Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
| ||
| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | FRANCISCO MOTA RIBEIRO | ||
| Descritores: | SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO PRESCRIÇÃO DA PENA INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO DA PENA | ||
| Nº do Documento: | RP202203231048/08.2TAVFR-G.P1 | ||
| Data do Acordão: | 03/23/2022 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | CONFERÊNCIA | ||
| Decisão: | CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO | ||
| Indicações Eventuais: | 4. ª SECÇÃO (CRIMINAL) | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Traduzindo-se a pena de suspensão da execução da pena de prisão numa pena autónoma, a estatuição normativa que reclama a regulação do seu prazo de prescrição é a contida na al. d) do nº 1 do artigo 122.º do Código Penal, integrando tal pena de substituição, portanto, os “casos restantes” aí referidos, por prévia exclusão dos mencionados nas alíneas precedentes; daí resulta que o seu prazo de prescrição é de 4 anos, contados a partir da data do trânsito em julgado da sentença condenatória, nos termos do nº 2 do mesmo artigo. II - A suspensão de execução da pena de prisão constitui pena autónoma que, coerentemente com a exclusão a que foi votada a sua referência na nova al. c) do atual art.º 125.º, ao contrário do que sucedia na versão originária do Código Penal, passou a ser em si um caso de cumprimento ou execução de pena. III - E sendo assim, deve concluir-se que, no caso dos autos, o prazo de prescrição se interrompeu com a sua execução, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 126º, nº 1, al. a), do Código Penal (norma relativa à interrupção do prazo de prescrição), execução essa que começou a correr desde a data do trânsito em julgado da sentença condenatória, voltando o prazo de prescrição de 4 anos a correr de novo depois de terminado o período de suspensão da execução da pena de prisão. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 1048/08.2TAVFR-G.P1 – 4.ª Secção Relator: Francisco Mota Ribeiro Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto 1. RELATÓRIO 1.1. Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, transitado em julgado a 26/05/2014, proferido no processo nº 1048/08.2TAVFR, que correu termos no Juízo Central Criminal de Santa Maria da Feira, Juiz 2, Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, foi o arguido AA condenado na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, pela prática de dois crimes de fraude fiscal, previstos e punidos pelos art.ºs 103º, nº 1, al. a) e c), e 104º, nºs 1 e 2, do RGIT; 1.2. Por despacho de 24 de novembro de 2021, foi decidido revogar a suspensão da execução da pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, determinando-se o seu cumprimento pelo condenado AA; 1.3. De tal despacho interpôs recurso o condenado, apresentando motivação que termina com as seguintes conclusões: “1.ª) O Arguido foi condenado na pena principal de 4 anos e 6 meses de prisão, pena essa que, por douto acórdão transitado em julgado em 26-05-2014, foi substituída pela pena de suspensão da execução daquela pena de prisão por igual período. 2.ª) E foi notificado da revogação da decisão ora em crise em 24/11/2021, ou seja, volvidos cerca de 8 anos. 3.ª) A maioria da nossa mais conceituada Jurisprudência entende que a suspensão da execução da pena de prisão constitui uma autêntica pena autónoma, sendo em regra a sua medida concreta determinada de forma autónoma, sem que exista uma correspondência automática com a pena principal (cfr. artigos 50.º, n.º 5, 45.º, n.º 1, 46.º, n.º 1, e 60.º do CP) - Leia-se, a propósito, Prof. Eduardo Correia, nas Atas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Geral, Separata do BMJ, nomeadamente as 17ª e 22ª sessões, de 22.2 e 10.3.1964, e Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pág. 90. 4.ª) A autonomia da pena de substituição é essencial para a determinação dos prazos de prescrição das penas, já que, a prescrição da pena principal só se coloca, após o trânsito em julgado do despacho revogatório da pena de substituição referida, pois só a partir daí assume exequibilidade. 5.ª) Logo, até àquele momento, a prescrição a considerar é a da pena em execução, ou seja, a pena de suspensão prevista nos artigos 50.º a 54.º do CP. 6.ª) O artigo 122.º, n.º 1, do CP, alíneas c) e d), estabelece como prazo de prescrição da pena de prisão igual ou superior a 2 anos, em 10 anos; e, nos restantes casos, o prazo de prescrição das penas encontra-se fixado em 4 anos. 7.ª) De onde decorre que a pena principal aplicada ao Recorrente/Arguido prescreve em 10 anos, mas a pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão, fruto da sua autonomia face à pena de prisão, prescreve em 4 anos (cfr. artigo 122.º, n.º 1, al. d) do C.P.) 8.ª) No caso sub judice temos que: a pena de substituição de suspensão da pena de prisão, foi aplicada por douto Acórdão do TRP transitado em julgado em 26-05-2014; nesta data iniciou-se o prazo de prescrição da pena de substituição (cfr. n.º 2 do artigo 122.º do CP), sendo que, desde então, até à prolação da decisão ora em crise (24/11/2021) decorreram 7 anos, 5 meses e 28 dias. 9.ª) Assim, conscientes que o prazo de prescrição da pena de substituição de suspensão da pena de prisão se interrompeu em 26-05-2014 com o início da respetiva execução (cfr. artigo 126.º, n.º 1, alínea a) do CP), face ao comando do n.º 3 do referido artigo 126.º do CP, face à inexistência de qualquer causa de suspensão, temos que a pena de substituição prescreveu em 26-05-2020, porquanto, à data já tinha decorrido o prazo normal de prescrição, in casu, 4 anos, cfr. artigo 122.º, n.º 1, alínea d) do CP, acrescido de metade (mais 2 anos), num total de 6 anos. 10.ª) Por conseguinte, quando em 24/11/2021 foi proferida a decisão ora em crise, já a pena de substituição de suspensão da pena de prisão estava prescrita, o que, como é sabido, é de conhecimento oficioso. 11.ª) Pelo que, ao não conhecer da prescrição, a decisão recorrida encontra-se ferida do vício de nulidade por omissão de pronúncia (cfr. artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP). 12.ª) Assim, porque proferida em data posterior à da prescrição da pena de substituição e sendo omissa quanto a tal questão, a decisão recorrida afigura-se inconstitucional por violação do processo equitativo e violação intolerável das garantias de defesa, assegurados pelos artigos 9.º, n.º 1, alínea b), 20.º, nº 4 e 5, 30.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1 da CRP. Mesmo que assim doutamente não se entenda, 13.ª) Considerando que, por factos ocorridos em 01/03/2000, o Recorrente/Arguido foi julgado e condenado por 2 crimes de fraude fiscal, na pena principal de 4 anos e 6 meses de prisão, pena essa que foi substituída pela pena de suspensão da execução daquela pena de prisão; 14.ª) Que a suspensão da execução da pena de prisão constitui, uma autêntica pena autónoma, sendo em regra a sua medida concreta determinada de forma autónoma, sem que exista uma correspondência automática com a pena principal (cfr. douto Ac. do Tribunal Constitucional de 08/07/2021); 15.ª) Que só o trânsito em julgado da decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão determinará o cumprimento da pena principal (de prisão) fixada na sentença, já que, até lá, a pena em apreço é a pena de substituição; 16.