Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2688/17.4T8VNG-K.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA DIAS DA SILVA
Descritores: LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
Nº do Documento: RP202401162688/17.4T8VNG-K.P1
Data do Acordão: 01/16/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A litigância de má-fé não se pode confundir com a manifesta improcedência da pretensão ou oposição deduzida; o fundamento ético do instituto exige que tal manifesta improcedência acarrete ainda, para lá da improcedência da pretensão, desrespeito pelo tribunal, pelo processo e pela justiça.
II - Vem sendo amplamente entendido pela jurisprudência, a conclusão no sentido da litigância de má-fé não pode ser extraída mecanicamente da verificação de comportamento processual recondutível à tipicidade das várias alíneas do n.º 2 do art.º 542.º do C.P.Civil.
III – A lide temerária, pouco diligente ou ousada não pode ser sancionada com a litigância de má-fé – apenas a lide dolosa ou gravemente negligente pode fundamentar a condenação da parte como litigante de má-fé.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação
Processo n.º 2688/17.4 T8VNG-P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia - Juiz 2

Recorrente – AA
Recorridos – A... Ld.ª; Massa Insolvente de A... Ld.ª, representada pelo respetivo Administrador de Insolvência e Credores da massa insolvente de A... Ld.ª


Relatora – Anabela Dias da Silva
Adjuntos – Desemb. Anabela Miranda
Desemb. Rui Moreira




Acordam no Tribunal da Relação do Porto (1.ªsecção cível)


I AA, intentou no Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia a presente ação para verificação ulterior de outros direitos, nos termos do disposto nos artigos 146.º e ss do CIRE, contra,
a) A... Ld.ª,
b) Massa Insolvente de A... Ld.ª, representada pelo respetivo Administrador de Insolvência
c) Credores da massa insolvente de A... Ld.ª, pedindo que:
“a) Ser reconhecida a validade do contrato de arrendamento celebrado entre a aqui autora e a proprietária, à data de outorga do mesmo, BB.
b) Serem os réus notificados para se absterem de perturbar o direito de arrendamento existente sobre o imóvel identificado na verba n.º 5.
c) Serem os réus notificados de se absterem de praticar atos que turbem ou ameacem a posse da aqui autora, posse essa legitimada dos vínculos contratuais em vigor”
Para tanto alegou, em síntese, que intentou já uma ação de verificação ulterior de créditos contra os réus, pedindo que fosse verificado e reconhecido o contrato de sublocação, bem como o direito de ocupação do prédio sito na Rua ... da ..., Vila Nova de Gaia, apreendido nos presentes autos de insolvência em que é insolvente a sociedade comercial A..., Unipessoal Ld.ª, peticionando igualmente a suspensão provisória das diligências judiciais a realizar pelo Sr. Administrador de Insolvência, sendo que tal ação, foi autuada por apenso aos autos principais, como apenso “I”, e, realizado o julgamento e proferida sentença, já transitada em julgado, esta considerou como não provado que a autora quis tomar de arrendamento a parte comercial do imóvel acima referido a CC e que este quis sublocar esse imóvel àquela, por considerar que não foi feita prova bastante nos autos que, efetivamente as partes agiram com essa intenção. Deu a referida sentença como provado que a autora e os seus familiares detinham um contrato de arrendamento válido com DD que era o proprietário do imóvel e que, por esse motivo não se compreende por que razão aceitariam cessar esse contrato para
celebrarem um outro, passando de arrendatárias a subarrendatárias.
Em súmula, no que diz respeito ao apenso “I”, o tribunal fundamentou a sua decisão no facto da autora não ter produzido prova da existência do contrato de locação válido, prova essa que lhe era imposta e que a pretensão da autora, falece igualmente pelo facto de não ter sido produzida prova de que CC era efetivamente o arrendatário do imóvel em apreço, tanto mais que este teria apresentado uma ação contra a massa insolvente no sentido de ver a sua qualidade de arrendatário reconhecida, ação essa que foi julgada improcedente.
Recentemente, teve a autora conhecimento que a ação - apenso “H” - intentada contra a massa insolvente por parte de CC transitou em julgado, após os acórdãos proferidos pelos tribunais superiores, o referido apenso “H” foi alvo de decisão que julgou o pedido de CC, improcedente, pois considerou provado que BB ao outorgar com este o contrato de arrendamento, por intermédio do seu pai, não quis verdadeiramente arrendar o imóvel em causa ao autor.
O tribunal convenceu-se que o DD, munido de procuração outorgada
pela sua filha BB e em representação desta, celebrou o contrato de arrendamento para CC, porém à revelia de BB. E, ficou decidido no apenso “H” que o autor, não tendo provado que quis, efetivamente, arrendar o imóvel a BB, nem que esta lho quis arrendar, não logrou o mesmo provar os factos constitutivos do seu direito, não tendo o tribunal concluído pela validade desse contrato de arrendamento.
Pese embora as decisões já transitadas em julgado (apensos “I” e “H”) certo é que, ficou igualmente demonstrado a existência de um contrato de arrendamento celebrado entre a aqui autora e a proprietária à data – BB (cfr. doc. 1 que ora se junta). Com efeito, em julho de 2015, a autora celebrou com BB um contrato de arrendamento não habitacional, relativo ao imóvel da ..., com data de início a 1.06.2015 e término a 30.06.2016, que não foi alvo de renovação.
Posteriormente à outorga deste contrato de arrendamento, foi a autora contactada pelo DD, na qualidade de procurador da proprietária BB no sentido de celebrar uma adenda do contrato em vigor, tal deveu-se, do que sabe a autora, à necessidade de outorga de um novo contrato de arrendamento a celebrar com CC e EE, em virtude o imóvel ser alvo de garantia para pagamento de uma alegada dívida aos ora mencionados, tanto que, na referida adenda, está vertido que a autora deveria proceder ao pagamento das rendas, a partir dessa data a CC ou a EE.
A autora, desconhecedora dos meandros dos negócios existentes entre DD, BB e CC ou EE, anuiu na outorga da citada adenda, pois, o único objetivo desta era, como sempre foi manter a exploração do estabelecimento comercial existente no imóvel apreendido nos presentes autos e insolvência. No mais, e como consta dos autos principais e apensos, entre 2009 e 2016, a propriedade do imóvel sito na Rua ..., ..., pertencia a BB, pois tal propriedade foi adquirida por esta, por doação efetuada pelo seu pai DD, sem que tenha havido representação para o efeito, tendo a própria BB intervindo na escritura e aceite a doação, e na qualidade de proprietária, BB, decidiu, e mais uma vez, sem recurso a qualquer instituto de representação legal, celebrar um contrato de arrendamento com a autora, figurando como fiadores do mesmo FF e GG.
A referida factualidade, permite aferir, sem margem para dúvidas, que não existe qualquer ocupação ilegítima da autora no que diz respeito ao citado imóvel, pois, se as decisões transitadas em julgado, determinaram a inexistência do contrato de arrendamento celebrado entre BB e CC, e consequentemente a inexistência dos contratos de subarrendamento celebrados subsequentemente, mas tal não invalida a existência do contrato de arrendamento celebrado em julho de 2015, entre a proprietária do imóvel à data – BB - e a autora.

Citados os réus, veio a Massa insolvente de A..., Ld.ª deduzir contestação, pugnando pela improcedência da presente ação.
Para tanto, alegou que por apenso aos autos principais correram termos duas ações para verificação ulterior de créditos/outros direitos, (Apensos H e I), e corre ainda atualmente uma outra (Apenso J), sendo que, uma das autoras do apenso I e J, foi, e é, precisamente a aqui autora e co-autor, no Apenso J, EE, sendo este último também testemunha nos Apensos H, I e no presente Apenso K.
Em todos os Apensos H, I e J foi carreado o contrato de arrendamento que a autora neste Apenso K, pretende fazer valer, desta feita por si só.
Este contrato é falso e foi agora, propositadamente assinado pela autora, uma vez que, esta, nunca o tinha assinado, nem rubricado, o que resulta claramente da consulta dos referidos apensos.
Alegou ainda que a autora não exerce, nem nunca exerceu no locado, qualquer atividade, por via de tal contrato, nem de nenhum outro, não sendo, nem nunca tendo sido arrendatária do prédio em causa, que esse contrato nunca foi comunicado ao fisco, nem a autora alguma vez pagou qualquer renda por via do mesmo, sendo igualmente falsos, os recibos juntos com a petição inicial, os quais, foram igual e propositadamente elaborados, aliás nem sequer emitidos por quem a autora, diz ser ao tempo, sua senhoria, mas sim por EE.
Mais alegou ainda que não passa a presente ação, de torpe tentativa de má-fé, dolosa e declarada de entorpecer a ação da justiça nos termos de todas as alíneas do n.º 2 do art.ºs 542.º do C.P.C, sendo para isso, sintomáticas as diversas ações já intentadas por apenso aos autos principais de insolvência, nos quais urge proceder à liquidação dos bens apreendidos para a massa, com vista à satisfação dos interesses da universalidade dos ali credores, configurando até, uma vez mais, na modesta opinião da ré, uma tentativa de burla à massa insolvente e um afrontoso atentado à certeza e segurança das decisões judiciais, já proferidas sobre a matéria, na medida em que, visam tão só, a exclusão deste bem da massa insolvente e/ou a sua oneração.
Termina pedindo a condenação da autora como litigante de má-fé.

A autora respondeu ao pedido de condenação como litigante de má-fé, pugnando pela improcedência do mesmo.

Realizou-se a audiência prévia e, no seu âmbito, determinou-se a notificação da autora para se pronunciar quanto à verificação de uma exceção de abuso de direito de ação, bem como se pronunciar quanto à sua condenação como litigante de má-fé, nos termos do art.º 542.º, n.ºs 1, e 2, al. a) e d), do C.P.Civil, devendo, igualmente, o seu Il. Mandatário ser notificado para se pronunciar quanto à sua responsabilidade nos termos do art.º 545.º do mesmo diploma legal.
A autora veio aos autos, em 2.06.2023, pronunciar-se como lhe foi requerido.

Proferiu-se despacho saneador e julgando-se estarem reunidos todos os elementos fatuais para se proferir decisão justa e conscienciosa, proferiu-se sentença de onde consta: “Pelo exposto, julga-se a presente ação totalmente improcedente e, em consequência, absolvem-se os réus dos pedidos.
Mais se decide condenar a autora como litigante de má-fé, em multa que se fixa em 5 UC’s e em indemnização à ré, massa insolvente, correspondente ao valor dos honorários do seu Mandatário, relegando-se a fixação dessa indemnização para momento ulterior.
Decide-se ainda comunicar ao Conselho Distrital da Ordem dos advogados a presente sentença para que este possa aplicar sanções e, condenar o mandatário na quota-parte das custas, multas e indemnização que lhe parecer justa, nos termos do art.º 545.º do Código de Processo Civil.
Custas pela autora.
Notifique e registe, sendo a ré massa insolvente notificada para, em 10 dias, juntar aos autos a fatura de honorários emitida pelo seu Ilustre Mandatário.”.


