fez o seu julgamento e não propriamente justificar porque o seu julgamento não resultou de outros meios de prova – não deve ser aplicada a uma sentença arbitral, uma vez que excede manifestamente os princípios essenciais por que se rege o processo arbitral e consubstancia uma exigência com uma tecnicidade e um grau de pormenorização que não deve ser estendida aos árbitros.
A acção de anulação da sentença arbitral não pode converter-se num modo de contornar a impossibilidade de recurso da mesma, numa via alternativa para prosseguir o objecto próprio deste. A inadmissibilidade do recurso não deve levar a que os pressupostos da anulação da sentença arbitral se adaptem e se tornem mais exigentes para permitir um novo julgamento arbitral apenas porque a parte entende que à formação da convicção dos árbitros devia ter presidido a prova que produziu e não a prova que o árbitro decidiu acolher.
Se só a absoluta falta de fundamentação determina a nulidade da sentença proferida por um tribunal estadual, por maioria de razão não pode justificar a anulação de uma sentença arbitral a apresentação de uma motivação que é perfeitamente suficiente para justificar a convicção probatória do árbitro e a que apenas falha a indicação dos motivos pelos quais outros meios de prova produzidos não influenciaram essa convicção.
Por esse motivo, improcede a arguição da nulidade da sentença arbitral por falta de fundamentação.
C] excesso de pronúncia:
A autora sustenta ainda que o árbitro se pronunciou sobre questões que não haviam sido suscitadas pelas partes, incorrendo no vício de excesso de pronúncia que é fundamento de anulabilidade nos termos da sub alínea v) da alínea a) do n.º3 do artigo 46 da Lei da Arbitragem Voluntária.
A autora localiza este excesso de pronúncia na circunstância de o árbitro ter julgado provado o facto da alínea d) – a ventoinha do forno faz demasiado ruído quando que é usada –o qual seria «matéria que não se encontrava em discussão, já que a ventoinha do forno que estava ligeiramente solta já tinha sido devidamente aparafusada e as borrachas amortecedoras da grelha do fogão foram substituídas».
Esta argumentação estabelece uma confusão.
O problema relativo ao funcionamento anómalo da ventoinha do forno foi denunciado claramente pela ré na reclamação que apresentou no Centro de Informação de Consumo e Arbitragem do Porto, designadamente na mensagem de correio electrónico que acompanha a reclamação.
Por conseguinte, esse defeito podia e devia ser conhecido pelo tribunal arbitral e a inclusão nos factos provados de um facto relacionado com o mesmo não consubstancia qualquer excesso de pronúncia. A situação contrária é que podia constituir uma omissão de pronúncia.
Diferente disso é saber se o defeito já tinha sido objecto de reparação por parte da vendedora e, como tal, não podia justificar a decisão de ordenar a substituição do fogão. Essa questão, contudo, já nada tem a ver com o poder de cognição do árbitro, rectius, com saber se ele conheceu – apenas – daquilo de que podia conhecer, tem sim a ver com o mérito da sua decisão, com a correcção das razões jurídicas pelas quais ele decidiu ordenar a substituição do fogão. Por outras palavras, trata-se de um aspecto que podia ser abordado num eventual recurso da decisão, não de um aspecto que possa determinar a anulação da sentença arbitral.
Improcede assim também este fundamento da acção, razão pela qual, em conclusão, esta deve ser julgada totalmente improcedente.

V. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar improcedente a acção e absolver a ré do pedido de anulação da sentença arbitral.
Custas da acção pela autora.
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Porto, 28 de Janeiro de 2021.
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Os Juízes Desembargadores
Aristides Rodrigues de Almeida (R.to594)
Francisca Mota Vieira
Paulo Dias da Silva

[a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas qualificadas]
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[1] Por antinomia com uma remissão aberta não para uma concreta norma legal mas por exemplo para o «prazo máximo para a conclusão do processo arbitrável aplicável ao caso».