ª) Que da conjugação das alíneas c) e d) o artigo 122.º, n.º 1 do CP decorre que a pena principal aplicada ao Recorrente/Arguido prescreve em 10 anos, porém, a pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão, fruto da sua autonomia face à pena de prisão, prescreve em 4 anos (cfr. douto Acórdão da Relação de Lisboa de 19-09-2017); 17.ª) Que o prazo de prescrição, in casu, da pena de substituição, só começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena (cfr. artigo 122.º, n.º 2 do CP); 18.ª) Que no caso concreto, a pena de substituição foi aplicada por douto Acórdão transitado em julgado em 26-05-2014; 19.ª) Que o prazo de prescrição da pena de substituição iniciou-se, pois, nesta data (cfr. n.º 2 do artigo 122.º do CP) e interrompeu-se em 26-05-2014, ou seja, com o início da execução da referida pena (cfr. artigo 126.º, n.º 1, alínea a) do CP). 20.ª) Que desde então, até à prolação da decisão ora em crise ocorrida em 24/11/2021, decorreram já 7 anos, 5 meses e 28 dias. 21.ª) Que não ocorreu qualquer causa de suspensão; 22.ª) Temos que, em 26-05-2020 a pena de substituição prescreveu (cfr. n.º 3 do artigo 26.º do CP), porquanto, naquela data, já tinha decorrido o prazo normal de prescrição da pena de substituição (4 anos, cfr. artigo 122.º, n.º 1, alínea d) do CP) acrescido de metade, ou seja mais 2 anos. 23.ª) Por conseguinte, quando em 24/11/2021 foi proferida a decisão ora em crise, já a pena de substituição estava prescrita (Neste sentido, veja-se douto Ac. do STJ de 05/07/2017 e, ainda, o Ac. do S.T.J. de Justiça de 13/02/2014 ambos supra transcritos, cujo teor aqui damos por reproduzido.) 24.ª) Este mesmo entendimento foi perfilhado no douto Acórdão da Relação do Porto de 23/06/2021, segundo o qual “ A contagem do prazo de prescrição de uma pena de prisão suspensa na sua execução e sujeita a regime de prova, inicia-se no dia do trânsito em julgado da condenação (artigo 122º, nº 2, do Código Penal) e interrompe-se durante o período de suspensão da execução da pena, por força do disposto no artigo 126º, nº 1, alínea a), do Código Penal.” (Sublinhado nosso) 25.ª) A prescrição, in casu, da pena de substituição, ocorre pelo simples lapso de tempo, independentemente de qualquer outra condição e é a autoridade judiciária que deve invocá-la ex officio em qualquer momento ou fase do processo (Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 06-02-2008, e, ainda, douto Ac. da Relação de Lisboa de 14/12/2011). 26.ª) Por conseguinte, o Tribunal a quo deveria ter apreciado e decretado a prescrição da pena de substituição com a consequente extinção da pena, o que não se dignou fazer, violando assim, o disposto nos artigos 122.º, n.º 1. al. d) e n. 2, 126.º, n.º 1, al. a) e n.º 3 e artigo 57.º do CP e, consequentemente, o disposto nos artigos 9.º, n.º 1, alínea b), 20.º, nº 4 e 5, 30.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1 da CRP. Ainda que assim doutamente não se entenda, 27.ª) O atual regime da revogação da suspensão da pena de prisão exige dois requisitos, o primeiro, nos termos da alínea b) do artigo 56.º do CP, de cariz meramente formal (o cometimento de um crime pelo qual venha a ser condenado, durante o período de suspensão), o segundo de pendor material, consistente em apurar se a condenação pela prática de um crime no decurso do período de suspensão da execução da pena, afasta irremediavelmente o juízo de prognose em que assentava a suspensão da execução da pena de prisão. 28.ª) Assim, para o preenchimento do anunciado segundo requisito, a Lei não se basta com a prática de um crime durante o período da suspensão. 29.ª) Na sequência da prática de novo crime no período da suspensão, suscita-se a necessidade de uma apreciação judicial sobre a personalidade e condições de vida do arguido, a sua conduta anterior e posterior ao crime e o circunstancialismo que envolveu o cometimento pelo mesmo do novo crime, à luz dos fins das penas de harmonia com o artigo 40.º, n.º 1, do CP e, ainda, dos critérios consagrados no artigo 50.º, n.º 1, do CP. 30.ª) O acento tónico está hoje colocado, não no cometimento de crime durante o período de duração da suspensão e correspondente condenação em pena de prisão, mas no facto de o cometimento de um crime e respetiva condenação revelarem a inadequação da suspensão para através dela serem ainda alcançadas as finalidades da punição (OLIVEIRA, Odete -Jornadas de Direito Criminal, Revisão do Código Penal, II - CEJ, 1998, pg. 105). 31.ª) Pelo que, de acordo com a norma do artigo 56.º, n.º 1, alínea b) do CP que o cometimento de crime no período da suspensão é insuficiente, só por si, para determinar a revogação da pena de substituição (cfr. Ilustre Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, 2005, p. 356). 32.ª) Assim, mesmo verificado o requisito de natureza formal, a revogação da execução da pena de prisão não é nem deve ser automática, (cfr., entre muitos outros, os Ac. da Relação do Porto de 29.10.2014 e da Relação de Lisboa de 23.04.2013, ambos disponíveis em www.dgsi.pt). 33.ª) Ou seja, a condenação sofrida durante a suspensão apenas influirá na revogação (da suspensão) se da prática desse crime se invalidar/anular o juízo de prognose favorável que esteve na origem da suspensão. 34.ª) Razão pela qual, para revogar a pena de suspensão, “a Lei exige que o julgador se rodeie de especiais cautelas de forma a perceber até que ponto se frustraram as expectativas de reinserção do condenado…” (cfr. Ac. da Relação do Porto de 04-05-2011, proferido no processo 436/98.5TBVRL-C.P1.) 35.ª) No caso em apreço, o Recorrente/Arguido foi condenado, por decisão transitada em julgado em 26-05-2014, na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa por igual período, pela prática em 1-03-2000, de dois crimes de fraude fiscal; 36.ª) E, no campo formal, é certo que por sentença transitada em julgado (cfr. certidão com a ref.ª 8962214 – proc. n.º 52/17.4IDAVR) durante o período de suspensão, concretamente nos 3.º e 4.º trimestres de 2016, o Arguido cometeu um crime de abuso de confiança fiscal p.p. pelo artigo 105.º, n.º 1 do RGIT. 37.ª) Porém, relativamente ao requisito de pendor material, entendemos que não existem razões para afastar irremediavelmente o juízo de prognose em que assentava a suspensão da execução da pena de prisão. 38.ª) Na verdade, mesmo verificado o requisito de natureza formal, salvo o mui devido respeito por diversa opinião, a prática do crime de abuso de confiança fiscal passados 16 longos anos da prática dos primeiros crimes pelos quais foi condenado, por si só, não terá comprometido de forma irreversível o juízo de prognose favorável, nem sequer as necessidades de prevenção geral e especial. 39.ª) Importa, pois, considerar a data da suspensão e a data em que foi cometido o novo crime, a relação entre os crimes, a análise das circunstâncias em que foi cometido, o impacto negativo perante as finalidades que justificaram a suspensão, a evolução das condições de vida do Arguido até ao presente, ou seja, à data em que se profere a decisão de revogar ou não a suspensão da execução da pena. 40.ª) No plano processual impõe-se a prévia realização das diligências que se revelem úteis para a decisão, avultando entre as possíveis, além da audição do condenado, a elaboração de relatório social. 41.ª) Os factos a que se reporta a condenação dos presentes autos remontam ao longínquo ano 2000, enquanto os factos que deram origem à segunda condenação (3.