Inconformada com tal decisão, dela veio a autora recorrer de apelação, pedindo a sua revogação.
A apelante juntou aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes e manifestamente prolixas conclusões:
Da litigância de má fé e dos fundamentos invocados pelo Tribunal
a quo
1- O Tribunal “a quo” entendeu condenar a recorrente como litigante de má-fé e ainda considerar que ocorreu responsabilidade pessoal e direta do mandatário pelos atos dos quais resultou a má-fé sentenciando a comunicação ao Conselho Distrital da Ordem dos advogados da sentença para que este possa aplicar sanções e condenar o mandatário na quota-parte das custas, multas e indemnização que lhe parecer justa, nos termos do art.º 545.º do Código de Processo Civil.
2- Tal condenação padece de grave erro no julgamento dos factos e do direito, além de outros graves vícios que mais adiante se irão elencar, pelo que deverá ser revogada determinando-se a continuação do processo e a revogação das condenações da recorrente e a responsabilidade do seu mandatário.
3- A recorrente deu entrada de ação que correu termos com o número de processo n.º 2834/22.6T8VNG, no Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia, Juiz 1, que atualmente corresponde ao apenso J do presente processo, a qual foi autuada no dia 7.04.2022.
4- Tal ação deu entrada na sequência do julgamento do apenso I e, com base nos factos que a autora teve conhecimento no decorrer desse julgamento através do depoimento das testemunhas, sendo tudo o alegado no ora apenso J, o que a autora e o seu mandatário ouviram e presenciaram na audiência de discussão e julgamento.
5- O mandatário presenciou, fez as inquirições e ouviu os depoimentos das testemunhas, tomou conhecimento dos factos que configuram situações puníveis a nível criminal, entendendo que os mesmos se revestem de enorme gravidade e quis ver esclarecidos, pois, quer a sua veracidade, quer a sua inveracidade poderão determinar consequências para o resultado do pleito.
6- Esse julgamento não houve a possibilidade e oportunidade de aferir da validade ou não da procuração e dos documentos, não sendo possível nessa ocasião lançar mão dos meios para reagir perante as declarações prestadas até por questões de celeridade processual.
7- Nomeadamente, fazendo uma perícia à letra da Sra. BB, através da qual se poderia aferir se a mesma estava no pleno uso das suas faculdades mentais para assinar aquele documento, ou se, pelo contrário, estaria sob o efeito de qualquer substância que lhe afetasse o raciocínio e não estaria com capacidade para entender aquilo que estava a assinar.
8- Também não houve possibilidade de chamar o notário onde a dita procuração e a doação foram outorgadas, para o mesmo se pronunciar e depor quanto às alegações da Sra. BB.
9- Também não seria o processo mais próprio para analisar cabalmente as declarações e as implicações práticas que tais declarações poderiam trazer.
10- Aliás, esse Tribunal e a Meritíssima Juíza também tomaram conhecimento oficioso dos mesmos factos e também ficaram sem qualquer reação perante tudo o que foi referido e para apurar da sua veracidade, o que poderia fazer oficiosamente e não fez.
11- Perante tudo isso, e tendo em conta o conhecimento dos factos por parte do mandatário e da sua cliente autora, importava que todas as circunstâncias que rodearam as declarações proferidas nesse processo fossem devida e cabalmente verificadas para total descoberta da verdade material, nomeadamente no que se refere à outorga da procuração da BB ao seu pai DD.
12- Como não o fizeram nesse processo que correu termos como apenso I e, como esse também não seria o processo mais próprio, foi proposto o processo n.º 2834/22.6T8VNG, no Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia, Juiz 1, para salvaguardar os direitos e interesses da autora e também por uma questão de respeito pelo prazo de reação contra tais atos e que se encontrava em curso.
13- No processo que agora segue como apenso J, o que se pretende apenas é a descoberta da verdade material, tornou-se de extrema importância para a autora e vital para a descoberta da verdade material que todos os acontecimentos e depoimentos prestados nesse julgamento fossem devida e cabalmente verificados, e tal não seria possível através daquele apenso I, pois o Tribunal e o mandatário não tinham ao seu alcance os meios e oportunidade para o fazerem em sede de audiência de discussão e julgamento e tal não era comportável com a celeridade processual que se pretendia.
14- Desta forma, resumidamente, o que está em causa no apenso J não é só aferir a legitimidade mas também aferir da validade subjacente a todos os negócios jurídicos em causa, já que os depoimentos prestados e que constam desse apenso põem tudo em causa e este tribunal inclusive fundamentou sentenças noutros apensos deste processo com os depoimentos prestados pela Sra. BB que foram considerados sérios e isentos.
15- O que se pretende é que, atentos os depoimentos prestados no apenso I, se verifique a validade dos negócios jurídicos em causa e saber se tudo o que foi feito pelo Sr. DD é válido ou não, se com base naquela procuração outorgada pela sua filha BB, se tinha ou não poderes para fazer os negócios que fez.
16- Não se pretende entorpecer a ação da justiça, nem retirar bens à massa, mas apenas aferir tudo o que foi dito e que sejam retiradas as devidas e legais consequências caso se entenda ou não que o que foi dito é ou não verdadeiro.
17- Atentos os depoimentos prestados no apenso I, o que se pretende é que a validade desses negócios seja verificada, e isso é até de interesse público, já que está em causa a certeza e segurança jurídica dos negócios e estão em causa documentos elaborados em notário, entendendo-se também ter este douto tribunal todo o interesse na descoberta da verdade material e na verificação da validade dos documentos.
18- Aliás, este douto Tribunal e a Meritíssima Juíza do processo, perante aquilo que ouviu e para a descoberta da verdade material que deve nortear a atuação dos Tribunais, poderia fazer isso oficiosamente, e tal não ocorreu.
19- Não se pretende nem nunca se pretendeu ao longo de todo o pleito, e através do mesmo Mandatário, interpor várias ações em que se altera a verdade dos factos, invocando factos que são incompatíveis entre si, pois as alegações e as ações não são incompatíveis, aliás todas elas se complementam.
20- Pese embora a autora tenha apresentado recursos (direito que lhe assiste), aceitou as decisões judiciais e não voltou a intentar ações pelos mesmos factos, inexistindo qualquer violação de caso julgado por violação do art.º 621.º do CPC.
21- No entanto, à recorrente AA e ao seu mandatário subsistiram dúvidas que continuam sem resposta e precisam ser esclarecidas. Atenta a sentença proferida, e salvo o devido respeito, o Tribunal “a quo” não quer que tais dúvidas e matéria sejam discutidas e esclarecidas, pois, em vez de tomar uma posição completamente imparcial perante toda a matéria, toma uma decisão desprovida de qualquer fundamento e que apenas serve os interesses da massa insolvente sem olhar a meios e de forma completamente desproporcional, condenando a recorrente como litigante de má-fé e imputando responsabilidade ao mandatário.
22- Tem a recorrente todo o direito que se reconheça o contrato de arrendamento que celebrou com a que naquela data se arrogou proprietária do edifício a Sra. BB (e que esta nunca disse que não os assinava por estar a fazer um frete ao seu pai nem à locatária).
23- Tal direito deriva do próprio Tribunal “a quo” ter entendido que o contrato posteriormente celebrado (contrato de arrendamento com o Sr. CC) não ter sido reconhecido por ser considerado fraude à lei, logo nulo. Nulidade essa que se estendeu ao contrato de subarrendamento que a recorrente celebrou com aquele, logo não tendo sido reconhecido esse contrato.
24- Assim, tem a recorrente toda a legitimidade de ver reconhecido o direito de arrendamento do contrato de arrendamento anteriormente celebrado, conforme mais adiante também se explicará e esta é a intenção da recorrente ao propor esta nova ação de verificação ulterior de créditos e outros direitos.
25- A ação em causa neste apenso K, não ofende o caso julgado material, uma vez que nunca foi julgada tal matéria do reconhecimento ou não reconhecimento desse contrato de arrendamento.
26- Não se diga, como veio o Tribunal “a quo” dizer para sustentar a condenação como litigante de má-fé da recorrente e a responsabilidade do mandatário, que ao ter aceite a celebração de um contrato de subarrendamento posterior à celebração do contrato de arrendamento implicitamente aceitou a sua revogação.
27- Tal situação é uma questão de direito e é muito discutível que possa ser assim, mas não justifica uma condenação como litigante de má-fé nem responsabilidade por parte do mandatário.
28- Nem justifica uma sentença de total improcedência da presente ação sem verificação dos factos e sem sujeitar a mesma a qualquer audiência de discussão e julgamento, que se pretende também que seja revogada a sentença recorrida nessa medida.
29- Não é a recorrente e o seu mandatário que trazem a estes autos versões diferentes e antagônicas, tal resulta dos próprios autos, das sentenças proferidas nos vários apensos e dos depoimentos das testemunhas.
30- Por tudo o acima referido, diga-se que estas ações visam o apuramento da verdade, pois se esta é a realidade, e a verdade do que ocorreu entre 2009 e 2015 pelo que foi o depoimento da D. BB toda a linha cronológica que existe na ação de verificação ulterior de créditos não passa de uma realidade equívoca.
31- Assim o mandatário, para que a sua constituinte seja alvo de verdadeira justiça, veio intentar ações que se complementam e de modo algum são antagônicas pelo que até deveriam ser juntas e não se está perante uma discussão de factos julgados necessariamente.
32- O que existe nesta data e nas datas em que foram colocadas as duas ações, é uma linha cronológica que está dúbia, e ferida de contradições, mas tal não é da responsabilidade nem da autora nem do mandatário aqui chamado a se pronunciar quanto à sua responsabilidade. Nem justifica tal situação a condenação da recorrente como litigante de má-fé ou qualquer responsabilidade do seu mandatário.
33- Aliás, o mandatário, prestou juramento para o exercício das suas funções, mas também a sua consciência e sentido de justiça o atormentariam, se tais factos não fossem ou não sejam esclarecidos, o que ocorrerá se se confirmar a sentença recorrida e se o apenso J lhe tiver o mesmo destino.
34- Faz-se neste processo uma ilação que, do que é referido pela recorrente resulta que esta ao alegar a nulidade da doação feita em 2009 está a entender que a BB não é nem foi a proprietária do imóvel. Ora, tal ilação não é correta, nem aceita a recorrente tal entendimento.
