Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
398/07.0TMAVR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: INVENTÁRIO PARA PARTILHA
BENS COMUNS DO CASAL
DÍVIDAS HIPOTECÁRIAS
ABATIMENTO DAS DÍVIDAS NO ATIVO A PARTILHAR
VALOR A CONSIDERAR
Nº do Documento: RP20150526398/07.0TMAVR-A.P1
Data do Acordão: 05/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Em inventário divisório, para partilha de bens do casal, as dívidas hipotecárias aprovadas pelos interessados, em função de empréstimos bancários, devem sempre ser abatidas no activo a partilhar, com a especialidade do regime previsto nos artºs 2099º e 2100º CCiv: se não se fizer antes da partilha a remição dos direitos de terceiro, sobre determinados bens comuns ou sobre determinados activos, deverá na partilha descontar-se o valor de tais direitos a quem couberem os bens (suportando ele porém as obrigações emergentes desses direitos).
II – Se os empréstimos bancários contraídos pelo casal se reportavam ao valor de uma casa de habitação construída em terreno próprio de um interessado (verdadeira benfeitoria) e se as prestações de pagamento do empréstimo foram assumidas pelo mesmo interessado desde a data da proposição da acção de divórcio (artº 1789º nº1 CCiv), o valor a considerar para abater aos bens adjudicados engloba as quantias pagas desde a data da proposição da acção de divórcio até à data da apresentação da relação de bens.
III – O valor a abater não pode ser compensado com o valor de uso da casa de habitação, pois que esta hipótese apenas poderia ocorrer no caso do imóvel constituir um bem comum.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ● Rec.398/07.0TMAVR-A.P1. Relator – Vieira e Cunha. Adjuntos – Des. Maria Eiró e Des. João Proença Costa. Decisão recorrida – 18/02/2015.

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto

Súmula do Processo
Recurso de apelação interposto na acção com processo especial de inventário divisório, na sequência de divórcio, nº398/07.0TMAVR-A, da Secção de Família e Menores, da Instância Central da Comarca de Aveiro.
Requerente e Cabeça-de-Casal – B….
Apelante/Requerido – C….

Concluído o inventário em referência, veio o Requerido e Interessado C… recorrer da sentença proferida, que homologou a partilha, adjudicando aos interessados os bens em que licitaram.

Conclusões do Recurso:
1ª – Tendo o requerido em tempo reclamado da relação de bens apresentada acusando a falta de indicação de passivo do casal, designadamente da divida do casal para com ele resultante do pagamento pelo requerido de todas as prestações de reembolso de dois empréstimos bancários contraídos pelo casal junto da D… referentes ao período de Abril de 2007 (data da cessação da coabitação) até à data da apresentação da relação de bens de fls. dos autos (Janeiro de 2012), no montante global de 37.089,42€, a cabeça de casal não aceitou relacionar aquele passivo, nos termos expostos na sua resposta à reclamação de bens.
2ª - Produzida prova, na sequência da reclamação apresentada e no que àquele questão tange, foi proferida douta decisão mediante a qual se declarou “relega-se do seu conhecimento para momento oportuno, ou seja, para a Conferencia de Interessados, à qual compete deliberar sobre tal matéria – art. 1353º., nº 3 do C.P. Civil”.
3ª – Realizada a conferência de interessados, o ora recorrente requereu, no seu decurso, a actualização dos valores por ele reclamados como passivo do casal, de 29º a 43º da reclamação à relação de bens, relativos ao pagamento das prestações dos dois aludidos empréstimos à D…, porquanto, após a apresentação daquela reclamação à relação de bens, continuou a pagar as prestações que mensalmente se venceram, tendo para o efeito junto três documentos emitidos pela D… e pelo Meritíssimo Juiz a quo foi proferido douto despacho a admitir a junção dos mesmos por terem relevância para a boa decisão da causa.
3ª – Naquela conferência não foi aprovado aquele passivo reclamado pelo requerido ora recorrente.
4ª - Foi seguidamente elaborado mapa informativo e posteriormente mapa de partilha e proferida a douta sentença de que aqui se recorre, homologatória da partilha, com adjudicação dos bens aos interessados nos termos constantes do mapa, sem que se pronunciasse sobre aquele passivo invocado pelo requerido/recorrente.
5ª – Ao não se pronunciar sobre aquela divida reclamada há omissão de pronuncia e, consequentemente, a douta sentença padece de nulidade nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 615º do NCPC, uma vez que o Tribunal não se pronunciou, como era sua obrigação, sobre questão que foi submetida ao seu conhecimento.
6ª – A nulidade prevista actualmente na alínea d) do nº 1 do art. 615º do NCPC sanciona o incumprimento do preceituado no nº 2 do artigo 608º do NCPC.
7ª – Não tendo sido aprovada na conferência aquela divida reclamada pelo requerido, deveria ter sido observado o determinado no artigo 1.355 do CPC, conhecendo o Meritíssimo Juiz da sua existência quando a questão puder ser resolvida com segurança pelo exame dos documentos apresentados.
8ª – Sendo que o requerido apresentou documentos, quer quando em sede de reclamação à relação de bens invocou a existência daquela divida, quer quando, em sede de conferência de interessados, requereu a actualização do valor da divida.
9ª - Pelo que existe omissão de pronúncia que é causa da nulidade da sentença, que assim deve ser revogada.

