Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
42/23.8Y3VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
INDAGAÇÃO DOS VÍCIOS DO ARTIGO 410.º
N.º 2
DO CPP
Nº do Documento: RP2023121942/23.8Y3VNG.P1
Data do Acordão: 12/19/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL/CONTRAORDENAÇÃO LABORAL
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A nulidade de sentença por omissão de pronúncia refere-se a questões e não a razões ou argumentos invocados pela parte ou pelo sujeito processual em defesa do seu ponto de vista.
II - A indagação dos vícios decisórios previstos nas alíneas do nº 2 do art. 410º do CPP, apenas, se poderá fazer através da leitura do texto da decisão recorrida, circunscrevendo-se a apreciação da matéria de facto ao que consta desse texto, por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum, sem possibilidade de apelo a outros elementos estranhos ao texto, mesmo que constem do processo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. Nº 42/23.8Y3VNG.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo do Trabalho de Vila Nova de Gaia - Juiz 1
Recorrente: A... S.A.
Recorrida: ACT – Autoridade para as Condições do Trabalho

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I - RELATÓRIO
A... S.A., com o NIPC ..., com sede social na Quinta ..., ..., ... ..., impugnou judicialmente a decisão proferida a 23-09-2021 pelo Centro Local do Grande Porto da Autoridade para as Condições do Trabalho, que lhe aplicou a coima única de € 4.200,00, como reincidente, pela prática de 10 contraordenações previstas e punidas pelos arts. 4.º/k), 6.º/1, 8.º/1 e 2 do Regulamento n.º 561 de 2006, 13.º, 14.º/1, 2, 3, als. a) e b) e 5, 18.º/2, a), c), 19.º/2, c) e 20.º/1, a) e b) da Lei 27/2010, de 30 de Agosto, 8.º e 9.º do RGCO e 551.º e 561.º do CT, pugnando que se: - Reconheça a nulidade dos autos de contra-ordenação subjacentes às decisões da Impugnada, por carência de elementos que não permitem ao arguido o efectivo exercício do direito de defesa consagrado constitucionalmente, nomeadamente, pela falta dos elementos de prova testemunhal;
- Reconheça a inexistência de responsabilidade da Impugnante, que cumpriu, até além do que os próprios costumes assim determinam, com todas as exigências legais e, consequentemente,
- Reconheça que foi ilidida a presunção que recai sobre a Impugnante, promovendo- se assim pelo arquivamento dos processos em crise, devendo ser absolvida das práticas que lhe são imputadas.
- Sem prejuízo, quanto à decisão da Impugnada, reconhecer-se a falta de consagração das normas hipoteticamente violadas, conforme resulta da guia de liquidação da coima ou a inaplicabilidade da norma aí referida à coima consagrada, determinando assim o arquivamento dos autos.
Fundamenta a sua impugnação alegando e concluindo o seguinte:
- Dos autos de contraordenação devem resultar, entre outras, os factos que constituem a infração, o dia, a hora, o local e as circunstâncias em que foi cometida, o nome e a qualidade da autoridade ou agente de autoridade que a presenciou, a identificação dos agentes da infração e, quando possível, de, pelo menos, uma testemunha que possa depor sobre os factos.
- Tal como afirmado em sede de defesa relativamente aos presentes processos, os Autos de Notícia são portadores de um manifesto erro, sendo nulos, uma vez que carecem de um elemento essencial – testemunha – facto que parece irrelevante para a Impugnada contudo, não o poderá ser pelo Garante da Justiça.
- Tais circunstâncias, bloqueiam em absoluto a digna defesa dos interesses da Impugnante,
- De cada uma das guias de pagamento anexas à notificação recepcionada e que ora se impugna as decisões nelas inseridas, resulta a seguinte discriminação:
a. (Coima) – L 27/2010, Artº 19.º, n.º 2 c)
A alínea c) do n.º 2 do artigo 19.º da Lei 27/2010, dispõe que: “2 - O incumprimento da pausa de modo a que esta seja inferior aos limites mínimos de duração previstos na regulamentação comunitária aplicável ou no AETR constitui contra-ordenação classificada como:
c) Muito grave, sendo a diferença igual ou superior a 30 %”.