35- Salvo o devido respeito, que muito é, não é nem a recorrente nem o seu mandatário que poderão aferir e determinar se um documento ou negócio jurídico são válidos ou nulos, sem tal estar devidamente fundamentado e confirmado por um tribunal (sendo essa a sua função), que aliás é o que se pretende no apenso J.
36- Nem a recorrente nem o seu mandatário têm a veleidade de se considerar donos da verdade, ter certezas, fazer juízos e proferir qualquer aresto antes dos Tribunais se pronunciarem quanto aos assuntos que lhes são confiados a julgamento e de analisadas as provas que possam ser apresentadas!
37- O modesto entendimento da recorrente é que atendendo a tudo o que foi referido nos depoimentos de BB e DD, ter-se-á que verificar a validade de todos os negócios jurídicos colocados em causa, pois segundo tudo o que foi referido nesses depoimentos, esses negócios poderão não ser válidos, poderão sofrer de vício que determine a sua invalidade, mas é essa a questão de direito que se pretende discutir, a saber, a validade ou não de todos esses atos.
38- Pois, depois de discutida essa questão, e analisada a prova, se entender que tais negócios padecem de vício, ter-se-á que daí retirar as devidas e legais consequências, ou caso se entenda que não padecem de qualquer vício também se terá de tirar alguma consequência, mas ter-se-á de chegar a uma conclusão.
39- Pelo que não há qualquer incompatibilidade e contradição entre o que a recorrente alega no apenso J e o pedido efetuado no presente apenso, nem sequer se altera a verdade dos factos.
40- Também a instauração da presente ação não é um abuso de direito à ação, não é manifestamente abusiva ou se traduz no uso manifestamente reprovável do processo, com o fim de conseguir um objetivo ilegal e entorpecer a ação da justiça, protelando o trânsito em julgado das decisões proferidas nos apensos I) e J).
41- Muito pelo contrário, a recorrente e o seu mandatário apenas querem que seja feita plena justiça, a qual lhes tem sido negada.
42- Também se refere na sentença recorrida e para justificar a condenação como litigante de má-fé e a responsabilidade do mandatário em tal situação, que a recorrente através do mesmo mandatário, no apenso J alega ser subarrendatária e no apenso K alega ser arrendatária.
43- Pois bem, na data da entrada do apenso J ainda se encontrava pendente o recurso relativo ao apenso I, que ainda não tinha sido proferido, logo, ainda não tinha transitado em julgado a decisão da qual resultou o não reconhecimento do contrato de subarrendamento, assim, naquela data a autora AA ainda podia intitular-se validamente subarrendatária.
44- Nessa data a autora AA desconhecia se iria ou não ter provimento no seu recurso e se iria ou não ver reconhecido o seu direito, mas antes que precludisse o seu direito de ação quanto aos factos de que teve conhecimento pelo apenso I moveu a ação no processo n.º 2834/22.6T8VNG, no Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia, Juiz 1.
45- Posteriormente, veio este juízo de comércio por ato administrativo chamar a si esse processo para correr por apenso aos autos de insolvência.
46- Proferido que foi o acórdão relativo ao recurso do apenso I, no dia 8.06.2022, verificou a autora que não obteve vencimento no seu recurso e não viu reconhecido o seu contrato de subarrendamento, no entanto, já tinha dado entrada do apenso J.
47- Desta feita, o presente processo apenso K, não deu entrada em juízo na mesma data do apenso J, nem em data próxima, mas apenas no dia 12.01.2023, já depois de transitado em julgado o apenso I.
48- Ora, obtendo-se o trânsito em julgado no apenso I, através do qual não se reconheceu validade ao contrato de subarrendamento, a recorrente e o seu mandatário já não se podiam referir a ela como subarrendatária.
49- E será que podia a recorrente intitular-se como arrendatária?
50- Pela perspetiva da autora e do seu mandatário a resposta é claramente positiva.
Senão veja-se.
51- O apenso I já tinha transitado em julgado e o contrato de subarrendamento não foi considerado válido.
52- No apenso H, o douto tribunal na sua linha de raciocínio, fundamenta o não reconhecimento do contrato de arrendamento da autora nesse apenso pelo facto de entender que o contrato era nulo por fraude à lei: “Por outro lado, ainda que se considerasse que o propósito das partes ao outorgar o contrato em causa era o de permitir que o autor passasse a auferir das rendas pagas por terceiros pela utilização do imóvel, tal configuraria uma verdadeira cessão de créditos tendo em vista compensar um alegado crédito que o autor teria sobre um terceiro (DD) e nunca o estabelecimento de um vínculo locatício entre a BB e o Autor, outorgantes em tal contrato, o que, em nosso entender, sempre redundaria na celebração perante um negócio jurídico ferido de nulidade, por fraude à lei (art.º 281.º do CC), o que é de conhecimento oficioso (art.º 286.º do CC” “Através do contrato em causa as partes saberiam que o credor hipotecário sairia fortemente prejudicado pelo facto de o imóvel estar “arrendado” ao autor através de um contrato que prevê uma isenção do pagamento de renda durante 30 anos, que se traduz na prática num verdadeiro arrendamento vitalício sem qualquer contrapartida, prejudicando os direitos de credor hipotecário já constituído à data do pretenso “arrendamento”, o que nos reconduz a uma situação de negócio jurídico em fraude à lei.”
53- Ora, perante tal fundamentação, entende a recorrente e o seu mandatário que tendo o douto tribunal entendido que o contrato de arrendamento do autor nesse processo era nulo por fraude à lei, essa nulidade seria extensível ao contrato de subarrendamento subscrito tendo por base esse arrendamento.
54- Ora, nos termos do art.º 289.º do Código Civil, a nulidade determina que esses contratos não produziram ad initio quaisquer efeitos jurídicos e têm-se por não celebrados.
55- Ou seja, o ato fica sem efeito (quod nullum est nullum producit effectum), isto é, com rigor, não produz, nem no futuro nem no passado, os efeitos que produziria se fosse válido.
56- Assim sendo, o arrendamento original da recorrente estará ainda em vigor.
57- É preciso também lembrar que não ocorreu qualquer cessação formal do contrato de arrendamento ora em questão.
58- Entende ainda a recorrente e o seu mandatário que mesmo que se considere que com o subarrendamento a recorrente quis substituir o arrendamento (o que não se aceita nem se entende), não tendo validade formal, o arrendamento original mantém-se.
59- E, mesmo a pensar-se que a celebração do subarrendamento corresponde à cessação formal do arrendamento original (o que não se aceita nem se entende), no entanto, ainda que o nomen juris dos contratos não vincule, não se crê que se possa interpretar tão longinquamente… até porque o subarrendamento foi celebrado no pressuposto de que era válido.
60- E entende-se que esse pressuposto, segundo a sentença, não se verifica.
61- A recorrente patrocinada pelo ora mandatário intentou uma outra ação de verificação ulterior de créditos, bem como noutro apenso o fez o Sr. CC e, conforme já supra referido, veio este douto Tribunal fundamentar nos apensos H e I que os contratos de arrendamento e subarrendamento não poderiam ser reconhecidos porque se tratou de uma situação de fraude à lei e consequentemente nula.
62- Por não ter o douto Tribunal reconhecido esses contratos, intentou-se o presente apenso com uma verificação ulterior de créditos e outros direitos, tendo por base um contrato de arrendamento.
63- Conforme já anteriormente referido, o contrato de arrendamento que ora se pretende ver reconhecido, nunca foi objeto de qualquer processo, logo não ofende qualquer caso julgado.
64- Logo, nunca tendo estado em juízo este contrato, não se pode responsabilizar a recorrente e o seu mandatário por vir intentar a presente ação para reconhecimento de um contrato que este Tribunal já assumiu a sua existência.
65- Do acima exposto, resulta que qualquer aparente contradição de versões não são da responsabilidade da recorrente e do seu mandatário, mas de BB, porque foi esta que trouxe aos autos uma versão dos factos completamente diferente daquilo que os documentos e a fita do tempo demonstram e eram divergentes da convicção da recorrente, desconhecendo esta por completo aquilo que foi dito pela BB e por DD.
66- No entanto, a ser como a BB e o DD afirmam terão de ser tomadas as devidas consequências quanto a tal factualidade.
67- De facto, existem duas versões sobre os factos, uma representada pela convicção da recorrente e a outra resulta das declarações prestadas por BB e DD e que resultaram no apenso J.
68- Mas o que se pretende é saber qual delas é a verdadeira e o Tribunal tem todo o interesse em descobrir isso, pois são do conhecimento oficioso as declarações prestadas por BB e DD.
69- Logo, tendo conhecimento oficioso de tais declarações, o Tribunal tem todo o interesse em que se descubra a verdade material e qual das versões é verdadeira.
70- Pois, o que pretende a recorrente e o seu mandatário e o que subjaz ao apenso J e a este apenso também é que se descubra a verdade material, seja a recorrente beneficiada ou prejudicada com essa verdade.
71- Assim, com verdadeira e sã justiça, não pode o Tribunal negar-se de conhecer dos pedidos e denegar-se de descobrir a verdade material.
72- Também com verdadeira e sã justiça, não pode a justiça condenar a recorrente por abuso de direito e litigância de má-fé e imputar qualquer responsabilidade sobre isso ao seu mandatário.
73- Desta feita, com o presente processo não se mete uma ação para obstruir a justiça, nem que ofenda qualquer caso julgado, ou que já tenha sido alvo de apreciação.
74- Não se está a reclamar outra vez a mesma coisa, é uma ação diferente, é uma ação que nunca foi julgada e nunca ninguém se pronunciou sobre ela.
75- Também não existe qualquer abuso de direito, pois o que se pretende na verdade é esclarecer uma situação menos própria que se passou.
76- Trata-se também do direito da recorrente se defender protegendo o locado que ocupa.
77- E, sobretudo, trata-se de discutir Direito…
78- A recorrente e o seu mandatário entendem que a mesma foi manifestamente enganada e prejudicada em toda esta situação, pois já se encontrava no imóvel há inúmeros anos, e sempre titulada por contratos que lhe foram pedindo para assinar.
79- Todos os pedidos efetuados pela recorrente são sequência uns dos outros, não sendo incompatíveis, mas complementando-se.
Erro no julgamento do direito
80- Conforme nos diz o art.º 542.º, n.º 2 do CPC: “Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”
81- A condenação como litigante de má-fé não se basta com a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta.
