Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Relator: | GERMANA FERREIRA LOPES | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Descritores: | TRABALHADORES INDEPENDENTES SEGURO DE ACIDENTES DE TRABALHO ÂMBITO DA REPARAÇÃO DOS DANOS NA RESPONSABILIDADE OBJECTIVA INVOCAÇÃO DE DANOS NÃO PATRIMONIAIS | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Nº do Documento: | RP202312191221/22.0T8CVL.P1 | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Data do Acordão: | 12/19/2023 | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Votação: | UNANIMIDADE | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Texto Integral: | S | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Privacidade: | 1 | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Decisão: | RECURSO IMPROCEDENTE. CONFIRMADA A SENTENÇA. | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Indicações Eventuais: | 4. ª SECÇÃO SOCIAL | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Área Temática: | . | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Sumário: | I – Os trabalhadores independentes são obrigados a efetuar um seguro de acidentes de trabalho que garanta, com as devidas adaptações, as prestações definidas na Lei n.º 98/2009 de 4 de setembro, para os trabalhadores por conta de outrem e seus familiares [são apenas dispensados de efetuar esse seguro os trabalhadores independentes cuja produção se destine exclusivamente ao consumo ou utilização por si próprio e pelo seu agregado familiar]. II - No âmbito dos acidentes de trabalho, em sede da responsabilidade objetiva, a reparação em dinheiro visa satisfazer os danos patrimoniais corporais resultantes da extinção ou redução – ainda que temporária - da capacidade de trabalho ou de ganho, sendo que nas prestações por indemnizações temporárias e/ou indemnização em capital e pensão por incapacidade permanente para o trabalho, existem limites decorrentes do coeficiente de incapacidade sofrido pelo sinistrado e com reporte a uma percentagem da retribuição. III – No campo da responsabilidade objetiva por acidente de trabalho a reparação engloba o dano decorrente da perda de rendimentos salariais, associado ao grau de incapacidade laboral fixado, compensado pela atribuição de certo capital de remição ou de uma pensão por incapacidade permanente para o trabalho, mas não contempla o dano biológico decorrente das sequelas incapacitantes do lesado que, embora possam não determinar perda de rendimento laboral, envolvem restrições à capacidade do sinistrado, implicando esforços acrescidos, quer para a realização das tarefas profissionais, quer para as atividades da vida pessoal e corrente (v.g. danos da vida de relação, perda da possibilidade de praticar certos desportos ou de intervir na vida social). IV - No sobredito campo da responsabilidade objetiva por acidente de trabalho não são indemnizáveis os danos não patrimoniais. | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Reclamações: | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Decisão Texto Integral: | Apelação/Processo nº 1221/22.0T8CVL.P1 Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho de Matosinhos, Juiz 2 Relatora: Germana Ferreira Lopes 1º Adjunto: António Luís Carvalhão 2º Adjunto: Nelson Nunes Fernandes Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I - Relatório Os presentes autos de ação declarativa de condenação, sob a forma de processo especial, emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrado AA e entidade responsável A..., SA (adiante designada por Seguradora), foram iniciados com base na participação de acidente de trabalho apresentada, em 19-09-2022, pela Seguradora. Foi solicitado ao INMLCF, Delegação do Norte, a realização de perícia médica ao Sinistrado, a qual foi efetuada, constando o respetivo relatório de exame médico singular na refª citius 34210019. No identificado relatório, datado de 19-12-2022, consta o seguinte: -«[..] B. DADOS DOCUMENTAIS Da documentação clínica que nos foi facultada consta cópia de registos do… Boletim de Avaliação de Dano Corporal da Companhia de Seguradora: “… estava a fazer um Show Acobrático… com um veiculo de 2 rodas e caiu e torceu o pé… fratura do maléolo interno., fisioterapia… curado com sequelas… IPP 2% (cap. I 14.2.4); Tempos de incapacidade: ITA – 06/03/2022 a 14/04/2022; ITP 50% - 15/04/2022 a 20/06/2002; ITP 40% - 21/06/2022 a 15/07/2022; ITP 20% - 28/07/2022 a 13/09/2022; C.ANTECEDENTES 1. Pessoais Como antecedentes patológicos e/ou traumáticos relevantes para a situação em apreço refere: Refere AT prévio em 2011, do qual não terá resultado IPP. ESTADO ATUAL A. QUEIXAS Nesta data, o(a) examinando(a) refere as queixas que a seguir se descrevem: 1. A nível funcional, compreendendo este nível as alterações das capacidades físicas ou mentais (voluntárias ou involuntárias), [..], refere: - Postura, deslocamentos e transferências: refere dificuldades para a corrida; − Fenómenos dolorosos: refere manter queixas álgicas associadas a edema do tornozelo esquerdo, sem necessidade de analgesia; 2. A nível situacional, compreendendo a este nível a dificuldade ou impossibilidade de uma pessoa efetuar certos gestos necessários à sua participação na vida em sociedade, em consequência das sequelas orgânicas e funcionais e de fatores pessoais e do meio, refere: - Vida profissional ou de formação: refere agravamento álgico com o manuseamento e condução de motociclos. B. EXAME OBJECTIVO 1. Estado geral O(a) Examinando(a) apresenta-se: consciente, orientado(a), colaborante, com bom estado geral, idade aparente de harmonia com a idade real. O(a) Examinando é dextro e apresenta marcha normal, sem apoio nem claudicação. 2. Lesões e/ou sequelas relacionáveis com o evento O examinando apresenta as seguintes sequelas: − Membro inferior esquerdo: Cicatriz centrada no maléolo medial, com 5 cm, pouco dolorosa; arco de mobilidade ativo: flexão planar: 0-45º (contra-lateral: 0-65º), dorsi-flexão: 0-15º (contra-lateral: 0-20º); restantes mobilidades preservadas e simétricas. 3. Lesões e/ou sequelas sem relação com o evento O examinando não apresenta lesões ou sequelas. (…) DISCUSSÃO 1. Os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano atendendo a que: existe adequação entre a sede do traumatismo e a sede do dano corporal resultante, existe continuidade sintomatológica e adequação temporal entre o traumatismo e o dano corporal resultante, o tipo de lesões é adequado a uma etiologia traumática, o tipo de traumatismo é adequado a produzir este tipo de lesões, se exclui a existência de uma causa estranha relativamente ao traumatismo e se exclui a pré-existência do dano corporal. 2. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 13/09/2022, tendo em conta os seguintes aspetos: a data da alta clínica, o tipo de lesões resultantes e o tipo de tratamentos efetuados. 3. No âmbito do período de danos temporários são valorizáveis, entre os diversos parâmetros do dano, os seguintes: − Os períodos da incapacidade temporária absoluta são os atribuídos pela companhia seguradora. − Os períodos e as incapacidades temporárias parciais são os atribuídos pela companhia seguradora. 4. A incapacidade permanente parcial resultante de acidente(s) anterior(es) é de 0.. 5. A incapacidade permanente parcial resultante do acidente atual, tendo em conta as sequelas atrás descritas e a consulta da Tabela Nacional de Incapacidades para Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (Anexo I, Dec. Lei nº 352/07 de 23 de Outubro), é de 2,0000%. A taxa atribuída tem em conta o(s) artigo(s) da Tabela referido(s) no quadro abaixo indicado. Idade 48 anos Profissão: acrobata e duplo de cinema Posto de Trabalho
Coeficiente de incapacidade permanente parcial resultante do acidente atual: 2,0000% CONCLUSÕES − A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 13/09/2022. − Os períodos da incapacidade temporária absoluta são os atribuídos pela companhia seguradora. - Os períodos e as incapacidades temporárias parciais são os atribuídos pela companhia seguradora. - Incapacidade permanente parcial fixável em 2,0000%.». Na sequência da realização de tal exame, foi designada data para a tentativa de conciliação da fase conciliatória do processo. O Sinistrado foi notificado para comparecer na tentativa de conciliação e do resultado do exame médico, bem como para se fazer acompanhar, querendo, de relatório médico para o caso de discordar das conclusões do relatório da perícia médica e de documentos comprovativos de despesas médicas, medicamentosas e com transportes ou de quaisquer outras cujo pagamento pretendesse reclamar (cfr. refªs citius 443978530 e 443997874) Teve lugar a tentativa de conciliação [em 19-01-2023], conforme consta da respetiva ata refª citius 444342690. Dessa diligência consta, sob a epígrafe “Proposta de Acordo”, o seguinte: * no item “descrição do acidente” - “No dia 5-03-2023, pelas 17:00 horas, na Covilhã, o sinistrado, trabalhador independente, quando se encontrava a exercer funções de acrobata, dentro do seu horário de trabalho, ao fazer uma acrobacia num motociclo, embateu com o pé esquerdo no chão, sofrendo as lesões e sequelas constantes do relatório perícia médica junto a fls. 44 a 46 verso, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, que se consolidaram clinicamente em 13-09-2022 e que determinaram os períodos de incapacidades temporárias indicados naquela perícia 40 dias de ITA, 67 dias de ITP a 50%, 37 dias de ITP a 40% e 48 dias de ITP a 20%) e a I.P.P. de 2%.”; - no item “retribuição do sinistrado” – “Na altura o sinistrado auferia as seguintes retribuições mensais ilíquidas: a) €1.250,00 x14 salário, o que perfaz o salário ilíquido anual de € 17.500,00, encontrando-se totalmente transferido para a seguradora através do contrato de seguro titulado pela apólice nº ...24.” - no item “prestações” – “Em face do exposto, são devidas ao sinistrado as seguintes prestações: a) €245,00 de pensão anual e vitalícia, com início em 14-09-2022, obrigatoriamente remível, correspondendo, por isso, à indemnização em capital de remição de €3.393,50 (€245,00x13,851 – fator correspondente a 49 anos de idade à data da alta); b) 0,73 de diferença nos pagamentos das indemnizações; c) €20,00 a título de despesas com as deslocações obrigatórias; d) juros vincendos à taxa de 4% ao ano desde a data de vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento, sendo sobre o capital de remição devidos desde o dia 14-09-2022, pelas incapacidades temporárias a partir do primeiro dia do mês seguinte aquele a que dizem respeito (artigo 72.