- Significa assim que, a coima aplicada no valor de € 4.200,00 (quatro mil e duzentos euros), tem subjacente a violação do disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 19.º da Lei 27/2010.
- Sucede que conforme resulta das propostas de decisão e bem assim da decisão de cúmulo jurídico no âmbito dos processos ...98; ...99; ...00; ...01; ...02; ...03; ...11; ...12 as normas hipoteticamente violadas são as consagradas em normas distintas da Lei 27/2010.
- Existindo apenas duas (...04 e ...05) que se reconduzem ao preceituado na alínea c) do n.º 2 do artigo 19.º.
- Sendo que, a coima nesse caso concreto é fixada em € 2.720,00 (dois mil, setecentos e vinte euros).
- Pelo circunstancialismo supra referido, a impugnante vê-se novamente na impossibilidade de entender qual o objectivo da Impugnada.
- Aplicar única e exclusivamente a coima por força dos processos ...04 e ...05, ou, por outro lado, não considerou como norma punitiva as demais a que faz referência.
- Também aqui, como parece apanágio, a confusão é de tal ordem que a Impugnante vê melindrada a sua possibilidade de defesa, desconhecendo a que coima se refere, quais os processos considerados para efeitos de liquidação, algo que invariavelmente apenas poderá conduzir ao arquivamento dos autos, por força das incongruências demonstradas ou,
- No limite, apurar-se se estão reunidas as evidencias para aplicação da coima no âmbito do processo ...04.
- Impugnam-se todos os factos vertidos nas propostas de decisão e decisão que indiquem que a Impugnante não organizou o trabalho dos seus motoristas para que estes cumprissem com os tempos legais de condução, por não corresponder à verdade, conforme se demonstra.
- Resulta do artigo 13.º da Lei n.º 27/2010, de 30 de Agosto que, a empresa é responsável por qualquer infracção cometida pelo condutor, salvo se esta demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir com o regulamento (CEE) n.º 3821/85, de 20 de Dezembro, e no capítulo II do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março.
- Ainda quanto à matéria da responsabilidade, o normativo consagrado no artigo 10.º do Regulamento (CE) n.º 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, que refere que as empresas transportadoras devem dar formação e organizar o trabalho dos condutores de modo a que possam cumprir com o disposto no regulamento (CEE) n.º 3821/85.
- Por outro lado, no que concerne à culpa do agente e ao regime da sua responsabilidade, feita análise no que respeita à culpa in instruendo e in vigilando, a considerar o consagrado na Lei n.º 27/2010, de 30 de Agosto, no seu artigo 13.º, n.º 2 que estabelece que: “A responsabilidade da empresa é excluída se esta demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto no Regulamento (CEE) n.º 3812/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, e no capítulo II do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março”.
- O dever de respeito dos tempos de condução e repouso impõe-se ao empregador na medida em que, no âmbito do seu poder determinativo e da prestação laboral, deverá criar as condições para que possa ser executada pelo trabalhador em conformidade com o que a lei impõe.
- Conforme resulta do supra exposto, a Impugnante dá instruções adequadas aos trabalhadores, organizando a sua jornada de trabalho e certificando-se através de um controlo regular do cumprimento escrupuloso do Regulamento (CEE) n.º 3812/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, e do capítulo II do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, ou o Regulamento (UE) n.º 165/2014.
- Sendo ainda instaurados em cada percurso realizado, os diversos processos internos de acompanhamento dos motoristas em trânsito, efectuados quer por GPS ou via Whatsapp coordenados por um gestor de tráfego que os acompanha.
- Sendo certo que os motoristas são igualmente advertidos de que têm sempre de cumprir as regras sobre os tempos de condução, pausas, repousos, e quais os documentos que devem acompanhar o motorista e exibir às competentes autoridades, obrigações que a posteriori são recorrentemente lembradas pelo departamento de recursos humanos e respectivos operadores de tráfegos.