82- Exige-se, que a parte tenha atuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento.
83- No entanto, conforme já anteriormente se explicou, para a recorrente a sua pretensão tem todo o fundamento, pois funda-se em factos e documentos verídicos, não inventa ou altera a verdade dos factos ou mente nas suas afirmações.
84- A recorrente não viu reconhecido o contrato de sub-arrendamento apresentado a apreciação noutro apenso, pelo facto do contrato de arrendamento a que este estava subjacente não ter sido considerado válido por fraude à lei o que culminou num contrato nulo.
85- Desta forma, a recorrente não ocupa o locado por invasão de propriedade alheia, mas por lhe ter sido permitido o uso do mesmo espaço, possuindo para tal um contrato de arrendamento, que entende estar válido pelas razões já expostas, razão pela qual pretende a verificação ulterior de créditos e outros direitos relativa a esse contrato de arrendamento.
86- Pelo que, a recorrente está convicta de que a sua pretensão é totalmente legítima tendo em conta todos os factos já descritos.
87- Também a recorrente não praticou qualquer omissão grave do dever de cooperação.
88- Muito menos faz do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão, pois apenas pretende defender os seus direitos exercendo também o direito ao livre acesso aos tribunais.
89- Razão pela qual não deve ser condenada como litigante de má-fé, devendo nessa medida ser revogada a sentença recorrida.
90- Entende a recorrente que a sua pretensão não é de todo isenta de fundamento, não altera a verdade ou omite quaisquer factos relevantes, nem o dever de cooperação, nem muito menos preenche o que vem referido na alínea d) do art.º 542.º, n.º 2 do CPC., pelo que não existe qualquer litigância de má fé nem deve ser condenada como tal.
91- A respeito da litigância de má-fé concluiu o Tribunal da Relação do Porto em Acórdão datado de 20.09.2021 no proc. 22656/18.8T8PRT.P1 o seguinte: “Não litiga com má-fé quem se apresenta a exercer um direito com tutela legal e não decorre dos factos apurados que tenha agido no convencimento da falta de fundamento da sua pretensaÞo, violando os deveres de boa-fé processual, alterando a verdade dos factos e omitindo outros relevantes para a decisão da causa.”
92- Também conforme o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 05.12.2019 no proc. 4677/15.4T8GMR.G1: “Mas tem-se entendido que tal sanção apenas pode e deve ser aplicada aos casos em que se demonstre, pela conduta da parte, que ela quis, conscientemente, litigar de modo desconforme ao respeito devido não só ao tribunal, cujo fim último eì a busca em descobrir a verdade e cumprir a justiça, como também ao seu antagonista no processo. E esta atuação da parte, conforme se vinha entendendo na doutrina e Jurisprudência, exige que haja dolo ou negligência grave do atuante (cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pág. 343 e Alberto dos Reis, Código Proc. Civil Anotado, II, pág. 259 e Ac. TRL de 09.01.97, Col. Jur., Ano XXII, Tomo I, pág. 88). Como se afirma no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28.05.2019, disponível in www.dgsi.pt: “Vem hoje constituindo entendimento prevalecente na nossa jurisprudência, que a garantia de um amplo direito de acesso aos tribunais e do exercício do contraditório, próprios do Estado de Direito em que vivemos, são incompatíveis com interpretações apertadas ou muito rígidas do art.º 542.º do nCPC, havendo sempre que ter presente as características e a natureza de cada caso concreto, e daiì que se recomende uma certa prudência e razoabilidade, na formulação do juízo sobre essa má fé. Donde que, como constitui hoje entendimento claramente prevalecente na nossa jurisprudência, a condenação por litigância de má-fé só deveraì ocorrer quando se demonstre, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu dolosamente ou com negligência grave, com e/ou no processo entrado em tribunal. (No sentido do que se deixou exposto, vide, entre, outros, Acs. do STJ de 21.04.2018, proc. no. 487/17.5T8PNF.S; de 26.01.2017, proc. no. 402/10.4TTLSB.L1.S1; de 02.06.2016, proc. no. 1116/11.3TBVVD.G2.S1; de 21.04.2016, proc. no. 497/12.6TTMR.E1.S1, de 11.09.2012, proc. no. 2326/11; Ac. da RC de 16/12/2015, proc. 298/14.7TBCNT-A.C1, e Ac. da RE de 26.02.2014, todos publicados in www.dgsi.pt). Assim, não podemos confundir litigância de má-fé com lide meramente temerária ou ousada, com pretensão de dedução ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da sua prova e de não ter logrado convencer da realidade por si trazida a julgamento, na eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar, ou com discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos, na diversidade de versões sobre certos e determinados factos ou ateì na defesa convicta e séria de uma posição, sem contudo a lograr convencer (Vide Ac. TRP de 09.03.2006 disponível em www.dgsi.pt).”
93- O professor Alberto dos Reis referia a este respeito: “Dizemos “supostos“ [direitos], porque nunca se pôs, nem poderia pôr, como condição para o exerciìcio do direito de ação ou de defesa que o autor ou o réu seja realmente titular do direito substancial que se arroga. Seria, na verdade, absurdo que se enunciasse esta regra: só pode demandar ou defender-se em juízo “quem tem razão “; ou, por outras palavras, só eì lícito deduzir no tribunal pedidos ou contestações, objetivamente, fundados. Só na altura em que o tribunal emite a sentença, eì que vem a saber-se se a pretensão do autor eì fundada, se a defesa do reìu eì conforme ao direito. De modo que exigir, como requisito prévio para a admissibilidade da ação ou da defesa, a demonstração da existência do direito substancial, equivalia, ou a cair numa petição de princípio, ou a fechar a porta a todos os interessados: aos que naÞo têm razão e aos que a têm. O Estado tem, pois, de abrir o pretoìrio a toda a gente, tem de pôr os seus órgãos jurisdicionais aÌ disposição de quem quer que se arrogue um direito, corresponda ou não a pretensão aÌ verdade e aÌ justiça”. E na análise do instituto, nas considerações gerais, referia ainda, com mais propriedade: “[...] uma coisa eì o direito abstrato de ação ou de defesa, outra o direito concreto de exercer atividade processual. O primeiro naÞo tem limites; eì um direito inerente aÌ personalidade humana. O segundo sofre limitações, impostas pela ordem jurídica; e uma das limitações traduz-se nesta exigência de ordem moral: eì necessário que o litigante esteja de boa-fé ou suponha ter razão”.
94- De tudo o exposto, é notório que a recorrente e o seu mandatário supõem ter razão e estão de boa-fé processual quanto aos pedidos que fizeram no processo, não estando de má fé em termos processuais, pretendendo apenas fazer valer os seus direitos e a descoberta da verdade material.
95- Também é notório que a recorrente apresentou-se a exercer um direito com tutela legal e não decorre dos factos apurados que tenha agido no convencimento da falta de fundamento da sua pretensão.
96- Repetidamente, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem considerado que “a litigância de má-fé não se basta com a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta”, porque a lei impõe que a parte tenha atuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento.
Violação dos artigos 1.º, 9.º, 13.º, 20.º, 21.º, 22.º da Constituição da
República Portuguesa
97- Consagra o art.º 20.º da CRP o direito acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva que nos diz: “1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos. 2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade. 3. A lei define e assegura a adequada proteção do segredo de justiça. 4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo. 5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos”.
98- Consagra o art.º 21.º da CRP o direito de resistência dizendo que: “Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública”
99- Ora, entende a recorrente que a sentença recorrida ofende os seus direitos liberdades e garantias, que também foram colocados em causa com as sentenças que vinham a ser proferidas no âmbito dos apensos do processo principal.
100- Assim, em conformidade com o art.º 21.º da CRP a recorrente tem o direito de resistir contra decisões que considere injustas e que ofenda os seus direitos liberdades e garantias.
101- Daí que, e de acordo com os princípios basilares de um estado de direito democrático fez uso do previsto no art.º 20.º da CRP que lhe assegura o acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva.
102- Assim sendo, a sentença recorrida ao negar-lhe o direito de recurso aos tribunais e ainda condenando a recorrente como litigante de má-fé é violadora dos art.º 20.º e 21.º da CRP.
103- O Tribunal recorrido, está na prática a usar de uma posição de vantagem e de força para limitar o uso de direitos liberdades e garantias consagrados na constituição privilegiando injustamente uma das partes no processo em detrimento da recorrente, ameaçando-a com uma condenação como litigante de má-fé e tentando manietar a sua justa atuação em defesa dos seus direitos.
104- A mesma atuação do Tribunal “a quo” ocorreu em relação ao mandatário da recorrente, condicionando a sua atuação e os destinos dos processos pendentes através de ameaça de responsabilização pela atuação, quando o mesmo apenas pretendeu defender os legítimos direitos da sua constituinte, provocando-lhe receio e medo pela comunicação da situação à Ordem dos Advogados com correspondente processo disciplinar.
105- Tal atuação por parte dos Tribunais é inadequada, inaceitável e inadmissível num estado de direito democrático e merece um veemente repúdio.
106- A recorrente e qualquer cidadão de mediana inteligência e bom senso tem ao direito comumente aceite e constitucionalmente consagrada à indignação.
107- Salvo o devido respeito, atentas às questões levantadas, poderá colocar-se em causa se o tribunal e o juiz titular do processo terá condições de julgar imparcialmente a presente ação, por ter conhecimento prévio dos factos por já os ter julgado, já ter formado opinião e não querer contrariar todas as decisões já por si proferidas.
108- Com tal atuação, está também a colocar-se em causa outro princípio constitucionalmente consagrado, o princípio da igualdade consagrado no art.º 13.º da CRP.
109- O estado e os seus órgãos, ao negar ao cidadão, neste caso à recorrente o direito de recorrer aos tribunais, está a recusar o cumprimento das suas atribuições constitucionalmente consagradas no art.º 9.º da CRP, violando-se tal artigo.
110- Com toda esta atuação poderá inclusive existir responsabilidade das entidades públicas conforme resulta do art.º 22.º da CRP.