A Cabeça-de-Casal apresentou contra-alegações, nas quais conclui, em resumo:
1. A pretensão do recorrente é extemporânea, pois a douta sentença recorrida limita-se a homologar a partilha efectuada nestes autos com base na forma à partilha apresentada pela cabeça de casal e no douto despacho que a confirma de 11.06.2014 e ordena a elaboração do mapa de partilha em conformidade, sendo certo que o referido despacho transitou em julgado.
2. A referida forma à partilha, o douto despacho, o mapa informativo, a reclamação do pagamento de tornas, o mapa de partilha, o despacho que ordena o pagamento de tornas no prazo de vinte dias, o requerimento de venda de bens para com o produto da venda se pagarem as tornas em dívida, não mereceram qualquer impugnação do recorrente, que com todos estes actos processuais se conformou.
Ampliando o objecto do recurso:
3. À data da separação a cabeça de casal e o ora recorrente acordaram que este último passaria a suportar os encargos com as prestações à D…, como contrapartida do facto de ter ficado a residir na casa para a construção da qual o casal obteve o empréstimo em questão.
4. Enquanto a recorrida teve de sair da casa de morada de família, passando a pagar renda pelo apartamento onde passou a residir com os filhos.
5. A utilização da dita casa – construída com o empréstimo da D…, ao casal - pelo recorrente, sem qualquer contrapartida, sempre corresponderia a um enriquecimento sem causa, deste, à custa do património comum e da recorrida no valor global de € 94.000,00.
6. Valor correspondente ao valor locativo do imóvel, desde a propositura da acção de divórcio, até à partilha.
7. Também nunca o crédito do recorrente poderia ser calculado desde a data em que este alega ter ocorrido a separação do casal, uma vez que esta data não foi determinada na sentença de divórcio, pois, como dispõe o artigo 1789º do Código Civil, os efeitos patrimoniais do divórcio, quando não estabelecida a data da separação dos cônjuges, retrotraem-se à data da propositura da acção de divórcio e não à da separação de facto.