- Todas estas regras, além de serem constantemente referidas em cada viagem pelos gestores de tráfego, são parte integrante dos conteúdos programáticos lecionados na formação que reconheceu o motorista aqui autuado, como estando habilitado a cumprir as normas aqui em crise, tal como resulta do documento anexo sob o número 2.
- Tais instruções constam do Manual do Motorista que a Impugnante fornece a cada Motorista admitido, tal como de resto resulta do documento anexo sob o número 3.
- Nesse sentido, e por ter formação garantida pela Impugnante, impugnam-se ainda todos os factos vertidos nas propostas de decisão e decisão que indiquem que a Impugnante não prestou formação ao motorista para que este manuseasse o tacógrafo devidamente, por forma a proceder á correta comutação do mesmo.
- Contrariamente ao que assume a proposta de decisão, não se retirou qualquer benefício económico.
- Conforme resulta do n.º 1 do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro” A determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contra- ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação”.
- Tal resulta, porque a Impugnante, nos fretes aqui em análise, onde é imputado o excesso de condução diária ininterrupta, recebe um valor na ordem dos € 1.100,00 (mil e cem euros).
- Valor esse, que não é suficiente sequer, para prestar caução no âmbito deste processo.
- Ora, não prevenir estes eventos, resultaria numa punição que destruiria a atividade económica da Impugnante, uma vez que a sobrecarregaria de prejuízos.
- Não obtendo nenhum benefício económico da prática destas condutas.
- Deste modo, se alguma das infracções contraordenacionais ocorreu, estas não poderão ser imputadas à Impugnante.
- Apesar do motorista, já apresentar habilitações que lhe permitiam desempenhar a atividade para o qual foi contratado, a Impugnante certificou-se de que o motorista tinha acesso a uma formação focada nos procedimentos quotidianos da atividade da Impugnante.
- Tal formação, iniciou-se no primeiro ano de contrato, conforme consta do certificado de frequência de formação profissional que se anexa sob o documento número 2.
- Resulta da defesa da Impugnante à presente decisão, que a Impugnante disponibiliza a todos os seus motoristas o Manual do Motorista que se anexa sob o documento número 3.
- Assim face ao supra exposto, tendo a Impugnante agido no cumprimento do dever que lhe é adstrito, por força do exercício da actividade transportadora, para com os seus trabalhadores e com estes motoristas em concreto, não pode ser imputada a esta a prática das infrações em análise, a que não deu azo e tudo fez para a evitar.
- Uma contraordenação é “todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima” (cfr. artigo 1.º do RGCO).
- Por outro lado, estabelece-se no artigo 8.º, nº 1 do mesmo diploma que “só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência”, ficando, porém, “ressalvada a punibilidade da negligência nos termos gerais” – (cfr. n.º 3 do mesmo artigo).
- À semelhança do que se passa em sede de direito penal, também o direito contra-ordenacional só pode actuar se a conduta do agente em causa preencher um tipo-de-ilícito.
- O que não é evidentemente o caso.
- Razão pela qual deverá a Impugnante ser totalmente absolvida dos factos que lhe são imputados.”.
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Recebida no Tribunal ora, recorrido, foi admitida a impugnação com efeito suspensivo, dado se ter efectuado o depósito do valor da coima e das custas e realizada a audiência de discussão e julgamento, nos termos documentados nas actas de 11 e 30.05.2023, foi proferida sentença, de cujo dispositivo consta:
“Pelo exposto, julgo improcedente a impugnação apresentada por A... S.A., e, em consequência, mantenho, nos seus precisos termos, a decisão impugnada proferida a 23-09-2023 pelo Centro Local do Grande Porto da Autoridade para as Condições do Trabalho, que lhe aplicou a coima única de € 4.200,00, como reincidente, pela prática de 10 contraordenações previstas e punidas pelos arts. 4.º/k), 6.º/1, 8.º/1 e 2 do Regulamento n.º 561 de 2006, 13.º, 14.º/1, 2, 3, als. a) e b) e 5, 18.º/2, a), c), 19.º/2, c) e 20.º/1, a) e b) da Lei 27/2010, de 30 de Agosto, 8.º e 9.º do RGCO e 551.º e 561.º do CT.