º, n.º 3, da LAT) e sobre as despesas dos transportes desde o dia de hoje”. Na referida diligência de tentativa de conciliação, consta que pelo Sinistrado foi dito que: “Aceita a descrição do acidente, as lesões descritas na perícia médica, cujo teor aqui dá por reproduzido para todos os legais efeitos, os períodos de incapacidades temporárias, a data da alta e a retribuição anual ilíquida de €17.500,00. Não aceita as sequelas descritas no referido relatório nem a IPP de 2%, conforme os documentos cuja junção requer. Declara que a seguradora lhe pagou €3.285,99 de indemnização por incapacidades temporárias.” Por sua vez, nessa mesma diligência, consta que pelo representante da Seguradora foi dito que: “Aceita a descrição do acidente, as lesões e sequelas descritas na perícia médica, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, os períodos de incapacidades temporárias, a data da alta, o pagamento das despesas com transportes e da diferença nas indemnizações por incapacidades temporárias, a transferência da responsabilidade infortunística pela retribuição anual ilíquida de €17.500,00 e a I.P.P. de 2%. Por isso, aceita conciliar-se nos termos supra propostos, e, consequentemente, aceita o pagamento das prestações supra referidas (capital de remição, diferenças nas indemnizações nas it´s, despesas com transportes e respetivos juros de mora). “. Na sobredita diligência de tentativa de conciliação foi proferido o seguinte despacho pelo Digno Procurador da República: “Junte aos autos os documentos apresentados pelo sinistrado. Visto que não foi possível conciliar as partes, aguardem os autos o decurso do prazo para o sinistrado requerer a abertura da face contenciosa (requerimento de junta médica) – arts. 117.º, n.º 1, al b), 119.º e 138.º, n.º 2 do CPT. Notifique. Após, devolva os autos a juízo”. Os documentos juntos pelo Sinistrado na referida diligência de tentativa de conciliação foram os seguintes: - “Relatório médico” de fls. 51, datado de 16-01-2023, subscrito pelo Dr. BB (cirurgia do pé e tornozelo), com o seguinte teor: “O Sr. AA, de 49 anos de idade, tem antecedentes de fratura do tornozelo esquerdo tendo sido operado noutra instituição. Neste momento com quase 10 meses de evolução encontra-se já estabilizado em termos clínicos. Manteve sempre alguma dor medial do tornozelo e uma limitação da mobilidade. Esta limitação da mobilidade pode ter um valor de incapacidade maior uma vez que se trata de um profissional de acrobacias e de duplo de filmagens que necessita de boa atividade física acima de um doente sedentário. A TAC mostrou uma consolidação da fratura mas com uma lesão osteocondral medial da tíbia habitual nestes casos. Esta lesão osteocondral pode no futuro trazer mais dor e incapacidade funcional podendo levar à formação de uma artrose do tornozelo.”; - “Relatório médico de dano corporal com efeitos multiusos” de fls. 52, datado de 17-01-2023, subscrito pelo Dr. CC (médico especialista em ortopedia e traumatologia), com o seguinte teor: “CC (…), na qualidade de Médico do doente AA, atesta por sua honra que o referido doente apresenta, neste momento, como incapacidade permanente parcial a soma das seguintes rubricas: · Cap. I; 14.2.2.1 b) ->0,03 · Cap. I; 14.2.2.2 d) ->0,00 Proposta de IPP final (valor total): 3,00% Este dano é avaliado relativamente à capacidade integral do indivíduo (100 por cento), considerando a globalidade das sequelas (corpo, funções e situações de vida) e a experiência médico-legal relativamente a estes casos, tendo como elemento indicativo a referência à Tabela Nacional de Incapacidades (Anexo I do Dec-Lei 352/07, de 23/10).”. - Relatório de fls. 53, datado de 18-01-2023, subscrito pelo Dr. DD (médico especialista ortopedia traumatologia), com o seguinte teor: “AA, 49 anos de idade, acrobata e duplo de cinema, teve um acidente de trabalho com fratura do tornozelo esquerdo tendo sido socorrido no Hospital 1... onde viria a ser operado tendo feito osteossíntese do maléolo interno com 2 parafusos. Acontece que tem limitação da mobilidade e dores que colidem sobremaneira com o seu desempenho profissional de risco em acrobacia e filmagens conforme pode demonstrar. Mais uma TAC e um relatório do Dr. BB de cirurgia do pé e tornozelo do Hospital 2... aponta para uma lesão osteocondral da tíbia e por isso deveria retirar material de síntese e fazer uma RMN para avaliar da lesão e extensão pois a confirmar-se irá conduzir a uma artrose e a inviabilizar o seu trabalho.”. O Sinistrado, representado pelo Ministério Público, apresentou o requerimento a que se referem os artigos 138.º, n.º 2, e 117.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo do Trabalho, assim se tendo iniciado a fase contenciosa (cfr. refªs citius 34482209). O Sinistrado apresentou os seguintes quesitos: “1 – Quais as sequelas que o sinistrado apresenta em consequência da fratura do maléolo interno do membro inferior esquerdo? 2 – Qual o coeficiente de IPP correspondente a cada uma das sequelas? 3 – Qual o coeficiente global de IPP?” Nessa sequência, a Mmª Juíza proferiu despacho (refª citius 445113552), marcando data para junta médica e fixando como objeto da perícia o indicado pelo Sinistrado no requerimento de junta médica. Foi realizado o exame por junta médica, conforme auto de junta médica de 23-03-2023 (refª citius 446714249), na qual tiveram intervenção três peritos médicos, mais precisamente: a Perita do sinistrado, nomeada oficiosamente pelo Tribunal; o Perito apresentado pela seguradora e o Perito do Tribunal, indicado pelo INML (conforme termo de nomeação de peritos refª citius 446714244). No âmbito da referida junta médica os senhores Peritos Médicos responderam por unanimidade a todos os quesitos que foram apresentados pelo Sinistrado, apresentando parecer unânime quanto à avaliação do Sinistrado em sede de sequelas decorrentes do acidente dos autos e, bem assim, quanto ao enquadramento e valorização desse mesmo quadro sequelar no âmbito da TNI. Assim, na junta médica os senhores Peritos Médicos responderam por unanimidade aos quesitos formulados pelo Sinistrado, mencionando que o faziam, após observação do sinistrado e consulta do processo. Aos quesitos apresentados pelo Sinistrado responderam do seguinte modo: “1º Apresenta como sequelas do acidente dos autos, no tornozelo esquerdo, cicatrizes decorrentes da cirurgia, limitação da dorsiflexão do tornozelo (arco de 0-20 graus, sendo de 0-30 à direita), palpação dolorosa no complexo ligamentar medial. Sem limitação na flexão plantar, eversão e inversão. Força muscular conservada e simétrica, sem qualquer limitação na marcha. Referiu dores no tornozelo com alterações atmosféricas. Sinistrado trouxe em mão relatório de 03-03-2023 (Dr. DD) que se junta aos autos. Foi também observada RM do tornozelo e pé esquerdos (trazida pelo examinando, mas sem relatório e no qual se observa fractura consolidada sem desvio). 2º e 3º - Apresenta IPP conforme quadro anexo. Referiu acidente de trabalho com processo no TT de Matosinhos (processo 479/12.8TTMTS). Analisado o sobredito quadro anexo e a TNI, verifica-se que os senhores Peritos médicos, no respetivo parecer unânime, enquadraram as sequelas apresentadas pelo Sinistrado ao exame objetivo, a que se reportaram, nos seguintes termos: - Capítulo I, 14.2.4 [sequelas de entorse no tornozelo (persistência de dores, insuficiência ligamentar, edema crónico) - coeficientes de incapacidade previstos na tabela de 0,02-0,05, com atribuição de um coeficiente de 0,02, que por reporte a uma capacidade restante de 1.00, conduziu à desvalorização arbitrada de 0,02; - Capítulo I, 14.2.2.1.c) [Limitação (rigidez) da articulação tibio-társica, na flexão – mobilidade entre 0º a 20º - coeficientes de incapacidade previstos na tabela de 0,00 -, com atribuição de um coeficiente de 0,00, que por reporte a uma capacidade restante de 0,98, conduziu à desvalorização arbitrada de 0,00. O que conduziu ao coeficiente global de incapacidade arbitrado pelos Senhores Peritos Médicos de 2%. O relatório datado de 3-03-2023 a que se alude no auto de junta médica, subscrito pelo Dr. DD (médico especialista ortopedia traumatologia), foi junto a fls. 63 dos autos e tem o seguinte teor: “AA, 49 anos de idade, acrobata e duplo de cinema, teve um acidente de trabalho com fratura do tornozelo esquerdo tendo sido socorrido no S.U. do Hospital 1... onde viria a ser operado - osteossíntese do maléolo interno com 2 parafusos. Atualmente tem dores, limitação de alguns movimentos mas que no caso presente colidem de maneira evidente com o seu desempenho profissional de risco em acrobacia e filmagens como duplo em situações de risco ou acidentes conforme pode demonstrar. De salientar que uma TAC e um relatório do Dr. BB de cirurgia do pé e tornozelo do Hospital 2... aponta para uma lesão osteocondral da tíbia que poderá até carecer de cirurgia e cuja evolução para artrose é a regra e inviabiliza o seu trabalho. Ainda mantém parafusos que inviabiliza uma boa RMN de avaliação da cartilagem articular suspeita de lesão osteocondral. A avaliar pela perda de mobilidade pode ser incluído no capítulo I 14.2.2.1 b) com incapacidade entre 0,02 e 0,04 e no 14.2.2.2 c) com incapacidade entre 0,02 e 0,04. De salientar que mesmo um déficet de pequena monta é altamente incapacitante para o seu tipo de trabalho e que a confirmar-se a lesão osteocondral vai haver uma evolução desfavorável.”. O Sinistrado e a Seguradora foram notificados do resultado da junta médica, nada tendo requerido. Por despacho refª citius 447470365, foi determinada a junção de cópia da decisão que tenha fixado a incapacidade no processo acidente de trabalho anterior n.