Factos Provados
O Requerido apresentou reclamação sobre a relação de bens, invocando que o casal é devedor ao Requerido de todas as mensalidades do reembolso de dois empréstimos constituídos junto da D…, relacionados como dívida do casal, mas que, desde Abril de 2007 tem sido o Requerido que, a expensas suas, tem suportado as prestações.
A referida dívida ascende ao montante de € 37 089,42.
A Cabeça-de-Casal veio opor-se à requerida relacionação “in totum”, mas impugnando, para além do mais, o montante invocado.
Sobre o incidente veio a pronunciar-se despacho judicial, do seguinte teor: “Quanto ao passivo referido nos artºs 29º a 43º da reclamação à relação de bens (amortização do empréstimo à credora D…, S.A.), relega-se o seu conhecimento para momento oportuno, ou seja, para a Conferência de Interessados, à qual compete deliberar sobre tal matéria – artº 1353º nº3 CPCiv”.
A credora D… apresentou requerimento no processo, informando que não se oporia a acordo sobre partilha de bens, mas não prescindia do regime de solidariedade passiva, nos termos contratados.
Em Conferência de Interessados, o Requerido renovou a reclamação anterior, relativa à omissão do valor da dívida passiva do casal, a ele Requerido, ao que se voltou a opor a Cabeça-de-Casal.
O Tribunal não chegou a pronunciar-se sobre a matéria.
Foi elaborada forma à partilha e proferido despacho determinativo da mesma.
Foi elaborado o mapa de partilha e proferida sentença judicial homologatória do mesmo.
No referido mapa, na sequência da forma à partilha determinada (bem como da opção da cabeça-de-casal pelo pagamento de tornas, a cargo do Requerido), foi abatido ao valor dos bens licitados pelo Requerido (que lhe foram adjudicados na sentença), o total de passivo hipotecário relacionado pela cabeça-de-casal, em dívida à data de 10/1/2012 - € 83.963,01.