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Custas a cargo da arguida, com taxa de justiça que fixo em 2,5 UC – art.º 93.º, n.º 3 do DL 433/82, de 27 de Outubro, ex vi art.º 60.º do Regime Jurídico das Contra-ordenações Laborais, e art.º 8.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a esse Regulamento ex vi art.º 59.º do Regime Jurídico das Contra-ordenações Laborais e de Segurança Social.
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Notifique.
Deposite.”.
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Inconformada com esta decisão a arguida interpôs recurso, nos termos da motivação junta que terminou com as seguintes CONCLUSÕES:
«A. Nos termos do n.º 2 do art. 13.º da Lei 27/2010, de 30 de Agosto:
2 - A responsabilidade da empresa é excluída se esta demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto no Regulamento (CEE) n.º 3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, e no capítulo II do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março.
B. Assim, se a Empresa demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o Trabalhador possa cumprir com as disposições legais acima enunciadas, ilide a presunção de Responsabilidade que sobre si recai.
C. Nos presentes autos, a Recorrente juntou os seguintes elementos de prova:
i. Declarações de Parte do Legal Representante da Recorrente;
ii. Declaração E-Learning 2021 do Trabalhador; (fls. 85)
iii. Manual do Motorista; (fls. 153 a 199)
iv. Testemunho por Videoconferência do Gestor de Tráfego;(fls. 83)
v. Certificados de Formação do Trabalhador. (fls. 201 a 204)
D. Destes, o Tribunal a quo limitou-se a conhecer três que, embora válidos, isolados dos restantes meios de prova, levaram a que o Tribunal a quo determinasse a sua insuficiência para efeitos de ilidir a responsabilidade da Recorrente.
E. Nas palavras do Tribunal a quo “não precisou que tipo de formação lhe foi ministrada, âmbito, duração ou por quem” [Sublinhado e Negrito Nosso]
F. Sendo, para o Tribunal a quo, elemento essencial para ilidir a presunção consagrada no artigo 13.º da Lei 27/2010.
G. Ora, tais elementos constam nos certificados juntos nos autos e resultam inequivocamente da sua leitura.
H. Pela simples análise dos certificados de formação juntos com a Impugnação Judicial a fls. 201 a 204 dos autos (com referência citius n.º 34696243), podemos verificar que os certificados de formação fazem menção expressa e clara à duração, ao âmbito e ao tipo de formação.
I. Nessa medida, mal andou o Tribunal a quo duas vertentes por um lado, ao considerar a inexistência dos mesmos, quando estão juntos aos autos e por outro lado um erro notório na apreciação da prova que necessariamente conduz à absolvição da Recorrente.
J. Ora, tendo a Recorrente junto uma declaração de presença e os respectivos certificados da frequência em formação que conforme se pode verificar (fls. 201 - 204) abordaram os seguintes temas:
i. “Tempos máximos de condução contínua”;
ii. “Tempos máximos de condução diária, semanal e bissemanal”;
iii. “Pausas / Repousos diários, semanal e bissemanais”.
iv. “Tacógrafo – a sua correta utilização”
v. “Tacógrafo – a forma correta do preenchimento do disco”.
K. E ainda, o testemunho do seu Gestor de Tráfegos totalmente olvidado nas considerações feitas pelo Tribunal a quo, que demonstra todos os procedimentos de acompanhamento levados a cabo pela Recorrente, é factual que, se o Tribunal a quo tivesse analisado criteriosamente a prova produzida, seria suficiente para determinar a exclusão de responsabilidade da Recorrente.
L. Assim, nos termos da alínea c) do número 2 do artigo 410.º do CPP, devem V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto, determinar a revogação da Sentença proferida pelo Tribunal a quo e, em face da efectiva demonstração da organização do trabalho do motorista, proceder à Absolvição da Recorrente nos termos do n.º 2 do artigo 13.º da Lei 27/2010, de 30 de Agosto.