º e 4.º trimestres de 2016), foram praticados pelo Arguido decorrido um período de 16 longos anos. 42.ª) Durante este período nenhum Relatório de Avaliação Periódico da Suspensão da Execução da Pena ou Relatório Social foi elaborado que pudesse atestar as condições socioeconómicas do Arguido. 43.ª) Os factos praticados em 2000, levaram à condenação do Arguido pela prática de como 2 crimes de fraude fiscal agravada p.p. nos artigos 103.º, n.º 1, alíneas a) e c) e 104.º, n.º 1, e 2 do RGIT, já os factos praticados nos 2 .º e 3.º trimestres de 2016, levaram à condenação do Arguido pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal p.p. no artigo 105.º do RGIT. 44.ª) Assim, apesar de consubstanciarem crimes da mesma natureza, o crime de abuso de confiança fiscal foi praticado após 16 anos e em circunstâncias totalmente adversas, motivado em grande medida pelas graves dificuldades financeiras que o Arguido à data atravessava, o que, aliás, resulta da decisão recorrida. 45.ª) É isso que se extrai da sentença respeitante ao processo n.º 52/17.4IDAVR, do Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira – Juíz 3 – certidão ref.ª 8962214, na qual se pode ler que “…face às dificuldades económicas pelas quais passava a sociedade que geria, o Arguido optou pelo pagamento das despesas cuja não liquidação importaria a paralisação da empresa, como é o caso dos salários dos trabalhadores, sempre com o fito de a situação melhorar e proceder aos pagamentos devidos à Autoridade Tributária, o que, no entanto, não veio a acontecer.” 46.ª) Aliada a referidas dificuldades económicas do Arguido à data da prática do novo crime, na supra citada decisão foi tida igualmente em consideração a conjuntura económica que se tem vindo a sentir, com acentuado agravamento nos últimos anos. 47.ª) De onde ressalta que a intensidade do grau de intensidade da culpa da conduta do Recorrente/Arguido no cometimento do novo crime, afigura-se muito menor. 48.ª) Por isso, face à humilde postura do Arguido, entre outros fatores e ponderados os demais pressupostos, o(a) Mmo(a) Juiz(a) do Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira – Juiz 3, entendeu suspender a pena de 2 anos e 2 meses de prisão aplicada ao Arguido pelo período de 3 anos mediante pagamento ao Estado, o que o Recorrente/Arguido tem cumprido. 49.ª) Significa isto que, este tribunal, em avaliação mais recente e atualizada das concretas circunstâncias relevantes e sendo conhecedor da condenação proferida nos presentes autos, não teve dúvidas em, perante o juízo de prognose favorável que terá formulado de que o Arguido não voltará a cometer crimes, suspender-lhe de novo a execução da pena de prisão, entendendo que a simples ameaça dessa pena seria adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição e considerando, que ainda não se frustraram definitivamente as expectativas de sucesso da ressocialização do condenado. 50.ª) É entendimento maioritário, que o juízo de prognose, favorável ou desfavorável, realizado aquando da condenação subsequente, não sendo vinculativo ou condicionante da decisão a proferir, não é inócuo, devendo ser igualmente sopesado em sede de juízo quanto à eventual revogação da suspensão (Figueiredo Dias, in “As consequências jurídicas do crime”, Lisboa, Aequitas/Editorial Notícias, 1993, pág. 357 e, entre muitos outros, o Acórdão da Relação do Porto de 29.10.2014, disponível em www.dgsi.pt). 51.ª) Conf. resulta da citada douta decisão (ref.ª 8962214 ),“…afigura-se-nos que tal juízo de confiança pode ainda ser formulado em relação ao arguido AA, pois pese embora os seus antecedentes criminais pela prática de crimes da mesma natureza da dos autos, os mesmos remontam aos anos de 1995, 1996 e 2000 e 2002 e do qual, no último, ao arguido foi aplicada uma pena de prisão igualmente suspensa na sua execução, não se verificando a prática de qualquer crime após essas datas e até ao ano de 2016. De salientar ainda que tais crimes foram cometidos estando o arguido ligado à gerência de empresas, o que presentemente hoje já não acontece, pois não ocupa qualquer cargo de gerência.” Por estes factos acabados de enunciar o Tribunal efetua ainda um juízo prognose favorável quanto à aplicação de uma pena que não seja de prisão efetiva do arguido e assim decide suspender a execução da pena de prisão ora aplicada ao arguido.” (sublinhado nosso). 52.ª) Também Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário ao Código Penal, 2.ª edição, pág. 236; e os acórdãos do TRC, 28.03.2012 e 11.05.2011; do TRP de 02.12.2009, e do TRE de 26.04.2016 e 25.09.2012, ““só a condenação em pena efetiva de prisão é reveladora de que as finalidades que estiveram na base da decisão prévia de suspensão não puderam ser alcançadas” (neste mesmo sentido, vejam-se os Ac. da Relação de Lisboa de 19/06/2019, do Tribunal da Relação de Évora de 08/09/2021 e de 13/07/2021, supra transcritos cujo teor aqui reproduzimos. 53.ª) Embora, não conste da decisão ora em crise, o Arguido afirmou perante o Tribunal que atualmente realiza trabalhos esporádicos no ramo da cortiça como empregado fabril e efetua lavagens de veículos, auferindo, em média, da quantia de 600,00€ mensais, encontrando-se, pois, afastado das atividades coletivas e de gerência (Cfr. resulta da certidão com a ref.ª 8962214 – proc. n.º 52/17.4IDAVR, do Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira – Juíz 3); 54.ª) Encontra-se totalmente inserido social e profissionalmente e tem uma estrutura familiar sólida. 55.ª) Foram as muitas dificuldades financeiras que atravessou, aliadas à grave crise que tem assolado o nosso País, a falta de apoio às pequenas empresas e, ainda, a ausência de acompanhamento do Arguido, que contribuíram para a prática de novo crime. 56.ª) Nos termos que lhe foram impostos na segunda condenação, o Arguido encontra-se a pagar ao Estado, nunca mais praticou qualquer crime e passou a trabalhar por conta de outrem. 57.ª) Demonstrando, assim, um percurso positivo da sua ressocialização em liberdade, o que à luz do disposto no artigo 40.º, n.º 1 do CP, será de manter. 58.ª) A revogação da suspensão da pena operada pelo Tribunal a quo não ponderou e haveria que ponderar os fatores acima indicados como forma de apurar se esta (a revogação), seria a única forma de lograr a prossecução das finalidades da punição. 59.ª) Ao decidir pela revogação da suspensão e determinando o cumprimento da pena de prisão num regime contínuo de reclusão, por um crime mais antigo (cometido em 2000), o Tribunal a quo está a permitir uma contradição, uma incoerência, na medida em que, estará a "anular" o efeito que a pena mais recente pretendeu efetivamente acautelar, ou seja, proteger os bens jurídicos e a reintegração do Arguido na sociedade (cfr. Ac. da Relação de Évora de 15/12/2016; Ac. da Relação de Évora de 10/11/2020-Proc.190/16.0PBSTR-A.E1 e, ainda, Ac. da Relação de Lisboa de 19/06/2019, os quais aqui damos por reproduzidos). 60.ª) Acresce que, a revogação da suspensão da execução da pena de prisão só deve ter lugar quando seja a única e última forma de conseguir alcançar as finalidades da punição sendo, portanto, cláusula de ultima ratio no sistema criminal. 61.