º 479/12.8TTMTS do Sinistrado. Tal cópia foi junta sob a refª citius 448583866, resultando da mesma e da conclusão com a refª citius 448584108 que em consequência de tal acidente de trabalho anterior foi decidido, por sentença transitada em julgado, que o Sinistrado não ficou a padecer de incapacidade permanente parcial para o trabalho. O Tribunal a quo proferiu sentença refª citius 448584244, nos termos do artigo 140.º do Código de Processo do Trabalho dela constando, o seguinte: «Nos presentes autos emergentes de acidente de trabalho, em que é sinistrado AA, residente na Rua ..., ... e entidade responsável a A..., S.A., na tentativa de conciliação a discordância das partes reportou-se apenas ao grau de incapacidade de que aquele se encontra afectado em consequência do acidente de que foi vítima em 05/03/2022. Realizado o exame médico na fase conciliatória, considerou o INML que o sinistrado se encontrava afectada de uma IPP de 2% – relatório de fls. 44 a 46. Não se conformando com o resultado de tal exame médico, o sinistrado requereu a realização de exame por junta médica. Realizado tal exame nos termos do art. 139º do Código de Processo de Trabalho, os peritos médicos, por unanimidade, atribuíram ao sinistrado a incapacidade permanente parcial de 2% – auto de fls. 64. Face à natureza e gravidade da sequela, à profissão e idade do sinistrado, o enquadramento e coeficiente unanimemente determinados pelos peritos em junta médica, merecem-nos credibilidade revelando-se adequados. Assim, ao abrigo do disposto pelo art. 140º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho, considero o sinistrado afectado de incapacidade permanente parcial para o trabalho, com o coeficiente de desvalorização de 2% desde 14/09/2022 (dia imediato ao da alta). Notifique. * O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria, da hierarquia e do território. Não há nulidades que invalidem todo o processo. As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e mostram-se legítimas. Não há quaisquer outras nulidades, excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer e obstem ao conhecimento do mérito da causa. * Por acordo das partes e por documento consideram-se provados os seguintes factos: 1) No dia 05/03/2022, pelas 17:00 horas, na Covilhã, o sinistrado, trabalhador independente, quando se encontrava a exercer as funções de acrobata, dentro do seu horário de trabalho, ao fazer uma acrobacia num motociclo, embateu com o pé esquerdo no chão, sofrendo as lesões descritas no relatório de fls. 44 a 46 e no auto de junta médica de fls. 64, cujos teores se reproduzem. 2) À data do acidente, o autor auferia a remuneração anual de €17.500,00. 3) A entidade empregadora do autor, mediante contrato e seguro titulado pela apólice nº ...24, tinha transferido a sua responsabilidade emergente e acidente de trabalho para a Seguradora, ora Ré. 4) O A. encontra-se afectado de incapacidade permanente parcial para o trabalho, com um coeficiente de 2%, a partir de 21/07/2016, dia imediato ao da alta definitiva, em consequência das lesões que lhe resultaram do acidente dos autos. 5) Em consequências das lesões sofridas o autor esteve na situação de ITA (incapacidade temporária absoluta) durante 40 dias, na situação de ITP (incapacidade temporária parcial) de 50% durante 67 dias, na situação de ITP (incapacidade temporária parcial) de 40% durante 37 dias e na situação de ITP (incapacidade temporária parcial) de 20% durante 48 dias, tendo recebido da seguradora a título de indemnizações a quantia de €3.285,99. 6) O A. despendeu a quantia de € 20,00 em deslocações ao Tribunal. 7) O A. nasceu no dia .../.../1973. * A A. pretende que a Ré seja condenada a pagar-lhe o capital de remição calculado com base na pensão a que vier a ter direito, as despesas de deslocação, da responsabilidade daquela e ainda as diferenças nas indemnizações pelas incapacidades temporárias. Considerando que o A. sofreu, no exercício da sua actividade, acidente de que resultou lesão corporal e que lhe determinou incapacidade parcial permanente para o trabalho, conclui-se que o mesmo foi vítima de um acidente de trabalho, que lhe confere o direito a reparação (arts. 3º, 7º, 8º, nº 1, 23º, 39º, 47º, 48º, nº 3, al. c) e 75º 184º da Lei 98/2009 de 04/09 e DL 159/99 de 11/05). Assim, atendendo à remuneração auferida pelo autor, à sua idade e ao coeficiente de desvalorização, o mesmo tem direito ao capital de remição de uma pensão anual e vitalícia correspondente a 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho, nos termos do art. 48º, nº 3, al. c), 75º, nº 1 e 76º da citada Lei 98/2009, ou seja, em concreto, ao capital de remição no valor de €3.393,50, calculado com base numa pensão de €245,00, com efeitos a partir de 14/09/2022, dia seguinte ao da alta definitiva, acrescido de juros à taxa legal desde aquela data até integral pagamento, pelo pagamento do qual é responsável a Ré. O autor tem também direito a haver da ré o valor das indemnizações relativas aos períodos de incapacidades temporárias absoluta e parcial que decorreram desde o acidente até à data da alta e que considerando o valor da remuneração e o disposto pelo art. 47º, nº 1, al. a), 48º, nº 1 e 3, als. d) e e), 50, nº 1 e 71º da Lei 98/2009 de 4/09 ascendiam ao valor total de €3.285,28. Tendo a seguradora já pago a quantia de €3.285,99, resta por saldar a quantia de €0,71, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde o vencimento (art. 72º, nº 3 da referida Lei 98/2009) até integral pagamento. Do mesmo modo é a ré responsável pelo pagamento das despesas de deslocação do autor, no valor de €20,00, nos termos do art. 39º da Lei 98/2009, sendo devidos juros de mora sobre aquelas quantias, à taxa legal desde a data da tentativa de conciliação até integral pagamento. * Por todo o exposto julgo a acção procedente e em consequência decido: - Condenar a ré a pagar ao autor, com efeitos a partir de 14/09/2022 (dia imediato ao da alta definitiva), o capital de remição no valor de €3.393,50 (três mil trezentos e noventa e três euros e cinquenta cêntimos) calculado com base na pensão anual e vitalícia no montante de €245,00 (duzentos e quarenta e cinco euros), acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde aquela data até integral pagamento; - Condenar a ré a pagar ao autor a quantia de €0,71 (setenta e um cêntimos) a título de diferenças nas indemnizações pelos períodos de incapacidades temporárias, acrescida de juros de mora desde o vencimento até integral pagamento; - Condenar a ré a pagar ao autor a quantia de €20,00 (vinte euros) a título de despesas de transporte, acrescida de juros à taxa legal desde a data da tentativa de conciliação até integral pagamento. * Custas pela seguradora – art. 527º do Código de Processo Civil. * Fixo à causa o valor de €4.414,21 (três mil quatrocentos e catorze euros e vinte e um cêntimos).* «Fixo em 1 UC a remuneração a atribuir aos Srs. peritos médicos que intervieram na junta nos termos do art. 17º, nº 2 e Tabela IV do Regulamento das Custas Processuais, sendo quanto ao INML pelo valor fixado na Portaria em vigor, pagando-se mediante a apresentação da correspondente factura. * Registe e notifique.».Inconformado com essa decisão, o Autor/Sinistrado, agora representado por Advogado a quem outorgou procuração, apresentou recurso de apelação, tendo formulado as seguintes conclusões (que se transcrevem): “a) Com o presente recurso, o Recorrente impugna a douta Sentença, na parte respeitante ao ressarcimento dos danos patrimoniais e à não atribuição de qualquer valor a título de danos não patrimoniais; De Facto, b) A Mmª Juiz a quo, ao não ter realizado julgamento após perícia médico-legal, e bem assim, ao não ter permitido que o Recorrente, em sede de audiência de julgamento prestasse as declarações que entendesse por conveniente, não elencou nos factos provados, matéria que ao Recorrente se afigura relevante para a boa decisão da causa. c) Aliás, em sede de tentativa de conciliação, foi proposto pela Ré A..., a atribuição de uma incapacidade de 2%, a qual foi rejeitado pelo Recorrente, pelo que, não nos é entendível porque razão o Tribunal a quo não confrontou Este, bem como, não atendeu ao quantum doloris e danos estéticos. d) O Recorrente, tinha, à data do sinistro 49 de idade, e exibia uma integridade física-psiquica correspondente a uma idade de 40 anos, saúde e situação social; e) Em consequência do sinistro, passou a sofrer diversas incapacidades e limitações que o acompanharão durante o resto dos seus dias; f) Dificuldades essas, como o ficar de cócaras, de saltar pousando o calcanhar esquerdo, de praticar desportos com forte impacto do tornozelo e calcanhar, de realizar todos os números do seu espetáculo de acrobacia como o fazia, etc.; g) ficou a sofrer de ansiedade, sobretudo, quando revivaliza o acidente – mormente, quando realiza os seus espetáculos – receando que em face das limitações, e pelo facto de ainda manter os parafusos no tornozelo, que durante os referidos espectáculos possa perder o controlo de algum dos veículos motorizados e causar incidentes gravosos; h) sofre de tristeza sem motivo aparente, irritabilidade com repercussões na vida familiar e social, insónias frequentes, pesadelos sobre o acidente, alterações mnésicas, pessimismo, revolta e receio quanto ao seu próprio futuro e da Sua família; i) O Recorrente, tem a seu cargo dois dependentes – esposa e filha menor – pelo que, deve igualmente ser acrescido à compensação os 10% referidos no artigo supra.” Terminou, dizendo que o recurso deve ser julgado procedente, por provado e, em consequência, revogar-se a decisão recorrida nos concretos aspetos apontados, entendendo ser-lhe devidos os danos patrimoniais e não patrimoniais, para além dos já pagos e a processar por via do acidente de trabalho. Mais pugnou pela correção dos valores indemnizatórios arbitrados, a título de dano não patrimonial e, na hipótese de improcedência do recurso no antecedente ponto, corrigir igualmente a quantia indemnizatória fixada a título de danos patrimoniais. A Seguradora não apresentou contra-alegações. O Tribunal a quo admitiu o recurso de apelação, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto junto deste Tribunal de recurso emitiu o parecer a que alude o artigo 87º, nº 3, do CPT no sentido de que deverá confirmar-se a sentença recorrida, pronunciando-se, no essencial, como se segue: «[…] 4. Pretende o Recorrente ser indemnizado por danos não patrimoniais (dano biológico) e corrigida, para mais, a quantia indemnizatória fixada a título de danos patrimoniais. 