Em 7.09.2023 foi proferido o seguinte despacho: “Por decisão proferida em 20.06.2023 decidiu-se condenar a autora como litigante de má-fé, em multa que se fixa em 5 UC’s e em indemnização à ré, massa insolvente, correspondente ao valor dos honorários do seu Mandatário, relegando-se a fixação dessa indemnização para momento ulterior, tendo-se notificado a massa insolvente para juntar aos autos a fatura de honorários emitida pelo seu Ilustre Mandatário.
A massa insolvente veio aos autos, em 8.07.2023, juntar a fatura/Nota de Despesas e Honorários no valor de €1.373,52.
Assim, condena-se a autora a pagar à ré, massa insolvente, uma indemnização no valor de €1.373,52, correspondente ao valor dos honorários a pagar ao seu Il. Mandatário.
Notifique.”


Não há contra-alegações.

II – Da 1.ª instância chegam-nos assentes os seguintes factos:
1. Em 17 de junho de 2020, por apenso ao processo de insolvência da A... Ld.ª, CC intentou contra a A... Ld.ª, Massa Insolvente de A... Ld.ª e os Credores da Massa Insolvente de A... Ld.ª. uma ação de verificação ulterior de outros direitos, que correu termos sob o apenso H), pedindo que seja reconhecida a validade dos contratos de arrendamento e subarrendamento celebrados entre o primitivo proprietário da verba n.º 5 e o autor, mantendo-se intocado o contrato e a qualidade de arrendatário do autor, sejam os réus notificados para se absterem de perturbar o direito de arrendamento existente sobre o imóvel identificado na verba n.º 5 e notificados de se absterem de praticar atos que turbem ou ameacem a posse do aqui autor, posse essa legitimada dos vínculos contratuais em vigor.
2. Na ação mencionada em 1), o autor CC, alegou que “é arrendatário do imóvel acima identificado, por força do contrato de arrendamento verbal celebrado em janeiro de 2015 e posteriormente reduzido a escrito em agosto do mesmo ano”.
3. Mais alegou que “A anterior proprietária – BB, aí melhor identificada e nessa qualidade, procedeu à celebração de contrato de arrendamento com o aqui requerente, em 30 de agosto de 2015”.
4. E que “em 01 de novembro de 2015, (…) o autor, na qualidade de arrendatário celebrou contrato de subarrendamento não habitacional com AA”.
5. Na ação mencionada em 1 foi proferida, em 28.01.2022, sentença que julgou a ação mencionada em 1 totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, absolveu os réus dos pedidos.
6. Nessa ação foi dado como provado que:
“1. A sociedade “A..., Unipessoal, Ld.ª.” foi constituída em 29.05.2009 tendo, entre outros, por objeto social a “montagem, instalações e reparações elétricas, climatização e ventilação, bem como comercialização de todo o tipo de produtos e equipamentos das referidas atividades, com um capital social de €5.000,00, sendo titular dessa quota HH, e como gerente a Sra. II.
2. HH foi nomeado gerente da mesma em 24.03.2010, tendo II cessado funções como gerente.
3. HH constituiu a sociedade “A..., Unipessoal, Ld.ª.” por mero favor e a pedido de DD.
4. Desde a data da constituição dessa sociedade que a gerência de facto da mesma foi sempre feita por DD, tendo HH outorgado uma procuração a favor daquele.
5. Era o DD que assinava cheques, letras, contratos ou quaisquer outros documentos da sociedade, dava ordens e pagava aos empregados e representava a sociedade perante terceiros.
6. Em 24.03.2017 a sociedade “A..., Unipessoal, Ld.ª.” apresentou-se à insolvência.
7. Em 26.04.2017 foi declarada a insolvência da sociedade “A..., Unipessoal, Ld.ª.”, tendo sido nomeado administrador da insolvência o Sr. Dr. JJ.
8. Em 9.06.2017 o Sr. administrador da insolvência apresentou, no processo de insolvência o relatório a que alude o art.º 155.º do C.I.R.E. propondo a liquidação do ativo.
9. Em 19.06.2017 realizou-se assembleia de apreciação do relatório na qual foi declarado o encerramento do estabelecimento compreendido na massa insolvente e o prosseguimento dos autos para a liquidação dos bens da massa.
10. Em 29.06.2017 o Sr. administrador da insolvência apresentou auto de apreensão de bens no qual refere que apreendeu para a massa, entre outros, sob verba n.º 5, o prédio urbano, afetação comércio, com 3 pisos e 6 divisões, sito na Rua ..., ..., da freguesia da ..., Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz predial sob o art. ...51.º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...3/19960729, em 19/2/2007 foram registadas sobre o imóvel mencionado no ponto 10 dos factos provados duas Hipotecas Voluntárias a favor do Banco 1..., SA para garantia do montante máximo de 206.483,56 euros e do montante máximo de 86.085,47 euros.
11. Em 24.10.2018 o referido Sr. administrador da insolvência foi substituído do cargo pelo Sr. Dr. KK.
12. No dia 15.01.2016 foi outorgada uma escritura pública de compra e venda cuja certidão se encontra junta aos presentes autos sob doc. n.º 1 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, constando da mesma como primeiro outorgante “DD, na qualidade de procurador de BB” e como segundo outorgante “HH (…) que outorga na qualidade de único sócio e gerente em representação da sociedade (…) A... Unipessoal, Ld.ª.”
13. Nessa escritura ficou a constar que o primeiro outorgante declarou, em nome da sua representada, vender à representada do segundo outorgante, pelo preço de €138.870,13 o prédio referido no ponto 10.
14. HH teve intervenção na escritura mencionada em 12 e 13 a pedido e por indicação de DD, tendo-se limitado a assinar a escritura.
15. A propriedade do imóvel referido em 10 está registada na Conservatória do Registo Predial a favor da insolvente desde 15.01.2016 por compra a BB.
16. DD foi declarado insolvente no processo que corre termos sob o n.º 6870/17.6T8VNG no J5 deste tribunal de comércio por sentença proferida em 11/9/2017, transitada em julgado.
17. À petição inicial foi junto sob doc. n.º 2 a cópia de um “Contrato de Arrendamento/Cedência de imóvel urbano com fins comerciais e habitacionais com opção de compra” datado de 30.08.2015 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, constando do mesmo que foram intervenientes nesse contrato “DD, na qualidade de procurador de BB” e o, aqui, autor.
18. Nesse contrato ficou a constar que “CC, locatário, toma de arrendamento/cedência, o imóvel sito à Rua ..., em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, sob o n.º ...63 (…) e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...51 (…) através deste adequado contrato celebrado com BB, que se representa neste ato por procuração, por DD. Assim o primeiro outorgante dá de arrendamento/cedência ao segundo outorgante, o imóvel com número de polícia ...8 a ...04, que reciprocamente o toma de arrendamento para efeitos de subarrendamento/cedência.”
19. Mais ficou a constar que “o presente contrato é pelo prazo de duração de trinta anos, contando-se o seu início a partir de 1 de setembro de 2015 e fim em 31 de agosto de 2045.
(…) Em fevereiro de 2013 foi celebrado e assinado entre ambas as partes, um acordo de pagamento e confissão de dívida, onde o primeiro outorgante se confessou devedor ao segundo outorgante. No entanto, até à presente data nunca o primeiro outorgante pagou qualquer das 31 (…) prestações já vencidas. Assim, e como o primeiro outorgante não tem qualquer possibilidade de pagamento do acordo de dívida outrora celebrado, com o aqui segundo outorgante, acordam Primeiro e segundo outorgante a permuta do acordo de pagamento e confissão de dívida anteriormente celebrado, pelo presente contrato de arrendamento/Cedência de imóvel, com o intuito de que efetivamente proceda ao recebimento dessas verbas, o Segundo Outorgante, bem como livremente possa celebrar os respetivos subarrendamentos, para que com a titularidade desses contratos em seu nome, possa receber exclusivamente e na sua esfera tributária as verbas pagas por esses subarrendamentos, e assim ver-se ressarcido reavendo o dinheiro que o Primeiro outorgante ainda deve ao aqui Segundo Outorgante. Pelo que se prevê que o aqui arrendatário/tomador da cedência deste contrato ficará isento do pagamento de rendas nos primeiros 30 (…) anos da vigência do mesmo, pois à dívida do primeiro outorgante vão acrescer pagamentos à Fazenda Pública, impossíveis de contabilizar nesta data e resultantes de impostos sobre o rendimento de pessoas singulares, tudo relativo às verbas recebidas pelo segundo outorgante das rendas dos contrato de subarrendamento o que o ora
Senhorio expressamente aceita.”
20. Em 18.01.2021 foi junto aos autos um documento denominado “Confissão de dívida e acordo de pagamento” datado de 2.02.2013 no qual DD declarou ser devedor ao, aqui, autor da quantia de €93.500,00, comprometendo-se a pagar tal quantia em 170 prestações mensais, iguais e sucessivas no valor de €550,00 cada (…) vencendo-se a primeira no dia 20 de fevereiro de 2013.
21. À petição inicial foi junto, sob doc. n.º 3 um contrato denominado “contrato de sublocação” datado de 1.11.2015 no qual constam como outorgantes o, aqui, autor e AA cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido no qual ficou a constar que o autor “dá de subarrendamento à segunda outorgante o espaço comercial com o número de policia ...8, que reciprocamente o toma de subarrendamento. (…) atendendo ao estado de conservação do local ora sublocado, se encontrar em péssimas condições de salubridade, que aliás tem conhecimento a ora sublocatária, e por o mesmo necessitar de obras imediatas que desde já a subarrendatária se compromete a efetuar, no r/c e primeiro andar do espaço ora sublocado, e aqui se estipula em cerca de 40.000,00 euros, desde já, pelo locatário prescinde das primeiras 36 rendas.”
(…) após tal período, como contrapartida da ocupação e utilização do local subarrendado, a subarrendatária pagará ao locatário a renda mensal de 1150 (…) vencendo-se a primeira renda em 1 de novembro de 2018 (…) sendo o respetivo pagamento efetuado à gestora de negócios do locatário, Dona LL (…)”.
22. À Petição inicial foi junto, sob doc. n.º 6, um contrato denominado “Contrato de arrendamento” datado de 1.05.2017, no qual constam como Primeiro outorgante o, aqui, autor e segundo outorgante MM no qual ficou a constar que “o locatário tomou de arrendamento o imóvel sito à Rua ..., em ... (…) Assim, o primeiro outorgante dá de arrendamento ao segundo outorgante o apartamento habitacional, com entrada pelo n.º ...04, que reciprocamente toma de arrendamento para si e para o seu agregado familiar.
(…) como contrapartida da ocupação e utilização do local subarrendado, o sublocatário pagará ao locatário a renda mensal de 275€ (…) vencendo-se a primeira renda a 1 de maio de 2017 (…)”
23. À petição inicial foi junto, sob doc. n.º 7, um contrato denominado “Contrato de arrendamento” datado de 28./12.2018, no qual constam como Primeiro outorgante o, aqui, autor e segundos outorgantes NN e OO no qual ficou a constar que “o primeiro outorgante é legítimo possuidor do apartamento urbano sito na Rua ..., freguesia ... (…) Pelo presente contrato, entrega ao segundo outorgante, e este aceita, o imóvel descrito na cláusula primeira, este utilize. (…) Pelo presente contrato, a primeira outorgante cede por sublocação seu apartamento pela verba de 150 euros (…) mensais, sendo que, por acordo durante os primeiros 18 meses não obstará a pagamento a Segunda Outorgante, por questões de índole humanitária para com uma das locatárias (…)”.
24. No 1 e 2.º pisos do imóvel mencionado em 10 está instalado um estabelecimento comercial e o 3.º andar está destinado a habitação.
25. Em 30.01.2020 o Sr. administrador da insolvência comunicou no apenso de liquidação do ativo que, “No que diz respeito à Verba n.º 5 do Auto de Apreensão de Bens, estando o imóvel ocupado por pessoas e bens”
26. Em 4.03.2020 o Sr. administrador da insolvência comunicou no apenso de liquidação do ativo que “teve conhecimento que os ocupantes da Verba 5, remeteram à Leiloeira que esteve encarregada da venda, na vigência de funções do Administrador de Insolvência destituído, os contratos ora juntos” juntando a esse requerimento cópia dos contratos mencionados nos pontos 17 e 21.
27. Em 10.03.2020 no apenso de liquidação foi proferido um despacho com o seguinte teor: “determina-se que sejam pessoalmente notificados os ocupantes do estabelecimento comercial situado na Rua ..., ..., Vila Nova de Gaia, para, no prazo de 10 dias, entregarem tal estabelecimento comercial ao Sr. Administrador da insolvência nomeado neste processo (remetendo os dados de identificação do mesmo) uma vez que esse estabelecimento comercial é propriedade da, aqui, insolvente e foi apreendido para a massa, com a advertência que não sendo feito no referido prazo será determinado o arrombamento do mesmo e a sua entrega coerciva.
28. O autor não foi notificado desse despacho.
29. Desde, pelo menos, 2005, no estabelecimento comercial existente no imóvel mencionado em 10 vem sendo exercida a atividade de café/restauração, explorada por familiares de AA, o que vinha a ser feito na sequência de contratos de arrendamento celebrados com DD e BB.
30. Em 1.01.2015 BB outorgou com AA um contrato de arrendamento cuja cópia se encontra junta em 25/10/2021 através do qual lhe arrendou o estabelecimento comercial sito no imóvel mencionado em 10 pelo prazo de 1 ano, com início em 1.01.2015.
31. Nesse contrato ficou acordado que a renda mensal seria de €850,00 e que seria atualizada para €1.000 no dia 1 de janeiro de 2016 e para €1.150 em 1 de janeiro de 2017.
32. AA apresentou, em agosto de 2015, à Autoridade Tributária um documento de declaração de início da atividade económica para explorar o estabelecimento comercial mencionado em 24.
33. NN habita a parte habitacional do prédio mencionado em 10.
34. Em 18.04.2007 DD outorgou com o Banco 1..., SA os contratos de empréstimo juntos aos presentes autos sob. doc. 1 em 17.02.2021 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
35. No apenso D) foi reconhecido ao Banco 2..., SA um crédito €122.751,07 (cento e vinte e dois mil, setecentos e cinquenta e um euros e sete cêntimos), o qual foi classificado como garantido em relação à verba n.º 5 apreendida para a massa insolvente por hipoteca, pelo facto de terem sido transferidos para o Banco 2..., SA os direitos que constituíam ativos do Banco 1..., SA.
36. Ao outorgarem o escrito denominado de “Contrato de Arrendamento/Cedência de Imóvel” mencionado no ponto 16 dos factos provados, a BB não quis arrendar ao Autor o imóvel objeto desse contrato, nem o Autor o quis tomar de arrendamento.”
7. E foi dado como não provado que:
“1. BB era devedora ao, aqui, autor de qualquer dívida.
2. O Autor sempre recebeu as rendas dos subarrendamentos, emitia os respetivos recibos e declarava tais rendas em sede de IRS.”
8. Por acórdão do tribunal da Relação do Porto de 4 de maio de 2021 foi decidido julgar totalmente improcedente a apelação interposta por CC, confirmando-se a sentença recorrida.