ª) O instituto legal da suspensão da execução de pena de prisão surge inserido numa lógica jurídica em que as penas de prisão se apresentam como ultima ratio da política social, que se pretende evitar, constituindo matéria intimamente ligada à ideia de reintegração do condenado na sociedade, que nos surge como uma das finalidades das penas imposta pelo artigo 40.º nº 1 do Código Penal. 62.ª) As exigências de prevenção geral impõem um esforço sério no sentido da reabilitação social do Arguido com a corresponsabilização social nessa mesma reabilitação, porquanto, a tarefa do sistema jurisdicional penal não se esgota a final, na determinação dos factos criminosos e dos seus agentes. 63.º) In casu, não se verificam os requisitos legais exarados no artigo 56.º, n.º 1, al. b) do C.P., v.g., os de natureza material, para que se possa decidir pela revogação da suspensão da pena de prisão em que o Recorrente/Arguido foi condenado. 64.ª) Tendo em conta o lapso de tempo decorrido entre a prática de um e do outro crime (16 anos), as circunstâncias em que foi cometido o segundo crime e as condições socioeconómicas do Arguido, justifica-se a possibilidade de opção pela aplicação de uma das medidas previstas no artigo 55.º do CP, adequada ao comportamento do condenado. 65.ª) Ao invés de revogar a suspensão, o Tribunal a quo, poderia ter optado pela prorrogação do período de suspensão do período de suspensão, com imposição de deveres ou regras de conduta (cfr. douto Acórdão da Relação do Porto de 14/10/2020). 66.ª) No quadro dos princípios da proporcionalidade e da necessidade da pena, que merecem ponderação até à extinção da sanção, in casu, não se justifica a obrigação do cumprimento da pena de prisão. 67.ª) Face à operada suspensão da execução da pena de prisão no processo n.º 52/17.4IDAVR, do Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira – Juíz 3, mais recente e reveladora de que se manteve o juízo de prognose favorável que sopesou as condições da dita suspensão, porque em 24/11/2021 (data da prolação da decisão recorrida), já há muito havia decorrido o prazo de suspensão, o Mmo. Juiz a quo poderia e deveria ter declarado extinta a pena, cfr. artigo 57.º, n.º 1 do CP. 68.ª) O princípio da proporcionalidade das sanções penais é um dos princípios que a jurisprudência constitucional tem feito decorrer do artigo 18.º, n.º 2, da CRP, no sentido de que deve ser garantida uma adequada proporção entre as penas e os factos a que se aplicam. 69.ª) Qualquer restrição a direitos fundamentais constante em legislação ordinária, como é o caso da revogação da suspensão da pena de prisão, deve respeitar o referido princípio da proporcionalidade, nos termos do qual os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa «justa medida», impedindo-se a adoção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos. 70.ª) Afigurando-se, pois, inconstitucional por violação do disposto nos artigos 9.º, alínea b), 18.º, 20.º, 29.º n.º 4, 31.º, n.º 1, 32.º, n.º 1, da CRP a interpretação do artigo 56.º, n.º 1, alínea b), segundo a qual, tendo o Arguido cometido durante o período da suspensão da pena de prisão um único crime de igual natureza, pelo qual lhe foi aplicada pena substitutiva de suspensão da pena de prisão, por si só, é bastante para infirmar o juízo de prognose favorável que esteve na base da suspensão da pena de prisão, levando automaticamente à revogação da suspensão. 71.ª) Face ao exposto, sempre com o mui devido respeito, entendemos que a decisão ora em crise foi proferida em violação dos preceitos ínsitos nos artigos 122.º, n.º 1, alínea d) e n.º 2, 126.º, n.º 3, 40.º, n.º 1, 50.º, 55.º, 56.º, n.º1, al. b), 57.º, 70.° e 71.° todos do CP, bem como os preceitos constitucionais contidos nos artigos 9.º, n.º 1 alínea b), 18.º, n.º 2, 20.º, n.ºs 4 e 5, 29.º, n.º 4, 30.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1 da CRP . Nestes termos e sempre nos melhores de Direito doutamente supridos, concedendo provimento ao recurso, deverão V. Exas, Declarar a decisão ora em crise nula por omissão de pronúncia no que tange à prescrição da pena de substituição; Se assim doutamente não se entender, Declarar prescrita a referida pena de substituição e, consequentemente, a extinção da pena; Se ainda assim doutamente não se entender, Substituir a decisão recorrida por douta decisão que declare e ordene a prorrogação do prazo da pena substitutiva de suspensão da execução da pena de prisão, com sujeição a deveres/regras de conduta, farão V. Ex.ªs, aliás, como sempre, inteira e sã Justiça.” 1.4. O Ministério Público respondeu, concluindo pela improcedência do recurso, nos seguintes termos: “1. Por sentença transitada em julgado, o arguido foi condenado, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período. 2. Perante o exposto, foram tomadas declarações ao arguido, argumentando que praticou crime, pelo qual foi condenado, durante o período da suspensão, por motivos dificuldades económicas. 3. O art.º 56.º, n.º 1, do Código Penal, determina que “a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: Infringir grosseira e repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.” 4. Para que a suspensão da pena seja revogada é necessária a verificação de dois requisitos: cometer crime durante o período da suspensão e ser condenado pelo mesmo (objetivo) e a culpa (subjetivo) as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas. 5. O arguido cometeu o crime pelo qual foi condenado – aliás, por sentença pacificamente transitada em julgado. 6. A culpa do arguido no incumprimento dos seus deveres é intensa e o seu comportamento é manifestamente censurável. 7. Afigura-se, ainda, que as finalidades da suspensão ficaram definitivamente comprometidas, atenta a conduta do arguido e a sua condenação pela prática de crime, da mesma natureza, no período da suspensão, pelo qual foi condenado. 8. Por tudo o exposto, e nos termos das disposições legais supra citadas, falecendo in totum todos os fundamentos alegados pelo recorrente, designadamente não se verificando qualquer dos vícios arguidos pelo mesmo, e inexistindo prescrição, pelo que não deverá o recurso a que ora se responde merecer provimento, mais devendo o despacho recorrido ser confirmado e integralmente mantido.” 1.5. O Sr. Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer, no qual, considerando não existir a nulidade por omissão de pronúncia invocada pelo recorrente, assim como não ter decorrido ainda o prazo de prescrição da pena, concluiu, todavia, pela procedência do recurso, na parte em que nele é suscitada a ausência de fundamento para a revogação da suspensão da execução da pena de prisão. 1.6. Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, tendo o recorrente respondido ao parecer, concluindo no mesmo sentido já propugnado no recurso interposto, e designadamente pela verificação da prescrição da pena de suspensão da execução da pena de prisão. 1.7. Tendo em conta os fundamentos do recurso interposto pelo condenado e os poderes de cognição deste tribunal, importa apreciar e decidir as seguintes questões: 1.7.1. Se o despacho recorrido padece ou não de nulidade por omissão de pronúncia relativamente à prescrição da pena de substituição aplicada; 1.7.2. Subsidiariamente, apurar se a pena de substituição aplicada se encontra ou não extinta por prescrição; ou 1.7.3. Se a mesma pena deve ou não ser julgada extinta com fundamento na inexistência de motivos que pudessem levar à sua revogação. 