Sem prescindir e caso assim não se entenda,
M. Em face da falta de pronuncia sobre os meios de prova que serviriam para formar a convicção do Tribunal a quo devem V. Exas., nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP, Reconhecer a nulidade da Sentença.».
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Admitido o recurso, “interposto pela arguida, o qual tem efeito devolutivo por falta de caução, subida imediata e nos próprios autos – cfr. art.os 49.º, n.º 1, al. a) e 50.º da Lei 107/2009, de 14 de Setembro, 406.º, n.º 1, 407.º, n.º 2, al. a), 408.º a contrario e 414.º, n.º 1 do Código de Processo Penal ex vi art.º 50.º, n.º 4 da Lei 107/2009 mas apenas limitado aos processos ...04 e ...05”, notificado o Ministério Público respondeu, apresentando contra-alegações, que finalizou com as seguintes CONCLUSÕES:
“1ª
A prova é apreciada segundo a regra da experiência a livre e íntima convicção do julgador; e,
No caso “sub judice” a Exª Juiz “a quo” não deixou de apreciar e valorar todo e qualquer elemento de prova, ou seja, nenhuma omissão de pronuncia se verifica, conforme se alcança da sua abundante e douta fundamentação
Nenhuma nulidade se detecta.
Nem se detecta nenhuma contradição e, muito menos insanável, na fundamentação da matéria de facto;
Nem, tão-pouco, qualquer erro, nem, muito menos, notório, na apreciação da prova; ou seja,
Não se detecta qualquer um dos vícios elencados no nº2 do artigo 410 do C.P.P.
Assim,
O recurso é restrito à matéria de Direito (art.51, nº1, da Lei 107/09, de 14/9); e,
De Direito, não merece provimento
já que,
A materialidade fáctica dada como assente mostra-se clara, precisa e concisa e correctamente subsumida ao Direito aplicável.
Pelo que,
10ª
Se V. Exas. negarem provimento ao recurso, confirmando, na íntegra, a douta sentença recorrida, farão inteira e sã Justiça.”.
*
A Mª Juíza “a quo” ordenou a remessa dos autos a este Tribunal, previamente, dizendo o seguinte: “Veio a arguida alegar que na decisão proferida nos autos o Tribunal não procedeu à apreciação de elementos de prova, existindo omissão de pronuncia e, como tal deve ser decretada a nulidade da sentença recorrida.
Cremos não assistir qualquer razão à arguida.
Na decisão ora posta em crise o Tribunal apreciou livre e criticamente os elementos probatórios contantes dos autos, nos termos que constam das alegações do Digno Procurador da República que por razões de economia processual nas abstemos de aqui reproduzir. É natural que a arguida não concorde com a apreciação da prova feita pelo Tribunal, mas esta não concordância não pode ser encapotada através da alegação de omissão de pronúncia que, como se referiu já e s.m.o. não existe.
Da mesma forma não se vislumbra nem alcança a existência de qualquer contradição insanável e, tão-pouco, erro notório na apreciação da prova.
V. Exªas, porém, farão, como sempre, Justiça.”.
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Nesta Relação o Ex.mº Procurador-Geral Adjunto, emitiu parecer, acompanhando a resposta apresentada pelo Sr. Procurador da República, em 1ª instância e a sentença recorrida, concluindo no sentido de ser negado provimento ao recurso, no essencial, por considerar que, «foram analisadas e decididas as nulidades invocadas, concluindo-se pela inexistência de qualquer nulidade, quer do auto de noticia, quer da decisão administrativa.
5.2. Depois, provando-se que “No decurso da jornada de condução referida no ponto 16. (entre as 02h11m e as 0h58m do dia 13/05/2022), AA não cumpriu com a pausa de 45 minutos ou 15 minutos + 30 minutos a que estava obrigado” – facto 17 dos factos provados - e ainda que “No decurso da jornada de condução referida no ponto 74. (entre as 13h55m e as 20h13m do dia 27/05/2022), AA não cumpriu com a pausa de 45 minutos ou 15 minutos + 30 minutos a que estava obrigado – facto 75 dos factos provados – está verificada a prática das infracções, sendo a condenação a única decisão possível.».