4.1. A reparação dos danos resultantes de acidente de trabalho é feita nos termos da lei, o que é dizer nos termos da Lei 98/2009, de 04.09, Lei dos Acidentes de Trabalho - LAT - art.º 2º. É entendimento dominante na doutrina e jurisprudência, que o regime jurídico dos acidentes de trabalho configura uma responsabilidade extracontratual, objectiva, sendo frequente a invocação da teoria do risco - Júlio Vieira Gomes, Breves Reflexões sobre a noção de acidente de trabalho no novo (mas não muito) regime dos acidentes de trabalho, Ebook, CEJ, pg. 53. A responsabilidade subjectiva está prevista no art.º 18º da LAT, que prevê um regime de responsabilidade agravada nas situações em que o acidente de trabalhão tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho. Neste caso, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais. 4.2. Ora neste caso, esta situação não se verifica, pois, o sinistrado era trabalhador independente. As indemnizações e pensão a que tem direito são as previstas na lei 98/2009, de 04.09., e não outras. Além disso, também não foram pedidas – art.º 552º, do CPC. O processo seguiu para a fase contenciosa, porque o Recorrente discordou apenas do resultado do exame médico-legal singular e do grau de IPP por este atribuída. Não estavam em discussão outras questões, nomeadamente estas que o Recorrente agora suscita. 4.3. É certo, também, que o juiz, em processo do trabalho, pode condenar em valores e quantias não pedidas, ou em valores superiores aos pedidos ou objecto diverso dele, nos termos do art.º 74º do CPT (condenação extra vel ultra petitum). Porém, como se disse, neste caso as indemnizações e pensão devidas ao Recorrente são as previstas na LAT, que a douta sentença em recurso considerou, não havendo outras a que o Recorrente tenha direito, salvo melhor opinião. 5. Pelo que, ressalvando sempre diferente e melhor opinião, se emite parecer no sentido de que deverá confirmar-se a douta sentença recorrida.». Não houve resposta ao parecer. Procedeu-se a exame preliminar, foram colhidos os vistos, após o que o processo foi submetido à conferência. *** II - Objeto do recursoO objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da apelação do Recorrente, acima transcritas, salvo porém o que for de conhecimento oficioso [artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 637.º n.º 2, 1ª parte e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho], sendo que, no caso, a única questão a decidir passa por saber se a decisão recorrida errou o julgamento na aplicação do direito, mais precisamente na parte respeitante ao ressarcimento dos danos patrimoniais e à não atribuição de qualquer valor a título de danos não patrimoniais. *** III - FUNDAMENTAÇÃO1 – Motivação de facto: A matéria de facto com relevo para a apreciação do recurso é a que resulta do relatório que se elaborou. Nesta sede, face ao documento junto pela Seguradora com a participação do acidente e constante dos autos a fls. 8 verso a 9 dos autos [condições particulares da apólice ...24], documento esse que serviu de suporte ao ponto 3 dos factos provados e no qual assentou também a aceitação da transferência da responsabilidade constante do auto de tentativa de conciliação, bem como ao disposto nos artigos 607.º, n.º 4, e 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil e considerando a respetiva relevância no âmbito da aplicação das regras de direito, adita-se oficiosamente à matéria de facto provada o facto n.º 8, contendo o teor das condições particulares da apólice identificada no ponto 3 dos factos provados, com a seguinte redação: 8) Nas condições particulares da apólice referida em 3), juntas a fls. 8 verso e 9 dos autos, consta o seguinte: No item Dados do Cliente: “Nome: AA (…) Tipo de Cliente: Individual (…) Qualidade em que efetua o seguro: Pessoa segura/Segurado (…)” No item Dados do Contrato: “Produto: Acidentes Trabalho Independentes (…) No item Condições Gerais e Especiais do Contrato: “O presente Contrato de seguro regula-se por estas Condições Particulares e ainda pelas Condições Gerais e Especiais com o modelo 191.011 – out 2020, que poderão ser consultadas a qualquer momento em ... utilizando o número da apólice para pesquisa”. No item dados da(s) Pessoa(s) Segura(s) Pessoa(s) Segura(s) “Actividade -Show acrobata com veículos a motor” No item Coberturas, capitais e franquias: “Acidentes Trabalho Independentes Coberturas Acidentes de trabalho Risco de percurso Incluído Capital seguro 17.500,00”. Do mesmo passo, e uma vez que no ponto 1 dos factos provados da decisão recorrida se refere “sofrendo as lesões descritas no relatório de fls. 44 a 46 e no auto de junta médica de fls. 64, cujos teores se reproduzem”, ao abrigo dos citados normativos, impõe-se ainda oficiosamente fazer menção às mesmas, com a precisão de que o auto de junta médica não faz alusão a lesões, mas sim a sequelas, que estão intimamente ligadas à fixação da incapacidade, sendo certo que a decisão deu como reproduzido o seu teor nesse ponto. Nesta conformidade, e por forma a que o dito ponto 1) dos factos provados traduza a matéria assente por acordo das partes no auto de tentativa de conciliação em termos de lesões sofridas e, bem assim, as sequelas consideradas no auto de junta médica que estiveram na base da fixação da incapacidade permanente parcial de 2%, o ponto 1) dos factos provados, tem a seguinte redação (já devidamente integrado com o teor das lesões e das sequelas dados como reproduzidos nesse mesmo ponto): “1) No dia 05/03/2022, pelas 17:00 horas, na Covilhã, o sinistrado, trabalhador independente, quando se encontrava a exercer as funções de acrobata, dentro do seu horário de trabalho, ao fazer uma acrobacia num motociclo, embateu com o pé esquerdo no chão, sofrendo as lesões descritas no relatório de fls. 44 a 46 consistentes em fratura do maléolo interno do membro inferior esquerdo e as sequelas no tornozelo esquerdo descritas no auto de junta médica de fls. 64 consistentes em cicatrizes decorrentes da cirurgia, limitação da dorsiflexão do tornozelo (arco de 0-20 graus, sendo de 0-30 graus à direita), palpação dolorosa no complexo ligamentar medial (sem limitação na flexão plantar, eversão e inversão; força muscular conservada e simétrica, sem qualquer limitação na marcha), referindo dores no tornozelo com alterações atmosféricas.” * Em sede de matéria de facto, impõe-se ainda uma retificação oficiosa de dois lapsos materiais manifestos constantes da sentença proferida pelo Tribunal a quo, mais precisamente dos pontos 3) e 4) dos factos provados.Quanto ao ponto 3), verifica-se que no mesmo consta o seguinte: “A entidade empregadora do autor, mediante contrato e seguro titulado pela apólice nº ...24 tinha transferido a sua responsabilidade emergente e acidente de trabalho para a Seguradora, ora ré”. Sucede que, como resulta inequivocamente dos autos e nomeadamente da identificada apólice junta aos autos com a participação do acidente (cfr. fls. 8 verso e 9 dos autos) e do auto de tentativa de conciliação, o Sinistrado à data do acidente era (é) trabalhador independente, sendo que o acidente em causa foi sofrido enquanto trabalhador independente com a responsabilidade emergente de acidente de trabalho transferida para a Seguradora pela identificada apólice de acidentes de trabalhadores independentes, figurando como tomador de seguro e pessoa segura. A menção a entidade empregadora do autor deveu-se, pois, a lapso manifesto. Já quanto ao ponto 4), o lapso respeita à data de 21-07-2016 aí referida como sendo o dia imediato ao da alta definitiva. A inscrição de tal data deveu-se a lapso material manifesto, na medida em que, como decorre inequivocamente dos autos, a data da alta ocorreu em 13-09-2022 e, portanto, o dia seguinte ao da alta é 14-09-2022. Com efeito, resulta sem margem para dúvidas do auto de tentativa de conciliação que a data da alta fixada e expressamente aceite pelas partes ocorreu em 13-09-2022, pelo que o dia seguinte ao da alta é 14-09-2022 e não 21-07-2016. Isso mesmo decorre, aliás, da primeira parte da decisão recorrida, na qual se considera o sinistrado afetado de incapacidade permanente parcial para o trabalho, com o coeficiente de desvalorização de 2% desde 14-09-2022 (dia imediato ao da alta), sendo ainda certo que na parte decisória da sentença a Seguradora foi condenada a pagar ao autor, com efeitos a partir de 14-09-2022 (dia imediato ao da alta definitiva), o capital de remição. Termos em que se determina oficiosamente a retificação dos lapsos materiais em referência, devendo ficar a constar o seguinte teor: - no ponto 3) - “O autor, mediante contrato de seguro titulado pela apólice nº ...24, tinha transferido a responsabilidade emergente de acidente de trabalho para a Seguradora, ora ré”. - no ponto 4) – “O A. encontra-se afectado de incapacidade permanente parcial para o trabalho, com um coeficiente de 2%, a partir de 14/09/2022, dia imediato ao da alta definitiva, em consequência das lesões que lhe resultaram do acidente”. * Em conclusão, atentas as sobreditas alterações introduzidas no elenco dos factos provados por acordo das partes e por documentos, constante da decisão recorrida, tais factos são os seguintes:1) No dia 05/03/2022, pelas 17:00 horas, na Covilhã, o sinistrado, trabalhador independente, quando se encontrava a exercer as funções de acrobata, dentro do seu horário de trabalho, ao fazer uma acrobacia num motociclo, embateu com o pé esquerdo no chão, sofrendo as lesões descritas no relatório de fls. 44 a 46 consistentes em fratura do maléolo interno do membro inferior esquerdo e as sequelas no tornozelo esquerdo descritas no auto de junta médica de fls. 64 consistentes em cicatrizes decorrentes da cirurgia, limitação da dorsiflexão do tornozelo (arco de 0-20 graus, sendo de 0-30 graus à direita), palpação dolorosa no complexo ligamentar medial (sem limitação na flexão plantar, eversão e inversão; força muscular conservada e simétrica, sem qualquer limitação na marcha), referindo dores no tornozelo com alterações atmosféricas.” 