2 - FUNDAMENTAÇÃO 2.1. Factos a considerar 2.1.1. Por acórdão transitado em julgado a 26/05/2014, foi o recorrente AA condenado na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, pela prática de dois crimes de fraude fiscal, previstos e punidos pelos art.ºs 103º, nº 1, al. a) e c) e 104º, nºs 1 e 2, do RGIT 2.1.2. No despacho recorrido foi considerado o seguinte (transcrição integral): “Por acórdão do TRP, exarado a fls. 25907 e ss., transitado em julgado, pela prática de dois crimes de fraude fiscal, foi o arguido AA condenado na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo (nesta instância, conforme acórdão exarado a fls. 25078 e ss., havia sido condenado em pena de prisão efetiva, mas em sede de recurso o acórdão do TRP revogou parcialmente tal decisão, suspendendo então a execução da pena única de prisão por igual período de tempo, mas não a condicionando nos termos do art.º 14º do RGIT nem tão pouco a subordinou a regime de prova). Sucede que, no período da suspensão da execução da pena única de prisão imposta, mais concretamente no 3º e 4º trimestres de 2016, o arguido praticou um crime de abuso de confiança fiscal. Isto é, não obstante, saber que a pena única de prisão aqui imposta havia sido suspensa na sua execução pelo período de 4 anos e 6 meses mercê de um voto de confiança por banda do TRP, não se coibiu de voltar a praticar um crime fiscal, com o que provocou ao Estado mais um prejuízo de €22.101,23 (cfr. a certidão com a refª 8962214 – pcs nº 52/17.4IDAVR, do JL Criminal de SMF – Juiz 3). O arguido, por seu turno, explicou que praticou o dito crime num contexto de dificuldades económicas e que tinha um filho no ensino superior, que hoje tem 22 anos e já trabalha. Mais referiu que a sua empresa já não tem atividade. Diz-se arrependido. Todavia, que a comunidade já vem percecionando esta tipologia de crime como danosa (não é assim um crime sem vítima), pois priva o Estado de receitas fundamentais (sempre escassas) para levar a cabo os seus fins, consciência essa a que não foi alheia os tempos de austeridade vividos. Ou seja, as necessidades de prevenção geral têm relevância. Por outro lado, dispõe o art.º 56º, nº 1, al. b), do Código Penal, que «[a] suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: (…) cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.» Salvo o devido respeito por outra opinião, parece-nos ser este o caso. Note-se, o arguido, com a prática dos crimes em causa nestes autos, provocou ao Estado um prejuízo patrimonial assinalável, mas não lhe foi imposta a sua reparação, ainda que parcial, como condição para a pena de substituição de que beneficiou por decisão do TRP. A seu respeito foi então efetuado um juízo de prognose favorável em relação ao seu futuro comportamento, mas que saiu gorado, pois não se coibiu de voltar a praticar um crime de natureza fiscal (e aliás, no mesmo ramo de atividade). O arguido não interiorizou verdadeiramente o desvalor da sua conduta e não a pautou de forma a não voltar a delinquir, prejudicando mais uma vez o erário público. Cremos assim que deverá ser revogada a suspensão da execução da pena única de prisão imposta. Acresce que, em alternativa, de pouco ou nada serviria uma prorrogação da suspensão da execução da pena única de prisão na medida em que, neste caso, não poderia exceder os 6 meses (cfr. o art.º 55º, al. d), do Código Penal), ou impor qualquer obrigação pecuniária, na medida em que se mantém o contexto de carência económica. Nestes termos, revogo a suspensão da execução da pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, que assim deverá ser cumprida pelo condenado AA.” 2.2. Fundamentos fáctico-conclusivos e jurídicos Como se deixou referido supra, a primeira questão a resolver consiste em saber se a decisão recorrida padece ou não de nulidade por omissão de pronúncia. Nulidade que o recorrente sustenta invocando o disposto no art.º 379º, nº 1, al. c), do CPP e a circunstância de o Tribunal a quo ter omitido o conhecimento oficioso da prescrição da pena de substituição concretamente aplicada. Ora, no âmbito do direito processual penal vigente o vício de omissão de pronúncia sobre questões que devessem ser tratadas na decisão recorrida, por força do princípio da legalidade das nulidades processuais consagrado no art.º 118º do CPP, constitui uma mera irregularidade, já que em relação a ele, no âmbito da prolação dos meros despachos, não prevê a lei a sanção de nulidade, ao contrário do que especialmente prescreve para as sentenças, no art.º 379º, nº 1, al. c), do CPP. O que tem necessariamente as consequências previstas no art.º 123º do CPP, e designadamente a necessidade de arguição do vício, nos termos aí consignados, sob pena de a irregularidade se considerar sanada. Assim sendo, e não tendo o recorrente arguido tal irregularidade, no prazo de três dias a contar da data em que teve conhecimento da decisão, isto é, no próprio ato em que a mesma foi proferida – 24/11/2021 -, e no qual esteve presente, a mesma deve considerar-se sanada, porquanto, usando as palavras de João Conde Correia, “Se a irregularidade não for invocada no momento oportuno, os efeitos que, ainda assim, o ato tenha produzido, consolidam-se na ordem jurídica, não podendo, depois, ser destruídos[1]”. Razão por que, neste segmento, improcederá o recurso. A segunda questão suscitada pelo recorrente respeita à prescrição da pena de suspensão da execução da pena de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensão que foi fixada por um período de 4 anos e 6 meses, e substitutivamente aplicada por decisão transitada em julgado a 26/05/2014. Ou seja, à pena principal de prisão aplicada seguiu-se a aplicação de uma pena de substituição daquela, e, portanto, autónoma em relação a ela[2]. Sendo o problema a resolver ditado pela determinação da prescrição da pena aplicada ao condenado nos presentes autos, o âmbito das normas jurídicas a considerar encontra-se definido pelos art.ºs 122º e ss. do CP, que integram o capítulo II, relativo à prescrição das penas e das medidas de segurança. Sob a epígrafe “Prazo de prescrição das penas”, diz o art.º 122º o seguinte: “1 - As penas prescrevem nos prazos seguintes: a) Vinte anos, se forem superiores a dez anos de prisão; b) Quinze anos, se forem iguais ou superiores a cinco anos de prisão; c) Dez anos, se forem iguais ou superiores a dois anos de prisão; d) Quatro anos, nos casos restantes. 2 - O prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena. 3 - É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 118.º” Ora, traduzindo-se a pena de suspensão da execução da pena de prisão numa pena autónoma, a estatuição normativa que reclama a regulação do seu prazo de prescrição é a contida na al. d) do nº 1 do artigo 122º citado[3], integrando tal pena de substituição, portanto, os “casos restantes” aí referidos, por prévia exclusão dos mencionados nas alíneas precedentes. Daí resulta que o seu prazo de prescrição é de 4 anos, contados a partir da data do trânsito em julgado da sentença condenatória, nos termos do nº 2 do mesmo artigo. O recorrente sustenta na conclusão 9ª do recurso que “a prescrição da pena de substituição de suspensão da pena de prisão se interrompeu em 26-05-2014 com o início da respetiva execução (cfr. artigo 126.º, n.º 1, alínea a) do CP), face ao comando do n.º 3 do referido artigo 126.º do CP, face à inexistência de qualquer causa de suspensão, temos que a pena de substituição prescreveu em 26-05-2020, porquanto, à data já tinha decorrido o prazo normal de prescrição, in casu, 4 anos, cfr. artigo 122.