*
Notificada deste Parecer, a arguida apresentou resposta, discordando do mesmo, sob a argumentação de que, “Sucede que, contrariamente ao sustentado pelo Ministério Público, a Recorrente não alega no seu Recurso que as presentes infracções não foram praticadas pelo seu subordinado.
4. O que está em causa não é saber se alguma infracção foi praticada – o que nunca se contestou – mas sim, se a responsabilidade presumida da Recorrente, nos termos do n.º 1 do artigo 13.º da Lei n.º 27/2010, de 30 de Agosto, a entidade empregadora ilidiu a presunção que sobre si recai, mediante a indicação e demonstração dos diversos mecanismos de organização de trabalho do motorista.
5. E é essa mesma presunção que, salvo superior e Douta Sentença, foi devidamente ilidida pela Recorrente, embora não tenha o Tribunal a quo apreciado devidamente os elementos de prova carreados para os autos.
6. Isto é, o Tribunal a quo limitou-se a fazer referência aos seguintes meios de prova da Recorrente:
I. Declarações de Parte do Legal Representante da Recorrente;
II. Declaração E-Learning 2021 do Trabalhador – apresentada no âmbito da inquirição realizada ao Sr. BB, gestor de tráfego da Recorrente, documento junto a fls. 85 dos autos (com referência citius n.º 34696243);
III. Manual do Motorista – apresentada com a Impugnação Judicial a fls. 153 a 199 dos autos (com referência citius n.º 34696243).
7. Olvidando-se do Testemunho por Videoconferência do Gestor de Tráfego e dos Certificados de Formação do Trabalhador.
8. Assim, o Tribunal a quo limitou-se a conhecer três que, embora válidos, isolados dos restantes meios de prova, levaram a que o Tribunal a quo determinasse a sua insuficiência para efeitos de ilidir a responsabilidade da Recorrente.
Mas mais,
9. Resulta da apreciação feita pelo Tribunal a quo das declarações de parte do Legal Representante da Recorrente que este “não precisou que tipo de formação lhe foi ministrada, âmbito, duração ou por quem” [Sublinhado e Negrito Nosso]
10. Sendo, para o Tribunal a quo, elemento essencial para ilidir a presunção consagrada no artigo 13.º da Lei 27/2010.
11. Contudo, ao analisar os certificados de formação juntos com a Impugnação Judicial a fls. 201 a 204 dos autos (com referência citius n.º 34696243), podemos verificar que os certificados de formação fazem menção expressa e clara à duração, ao âmbito e ao tipo de formação.
12. Tais elementos constam nos certificados juntos nos autos e resultam inequivocamente da sua leitura.
13. Pelo que, mal andou o Tribunal a quo ao concluir pela inexistência dos mesmos, incorrendo num erro notório de apreciação da prova que determina a revogação da decisão recorrida.
14. Nesta medida, resulta clarividente do supra exposto que os certificados de formação foram juntos aos autos, tendo estes cumprido os pressupostos de admissibilidade estabelecidos pela presente decisão, mais concretamente ao discriminarem o “tipo”, o “âmbito” e a “duração” da formação do trabalhador.
15. Pelo que, é factual que, se o Tribunal a quo tivesse analisado criteriosamente a prova produzida, seria suficiente para determinar a exclusão de responsabilidade da Recorrente, sendo esse o objecto do Recurso e não se as infrações foram praticadas.
16. Sendo assim de excluir qualquer possibilidade de condenação da Recorrente.”.
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Foi cumprido o disposto no art. 418º do CPP, remetendo-se o processo aos vistos e o projecto de acórdão por via electrónica.
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Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso (cfr. art.s 403º, nº 1 e 412º, nº 1, do CPP), as questões colocadas pela recorrente para apreciação consistem em saber, se a decisão recorrida deve ser revogada, com a consequente absolvição da mesma da prática das referidas contraordenações por, como defende:
- A sentença recorrida é nula nos termos da al. c), nº 1 do art. 379º do CPP.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS:
O tribunal a quo, decidiu e fixou os seguintes:
Factos Provados
1. A arguida, pessoa coletiva n.º ..., com sede na Quinta ..., ..., ... ..., dedica-se à atividade de transportes rodoviários de mercadorias (CAE …).