2) À data do acidente, o autor auferia a remuneração anual de €17.500,00. 3) O autor, mediante contrato de seguro titulado pela apólice nº ...24, tinha transferido a responsabilidade emergente de acidente de trabalho para a Seguradora, ora ré. 4) O A. encontra-se afectado de incapacidade permanente parcial para o trabalho, com um coeficiente de 2%, a partir de 14/09/2022, dia imediato ao da alta definitiva, em consequência das lesões que lhe resultaram do acidente”. 5) Em consequências das lesões sofridas o autor esteve na situação de ITA (incapacidade temporária absoluta) durante 40 dias, na situação de ITP (incapacidade temporária parcial) de 50% durante 67 dias, na situação de ITP (incapacidade temporária parcial) de 40% durante 37 dias e na situação de ITP (incapacidade temporária parcial) de 20% durante 48 dias, tendo recebido da seguradora a título de indemnizações a quantia de €3.285,99. 6) O A. despendeu a quantia de €20,00 em deslocações ao Tribunal. 7) O A. nasceu no dia .../.../1973. 8) Nas condições particulares da apólice referida em 3), juntas a fls. 8 verso e 9 dos autos, consta o seguinte: No item Dados do Cliente: “Nome: AA (…) Tipo de Cliente: Individual (…) Qualidade em que efetua o seguro: Pessoa segura/Segurado (…)” No item Dados do Contrato: “Produto: Acidentes Trabalho Independentes (…) No item Condições Gerais e Especiais do Contrato: “O presente Contrato de seguro regula-se por estas Condições Particulares e ainda pelas Condições Gerais e Especiais com o modelo 191.011 – out 2020, que poderão ser consultadas a qualquer momento em ... utilizando o número da apólice para pesquisa”. No item dados da(s) Pessoa(s) Segura(s) Pessoa(s) Segura(s) “Actividade -Show acrobata com veículos a motor” No item Coberturas, capitais e franquias: “Acidentes Trabalho Independentes Coberturas Acidentes de trabalho Risco de percurso Incluído Capital seguro 17.500,00”. * 2 – Motivação de direito:O Recorrente refere nas suas alegações impugnar a sentença na parte respeitante ao ressarcimento dos danos patrimoniais e à não atribuição de qualquer valor a título de danos não patrimoniais. Sustenta que para efeitos de decisão e promoção de sentença, o Tribunal a quo, para fixação da compensação pelo sinistro do trabalho sofrido e do qual resultou uma incapacidade permanente de 2%, teve apenas em consideração o relatório dos peritos médicos, não tendo em consideração o dano estético do lesado, nem o quantum doloris por aquele sofrido, sendo estes omissos da sentença, e ainda, o valor das prestações por incapacidade prevista no n.º 3 do artigo 48.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, o qual determina que “Se do acidente resultar redução na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado, este tem direito às seguintes prestações: a) Por incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho – pensão anual e vitalícia igual a 80% da retribuição, acrescida de 10% desta por cada pessoa a cargo, até ao limite da retribuição”, porquanto tem o sinistrado a seu cargo a sua esposa (doméstica) e a sua filha menor. Refere, em substância, que: em face do sinistro padeceu de sofrimento físico e psíquico (quantum doloris) desde a data do acidente até à presente data, cujo grau deve ser mensurado, resultante quer das lesões, quer dos tratamentos efetuados; deve ser mensurado à globalidade das sequelas de limitação da mobilidade do tornozelo esquerdo com pé em ligeira rigidez marcada da articulação, ficando a padecer de um défice funcional permanente na sua integridade física, com afetação direta para o seu trabalho, e dado que na presente data ainda não lhe foram retirados os parafusos do tornozelo, é previsível o agravamento das sequelas tendo em conta o envolvimento intra-articular da fratura com o agravamento da artrose pós traumática do tornozelo; tendo em conta a profissão de acrobata e duplo de cinema, as sequelas são compatíveis com a sua profissão, mas implicam esforços suplementares acrescidos; a imagem do Recorrente em relação a si e em relação aos outros ficou afetada (dano estético permanente), não tendo sido mensurado em qualquer grau de afetação, pelo que deve o mesmo ser mensurado em valor nunca inferior a 3 de uma escala de 7 graus de gravidade crescente; as sequelas repercutem-se nas atividades de lazer e convívio social que exercia de forma regular (caminhadas, bicicleta e caminhadas na praia com a filha e esposa), não tendo igualmente estas limitações sido alvo de avaliação, pelo que deve aqui também ser fixado um grau de afetação que de uma escala de 7 graus de gravidade crescente deverá ser fixado num grau nunca inferior a 3; o Recorrente, em face da sua idade e da maior dificuldade de “reparação” óssea necessitará permanentemente de ajudas medicamentosas, nomeadamente analgésicos e anti-inflamatórios em SOS, bem como de tratamentos médicos regulares como fisioterapia de manutenção, podendo a artrose pós-traumática do tornozelo agravar, obrigando a tratamentos e uma futura revisão do caso; só consegue fazer pequenos percursos a pé, pois, sempre que pousa o calcanhar, sente dores dilacerantes; não consegue andar de bicicleta e tem grande dificuldade em correr; por força de ser o único a contribuir com rendimentos para o agregado familiar, não consegue dormir bem e tem pesadelos constantemente; com a intervenção cirúrgica à qual foi sujeito foi necessário a colocação de “parafusos”, os quais se mantém na presente data e do qual sabe que terão de a breve trecho ser retirados, o que o inibirá uma vez mais de poder realizar o seu trabalho, com enormes sacrifícios no seio do agregado familiar, bem como terá que ficar uma vez mais com a perna esquerda imobilizada; viveu o sinistro com grande ansiedade, padecendo de transtorno pós contusão, manifestando défice de atenção e receio de por força da sua lesão poder ter de deixar de trabalhar e assim poder continuar a cuidar da sua família, principalmente da sua filha menor; durante o período de internamento sentiu-se abandonado, porquanto, e não obstante as visitas que a esposa lhe fazia, as mesmas eram de curta duração, pois tinha de ir buscar a filha ao infantário e levá-la novamente – uma vez que a menor almoça em casa; durante o período em que se encontrou manietado por força da intervenção cirúrgica e, bem assim, do gesso, sentia-se um inútil, pois não conseguia fazer nada sem a ajuda da esposa, quer para se deslocar ao WC, quer para preparar um qualquer lanche ou tratar da sua higiene pessoal; tendo os níveis de irritação e impaciência se evidenciado muito, aquando das “birras” da menor; por força da não realização de audiência de discussão e julgamento, não foi de entre outros ouvido o próprio Recorrente, não lhe tendo sido possível demonstrar à Srª Juiz a quo as suas lesões, incapacidades, limitações, etc. Defende que mal andou a Srª Juiz a quo, primeiramente por não ter convocado o Sinistrado para alegar o que tivesse por conveniente, e em segundo, por aquando da sua decisão, não ter decidido ir para além da indemnização que decidiu, numa indemnização conforme as situações análogas, e ainda acrescer o estatuído no n.º 3 do artigo 48.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, isto é, o acréscimo dos 10% por cada pessoa a cargo, até o limite da retribuição, bem como em não ter determinado que fosse mensurado segundo as tabelas o quantum doloris e o dano estético, o que agora reclama sejam determinados. Refere que a sentença fixou que o capital de remição a atribuir ao Sinistrado em função da incapacidade seria no valor de €3.393,50, calculado com base numa pensão de €245,00 com efeitos a partir de 14-09-2022, defendendo que atendendo ao valor da pensão e a data em que produz efeitos o valor deveria ser de €4.410,00, pelo que deve ser corrigido. Mais refere que na sentença de que se recorre não está em causa a verificação dos pressupostos de indemnização relacionados com o facto e sua imputação ao agente a título de culpa, com a ocorrência de danos ou de nexo de causalidade entre estes e o facto, nem os relativos à existência de contrato de seguro, estando, sim, em causa a não quantificação da indemnização devida para ressarcimento dos danos não patrimoniais e danos patrimoniais na vertente de dano biológico, quantum doloris e dano estético, estes últimos que nem foram observados ou considerados pelo Tribunal de 1ª instância. Refere ainda que a indemnização pelos danos não patrimoniais foi fixada em €3.393,50, sendo que entende que deve ser tido em conta como base de trabalho o regime decorrente da Lei n.º 98/2009 de 4 de setembro, devendo ser atendidos os valores fixados em casos análogos o que apontaria para o valor de €7.500,00 a título de compensação de danos não patrimoniais sofridos. Entende que, considerando os factos provados e as decisões recentes dos Tribunais superiores, uma indemnização de €10.000,00 para ressarcimento da perda de capacidade de ganho/dano biológico é a mais justa. * Na sua conclusão b), o Recorrente refere que a Mmª Juiz a quo, ao não ter realizado julgamento após perícia médica e ao não ter permitido que em sede de audiência de julgamento prestasse declarações que entendesse por convenientes, não elencou nos factos provados, matéria que ao Recorrente se afigura relevante para a decisão da causa.Pese embora o Recorrente não invoque qualquer vício de nulidade [atente-se que não estaríamos aqui perante qualquer vício de nulidade da sentença proferida - caso em que constituiria fundamento de recurso (artigo 615.º, n.º 4, do Código de Processo Civil) - antes perante eventual nulidade de ato processual, como tal a arguir perante o tribunal onde alegadamente se teria verificado a falta (cfr. artigos 186.