º, n.º 1, alínea d) do CP, acrescido de metade (mais 2 anos), num total de 6 anos”. Reiterando na resposta ao parecer do Ministério Público a verificação da invocada prescrição, corrigindo apenas a respetiva data para 27/05/2020, e acrescentando, em manifesta discordância com o defendido pelo Ministério Público no respetivo parecer, que a execução da pena de suspensão (pena de substituição), pese embora haja interrompido a sua prescrição, ao abrigo do art.º 126º, nº 1, al. a)[4], suspendendo ao mesmo tempo a prescrição da pena de prisão aplicada (pena principal), ao abrigo do art.º 125º, nº 1, al. a), do CP[5], não fez, todavia, com que ao mesmo tempo, por falta para tal de fundamento legal, também se tivesse suspendido a prescrição da pena de substituição. Questão esta que é decisiva para decidir o mérito do recurso, porquanto o nº 3 do art.º 126º diz que a prescrição da pena e da medida de segurança tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade, que no caso seria de 6 anos. Sendo que, se considerarmos que com o início da execução da pena de substituição também se iniciou a suspensão da sua prescrição, àquele prazo de 6 anos teriam de acrescer mais 4, pela ressalva do período de suspensão legalmente imposta, fazendo com que a prescrição se desse apenas 10 anos depois do início da execução da pena. É por isso decisivo apurar se é ou não aplicável ao caso dos autos a suspensão da prescrição da pena, prevista no art.º 125º, nº 1, al. a), do CP. Sobre tal matéria já se pronunciou este Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 22/02/2017[6], relatado pelo ora relator deste, em termos que, por considerarmos plenamente aplicáveis ao presente caso, passamos, parcialmente, a reproduzir[7]: “A discórdia resulta da aplicação ou não ao caso dos autos da norma do art.º 125º, nº 1, al. a), do CP, ao estabelecer que “a prescrição da pena e da medida de segurança suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que: a) Por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar.” É esta, no fundo, a razão de ser do recurso interposto, como veremos a seguir. Isto é, saber se a determinação por decisão judicial condenatória da suspensão da execução da pena de prisão concretamente aplicada, sabendo nós ademais à partida que tal suspensão se traduz numa verdadeira e autónoma pena, porque substitutiva da primeira aplicada, enquanto pena principal, pode ser considerada subsumível àquela alínea a), e em termos de podermos afirmar que a execução da pena principal não se pode iniciar por força da lei. A solução passa, antes de mais, por uma análise do contexto histórico que esteve na origem da norma, em especial “o sistema jurídico histórico-dogmático”, e a respetiva evolução. Na sua versão originária, do Código Penal de 1982, estabelecia o art.º 123º, nº 1, que então tipificava as hipóteses de suspensão da prescrição, o seguinte: “1 - A prescrição da pena suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que: a) Por força da lei, a execução não possa começar ou continuar a ter lugar; b) O condenado esteja a cumprir outra pena, ou se encontre em liberdade condicional, em regime de prova, ou com suspensão de execução da pena;” Como podemos ver, no âmbito das normas que previam a suspensão da prescrição da pena, na versão originária do Código, estava expressamente contida, na al. b) do nº 1, a hipótese de o condenado se encontrar em regime de prova ou com suspensão de execução da pena. Convém não esquecer, e tendo em conta as observações tecidas por Paulo Pinto de Albuquerque e Maia Gonçalves, que o artigo em causa e o art.º 126º, relativamente à interrupção da prescrição, tiveram por fonte ou foram inspirados, respetivamente, no § 79º-a do Código Penal alemão e no art.º 75º do Código Penal suíço[8]. Sendo por isso pertinente analisar, ainda que perfunctoriamente, o que diz um e outro, no que seja relevante para a compreensão do problema posto pelo caso concreto. O art.º 74º do Código Penal suíço, ao referir-se ao termo inicial de contagem do prazo de prescrição da pena, refere-se expressamente ao caso de suspensão da execução da pena de prisão, determinando que o mesmo se conte apenas a partir da decisão que determinar a execução da pena. Ou seja, da pena de prisão que ficara suspensa na sua execução. Por seu turno prescreve a al. b) do nº 2 do § 79-a do Código Penal alemão que o prazo de prescrição da pena se suspende durante o período de suspensão da execução da pena de prisão, determinada por decisão judicial. Ora, é bom de ver que análoga a esta era a norma contida no art.º 123º, nº 1, al. b), do CP de 1982, na sua versão originária, ao prever expressamente como fundamento da suspensão do prazo prescricional da pena (pretendendo referir-se à pena de prisão principal, portanto) a determinação judicial da suspensão da pena de prisão concretamente aplicada, ou seja, a aplicação ao condenado da pena de suspensão da execução da pena de prisão, e enquanto essa suspensão durasse. Prevendo-se tal causa de suspensão, portanto, autonomamente das que pudessem resultar da aplicação da norma da al. a) do mesmo artigo, a qual ainda hoje se mantém incólume na al. a) do art.º 125º - “Por força de lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar”. A al. b) do nº 1 do art.º 123º do CP, na sua versão originária, mereceu então a crítica frontal do Professor Figueiredo Dias, ao afirmar: “a atual al. b) do art.º 123º não tem razão de ser bastante na parte respeitante à liberdade condicional, ao regime de prova ou à suspensão da execução da pena: quanto à primeira porque se não vê razão para que ela constitua fundamento de suspensão; quanto às outras porque elas são “outras penas” e cabem por isso na primeira parte do preceito.” Ou seja, que cabiam nos casos em que o condenado estivesse a cumprir outras penas. Afirmando desse modo a autonomia da suspensão da execução da pena de prisão, enquanto pena de substituição que é, da pena de prisão que substituiu. Ora, com a revisão operada pelo DL nº 48/95, de 15/03, a al. b) passou a ser a al. c), sendo no entanto eliminada a referência que aí inicialmente era feita à suspensão de execução da pena de prisão como causa de suspensão da prescrição, ao mesmo tempo que, na parte inicial do respetivo preceito, quando se referia “o condenado esteja a cumprir outra pena”, passou a constar “o condenado estiver a cumprir outra pena ou medida de segurança privativas da liberdade”, colocando assim desse modo claramente fora da previsão da norma a suspensão de execução da pena de prisão, nos termos em que inicialmente dela constava. Sendo de referir que das Atas da Comissão de Revisão, que deu origem à redação do artigo 125º atualmente em vigor, apenas foi dada nota da “necessidade de alterar o Código de Processo Penal de molde a fazer valer o instituto da contumácia para as medidas de segurança”[9]. Por isso, não sendo o caso dos autos subsumível à al. a) do nº 1 do art.