2. No dia 09/06/2022, pelas 21h10m, a arguida mantinha em circulação na ..., na Praça ..., Vila Nova de Gaia, o veículo pesado de mercadorias, de matrícula AJ-..-ZP, sua propriedade, conduzido por AA.
3. No referido circunstancialismo de tempo e lugar, o veículo referido foi objeto de uma fiscalização efetuada pela GNR.
4. O veículo pesado de mercadorias, de matrícula AJ-..-ZP, está equipado com tacógrafo digital.
5. AA é trabalhador subordinado da arguida desde agosto de 2019, com a categoria profissional de motorista de pesados (Cód. ...).
6. Nos dias 09/05/2022, 10/05/2022, 11/05/2022, 12/05/2022, 13/05/2022, 14/05/2022, 15/05/2022, 16/05/2022, 17/05/2022, 18/05/2022, 19/05/2022, 20/05/2022, 21/05/2022, 22/05/2022, 23/05/2022, 24/05/2022, 25/05/2022, 26/05/2022, 27/05/2022, 28/05/2022, 29/05/2022, 30/05/2022, 31/05/2022, 01/06/2022, 02/06/2022, 03/06/2022, 04/06/2022 e 05/06/2022, AA conduziu o veículo pesado de mercadorias, de matrícula AJ-..-ZP, sob a autoridade e direção da arguida.
7. A arguida não instaurou qualquer procedimento disciplinar ao condutor AA em virtude dos factos retratados nos autos de notícia da GNR.
8. A arguida possui um manual do motorista, que entrega aos condutores.
9. No dia 11/05/2021, o condutor AA subscreveu uma declaração com o seguinte conteúdo:
“Eu, AA, com número de identificação fiscal ..., com a categoria profissional de motorista de veículos automóveis pesados, declaro que recebi da empresa A... S.A., como NIPC ..., com sede social na Quinta ..., ..., ... ..., a informação relativa aos Cursos de Formação Elearning 2021.
Com a seguinte informação:
Acesso à Plataforma de Formação ...:
Site: ...
Login: ... Pass: ...
Declaro ainda que me comprometo a aceder à plataforma e efetuar os cursos de formação disponibilizados na mesma.”.
10. A arguida possui um sistema GPS para fiscalizar os motoristas.
11. O condutor AA não frequentou formação em matéria de utilização/manuseamento do aparelho tacógrafo e das regras relativas aos tempos de condução e de repouso nos transportes rodoviários.
12. Em 31/10/2021, a arguida tinha ao seu serviço, no âmbito da sua organização e sob a sua autoridade 74 trabalhadores, entre eles, 62 trabalhadores com a categoria profissional de motorista de pesados (Cód. ...).
13. Em 31/12/2021, a arguida tinha ao seu serviço, no âmbito da sua organização e sob a sua autoridade 68 trabalhadores.
14. Durante o ano de 2021, a arguida teve ao seu serviço um número médio de 74 trabalhadores subordinados.
Processo n.º ...04
15. No período compreendido entre as 02h11m e as 10h58m do dia 13/05/2022, AA conduziu:
- 02h46m, entre as 02h11m e as 04h57m;
- 03h08m, entre as 05h02m e as 08h10m;
- 2h23m, entre as 8h35m e as 10h58m;
tendo efetuado um período de condução efetiva de 8 horas e 17 minutos.
16. No decurso da jornada de condução referida no ponto anterior (entre as 02h11m e as 10h58m do dia 13/05/2022), o condutor AA realizou os seguintes períodos de pausa ou repouso (períodos registados com o símbolo cama):
- 5 minutos, entre as 04h57m e as 05h02m;
- 22 minutos, entre as 8h12m e as 8h34m.
17. No decurso da jornada de condução referida no ponto 16. (entre as 02h11m e as 0h58m do dia 13/05/2022), AA não cumpriu com a pausa de 45 minutos ou 15 minutos + 30 minutos a que estava obrigado.