9. Em 2 de julho de 2020, por apenso ao processo de insolvência da A... Ld.ª, NN e a, aqui autora, AA, intentaram contra a A... Ld.ª, Massa Insolvente de A... Ld.ª e os Credores da Massa Insolvente de A... Ld.ª uma ação de verificação ulterior de outros direitos, que correu termos sob o apenso I), pedindo que fossem verificados e reconhecidos os contratos de sublocação das intervenientes acidentais, bem como do seu direito de ocupação do prédio, e imediata suspensão provisória das diligências judiciais a realizar pelo Sr. Administrador da Insolvência.
10. Nessa ação as autoras alegaram que:
são ambas sublocatárias do imóvel sito na Rua ... em ... Vila Nova de Gaia, mantendo a AA um contrato comercial (r/ch e 1º andar) e NN um contrato habitacional (.2º andar).
As intervenientes acidentais são legítimas possuidoras do imóvel, encontrando-se a sua posse titulada por contratos de sublocação reduzidos a escrito, conforme se pode verificar pelos contratos que se juntam como docs. 1 e 2”.
11. À petição inicial mencionada em 9. as, aí, autoras juntaram, sob doc. 1, um contrato denominado “Contrato de sublocação” datado de 1 de novembro de 2015, no qual foram identificados como outorgantes “CC e AA”.
12. Nesse contrato consta que “O locatário tomou de arrendamento o imóvel sito à Rua ..., em ... (…) através de adequado contrato celebrado com BB (…) em 31 de agosto de 2015, onde se encontra clausulado que o subarrendamento não carece de autorização do senhorio ou proprietário (…)
13. Na ação referida em 9. foi proferida sentença, em 22 de março de 2022, que julgou essa ação totalmente improcedente e, em consequência, absolveu os réus dos pedidos.
14. Nessa ação foram considerados como provados os seguintes factos:
“1. A sociedade “A..., Unipessoal, Ld.ª” foi constituída em 29.05.2009 tendo, entre outros, por objeto social a “montagem, instalações e reparações elétricas, climatização e ventilação, bem como comercialização de todo o tipo de produtos e equipamentos das referidas atividades, com um capital social de €5.000,00, sendo titular dessa quota HH, e como gerente a Sra. II.
2. HH foi nomeado gerente da mesma em 24.03.2010, tendo II cessado funções como gerente.
3. HH constituiu a sociedade “A..., Unipessoal, Ld.ª” por mero favor e a pedido de DD.
4. Desde a data da constituição dessa sociedade que a gerência de facto da mesma foi sempre feita por DD, tendo HH outorgado uma procuração a favor daquele.
5. Era o DD que assinava cheques, letras, contratos ou quaisquer outros documentos da sociedade, dava ordens e pagava aos empregados e representava a sociedade perante terceiros.
6. Em 24.03.2017 a sociedade “A..., Unipessoal, Ld.ª” apresentou-se à insolvência.
7. Em 26.04.2017 foi declarada a insolvência da sociedade “A..., Unipessoal, Ld.ª”, tendo sido nomeado administrador da insolvência o Sr. Dr. JJ.
8. Em 9.06.2017 o Sr. administrador da insolvência apresentou, no processo de insolvência o relatório a que alude o art.º 155.º do C.I.R.E. propondo a liquidação do ativo.
9. Em 19.06.2017 realizou-se assembleia de apreciação do relatório na qual foi declarado o encerramento do estabelecimento compreendido na massa insolvente e o prosseguimento dos autos para a liquidação dos bens da massa.
10. Em 29.06.2017 o Sr. administrador da insolvência apresentou auto de apreensão de bens no qual refere que apreendeu para a massa, entre outros, sob verba n.º 5, o prédio urbano, afetação comércio, com 3 pisos e 6 divisões, sito na Rua ..., ..., da freguesia da ..., Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz predial sob o art.º ...51.º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...3/19960729, em 19/2/2007 foram registadas sobre o imóvel mencionado no ponto 10 dos factos provados duas Hipotecas Voluntárias a favor do Banco 1..., SA para garantia do montante máximo de 206.483,56 euros e do montante máximo de 86.085,47 euros.
11. Em 24.10.2018 o referido Sr. administrador da insolvência foi substituído do cargo pelo Sr. Dr. KK.
12. No dia 15.01.2016 foi outorgada uma escritura pública de compra e venda cuja certidão se encontra junta aos presentes autos sob doc. n.º 1 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, constando da mesma como primeiro outorgante “DD, na qualidade de procurador de BB” e como segundo outorgante “HH (…) que outorga na qualidade de único sócio e gerente em representação da sociedade (…) A... Unipessoal, Ld.ª”
13. Nessa escritura ficou a constar que o primeiro outorgante declarou, em nome da sua representada, vender à representada do segundo outorgante, pelo preço de €138.870,13 o prédio referido no ponto 10.
14. HH teve intervenção na escritura mencionada em 12 e 13 a pedido e por indicação de DD, tendo-se limitado a assinar a escritura.
15. A propriedade do imóvel referido em 10 está registada na Conservatória do Registo Predial a favor da insolvente desde 15.01.2016 por compra a BB.
16. DD foi declarado insolvente no processo que corre termos sob o n.º 6870/17.6T8VNG no J5 deste tribunal de comércio por sentença proferida em 11/9/2017, transitada em julgado.
17. À petição inicial foi junto sob doc. n.º 2 a cópia de um “Contrato de Arrendamento/Cedência de imóvel urbano com fins comerciais e habitacionais com opção de compra” datado de 30.08.2015 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, constando do mesmo que foram intervenientes nesse contrato “DD, na qualidade de procurador de BB” e CC.
18. Nesse contrato ficou a constar que “CC, locatário, toma de arrendamento/cedência, o imóvel sito à Rua ..., em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, sob o n.º ...63 (…) e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...51 (…) através deste adequado contrato celebrado com BB, que se representa neste ato por procuração, por DD. Assim o primeiro outorgante dá de arrendamento/cedência ao segundo outorgante, o imóvel com número de polícia ...8 a ...04, que reciprocamente o toma de arrendamento para efeitos de subarrendamento/cedência.”
19. Mais ficou a constar que “o presente contrato é pelo prazo de duração de trinta anos, contando-se o seu início a partir de 1 de setembro de 2015 e fim em 31 de agosto de 2045.
(…) Em fevereiro de 2013 foi celebrado e assinado entre ambas as partes, um acordo de pagamento e confissão de dívida, onde o primeiro outorgante se confessou devedor ao segundo outorgante. No entanto, até à presente data nunca o primeiro outorgante pagou qualquer das 31 (…) prestações já vencidas.
Assim, e como o primeiro outorgante não tem qualquer possibilidade de pagamento do acordo de dívida outrora celebrado, com o aqui segundo outorgante, acordam Primeiro e segundo outorgante a permuta do acordo de pagamento e confissão de dívida anteriormente celebrado, pelo presente contrato de arrendamento/Cedência de imóvel, com o intuito de que efetivamente proceda ao recebimento dessas verbas, o Segundo Outorgante, bem como livremente possa celebrar os respetivos subarrendamentos, para que com a titularidade desses contratos em seu nome, possa receber exclusivamente e na sua esfera tributária as verbas pagas por esses subarrendamentos, e assim ver-se ressarcido reavendo o dinheiro que o Primeiro outorgante ainda deve ao aqui Segundo Outorgante. Pelo que se prevê que o aqui arrendatário/tomador da cedência deste contrato ficará isento do pagamento de rendas nos primeiros 30 (…) anos da vigência do mesmo, pois à dívida do primeiro outorgante vão acrescer pagamentos à Fazenda Pública, impossíveis de contabilizar nesta data e resultantes de impostos sobre o rendimento de pessoas singulares, tudo relativo às verbas recebidas pelo segundo outorgante das rendas dos contrato de subarrendamento o que o ora Senhorio expressamente aceita.”
20. À petição inicial foi junto um contrato denominado “contrato de sublocação” datado de 1.11.2015 no qual constam como outorgantes CC e AA cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido no qual ficou a constar que o autor “dá de subarrendamento à segunda outorgante o espaço comercial com o número de policia ...8, que reciprocamente o toma de subarrendamento. (…) atendendo ao estado de conservação do local ora sublocado, se encontrar em péssimas condições de salubridade, que aliás tem conhecimento a ora sublocatária, e por o mesmo necessitar de obras imediatas que desde já a subarrendatária se compromete a efetuar, no r/c e primeiro andar do espaço ora sublocado, e aqui se estipula em cerca de 40.000,00 euros, desde já, pelo locatário prescinde das primeiras 36 rendas.
(…) após tal período, como contrapartida da ocupação e utilização do local subarrendado, a subarrendatária pagará ao locatário a renda mensal de 1150 (…) vencendo-se a primeira renda em 1 de novembro de 2018 (…) sendo o respetivo pagamento efetuado à gestora de negócios do locatário, Dona LL (…)”.
21. À petição inicial foi junto um contrato denominado “Contrato de arrendamento” datado de 28.12.2018, no qual constam como Primeiro outorgante CC e segundos outorgantes NN e OO no qual ficou a constar que “o primeiro outorgante é legítimo possuidor do apartamento urbano sito na Rua ..., freguesia ... (…) Pelo presente contrato, entrega ao segundo outorgante, e este aceita, o imóvel descrito na cláusula primeira, este utilize. (…)
Pelo presente contrato, a primeira outorgante cede por sublocação seu apartamento pela verba de 150 euros (…) mensais, sendo que, por acordo durante os primeiros 18 meses não obstará a pagamento a Segunda Outorgante, por questões de índole humanitária para com uma das locatárias (…)”.
22. No 1.º e 2.º pisos do imóvel mencionado em 10 está instalado um estabelecimento comercial e o 3.º andar está destinado a habitação.
23. Em 30.01.2020 o Sr. administrador da insolvência comunicou no apenso de liquidação do ativo que, “No que diz respeito à Verba n.º 5 do Auto de Apreensão de Bens, estando o imóvel ocupado por pessoas e bens”
24. Em 4.03.2020 o Sr. administrador da insolvência comunicou no apenso de liquidação do ativo que “teve conhecimento que os ocupantes da Verba 5, remeteram à Leiloeira que esteve encarregada da venda, na vigência de funções do Administrador de Insolvência destituído, os contratos ora juntos”.
25. Em 10.03.2020 no apenso de liquidação foi proferido um despacho com o seguinte teor: “determina-se que sejam pessoalmente notificados os ocupantes do estabelecimento comercial situado na Rua ..., ..., Vila Nova de Gaia, para, no prazo de 10 dias, entregarem tal estabelecimento comercial ao Sr. Administrador da insolvência nomeado neste processo (remetendo os dados de identificação do mesmo) uma vez que esse estabelecimento comercial é propriedade da, aqui, insolvente e foi apreendido para a massa, com a advertência que não sendo feito no referido prazo será determinado o arrombamento do mesmo e a sua entrega coerciva.
26. Desde, pelo menos, 2005, no estabelecimento comercial existente no imóvel mencionado em 10 vem sendo exercida a atividade de café/restauração, explorada por familiares de AA, o que vinha a ser feito na sequência de contratos de arrendamento celebrados com DD.
27. AA apresentou, em agosto de 2015, à Autoridade Tributária um documento de declaração de início da atividade económica para explorar o estabelecimento comercial mencionado em 24.
28. NN habita a parte habitacional do prédio mencionado em 10 a título gratuito.
29. Em 18.04.2007 DD outorgou com o Banco 1..., SA os contratos de empréstimo juntos aos presentes autos sob. doc. 1 em 17.02.2021 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
30. No apenso D) foi reconhecido ao Banco 2..., SA um crédito €122.751,07 (cento e vinte e dois mil, setecentos e cinquenta e um euros e sete cêntimos), o qual foi classificado como garantido em relação a verba n.º 5 apreendida para a massa insolvente por hipoteca, pelo facto de terem sido transferidos para o Banco 2..., SA os direitos que constituíam ativos do Banco 1..., SA.
31. Ao outorgarem o escrito denominado de “Contrato de Arrendamento/Cedência de Imóvel” mencionado no ponto 17 dos factos provados, a BB não quis arrendar a CC o imóvel objeto desse contrato, nem este o quis tomar de arrendamento.
32. Em data posterior à da realização da escritura mencionada em 12 a autora AA procedeu a pagamento de rendas devidas pelo estabelecimento comercial mencionado no ponto 22 a DD.
33. A autora NN não quis tomar de arrendamento a parte habitacional do imóvel apreendido para a massa a CC, nem este quis sublocar esse imóvel àquela.”
15. Nessa sentença foi considerado como não provado que:
“1. BB era devedora a CC de qualquer dívida.
2. A autora AA pagou a CC rendas desde a outorga do contrato de arrendamento mencionado no ponto 20 dos factos provados.
3. A autora AA quis tomar de arrendamento a parte comercial do imóvel apreendido para a massa a CC, e este quis sublocar esse imóvel àquela.”.
16. Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 8.06.2022 foi julgado improcedente o recurso interposto pelas, aí, autoras, mantendo-se a sentença proferida.
17. A autora AA intentou a presente ação em 12 de janeiro de 2023 através de petição inicial subscrita pelo Sr. Dr. PP.
18. No dia 7 de abril de 2022, EE e AA haviam intentado uma ação declarativa que segue a forma de processo comum contra BB, DD, A... Ld.ª, Massa Insolvente de A... Ld.ª, representada pelo Sr. Administrador de Insolvência e os Credores da Massa Insolvente de A... Ld.ª, que identificaram pedindo que:
- seja declarada anulada a procuração outorgada pela 1.ª ré ao 2.º réu em 24 de agosto de 2015, por incapacidade acidental da mandante (art.º 257.º do Código Civil);
- seja declarada nula a escritura de doação efetuada pelo 2.º réu à 1.ª ré em 24 de julho de 2009, por fraude à lei (art.ºs 280.º e 281.º do Código Civil);
- seja declarada nula a escritura de compra e venda à 3.ª ré outorgada pelo 2.º réu em representação da 1.ª ré em 15 de Janeiro de 2016, por fraude à lei ou, em alternativa, por ser nula a doação que colocou o imóvel na propriedade da transmitente, ou ainda anulada por anulável ser também a procuração que serviu de base à sua celebração;
- sejam, em consequência, cancelados todos os registos de transmissão da propriedade para as 1.ª, 3.ª e 4.ª rés e retirados os bens constantes da referida escritura da massa insolvente da A....
19. A ação mencionada em 18. corre atualmente termos sob o apenso J) e foi interposta pelo Sr. Dr. PP.
20. Nessa ação a autora alega que é “sublocatária da parte comercial do mesmo imóvel por contrato de arrendamento comercial do r/ch e 1.º andar”.
21. Nessa mesma ação a autora alega que “o 2.º réu nunca pretendeu fazer qualquer doação do prédio à filha” e que “a 1.ª ré apesar de o prédio ter sido colocado em seu nome por conveniência do 2.º réu, nunca foi a sua verdadeira proprietária”.