º 123º, na sua versão originária, porque então não o seria qualquer caso de pena suspensa na sua execução, e por relativamente a um tal caso existir norma expressa na al. b) do nº 1 do mesmo artigo, que especificamente o contemplava como fundamento da suspensão da prescrição, norma essa que, em tal segmento, foi revogada, sem que resulte que o legislador pretendesse passar para a norma da al. a) a previsão que naquela continha, antes resultando do pensamento legislativo (ou melhor, tendo em conta “o sistema jurídico que se oferecia dogmaticamente constituído ao tempo da prescrição” da nova norma, e à sua “génese jurídico-prescritiva” e as opções teleológicas que lhe estiveram subjacentes, já supra referidas) precisamente o contrário disso, então não vemos como possível que um tal enquadramento possa ser feito, porquanto violaria claramente, a nosso ver, a vontade da lei, que não tinha, nem nunca teve, no âmbito da sua determinação uma tal possibilidade, como já supra se aludiu. E sendo assim, também se não vislumbra a possibilidade de uma qualquer interpretação extensiva da alínea a) aos casos de pena suspensa na sua execução, por determinação de sentença condenatória, e muito menos por integração analógica, a qual, além de ser proibida (art.º 1º, nº 3, do CP) porque contra reum, padece da ausência de lacuna, enquanto fundamento da sua verificação – resulta dos recursos interpretativos acima referidos que a lei quis sem dúvida alguma um tratamento normativo autónomo da suspensão da execução da pena de prisão, não a confundindo com a pena que substituía, e por isso não a previa como causa de suspensão da prescrição subsumível à al. a) do art.º 123º (atualmente 125º) do CP, porque simplesmente a considerava autonomamente na então al. b) do mesmo artigo, existindo, tal como agora existe, a mesma al. a), sendo que na sua nova previsão normativa a al. b) (atualmente al. c)) deixou de fazer menção à suspensão de execução da pena de prisão, numa solução dogmática e teleologicamente fundada na especificidade e autonomia de tal pena, e em termos tais que do mesmo modo que a levaram a ser excluída como fundamento da suspensão da prescrição da pena de prisão aplicada a título principal, não permite ao intérprete dizer que o legislador tivesse querido passá-la a incluir na al. a) do mesmo artigo[10]. Alínea a) esta que se referia e refere a casos de execução da pena que não podem começar ou continuar a correr por força de lei – como se entende ser o caso, por exemplo, do perdão de pena sob condição resolutiva de não cometimento de infração dolosa durante determinado período de tempo, ou, relativamente à execução da pena de multa, a mesma não poder ter lugar em virtude de o arguido ter requerido o seu pagamento em prestações[11]. Ou seja, a suspensão de execução da pena de prisão constitui pena autónoma que, coerentemente com a exclusão a que foi votada a sua referência na nova al. c) do atual art.º 125º, ao contrário do que sucedia na versão originária do CP, passou a ser em si um caso de cumprimento ou execução de pena[12]. E sendo assim, apenas é possível, à partida, concluir-se que, no caso dos autos, o prazo de prescrição se interrompeu com a sua execução, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 126º, nº 1, al. a), do CP (norma relativa à interrupção do prazo de prescrição), execução essa que começou a correr desde a data do trânsito em julgado da sentença condenatória. Voltando o prazo de prescrição de 4 anos a correr de novo decorrido o período de suspensão da execução da pena de prisão, que foi determinado pelo período de (…), nos termos do art.º 126º, nº 2, do CP, isto é, a partir do dia (…), e já que o prazo de suspensão não foi alvo de qualquer prorrogação, possível ao abrigo do disposto no art.º 57º, nº 2, do CP (preceito que trata da extinção da pena de suspensão de execução da pena de prisão pelo seu cumprimento, decorrido que esteja o período da sua suspensão sem que haja motivos que possam conduzir à sua revogação ou prorrogação do período de suspensão).” Renovamos, portanto, a posição já adotada no acórdão acabado de citar, a qual corresponde ao entendimento maioritário da jurisprudência por nós consultada[13]. Sendo que qualquer outra posição, fosse no sentido de ver na execução da própria pena de substituição uma causa simultânea de interrupção e de suspensão da sua prescrição, esta última à luz do art.º 125º, nº 1, al. a), do CP, fosse numa interpretação que pretendesse subsumir à alínea d) do nº 1 do art.º 122º somente as penas de substituição em que a pena principal tivesse uma duração inferior a dois anos de prisão, para desse modo se considerar que só a estas seria aplicável o prazo de prescrição da al. d) do art.º 122º (isto é, 4 anos, passando a ser aplicáveis às restantes os prazos de 15 ou 10 anos, consoante fossem fixadas em 5 anos ou em menos de 5 anos, mas iguais ou superiores a dois anos), além das razões de índole história, sistemática e teleológica acima referidas, que claramente negam uma tal solução interpretativa, um tal entendimento não teria apoio na própria letra da lei[14], ao mesmo tempo que negaria o caráter de pena autónoma que a suspensão da execução da pena de prisão consensualmente tem[15] e que o legislador claramente quis reforçar com a revisão operada pelo DL nº 48/95, de 15/03, na sequência, aliás, das críticas que ao regime anterior vinham sendo feitas pelo Professor Jorge de Figueiredo Dias, como já acima se deixou referido. Sendo ainda que um tal entendimento, além de poder levar a soluções de manifesta desproporcionalidade[16], contenderia inevitavelmente com o princípio da legalidade – art.ºs 1º, nºs 1 e 3, do CP e 29º, nºs 1 e 3, da Constituição da República. A consequência do encurtamento do prazo máximo de prescrição, resultante da soma do prazo normal de 4 anos mais 2 anos, a que alude o art.º 126º, nº 3, do CP, face às situações em que a suspensão da execução da pena possa ir ao limite de 5 anos, foi o resultado da opção legislativa, levada a cabo pela Lei nº 59/2007, de 04/09, que alterou o art.º 50º do CP, de modo a nele passar a prever-se um prazo máximo de 5 anos de suspensão da execução da pena de prisão, que até aí era de apenas 3 anos, mas deixando-se incólume a duração do prazo de prescrição dessa mesma pena, ou seja, 4 anos, sem prejuízo das situações de suspensão e de interrupção da prescrição que concretamente possam ocorrer. Prevenindo-se ainda, negativamente, a possibilidade de prorrogação da suspensão da execução da pena, na medida em que pudesse exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5 do artigo 50º, ou seja, 5 anos - art.º 55º, al. d), do CP. Por isso, o entendimento sobre uma eventual incongruência assim criada por opção do próprio legislador e a solução, variável em função das penas principais concretamente aplicadas, para por via dela fixar prazos de prescrição também variáveis, seria solução que, além de afrontar o princípio da legalidade, levaria a soluções que, como referimos supra, poderiam em certos casos tornar as penas principais de prisão praticamente imprescritíveis. Chegados a este ponto, considerando que no presente caso se não verifica qualquer causa de suspensão da prescrição, nomeadamente as que se encontram expressamente previstas nas al. a) a d) do nº 1 do art.º 125º do CP, e sendo o prazo de prescrição da pena de substituição aplicada de 4 anos, contados a partir do trânsito em julgado da decisão condenatória, ou seja, 26/05/2014, tendo-se em conta ainda que o decurso do período de suspensão da execução da pena (4 anos e 6 meses), fez com que começasse a correr novo prazo de prescrição, nos termos do nº 2 do mesmo artigo, mesmo acrescentando aos 4 anos metade desse prazo, por força do disposto no art.