º a 202.º do Código de Processo Civil), só conhecendo o tribunal da 2ª instância em caso de recurso sobre o decidido], nem retire qualquer consequência dessa alegada “falta” de realização de audiência de julgamento, não podemos deixar de tecer algumas considerações sobre esta alegada “omissão” da realização de audiência de julgamento. O processo para efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho encontra-se regulado nos artigos 99.º a 150.º do Código de Processo do Trabalho [diploma legal a que se reportam as demais disposições infra a referenciar, desde que o sejam sem menção expressa em sentido adverso]. Tal processo compreende duas fases distintas, a saber: uma primeira, denominada fase conciliatória, de realização obrigatória e dirigida pelo Ministério Público; e, uma segunda, a fase contenciosa, de realização eventual e sob a direção do Juiz. A fase conciliatória visa, como decorre da sua própria designação, alcançar a satisfação dos direitos emergentes do acidente do trabalho para o sinistrado, mediante uma composição amigável, embora necessariamente sujeita a regras legais imperativas, pela natureza indisponível dos direitos (cfr. artigos 78.º e 12.º da Lei n.º 98/2009 de 4 de setembro), atendendo aos interesses de ordem pública envolvidos. A tramitação da fase conciliatória, tendo em vista alcançar o referido objetivo, compreende, por sua vez, três fases, mais precisamente: uma primeira de instrução, que tem em vista a recolha e fixação de todos os elementos essenciais à definição do litígio, de modo a indagar sobre a “(..) veracidade dos elementos constantes do processo e das declarações das partes”, habilitando o Ministério Público a promover um acordo suscetível de ser homologado (artigos 104.º, n.º 1, 109.º e 114.º); uma segunda, que consiste na realização do exame médico singular, devendo este no relatório “indicar o resultado da sua observação clínica, incluindo o relato do evento fornecido pelo sinistrado e a apreciação circunstanciada dos elementos constantes do processo, a natureza das lesões sofridas, a data de cura ou consolidação, as sequelas e as incapacidades correspondentes, ainda que sob reserva de confirmação ou alteração do seu parecer após obtenção de outros elementos clínicos ou auxiliares de diagnóstico” (artigos 105.º e 106.º); e, finalmente, a tentativa de conciliação presidida pelo Ministério Público, com a finalidade primordial de obtenção de acordo suscetível de ser homologado pelo Juiz (artigo 109.º) [conforme se expõe no Acórdão desta Relação e Secção de 17-04-2023 (processo n.º 2040/20.4T8VLG.P1, Relator Desembargador Jerónimo Freitas, acessível in www.dgsi.pt), que neste particular seguimos de perto, o qual, por seu turno, apela a João Monteiro, Fase conciliatória do processo para a efetivação do direito resultante de acidente de trabalho – enquadramento e tramitação, Prontuário do Direito do Trabalho, n.º 87, CEJ, Coimbra Editora, pp. 135 e seguintes]. Na fase conciliatória, avultam, pois, a realização de exame médico singular, a realizar por perito do Tribunal (ou do Instituto de Medicina Legal), com vista à determinação das lesões e sequelas e à avaliação da correspondente incapacidade, seguida de tentativa de conciliação, na qual as partes se pronunciam sobre as questões relevantes à determinação da reparação [artigos 105.º e 109.º]. Não sendo obtido o acordo a fase conciliatória, conforme decorre do artigo 112.º, n.º 1, no auto da tentativa “(..) são consignados os factos sobre os quais tenha havido acordo, referindo-se expressamente se houve ou não acordo acerca da existência e caracterização do acidente, do nexo causal entre a lesão e o acidente, da retribuição do sinistrado, da entidade responsável e da natureza e grau da incapacidade atribuída”. O objetivo é reduzir a litigiosidade das fases subsequentes e encaminhar a tramitação posterior dos autos, que será tanto mais simples quanto menos forem as questões controvertidas. O início da fase contenciosa, como decorre do artigo 117.º, alíneas a) e b), tem por base a apresentação de petição inicial ou o requerimento a que se refere o n.º 2 do artigo 138.º [que se reporta ao requerimento de perícia por junta médica]. O referido requerimento é o meio processual próprio a apresentar quando o interessado “se não conformar com o resultado da perícia médica realizada na fase conciliatória do processo, para efeitos de fixação da incapacidade para o trabalho” (alínea b) do n.º 1 do artigo 117.º), o qual deve ser fundamentado ou vir acompanhado de quesitos (artigo 117.º n.º 2), a fim de serem respondidos pelos senhores peritos médicos no exame por junta médica previsto no artigo 139.º, n.º 1. Tal perícia por junta médica é de realização obrigatória. Por sua vez, a apresentação da petição inicial é necessária quando a discordância entre as partes na tentativa de conciliação não se fique pela questão da incapacidade. Nas situações reconduzíveis à alínea b) do n.º 1 do artigo 117.º, em que apenas está em causa determinar a incapacidade, o processo segue uma tramitação simplificada que apenas prevê a realização da perícia por junta médica – e eventuais diligências relacionadas com a finalidade deste ato, tendo em vista obter elementos complementares para a emissão do laudo – a que se seguirá a decisão sobre o mérito, fixando a natureza e grau de incapacidade e o valor da causa, observando-se o disposto no n.º 3 do artigo 73.º, por remissão do n.º 1 do artigo 140.º [este último normativo dispõe que “Se a fixação da incapacidade tiver lugar no processo principal, o juiz profere decisão sobre o mérito, realizadas as perícias referidas no artigo anterior, fixando a natureza e o grau de incapacidade e o valor da causa, observando-se o disposto no n.º 3 do artigo 73.º”]. Daqui decorre que a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da identificação das partes e da sucinta fundamentação de facto e de direito do julgado [artigo 73.º, n.º 3]. No caso dos autos, conforme decorre inequivocamente do auto de tentativa de conciliação da fase conciliatória, a discordância expressa pelo Sinistrado reconduziu-se à questão da incapacidade (sequelas descritas no relatório do INML e IPP de 2% aí atribuída). Relembre-se que o Sinistrado e a Seguradora aceitaram a descrição do acidente, as lesões descritas na perícia médica do INML, o nexo de causalidade entre tais lesões e o acidente, os períodos de incapacidade temporárias, a data da alta e a retribuição anual ilíquida de €17.500,00 como sendo a retribuição do Sinistrado transferida para a Seguradora em termos de responsabilidade infortunística através de contrato de seguro titulado pela apólice nº ...24. Refira-se que não se perfila como possível cindir a avaliação da incapacidade (se existe e qual o grau) da definição da(s) sequela(s). O conceito da sequela está, pois, interligado com a fixação da incapacidade. Os presentes autos seguiram, pois, como se impunha, a referida tramitação simplificada, sendo certo que foi o ora Recorrente, que apresentou o requerimento de junta médica, nos termos previstos na citada alínea b) do n.º 1 do artigo 117.º. Nesta conformidade, foi realizada a perícia por junta médica, cujo resultado foi notificado às partes que nada requereram, após o que foi proferida decisão sobre o mérito, fixando a natureza e grau de incapacidade e o valor da causa. Não houve lugar à realização de julgamento, porquanto a lei não prevê a sua realização quando em causa apenas a fixação da incapacidade, como in casu. * Isto posto, importa agora, sim, apreciar se a decisão recorrida errou o julgamento na aplicação do direito, mais precisamente na parte respeitante ao ressarcimento dos danos patrimoniais e à não atribuição de qualquer valor a título de danos não patrimoniais.Atente-se que o Sinistrado/Recorrente não coloca em crise os seguintes pressupostos fácticos, nos quais se fundamentou a sentença recorrida: - No dia 5/03/2022, pelas 17 horas, na Covilha, o Sinistrado, trabalhador independente, quando se encontrava a exercer as funções de acrobata, dentro do seu horário de trabalho, ao fazer uma acrobacia num motociclo, embateu com o pé esquerdo no chão, sofreu fratura do maléolo interno do tornozelo esquerdo; - Em consequência do referido acidente, o Sinistrado ficou a padecer de sequelas, máxime limitação da dorsiflexão do tornozelo esquerdo (arco de 0-20 graus, sendo de 0-30 graus à direita), palpação dolorosa no complexo ligamentar medial, referindo dores no tornozelo com alterações atmosféricas, ficando afetado de incapacidade permanente parcial para o trabalho com o coeficiente de desvalorização de 2% desde 14-09-2022 (dia seguinte ao da alta; atente-se que a referência pelo Sinistrado à data de 21-07-2022 deve-se a mero lapso material); - Em consequência do referido acidente, o Sinistrado sofreu os seguintes períodos de incapacidade temporária: ITA de 40 dias; ITP de 50% durante 67 dias; ITP de 40% durante 37 dias; ITP de 20% durante 48 dias; - À data do acidente, o Sinistrado auferia anualmente o valor de €17.500,00; - O Sinistrado, mediante contrato de seguro titulado pela apólice nº ...24 junta aos autos a fls. 8 e 9, tinha transferido a responsabilidade emergente de acidente de trabalho enquanto trabalhador independente para a Seguradora; - O Sinistrado Recebeu da Seguradora a quantia de €3.285,99 a título de indemnizações pelos referidos períodos de incapacidades temporárias; - O Sinistrado despendeu a quantia de €20,00 em deslocações ao Tribunal; - O Sinistrado nasceu no dia .../.../1973. Sublinhe-se que o Sinistrado no recurso apresentado não coloca em crise a decisão recorrida quanto à fixação em 2% da incapacidade permanente parcial para o trabalho (IPP) de que ficou a padecer desde 14-09-2022 (dia imediato ao da alta), em consequência do acidente dos autos, em consonância do parecer unânime da junta médica realizada. Ora, foi tendo como base os sobreditos pressupostos fácticos, que a decisão recorrida considerou que o Autor sofreu, no exercício da sua atividade como trabalhador independente, acidente de que resultou lesão corporal e que lhe determinou incapacidade parcial permanente para o trabalho, que qualificou como de trabalho e que lhe confere direito à reparação nos termos da Lei n.