III – Como é sabido o objeto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
*
Ora, visto o teor das alegações da autora/apelante são questões a apreciar no presente recurso:
1.ª - Da litigância de má-fé.
2.ª – Da alegada negação do direito de acesso aos tribunais.

Em crise, por via do presente recurso, está a decisão que condenou a autora, ora apelante, como litigante de má-fé, em multa que se fixou em 5 UC’s e em indemnização a pagar à ré, massa insolvente de A... Ld.ª, representada pelo Sr. Administrador de Insolvência, correspondente ao valor dos honorários devidos ao seu Mandatário, valor que se fixou em €1.373,52.
Vem a apelante, por via das suas prolixas conclusões recursórias, não pondo em causa a factualidade provada nos autos, já que a mesma decorre na sua generalidade do teor de decisões judiciais conexas com o objeto da presente ação e dos articulados dos próprios autos, fazendo uma reinterpretação pessoal dos mesmos, tentar demonstrar, contrariamente ao decidido em 1.ª instância, que não litigou de má-fé, antes exerceu o direito fundamental de acesso ao Direito e aos Tribunais para fazer valer os direitos a que se arroga legítima detentora.
Vejamos.
Ora, convém deixar consignado que estamos em sede de um processo apenso – apenso K) - um processo de insolvência - insolvência da sociedade A..., Unipessoal, Ld.ª declarada em 26.04.2017, “in casu”, com o objetivo de fazer sair da massa insolvente, ou pelo menos aí ficar, mas onerado, o imóvel identificado sob a verba n.º 5 da respetiva apreensão de bens, concretamente, o prédio urbano, destinado a comércio, com 3 pisos e 6 divisões, sito na Rua ..., ..., da freguesia da ..., Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz predial sob o art.º ...51.º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...3/19960729. Sem olvidar que sob tal imóvel estão registadas desde 2007, duas hipotecas voluntárias a favor do Banco 1..., SA para garantia dos montantes máximos de 206.483,56 euros e de 86.085,47 euros.
Por via da presente ação a autora/apelante - AA - instaurada em 12.01.2023, veio pedir que fosse reconhecida a validade do contrato de arrendamento celebrado entre si e a proprietária, à data de outorga do mesmo (julho de 2015), BB, com data de início a 1.07.2015 e término a 30.06.2016 e consequentemente que sejam os réus notificados para se absterem de perturbar o direito de arrendamento existente sobre tal imóvel e notificados de se absterem de praticar atos que turbem ou ameacem a sua posse.

Está provado nos autos que em 2.07.2020, também por apenso ao processo ao mesmo processo de insolvência NN e a ora autora/apelante intentaram contra os ora mesmos réus uma outra ação de verificação ulterior de outros direitos - apenso I) - pedindo que fossem verificados e reconhecidos os contratos de sublocação das intervenientes acidentais, bem como do seu direito de ocupação do prédio, e imediata suspensão provisória das diligências judiciais a realizar pelo Sr. Administrador da Insolvência. Nessa ação alegram as autoras serem sublocatárias do imóvel em apreço nos autos, juntando, para tanto, um contrato denominado “Contrato de sublocação” datado de 1.11.2015 onde estão identificados como outorgantes CC e AA, mais se declarando aí que “O locatário tomou de arrendamento o imóvel sito à Rua ..., em ... (…) através de adequado contrato celebrado com BB (…) em 31 de agosto de 2015, onde se encontra clausulado que o subarrendamento não carece de autorização do senhorio ou proprietário (…)”.
Essa ação – apenso I) – por sentença de 22.03.2022, foi julgada totalmente improcedente e, em consequência, foram os réus absolvidos dos pedidos, o que foi confirmado por acórdão desta Relação de 8.02.2022.
Nessa ação provou-se além do mais que:
17. À petição inicial foi junto sob doc. n.º 2 a cópia de um “Contrato de arrendamento/Cedência de imóvel urbano com fins comerciais e habitacionais com opção de compra” datado de 30/8/2015 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, constando do mesmo que foram intervenientes nesse contrato “DD, na qualidade de procurador de BB” e CC.
18. Nesse contrato ficou a constar que “CC, locatário, toma de arrendamento/cedência, o imóvel sito à Rua ..., em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, sob o n.º ...63 (…) e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...51 (…) através deste
adequado contrato celebrado com BB, que se representa neste ato por procuração, por DD. Assim o primeiro outorgante dá de arrendamento/cedência ao segundo outorgante, o imóvel com número de polícia ...8 a ...04, que reciprocamente o toma de arrendamento para efeitos de subarrendamento/cedência.”
19. Mais ficou a constar que “o presente contrato é pelo prazo de duração de trinta anos, contando-se o seu início a partir de 1 de setembro de 2015 e fim em 31 de agosto de 2045.
20. À petição inicial foi junto um contrato denominado “contrato de sublocação” datado de 1/11/2015 no qual constam como outorgantes CC e AA cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido no qual ficou a constar que o autor “dá de subarrendamento à segunda outorgante o espaço comercial com o número de policia ...8, que reciprocamente o toma de subarrendamento. (…) atendendo ao estado de conservação do local ora sublocado, se encontrar em péssimas condições de salubridade, que aliás tem conhecimento a ora sublocatária, e por o mesmo necessitar de obras imediatas que desde já a subarrendatária se compromete a efetuar, no r/c e primeiro andar do espaço ora sublocado, e aqui se estipula em cerca de 40.000,00 euros, desde já, pelo locatário prescinde das primeiras 36 rendas. (…) após tal período, como contrapartida da ocupação e utilização do local subarrendado, a subarrendatária pagará ao locatário a renda mensal de 1150 (…) vencendo-se a primeira renda em 1 de novembro de 2018 (…) sendo o respetivo pagamento efetuado à gestora de negócios do locatário, Dona LL (…)”.
26. Desde, pelo menos, 2005, no estabelecimento comercial existente no imóvel mencionado em 10 vem sendo exercida a atividade de café/restauração, explorada por familiares de AA, o que vinha a ser feito na sequência de contratos de arrendamento celebrados com DD.
27. AA apresentou, em agosto de 2015, à Autoridade Tributária um documento de declaração de início da atividade económica para explorar o estabelecimento comercial mencionado em 24.
31. Ao outorgarem o escrito denominado de “contrato de arrendamento/Cedência de Imóvel” mencionado no ponto 17 dos factos provados, a BB não quis arrendar a CC o imóvel objeto desse contrato, nem este o quis tomar de arrendamento.
E, além do mais, não se julgou provado que:
2. A autora AA pagou a CC rendas desde a outorga do contrato de arrendamento mencionado no ponto 20 dos factos provados.
3. A autora AA quis tomar de arrendamento a parte comercial do imóvel apreendido para a massa a CC, e este quis sublocar esse imóvel àquela”.

E assim, podemos concluir que por via da presente ação, a autora/apelante que viu, pelo menos, em termos de prova produzida e decisão de 1.ª instância proferida no referido processo – apenso I) – que não podia ser considerada legítima subarrendatária do dito imóvel, alegadamente por ter celebrado, em 1.11.2015, com o alegado arrendatário, CC, um contrato de subarrendamento, vem agora dizer que, afinal, não era subarrendatária do dito imóvel desde aquela supra referida data, mas arrendatária desde 1.07.2015.

Também se não pode ignorar que, por apenso à presente insolvência, o próprio CC interpôs, em 17.06.2020, uma ação – apenso H) – na qual peticionava que fosse reconhecida a validade do contrato de arrendamento que alegou ter outorgado com BB, ação, essa, que por sentença de 28.01.2022, foi julgada improcedente, e confirmada por acórdão desta Relação de 4.05.2021.
Nessa ação julgou-se provado, além do mais que:
24. No 1.º e 2.º pisos do imóvel mencionado em 10 está instalado um estabelecimento comercial e o 3.º andar está destinado a habitação.
29. Desde, pelo menos, 2005, no estabelecimento comercial existente no imóvel mencionado em 10 vem sendo exercida a atividade de café/restauração, explorada por familiares de AA, o que vinha a ser feito na sequência de contratos de arrendamento celebrados com DD e BB.
30. Em 1/1/2015 BB outorgou com AA um contrato de arrendamento cuja cópia se encontra junta em 25/10/2021 através do qual lhe arrendou o estabelecimento comercial sito no imóvel mencionado em 10 pelo prazo de 1 ano, com início em 1/1/2015.
31. Nesse contrato ficou acordado que a renda mensal seria de €850,00 e que seria atualizada para €1000 no dia 1 de janeiro de 2016 e para €1.150 em 1 de janeiro de 2017.
32. AA apresentou, em agosto de 2015, à Autoridade Tributária um documento de declaração de início da atividade económica para explorar o estabelecimento comercial mencionado em 24.”

Está ainda mais provado nos autos que no dia 7.04.2022, EE e a ora autora/apelante - AA - intentaram uma ação declarativa que segue a forma de processo comum contra BB, DD e os demais ora réus na presente ação – apenso J) – onde peticionam que:
- seja declarada anulada a procuração outorgada pela 1.ª ré ao 2.º réu em 24.08.2015, por incapacidade acidental da mandante (art.º 257.º do C.Civil);
- seja declarada nula a escritura de doação efetuada pelo 2.º réu à 1.ª ré em 24.07.2009, por fraude à lei (art.º 280.º e 281.º do C.Civil);
- seja declarada nula a escritura de compra e venda à 3.ª ré outorgada pelo 2.º réu em
representação da 1.ª ré em 15.01.2016, por fraude à lei ou, em alternativa, por ser nula
a doação que colocou o imóvel na propriedade da transmitente, ou ainda anulada por anulável ser também a procuração que serviu de base à sua celebração;
- sejam, em consequência, cancelados todos os registos de transmissão da propriedade
para a 1.ª, 3.ª e 4.ª rés e retirados os bens constantes da referida escritura da massa insolvente da A....
Nessa ação a autora, ora apelante alega, além do mais, que é “sublocatária da parte comercial do mesmo imóvel por contrato de arrendamento comercial do r/ch e 1.º andar” que “o 2.º R. nunca pretendeu fazer qualquer doação do prédio à filha” e que “a A 1.ª R. apesar de o prédio ter sido colocado em seu nome por conveniência do 2.º R., nunca foi a sua verdadeira proprietária”.