º 126º, nº 3, do CP, a verdade é que quando foi proferida decisão de revogação da pena, a 24/11/2021, já há muito a mesma se encontrava extinta por prescrição, ou seja, desde 27/05/2020, data em que se completaram os 6 anos resultantes da soma do prazo normal de prescrição e de metade desse prazo. Estando extinta a pena de substituição, por prescrição, não podia logicamente o Tribunal a quo voltar a apreciar e decidir sobre se a mesma se encontrava ou não extinta, ou se havia ou não fundamento para a sua revogação, nos termos e para os efeitos, respetivamente, do disposto nos art.ºs 57º, nº 1, e 56º do CP. Razão por que irá ser concedido provimento ao recurso interposto pelo condenado, declarando-se extinta a pena de substituição por prescrição, ficando assim também logicamente prejudicada a apreciação da terceira questão por aquele suscitada, de saber se ocorriam ou não nos autos os pressupostos da revogação da suspensão da execução da pena de prisão. 3. DISPOSITIVO Face ao exposto, acordam os juízes da 2.ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente o recurso interposto pelo condenado AA e, consequentemente, declarar extinta, por prescrição, a pena de suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada. Sem custas 23/03/2022 Francisco Mota Ribeiro Elsa Paixão _____________ [1] António Gama et. al., Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo I, Almedina, Coimbra, 2019, p. 1297. [2] Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Parte Geral II, Reimpressão, Coimbra 2005, Coimbra Editora, p. 339. [3] Neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2011, p. 530. [4] Preceito que diz o seguinte: “A prescrição da pena e da medida de segurança interrompe-se: a) A com sua execução”. [5] Ao dizer que “A prescrição da pena e da medida de segurança suspende-se, para além dos casos especialmente previsto na lei, durante o tempo em que: a) Por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar.” [6] Proferido no processo nº 1422/08.4PBAVR-A.P1, disponível in www.dgsi.pt. [7] Acrescentando-se agora, em nota, que a crítica aí referida, da autoria do Professor Jorge de Figueiredo Dias, relativamente à versão do art.º 123º, nº 1, al. b), do CP, então em vigor, consta da seguinte obra: Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 715. [8] Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2ª Edição atualizada, Lisboa, 2010, Universidade Católica Editora, p. 385; e Maia Gonçalves, Código Penal Português, Anotado e Comentado, 8ª Edição, Livraria almedina, Coimbra 1995, p. 506. [9] Código Penal, Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Ministério da Justiça, Lisboa, 1993, Rei dos Livros, p. 176 e 583. [10] Aliás, no sentido de que “não é admissível ficcionar que a execução da pena principal de prisão não pode iniciar-se, para o efeito de aplicar o art.º 125º, nº 1, al. a) à suspensão do prazo de prescrição” da pena de substituição não privativa da liberdade, “quando se trate de pena de prisão com a execução suspensa” e esta “esteja a ser executada desde o trânsito em julgado da sentença condenatória e, porquanto, esse período deve contar para efeitos de prescrição”, ver Paulo Pinto de Albuquerque, obra citada, p. 386. [11] Paulo Pinto de Albuquerque, Idem, p. 385 [12] Neste sentido, ver Vítor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette, Código Penal Anotado e Comentado, Quid Iuris Sociedade Editora, Lisboa 2008, p., 323. [13] Designadamente: Ac. do TRE, de 10/07/2007, Processo nº 912/07-1; Ac. do TRC, de 27/03/2009, Proc. 328/98. 8GAACB-B.C1; Ac. do TRL, de 26/10/2010, Processo nº 25/93.0TBSNT-A.L1-5; Ac. do TRP, de 22/02-2017, Proc. nº 1422/08.4PBAVR-A.P1; Ac. do STJ, de 15/07/2017, Processo nº 150/05.7IDPRT-D.S1; Ac. do TRL, de 18/03/2020, Processo nº 359/03.8PBCVL.C1, Ac. do TRP, de 23/06/2021, Processo nº 141/11.9PDPRT-A.P1. Mas em sentido contrário: Ac. do STJ, de 28/02/2018, Proc. nº 125/97.8IDSTB-A.S1 e Ac. do TRP, de 07/07/2021, Proc. nº 1304/00.8PUPRT.P1. Todos os acórdãos referidos estão disponíveis in www.dgsi.pt. [14] Como seria possível afirmar-se, sem incorrer numa violação do princípio da legalidade e na aplicação analógica in malam partem da al. b) do nº 1 do art.º 122º do CP (quando aí se diz que as penas prescrevem no prazo de 15 anos, se forem iguais ou superiores a cinco anos de prisão), que um tal prazo de prescrição se aplicaria, não só às penas de prisão, mas também à pena que aí não está referida, isto é, a pena de substituição daquela, de suspensão da sua execução? Ademais porque o entendimento anterior à redação atual da lei, e sobretudo o posterior a ela, sempre foi o de que a prescrição da pena de suspensão de execução está incluída na expressão “casos restantes”, contida na al. d) do nº 1 do mesmo art.º 122º? [15] Citando Jeschek, diz o Ac. do STJ, de 15/07/2017, já supra referido na nota 13: “a suspensão da pena constitui um meio autónomo de reação jurídico-penal com uma pluralidade de possíveis efeitos. É pena na medida em que na sentença se impõe uma privação da liberdade. Tem o carácter de um meio de correção se acompanhada de tarefas orientadas no sentido de reparar o ilícito cometido, como as indemnizações, multas administrativas ou benefícios para benefício da Comunidade. Aproxima-se de uma medida de assistência social quando são impostas regras de conduta que afetam a vida futura do arguido especialmente se for colocado sob supervisão. Finalmente, oferece uma faceta pedagógico social ativo na medida em que estimula o mesmo arguido a engajar-se na sua ressocialização aproveitando o período de prova. Como quer que seja e, quer se entenda que por força duma leitura menos restritiva da lei, quer por interpretação in bonam partem, importa equacionar a suspensão da pena de prisão como uma pena autónoma.” [16] Basta pensar nas hipóteses em que, a entender-se que à pena de suspensão da execução da pena de 5 anos de prisão, por um período de 5 anos, fosse aplicável o prazo de prescrição de 15 anos, a que alude a al. b) do nº 1 do art.º 122º, e não o prazo de 4 anos a que alude a al. d) do nº 1 do mesmo artigo, e ademais porque a execução da pena de substituição implica necessariamente a suspensão da prescrição da pena principal de prisão, nos termos do art.º 125º, nº 1, al. a), do CP, é bom de ver que, tendo em conta ainda as causas de interrupção e de suspensão da prescrição que relativamente a uma e outra pena se podem suscitar, tal faria com que, para a duração de vida de muitos dos condenados, a pena principal de prisão se tornaria na prática imprescritível. Sendo que o decurso assim tão extensivo do prazo de prescrição da pena de substituição, de 15 ou 10 anos, consoante o caso coubesse nas al. b) ou c), mas que com o limite de interrupção que a lei prevê, sem contar com a possibilidade das causas de suspensão da prescrição possíveis, atiraria tais prazos para 22 anos e 6 meses ou 15 anos, ao qual depois se somaria o prazo de prescrição da pena principal de prisão, que até aí esteve suspenso, e que no mínimo também poderia atingir mais 22 anos e 6 meses ou mais 15 anos. Sem esquecermos que subjacente à aplicação da pena de substituição estará necessariamente a ideia de que a mesma seria, à partida, suficiente e adequada para satisfazer as necessidades de prevenção. Sendo o prazo curto de prescrição imposto pela necessidade de se decidir rapidamente, anos depois da condenação, se afinal deve ou não ser cumprida a pena de prisão que, por boas razões, havia sido substituída. |