º 98/2009 de 4 de setembro e Decreto-Lei n.º 159/99 de 11 de maio, mais precisamente, a condenação da Seguradora a pagar ao autor: - com efeitos a partir de 14-09-2022, o capital de remição no valor de €3.393,50, calculado na base de uma pensão anual no montante de €245,00, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde aquela data até integral pagamento; - a quantia de €0,71 a título de diferenças nas indemnizações pelos períodos de incapacidades temporárias, acrescidos de juros de mora desde o vencimento até integral pagamento; - a quantia de €20,00 a título de despesas de transporte, acrescida de juros à taxa legal desde a data da tentativa de conciliação até integral pagamento. O Recorrente, no recurso apresentado, pugna, em substância, pelo seguinte: a - Pela correção do valor do capital de remição que lhe foi atribuído para o valor de €4.410,00 (ao invés do valor fixado de €3.393,50), atendendo ao valor da pensão e a data em que produz os efeitos; para além dos montantes já determinados, com a correção atrás referida, b - pela atribuição de uma indemnização por danos não patrimoniais para compensar os danos não patrimoniais sofridos, num valor que aponta como sendo de €7.500,00 c - pela atribuição de uma indemnização de €10.000,00 para ressarcimento da perda de capacidade de ganho/dano biológico; d - dado que tem a seu cargo dois dependentes – esposa e filha menor -, refere que deverá acrescer à compensação os 10% por cada pessoa a cargo referidos no artigo 48.º, n.º 3, alínea a), da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro. Que dizer? Diremos, desde já adiantando a conclusão, que não assiste a mínima razão ao Recorrente quanto às sobreditas pretensões. Vejamos porquê. No caso dos autos, inexiste controvérsia entre as partes, mostrando-se assente, que o Recorrente, trabalhador independente, foi vítima de um acidente em 5-03-2022, no exercício da sua atividade de acrobata, do qual resultou lesão corporal que lhe determinou períodos de incapacidade temporárias e sequelas que, por sua vez, lhe determinam uma incapacidade permanente parcial para o trabalho de 2% a partir de 14-09-2022. Encontra-se ainda assente que o Recorrente tinha a responsabilidade infortunística emergente de acidente de trabalho transferida para a Seguradora, pela retribuição anual auferida pelo mesmo de €17.500,00, mediante contrato de seguro obrigatório de acidentes de trabalho para trabalhadores independentes [titulado pela apólice nº ...24]. Não há, pois, qualquer dúvida, nem tal é colocado em crise, que o Recorrente sofreu um acidente de trabalho, enquanto trabalhador independente, o que lhe confere o direito a reparação nos termos legalmente previstos. Em termos de regime legal de reparação, inexistem também quaisquer dúvidas que, tal como foi considerado na decisão recorrida, atenta a data da ocorrência do acidente, é aplicável o regime de reparação de acidentes de trabalho previsto na Lei n.º 98/2009 de 4 de setembro (adiante designada por LAT) – cfr. artigo 188.º da LAT. De facto, o legislador contemplou a reparação infortunística dos "trabalhadores independentes”, ou seja, daqueles que exercem uma atividade por conta própria, portanto sem estarem colocados numa posição de subordinação jurídica em termos idênticos aos trabalhadores por conta de outrem. Nos termos do artigo 4.º, n.º 2 da Lei nº 7/2009 de 12 de fevereiro (que aprovou a revisão do Código de Trabalho), o trabalhador que exerça atividade por conta própria deve efetuar um seguro que garanta o pagamento das prestações previstas nos artigos 283.º e 284.º do Código de Trabalho e respetiva legislação regulamentar (LAT, no que respeita ao regime de reparação de acidentes de trabalho). Assim, os trabalhadores que exerçam uma “atividade por conta própria”, beneficiam do regime de reparação de acidentes de trabalho, mas para tanto recaindo sobre eles o dever de efetuar um seguro, nos termos a definir em diploma próprio. Dispõe o artigo 184.º da LAT que a regulamentação relativa ao regime do seguro obrigatório de acidentes de trabalho de trabalhadores independentes consta de diploma próprio. O diploma legal que regulamenta o seguro de acidentes de trabalho para os trabalhadores independentes é o Decreto-Lei n.º 159/99, de 11 de maio. Refira-se que a LAT contém uma norma remissiva – artigo 181º - nos termos da qual as remissões de normas contidas em diplomas legislativos para a legislação revogada com a entrada em vigor da referida lei consideram-se referidas às disposições correspondentes do Código do Trabalho e daquela lei. Como tal, as referências à Lei n.º 100/97 de 13 de setembro e ao Decreto-Lei n.º 143/99 de 30 de abril – que foram revogados pela Lei n.º 98/2009 (cfr. o seu artigo 186.º) contidas no citado Decreto-Lei n.º 159/99 consideram-se como sendo feitas às disposições correspondentes da Lei n.º 98/2008 de 4 de setembro. Ora, como decorre do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 159/99 de 11-05, através do seguro de acidentes de trabalho pretende-se garantir aos trabalhadores independentes e respetivos familiares, em caso de acidente de trabalho, indemnizações e prestações em condições idênticas às dos trabalhadores por conta de outrem e seus familiares. Para consecução desse objetivo, decorre do artigo 1.º do citado Decreto-Lei, sob a epígrafe “Obrigatoriedade do Seguro” que os trabalhadores independentes são obrigados a efetuar um seguro de acidentes de trabalho que garanta, com as devidas adaptações, as prestações definidas na Lei n.º 98/2009 de 4 de setembro, para os trabalhadores por conta de outrem e seus familiares (n.º 1). O n.º 2 desse preceito prevê que são dispensados de efetuar esse seguro os trabalhadores independentes cuja produção se destine exclusivamente ao consumo ou utilização por si próprio e pelo seu agregado familiar. No presente caso, como vimos, o Recorrente, transferiu o risco da sua atividade por contrato de seguro, titulado pela apólice ...24, pela totalidade da retribuição auferida, ou seja, de €17.500,00, de modo a ficar protegido, enquanto trabalhador independente, garantindo para si “e e respetivos familiares, em caso de acidente de trabalho, indemnizações e prestações em condições idênticas às dos trabalhadores por conta de outrem e seus familiares.”. O acidente dos autos está, por isso, abrangido pela cobertura da apólice, tendo a Seguradora aceite as responsabilidades dele decorrentes e em que foi condenada na sentença recorrida. Se atentarmos nas condições da apólice de seguro em causa, verificamos que estamos perante um seguro que cobre o risco profissional do próprio segurado por acidentes de trabalho de trabalhador independente, garantindo as prestações e indemnizações previstas na LAT, sendo a retribuição segura de €17.500,00 (ou seja, correspondente à retribuição anual auferida pelo Sinistrado). Com efeito, a Norma Regulamentar n.º 3/2009-R de 8-01, publicada no Diário da República, 2ª Série, n.º 57, de 23-03-2009, que veio aprovar “a parte uniforme das condições gerais da apólice de seguro obrigatório de acidentes de trabalho para trabalhadores independentes”, na respetiva cláusula 3ª, sob a epígrafe “objeto do seguro”, estabelece o seguinte: “1- O segurador, de acordo com a legislação aplicável e nos termos desta apólice, garante os encargos provenientes de acidentes de trabalho da pessoa segura, em consequência do exercício da actividade profissional por conta própria identificada na apólice. 2- São consideradas prestações em espécie as prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar e quaisquer outras, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida activa. 3- Constituem prestações em dinheiro a indemnização por incapacidade temporária absoluta ou parcial para o trabalho, a indemnização em capital ou pensão vitalícia correspondente à redução na capacidade de trabalho ou de ganho, em caso de incapacidade permanente, o subsídio por situações de elevada incapacidade permanente, o subsídio para readaptação de habitação, a prestação suplementar por assistência de terceira pessoa, e, nos casos de morte, as pensões aos familiares do sinistrado, bem como o subsídio por morte e despesas de funeral.” Atente-se que o contrato de seguro celebrado entre as partes não prevê nas respetivas condições um regime de reparação mais alargado em relação àquele que se mostra previsto na LAT. Nesta conformidade, a reparação devida ao Sinistrado é aquela que decorre da LAT e não qualquer outra. A responsabilidade prevista na LAT é independente de culpa, ou seja, estamos no domínio da responsabilidade objetiva. [existem casos especiais de reparação previstos no artigo 18.º da LAT, sob a epígrafe de “Atuação culposa do empregador”, situação que não pode perspetivar-se nos presentes autos quanto ao Recorrente por se tratar de um trabalhador por conta própria/trabalhador independente]. O Professor Júlio Gomes, a propósito do dano reparável no caso de responsabilidade sem culpa por um acidente de trabalho e dando conta da enorme diferença em relação ao dano indemnizável face à responsabilidade civil comum (mesmo aquela que é também responsabilidade objetiva), refere o seguinte: “[o] dano evento consiste, assim, na lesão corporal, perturbação funcional ou doença. E tal dano evento ou dano real só releva na medida em que dele resulte redução na capacidade de trabalho ou ganho ou a morte. Relativamente ao dano evento ou dano real ele consiste, no fundo, na lesão da integridade e do estado de saúde da pessoa do trabalhador, quer se trate de uma lesão física, quer psíquica. Esta lesão corporal assemelha-se ao dano biológico descoberto modernamente pelo direito civil, pelo menos para quem considere, como Maria da Graça Trigo, que “o dano biológico, sendo um dano real ou dano evento, não deve em princípio ser qualificado como dano patrimonial ou não patrimonial, mas antes como tendo consequências de um ou outro tipo; e também por isso em nosso entender não deve ser tido como um dano autónomo em relação à dicotomia danos patrimoniais/danos não patrimoniais”. Todavia, e logo aqui se acentua a divergência com a responsabilidade civil comum, longe de se indemnizarem ou repararem todas as consequências lesivas desse dano evento na responsabilidade objetiva por acidente de trabalho (ao contrário da responsabilidade agravada a que nos referiremos adiante), apenas se indemnizam alguns danos patrimoniais que dele resultam. Ficam, por conseguinte, completamente de fora do âmbito da reparação danos não patrimoniais, como sejam o dano do sofrimento, o dano estético (a não ser que se repercuta em uma perda da capacidade de trabalho ou de ganho), o dano na vida de relação. A reparação nos acidentes de trabalho, quando se trata de responsabilidade objetiva, centra-se exclusivamente na perda da capacidade de trabalho ou de ganho.” (…) Destarte, mesmo que se possa afirmar que o dano evento é semelhante ao que em direito civil é designado de dano biológico, a diferença do dano indemnizável face à responsabilidade civil comum (mesmo aquela que é também responsabilidade objetiva) é enorme. [in ALGUMAS REFLEXÕES CRÍTICAS SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTES DE TRABALHO, Revista Julgar, n.