Fundamentos
Em função das conclusões apresentadas pelo Recorrente, a questão em apreciação será a de saber:
- em primeiro lugar, se a pretensão do Recorrente é extemporânea, por formulada apenas após a prolação da sentença homologatória de partilha;
- depois, se, não tendo sido aprovada na Conferência a dívida reclamada pelo Requerido, deveria ter sido observado o disposto no artº 1355º CPCiv, conhecendo-se da existência da dívida;
- em conhecimento eventual, por via de ampliação do recurso, se é de considerar o acordo de Requerido e Cabeça-de-Casal, referente ao facto de o Requerido ter ficado a residir na casa para a qual se obteve o empréstimo, e, como tal, separado da Cabeça-de-Casal, passar ele a suportar integralmente o empréstimo; se, em todo o caso, a utilização da casa corresponderia a um enriquecimento sem causa do património do Requerido; e, finalmente, se o crédito invocado pelo Requerente apenas poderia ser calculado a contar da data da propositura da acção de divórcio.
Vejamos então.
I
A matéria da extemporaneidade do recurso encontra-se intimamente ligada à forma como o Recorrente delineou os pontos fundamentais do recurso.
Em causa, para o Recorrente, está uma omissão de pronúncia, pelo Julgador, nos termos do artº 1355º CPCiv, relativo à verificação de dívidas passivas sobre as quais não tenha havido aprovação em Conferência de Interessados.
Todavia, a ser assim, não existia uma nulidade da sentença, nem uma nulidade do procedimento que, globalmente considerado, inclui a forma à partilha e termos posteriores e culmina na sentença (apenas desta existindo recurso, como o defende a generalidade da doutrina).
Existiria uma nulidade decorrente da não pronúncia do tribunal, nos termos do normativo citado, em momento necessariamente anterior à forma à partilha (já que esta pressupõe a estabilização, no processo, da natureza e montante das dívidas do casal).
Todavia, a ter sido assim, como dissemos, teria sido omitido um acto prescrito na lei, omissão essa que, por não constar de entre as enumeradas no artº 202º CPCiv95/96, constituiria uma nulidade meramente secundária, dependente de reclamação da parte interessada (cf. artº 203º).
Como o prazo de arguição das nulidades secundárias se rege pelo artº 205º nº 1 CPCiv95/96, a referida norma estipula que o prazo se conta do dia em que, “depois de cometida a nulidade, a parte interveio em qualquer acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a diligência devida”.
Portanto, quando, por despacho judicial de 7/5/2014, o ora Recorrente é notificado para se pronunciar sobre a forma à partilha, podia já nesse momento ter tomado conhecimento da omissão da prolação do despacho em causa, posto que, de resto, a pronúncia do tribunal sobre a matéria era fundamental para a elaboração da forma à partilha.
A questão porém, a nosso ver, e porque o tribunal é livre na configuração do direito – artº 664º CPCiv95/96, não pode colocar-se numa omissão de pronúncia, porque efectivamente a forma à partilha contempla a dedução do valor ainda em dívida relativamente ao passivo hipotecário, enquanto deduzido ao valor da verba imóvel nº 1, como correctamente se determinou na forma à partilha.
Na verdade, as dívidas aprovadas pelos interessados, como é o caso destas dívidas hipotecárias, em função de empréstimos bancários, devem sempre ser abatidas no activo a partilhar, com uma especialidade, quanto ao passivo hipotecário, do regime previsto nos artºs 2099º e 2100º CCiv: se não se fizer antes da partilha a remição dos direitos de terceiro, sobre determinados bens comuns ou activos, deverá na partilha descontar-se o valor de tais direitos a quem couberem os bens (suportando porém o mesmo as obrigações emergentes desses direitos) – cf. Prof. R. Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, I/119, e Dr. Domingos Sá, Do Inventário, 6ª ed., pgs. 143 e 144, cits. in Ac.R.P. 19/11/09 Col.V/162, relatado pelo Consº Pinto de Almeida.
O que está em causa, portanto, não é saber se uma determinada dívida passiva deve ou não ser considerada na partilha, como seria o caso na previsão do artº 1355º CPCiv95/96, já que, sobre esta matéria, existe consenso dos interessados; é simplesmente saber se, na forma à partilha, deve ser deduzido o valor do referido passivo hipotecário ainda em dívida na data da junção da relação de bens – em 10/1/2012 – se deve ser deduzido o valor em dívida em momento anterior, nos termos substancialmente requeridos desde o primeiro exame do processo por parte do ora Recorrente.
É pois uma pura questão de direito, relativa ao montante do passivo a abater.
II
Sobre esta matéria, têm razão as doutas contra-alegações quando, embora a título meramente subsidiário, invocam que “os efeitos patrimoniais do divórcio se retrotraem à data da proposição da acção quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges”, nos termos do disposto no artº 1789º nº1 CCiv.
A acção de divórcio foi proposta (pela ora cabeça-de-casal) em 21/6/2007.
Desta forma, relativamente aos débitos solvidos por um só dos cônjuges, após essa data, eles não se podem reportar rectius retirar de um património comum, posto que cessaram os efeitos do casamento nas relações patrimoniais dos agora divorciados.
Trata-se de um débito solvido pelo ora Recorrente, a expensas exclusivamente suas, como a Cabeça-de-Casal não nega, de resto, em nenhum momento do processo, nem em 1ª instância, nem em recurso.
Contrapõe porém a Cabeça-de-Casal que o Requerido usufruiu da casa sobre a qual incidia a hipoteca, enquanto a Cabeça-de-Casal viu-se forçada, com a separação a arrendar habitação, tendo aliás as partes acordado compensar reciprocamente essas despesas.
A este propósito, não pode esquecer-se que, tratando-se de uma casa construída pelo casal num terreno pertencente a um dos ex-cônjuges (no caso, ao agora Requerido), nos encontramos perante uma benfeitoria – artº 1273º nº2 CCiv – que apenas dá lugar a um crédito relativo ao respectivo valor sobre o dono da coisa benfeitorizada.
Não se trata pois, em rigor, de um bem comum do casal, embora o valor da casa edificada tenha sido suportado pelo casal, e, como tal, considerado na partilha como um activo do património comum.
A matéria relativa à utilização de bens comuns, e respectivo valor (esse valor de uso representa uma vantagem económica – cf. S.T.J. 25/3/04 Col.I/146, relatado pelo Consº Azevedo Ramos) teria interesse e utilidade de análise se nos encontrássemos verdadeiramente perante um bem comum, o que não é o caso.
Por outro lado, não se vê onde exista um enriquecimento sem causa do património do Requerido, quando o valor a abater no bem que lhe é adjudicado é apenas o valor que suporta por força de rendimentos próprios, que não de rendimentos comuns.
Neste sentido, em suma, mostra o Recorrente jus à concreta pretensão que formulou no processo, a mesma que agora formula por via de recurso, embora invocando uma nulidade, que inexiste, pois que o que se encontra em causa é apenas o mérito do despacho determinativo da partilha, com reflexo na sentença proferida.
A pretensão do Recorrente é a de que não seja deduzido ao valor do imóvel que lhe foi adjudicado apenas o valor dos empréstimos à data da apresentação da relação de bens no inventário, data esta cuja determinação é arbitrária, dependendo de várias contingências, devendo levar-se em conta para a dedução de valor do bem adjudicado, na forma à partilha e no mapa respectivo, também as quantias suportadas exclusivamente pelo Requerido, a contar da data em que o divórcio produz os respectivos efeitos patrimoniais – artº 1789º nº1 CCiv.
Para o cálculo dessas quantias poderão considerar-se os documentos – cuja genuinidade não foi impugnada pela cabeça-de-casal – juntos aos autos de fls. 188 a 190, provenientes da entidade bancária mutuante, ou outros, que eventualmente se entenda juntar ou ordenar junção.
Nessa medida, cabe revogar a douta sentença proferida.
III
Em mera nota final, constituindo quase um obiter dictum, cumpre referirmos que conhecemos a jurisprudência que afirma que não cabe serem relacionados os direitos de crédito de um dos cônjuges contra o outro que hajam sido constituídos depois da cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges, no caso, depois de decretado o divórcio, retrotraindo efeitos à data da proposição da acção (cf. Ac.R.L. 21/2/02 Col.I/111, relatado pelo Consº Salvador da Costa, ou Ac.R.P. 16/3/2010, pº 3275/06.8TBPVZ.P1, relatado pelo Desemb. Henrique Antunes).
Trata-se de uma adaptação da doutrina do Dr. J. A. Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, III (1980), pg. 388, que, na exegese do disposto no artº 1697º nº1 CCiv, afirma que os bens advindos aos cônjuges casados num regime de comunhão, depois da propositura do divórcio, não têm de ser relacionados no inventário subsequente àquela acção.
A questão que nos ocupa é, porém, algo diferente, tendo a ver com a norma do artº 2100º CCiv supra aludido, conjugada com o alcance interpretativo do regime próprio do artº 1273º nº2 CCiv.
De contrário, todas as matérias supra seriam relegadas sem proveito para uma nova acção judicial, fosse acção de condenação, fosse acção de prestação de contas do cabeça-de-casal, algo que a jurisprudência usualmente procura evitar – veja-se, apenas a título de exemplo, para o caso da prestação de contas, Ac.R.C. 12/3/2013, pº 797/08.0TMCBR-B.C1, relatado pela Desembª Mª José Guerra, ou Ac.R.C. 15/2/05, pº 4018/04, relatado pelo Desemb. Jorge Arcanjo.