Retornando aos presentes autos, na sua p. inicial alega a autora/apelante que foi “contactada pelo DD, na qualidade de procurador da proprietária BB no sentido de celebrar uma adenda do contrato em vigor.
Tal deveu-se, do que sabe a Autora, à necessidade de outorga de um novo contrato de arrendamento a celebrar com CC e EE, em virtude o imóvel ser alvo de garantia para pagamento de uma alegada dívida aos ora mencionados. Tanto que, na referida adenda, está vertido que a Autora deveria proceder ao pagamento das rendas, a partir dessa data a CC ou a EE.
A aqui Autora, desconhecedora dos meandros dos negócios existentes entre DD, BB e CC ou EE, anuiu na outorga da citada adenda”, pois que o seu único objetivo era manter a exploração do estabelecimento comercial existente no imóvel apreendido nos autos e insolvência.
Dúvidas não podem restar que, mesmo no dizer da autora/apelante, a mesma ao ter aceitado celebrar em 1.11.2015 com CC um contrato de subarrendamento relativo a tal imóvel, implícita/tácita e inexoravelmente, aceitou que o alegado contrato de arrendamento anterior (de julho de 2015 alegadamente celebrado com BB) não mais estaria em vigor, cessava definitivamente os seus efeitos, logo é manifestamente contraditório o pedido que a mesma formula e assim fundamenta na presente ação e tal como se referiu na decisão recorrida, também é nosso entendimento que “o contrato de arrendamento que a mesma aceitou cessar ao celebrar posteriormente um contrato de subarrendamento não é repristinado pelo facto deste tribunal ter vindo a considerar, no apenso H), que o contrato de arrendamento com CC foi negócio jurídico em fraude à lei”.
Por tais razões entendeu a 1.ª instância que a autora/apelante ao lançar mão desta nova ação, peticionando que fosse declarado válido o contrato de subarrendamento ter sido julgada improcedente não dá à autora o direito de vir interpor a presente ação, alterando a verdade dos factos e dizendo que, afinal, nunca foi subarrendatária, mas, sim, sempre foi arrendatária, deduziu uma pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar porquanto a mesma sabia que ao invocar um contrato de arrendamento de julho de 2015 e, simultaneamente, dizer que anuiu na outorga de um contrato de subarrendamento em novembro do mesmo ano, sabia que não tinha qualquer fundamento legal para que o arrendamento de julho de 2015 viesse a ser considerado válido e, mais entendeu ainda a 1.ª instância que a autora/apelante ao intentar a presente ação fez do processo um uso manifestamente reprovável, com o fim de protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado das decisões já proferidas nos apensos H) e I).

Preceitua o art.º 542.º, n.º1 do C.P.Civil, tendo litigado de má-fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta o pedir.
E como dispõe o n.º 2 do mesmo preceito que: “Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;

d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”.
Ora, enquanto as als. a) e b) do citado preceito legal se reportam à chamada má-fé material/substancial (direta ou indireta), já as restantes alíneas têm a ver com a má-fé processual/instrumental.
E assim, pode-se assentar que de tal normativo legal resulta que a litigância de má-fé pressupõe, uma atuação dolosa ou com negligência grave - em termos da intervenção na lide - consubstanciada, objetivamente, na ocorrência de alguma das situações, atrás transcritas, previstas nas diversas alíneas do seu n.º 2. Pelo que e em suma, se pode dizer que a má-fé se traduz na violação dos deveres da cooperação e da boa-fé processual que os art.ºs 7.º e 8.º do C.P.Civil impõem às partes: dever de não formular pedidos injustos, não articular factos contrários à verdade e não requerer diligências meramente dilatórias.
Como é sabido e diversamente do que se verificava anteriormente ao que se preceitua no atual quadro processual civil, é atualmente sancionável a título de má-fé, não apenas a lide dolosa, mas também a lide temerária, como dela se diz quando as regras de conduta processual conformes com a boa-fé são violadas com culpa grave ou erro grosseiro.
Referem a este propósito Menezes Cordeiro, in “Litigância de Má-Fé abuso do Direito de Ação e Culpa”, pág. 26 que se alargou a litigância de má-fé à hipótese de negligência grave, equiparada, para o efeito, ao dolo. Dolo, esse, que supõe o conhecimento da falta de fundamento da pretensão ou oposição deduzida - dolo substancial direto - ou a consciente alteração da verdade dos factos ou omissão de um elemento essencial - dolo substancial indireto, podendo ainda traduzir-se no uso manifestamente reprovável dos meios e poderes processuais, e ainda Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, pág. 62, dizendo que a infração do “dever honeste procedere” pode resultar de uma má-fé subjetiva, se ela é aferida pelo conhecimento ou não ignorância da parte, ou objetiva, se resulta da violação dos padrões de comportamento exigíveis.
É também bem incisivo o que se consignou no Ac. do STJ de 6.12.2001, in www.dgsi.pt, ou seja, que a negligência grave é caracterizada como a imprudência grosseira, sem aquele mínimo de diligência que lhe teria permitido facilmente dar-se conta da desrazão do seu comportamento, que é manifesta aos olhos de qualquer um. Sem se olvidar que a condenação de uma parte como litigante de má-fé consubstancia um verdadeiro juízo de censura sobre a sua atitude processual, face ao uso que possa ter feito dos mecanismos legais postos ao seu dispor, com o marcado intuito de moralizar a atividade judiciária, vem sendo amplamente entendido pela jurisprudência, a conclusão no sentido da litigância de má-fé não pode ser extraída mecanicamente da verificação de comportamento processual recondutível à tipicidade das várias alíneas do n.º 2 do art.º 542.º do C.P.Civil, tendo-se referido acertadamente a esse propósito, além do mais, no Ac. do STJ de 11.12.2003 , in www.dgsi.pt que “…a garantia de um amplo direito de acesso aos tribunais e do exercício do contraditório, próprias do estado de direito, são incompatíveis com interpretações apertadas do art.º 456.º, do CPC, nomeadamente, no que respeita às regras das alíneas a) e b) do n.º 2”, (atual art.º 542.º do C.P.Civil).
Em suma, a afirmação da litigância de má-fé depende da análise da situação concreta, devendo o processo fornecer elementos seguros para por ela se concluir, exigindo-se no juízo a realizar uma particular prudência, necessária não só perante o natural conflito de interesses, contrário, normalmente, a uma ponderação objetiva, e por vezes serena, da respetiva intervenção processual, mas também face ao desvalor ético-jurídico em que se traduz a condenação por litigância de má-fé, vide Acs. do STJ de 14.03.2002 e 15.10.2002, ambos in www.dgsi.pt.

Retornando ao caso dos presentes autos, é manifesto que estamos perante uma complexa e nada linear situação, além do mais, pessoal e patrimonial que originaram uma miríade de contratos, sucessivos e mesmo contraditórios quanto à qualidade invocada pelos seus outorgantes - DD, BB, CC, HH e AA. É para nós manifesto que a autora/apelante se encontra numa ponta deste confuso icebergue contratual e que a mesma apenas pretende que lhe seja reconhecido o direito de ocupação, uso e fruição de parte do imóvel em apreço nos autos, a que se julga ser legítima e válida detentora, porque formalizada por quem se apresentou perante a mesma com poderes para lhe conceder esse mesmo direito, não resultando dos autos indiciado que a mesmo contribuiu deliberadamente e por qualquer forma para a atual situação, mormente a apontada fraude à lei atuada por um desses contratantes. Pois que está reconhecido que, pelo menos, desde 2005, no estabelecimento comercial existente no dito imóvel, vem sendo exercida a atividade de café/restauração, explorada por familiares da autora/apelante e AA, o que vinha a ser feito na sequência da outorga de determinados contratos que entendida válidos e eficazes para tal efeito, pretendendo a mesma continuar a desenvolver a sua atividade nesse estabelecimento comercial.
É certo que no atual estádio de apuramento judicial de toda esta situação, mesmo acompanhada por profissional forense, entende-se que a autora/apelante não saiba se é arrendatária do espaço, se é subarrendatária do mesmo, ou mesmo se tem ou não qualquer fundamento legal para tal ocupação, todavia, deveria o seu mandatário munir-se de maior diligência para não cair em óbvias contradições no âmbito das suas prolixas peças processuais, na defesas dos interesses da apelante que entende serem legítimos. Sendo certo que a lide temerária, pouco diligente ou ousada não pode ser sancionada com a litigância de má-fé, mas apenas a lide dolosa ou gravemente negligente pode fundamentar a condenação da parte como litigante de má-fé.

Entendeu a 1.ª instância que a autora/apelante lançou mão desta ação deduzindo uma pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar porquanto a mesma sabia que ao invocar um contrato de arrendamento de julho de 2015 e, simultaneamente, dizer que anuiu na outorga de um contrato de subarrendamento em novembro do mesmo ano, a mesma sabia que o tribunal não tinha qualquer fundamento para vir a considerar válido o arrendamento de julho de 2015 que a própria autora aceitou cessar em novembro quando anuiu outorgar o contrato de subarrendamento – al. a) do n.º2 do art.º 542.º do C.P.Civil.
Como já se referiu a interpretação desta norma deve ser feita com particular prudência, exigida não só em atenção ao natural conflito de interesses que traz as partes à justiça, contrário, normalmente, a uma ponderação objetiva, e por vezes serena, da respetiva intervenção processual, mas também face ao desvalor ético-jurídico em que se traduz a condenação por litigância de má-fé, cfr. Acs. do STJ de 14.03.2002 e 15.10.2002, in www.dgsi.pt. Ou seja, a litigância de má-fé se não pode confundir com a manifesta improcedência da pretensão ou oposição deduzida; o fundamento ético do instituto exige que tal manifesta improcedência acarrete ainda, para lá da improcedência da pretensão, desrespeito pelo tribunal, pelo processo e pela justiça.
In casu”, é nosso entendimento, pelo global dos factos alegados nos autos e pelo teor dos factos provados nos processos conexos supra citados, que se não pode afirmar que a instauração da presente ação e os fundamentos alegados pela autora/apelante represente esse desrespeito pelo processo e pela justiça.

Mais entendeu o tribunal de 1.ª instância que as versões que a autora/apelante trouxe a juízo são totalmente contraditórias e revelam que a mesma vem interpondo sucessivamente ações alterando a verdade dos factos, assumindo versões contraditórias entre si com o objetivo evidente de obstar ao trânsito em julgado das sentenças e acórdãos que foram já proferidos nos apensos H) e I), cfr als. b) e d) do n.º2 do art.º 542.º do C.P.Civil.
Na sequência do que acima se deixou consignado, o que vem sendo alegado pela autora/apelante nas diversas supra referidas ações não se pode considerar, quanto a nós, uma alteração deliberada e volitiva da verdade dos factos - como dolo ou negligência grave - e em manifesto desrespeito pela justiça, pelo processo e pela contraparte, mas antes é o resultado da confusão contratual em que está envolvida e de onde resulta o direito que se arroga ao uso, fruição e exploração daquele espaço comercial.
Alega a autora/apelante, de forma plausível, que tanto ela como o seu mandatário entendem que foi manifestamente enganada e prejudicada em toda esta situação, pois já se encontrava no imóvel há inúmeros anos, e sempre titulada por contratos que lhe foram pedindo para assinar, daí que todos os pedidos formulados na supra referidas ações foram são sequência uns dos outros, não sendo incompatíveis, mas complementando-se, pretendendo tão só defender o direito a que se arroga ser detentora.
Donde, entendemos que não resulta indiciado dos autos que a autora/apelante ao interpor a presente ação pretendeu conseguir objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar o trânsito em julgado da decisão, mormente as proferidas nos apensos H) e I).

Destarte e sem necessidade de outros considerandos, temos de concluir que se não pode considerar a autora/apelante como litigante de má-fé.
Procedem as respetivas conclusões da apelante.

Atento o que ficou decidido, fica prejudicado o conhecimento da segunda questão elencada no presente recurso.

Sumário –
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IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida na parte em que condenou a autora, ora apelante, como litigante de má-fé, em multa que se fixou em 5 UC’s e em indemnização a pagar à ré, massa insolvente de A... Ld.ª, representada pelo Sr. Administrador de Insolvência, correspondente ao valor dos honorários devidos ao seu Mandatário, valor que se fixou em €1.373,52.

Custas pela massa insolvente.




Porto, 2024.01.16
Anabela Dias da Silva
Anabela Miranda
Rui Moreira