º 43, 2021, páginas 134-135, 137]. Do mesmo passo, como evidenciam Maria Adelaide Domingos, Viriato Reis e Diogo Ravara [in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais — uma Introdução, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Coleção Formação Profissional, Centro de Estudos Judiciários, julho de 2013, página 35], «(…) [o] regime legal de reparação dos acidentes de trabalho não visa reparar lesões, dores ou sofrimentos não traduzíveis nas incapacidades descritas na lei, ou morte, pelo que não são reparáveis os danos não patrimoniais ou morais, exceto se o acidente de trabalho tiver ocorrido por culpa da entidade empregadora, conforme resulta do artº 18.º, n.º 1 da LAT.». A responsabilidade objetiva do dano reparável no caso de responsabilidade sem culpa por um acidente de trabalho, não segue, pois, o princípio da reparação integral do dano sofrido pelo lesado, como prevê o artigo 562.º do Código Civil. Os danos a indemnizar pelo acidente de trabalho encontram-se limitados, só existindo reparação nos termos previstos na LAT (artigos 1.º e 2.º da LAT e, quanto aos trabalhadores independentes, artigos 4.º, n.º 2 da Lei nº 7/2009 de 12 de fevereiro, 181.º e 184.º da LAT e Decreto-Lei n.º 159/99 de 11 de maio). No âmbito laboral, em sede da responsabilidade objetiva, a reparação em dinheiro visa satisfazer os danos patrimoniais corporais resultantes da extinção ou redução – ainda que temporária - da capacidade de trabalho ou de ganho e tem limites. Assim, nas prestações por indemnizações temporárias e/ou indemnização em capital e pensão por incapacidade permanente para o trabalho, existem limites decorrentes do coeficiente de incapacidade sofrido pelo sinistrado e com reporte a uma percentagem da retribuição (cfr. artigos 47.º e 48.º, n.ºs 1, 2, 3, alíneas a) a e) da LAT). No campo da responsabilidade objetiva por acidente de trabalho não são, pois, indemnizáveis os danos não patrimoniais, como seja o dano de sofrimento, o dano estético (exceto se tiver repercussões na perda da capacidade de trabalho ou ganho [isto para já não falar de outros danos não indemnizáveis, como sejam danos patrimoniais diretos sofridos pelo trabalhador – v.g. perda de vestuário, telemóvel, etc, embora inclua próteses, óculos, cadeira de rodas – cfr. artigo 25.º, n.º 1, alínea g), 41.º e 43.º da LAT]. No sobredito campo a reparação engloba o dano decorrente da perda de rendimentos salariais, associado ao grau de incapacidade laboral fixado, compensado pela atribuição de certo capital de remição ou de uma pensão por incapacidade permanente para o trabalho, mas não contempla o dano biológico decorrente das sequelas incapacitantes do lesado que, embora possam não determinar perda de rendimento laboral, envolvem restrições à capacidade do sinistrado, implicando esforços acrescidos, quer para a realização das tarefas profissionais, quer para as atividades da vida pessoal e corrente (v.g. danos da vida de relação, perda da possibilidade de praticar certos desportos ou de intervir na vida social). Em suma, perante o quadro legal desenhado, que é o aplicável (tendo em conta que estamos perante um acidente de trabalho sofrido por um trabalhador independente que tinha a responsabilidade infortunística transferida para a Seguradora, com a celebração de um contrato de seguro obrigatório de acidentes de trabalho de trabalhador independente, ou seja, em que a reparação devida por força desse contrato é a prevista na LAT no âmbito da responsabilidade objetiva), tem de concluir-se que a reparação devida ao Sinistrado não cobre a indemnização por danos não patrimoniais resultantes do acidente de trabalho, nem a indemnização por dano biológico no sentido amplo pretendido pelo Recorrente (de dano à saúde, violador da integridade física e do bem-estar físico, psíquico e social, independentemente das consabidas divergências no que respeita à respetiva qualificação – dano patrimonial, dano não patrimonial ou um verdadeiro dano autónomo, “tertium genus” de natureza específica que não se esgota nem é assimilado pela dicotomia clássica entre o que é patrimonial e não patrimonial). A reparação a que o Recorrente tem direito, como já dissemos, abrange apenas as prestações estabelecidas na LAT. Ora, analisada a factualidade provada e o regime jurídico aplicável, forçoso é concluir que a decisão recorrida reconheceu ao Recorrente a reparação a que o mesmo tinha direito nos termos da LAT. Por um lado, e atendendo à remuneração auferida e transferida para a Seguradora, à sua idade e ao grau de incapacidade permanente parcial de que ficou a padecer, o Sinistrado tem efetivamente direito ao capital de remição de uma pensão anual e vitalícia correspondente a 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho, nos termos dos artigos 47.º, n.º 1, alínea c), 48.º, n.º 3, alínea c), 75.º, nº 1, e 76.º da LAT e 135º do Código de Processo do Trabalho, ou seja, em concreto, ao capital de remição no valor de € 3.393,50, calculado com base numa pensão de €245,00, com efeitos a partir de 14-09-2022 (dia seguinte ao da alta definitiva), acrescido de juros à taxa legal desde aquela data até integral pagamento, da responsabilidade da Seguradora [17.500,00x0.70x0,02 = € 245,00; € 245,00 x 13,851 – fator aplicável tendo em conta a data de nascimento do Sinistrado e a data da alta, conforme tabela constante da Portaria n.º 11/2000, de 13 de janeiro que prevê as bases técnicas aplicáveis ao cálculo do capital de remição das pensões de acidentes de trabalho -temos o capital de remição de € 3.393,50]. Não assiste, pois, razão ao Recorrente quando afirma por forma meramente conclusiva que atendendo ao valor da pensão e à data em que produz efeitos o valor do capital de remição devia ser de € 4.410,00. Ao caso não é também aplicável, ao contrário do que sustenta o Recorrente, o disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 48.º da LAT. Do referido normativo, resulta que se do acidente resultar redução na capacidade de trabalho ou de ganho para o sinistrado, por incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, o sinistrado tem direito a pensão anual e vitalícia igual a 80% da retribuição acrescida por 10% desta por cada pessoa a cargo, até ao limite da retribuição. O Sinistrado não ficou a padecer de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, mas tão só de incapacidade permanente parcial de 2%, pelo que a prestação a que tem direito é, como se disse, a prevista na alínea c) do n.º 3, sendo a pensão obrigatoriamente remida nos termos do disposto no artigo 75.º da LAT. Por outro lado, o Sinistrado, face ao valor já recebido da Seguradora a título de indemnização pelos períodos de incapacidades temporárias absoluta e parciais que decorreram desde o acidente até à data da alta (€ 3.285,99), tem também direito a receber da Ré o valor fixado na sentença a título de diferenças nas indemnizações pelos referidos períodos de incapacidades temporárias, no montante de € 0,71 (artigos 47.º, n.º 1, alínea a), 48.º, n.º 1 e 3, alíneas d) e e), 50.º, n.º 1 e 71.º da LAT), acrescido de juros de mora, à taxa legal desde o vencimento (artigos 72.º, n.º 3, da LAT e 135.º do Código de Processo do Trabalho). Este segmento decisório da sentença, não foi, aliás, colocado em crise no recurso apresentado pelo Recorrente. Por outro lado, ainda, a Seguradora é responsável pelo pagamento das despesas de deslocação do Sinistrado, no valor de € 20,00, nos termos do artigo 39.º da LAT, sendo devidos juros de mora sobre essa quantia, à taxa legal, desde a data da tentativa de conciliação (altura em que tais despesas foram reclamadas) até integral e efetivo pagamento (artigo 135.º do Código de Processo do Trabalho). Refira-se que também este segmento decisório não foi colocado em questão no recurso apresentado pelo Recorrente. Por último, importa apenas referir que a anunciada (pelo Recorrente) possibilidade de agravamento das sequelas no futuro, é uma circunstância que, caso venha a verificar-se, encontrará a devida previsão legal (cfr. artigo 70.º da LAT e artigo 145.º do Código de Processo do Trabalho). Em suma, não há qualquer censura a fazer ao decidido em 1ª instância quanto à reparação fixada pelo acidente de trabalho dos autos, sofrido pelo Sinistrado, trabalhador independente, da responsabilidade da Seguradora. * Improcede assim, nos termos expostos, totalmente o recurso.Quanto a custas, havendo improcedência do recurso, as custas do mesmo ficam a cargo do Recorrente (art.º 527º do Código de Processo Civil). *** IV – DECISÃOEm face do exposto, acorda-se em julgar totalmente improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida. Custas do recurso pelo Recorrente. Notifique e registe * (texto processado e revisto pela relatora, assinado eletronicamente) Porto, 19 de dezembro de 2023 Germana Ferreira Lopes António Luís Carvalhão Nelson Fernandes |