A fundamentação poderá resumir-se por esta forma:
I – Em inventário divisório, para partilha de bens do casal, as dívidas hipotecárias aprovadas pelos interessados, em função de empréstimos bancários, devem sempre ser abatidas no activo a partilhar, com a especialidade do regime previsto nos artºs 2099º e 2100º CCiv: se não se fizer antes da partilha a remição dos direitos de terceiro, sobre determinados bens comuns ou sobre determinados activos, deverá na partilha descontar-se o valor de tais direitos a quem couberem os bens (suportando ele porém as obrigações emergentes desses direitos).
II – Se os empréstimos bancários contraídos pelo casal se reportavam ao valor de uma casa de habitação construída em terreno próprio de um interessado (verdadeira benfeitoria) e se as prestações de pagamento do empréstimo foram assumidas pelo mesmo interessado desde a data da proposição da acção de divórcio (artº 1789º nº1 CCiv), o valor a considerar para abater aos bens adjudicados engloba as quantias pagas desde a data da proposição da acção de divórcio até à data da apresentação da relação de bens.
III – O valor a abater não pode ser compensado com o valor de uso da casa de habitação, pois que esta hipótese apenas poderia ocorrer no caso do imóvel constituir um bem comum.

Dispositivo (artº 202º nº1 C.R.P.):
Na procedência do recurso interposto, revoga-se a douta sentença proferida e determina-se que o mapa da partilha seja reformulado, de forma a levar em consideração as quantias pagas pelo Interessado/Requerido desde a data da proposição da acção de divórcio até à data da apresentação da relação de bens, pela Cabeça-de-Casal, no inventário.
Custas a cargo da Apelada.

Porto, 26/V/2015
Vieira e Cunha
Maria Eiró
João Proença