18. Por decisão transitada em julgado, no âmbito do processo de contraordenação laboral n.º ..., que correu termos na Unidade Local de Vila Franca de Xira da ACT, a arguida foi condenada numa coima de 2.163,64 € (dois mil cento e sessenta e três euros e sessenta e quatro cêntimos), pela prática, em 17/12/2019, de uma contraordenação muito grave (artigo 20.º, n.º 6, alínea c) da Lei n.º 27/2010).
19. Por decisão transitada em julgado, no âmbito do processo de contraordenação laboral n.º ..., que correu termos no Centro Local da Lezíria e Médio Tejo da ACT, a arguida foi condenada numa coima de 3.461,33 € (três mil quatrocentos e sessenta e um euros e trinta e três cêntimos), pela prática, em 14/02/2021, de uma contraordenação muito grave (artigo 20.º, n.º 2, alínea c) da Lei n.º 27/2010).
20. Por decisão transitada em julgado, no âmbito do processo de contraordenação laboral n.º ..., que correu termos no Centro Local do Mondego da ACT, a arguida foi condenada numa coima de 1 153,74 € (mil cento e cinquenta e três euros e setenta e quatro cêntimos), pela prática, em 21/06/2020, de uma contraordenação muito grave (artigo 19.º, n.º 2, alínea c) da Lei n.º 27/2010).
21. Por decisão transitada em julgado, no âmbito do processo de contraordenação laboral n.º ..., que correu termos no Centro Local do Mondego da ACT, a arguida foi condenada numa coima de 1.500,00 € (mil e quinhentos euros), pela prática, em 21/06/2020, de uma contraordenação muito grave (artigo 20.º, n.º 1, alínea c) da Lei n.º 27/2010).
22. Por decisão transitada em julgado, no âmbito do processo de contraordenação laboral n.º ..., que correu termos no Centro Local do Mondego da ACT, a arguida foi condenada numa coima de 1.184,77 € (mil cento e oitenta e quatro euros e setenta e sete cêntimos), pela prática, em 21/06/2020, de uma contraordenação muito grave (artigo 19.º, n.º 2, alínea c) da Lei n.º 27/2010).
23. A arguida, ao não ter organizado o trabalho do condutor AA e controlado concretamente a sua atividade de modo a que este pudesse respeitar o período de pausa previsto no Regulamento CE n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2006, não procedeu com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigada e de que era capaz.
Processo n.º ...98
24. No período de duas semanas consecutivas, compreendido entre as 00h00 do dia 23/05/2022 (segunda-feira) e as 24h00 do dia 05/06/2022 (domingo), o condutor AA efetuou 98 horas e 30 minutos de condução, entre as 01h48m do dia 23/05/2022 e as 23h40m do dia 05/06/2022.
25. A arguida, ao não ter organizado o trabalho do condutor AA e controlado concretamente a sua atividade de modo a que este pudesse respeitar o tempo total de condução acumulado, não procedeu com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigada e de que era capaz.
Processo n.º ...99
26. Na semana compreendida entre as 00h00 do dia 30/05/2022 (segunda-feira) e as 24h00 do dia 05/06/2022 (domingo), o condutor AA conduziu 61 horas e 15 minutos, entre as 16h12m do dia 30/05/2022 e as 23h40m do dia 05/06/2022.
27. A arguida, ao não ter organizado o trabalho do condutor AA e controlado concretamente a sua atividade de modo a que este pudesse respeitar o tempo de condução semanal, não procedeu com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigada e de que era capaz.
Processo n.º ...00
28. No dia 30/05/2022, o condutor AA iniciou a sua jornada diária de trabalho às 16h12m, tendo terminado a mesma às 00h13m do dia 31/05/2022.
29. Entre as 16h12m do dia 30/05/2022 e as 16h12m do dia 31/05/2022 (período de 24 horas), o condutor AA gozou um período de repouso diário de 9 horas e 6 minutos (período de repouso diário reduzido), entre as 00h13m e as 9h19m do dia 31/05/2022.
30. No dia 31/05/2022, o condutor AA iniciou a sua jornada diária de trabalho às 09h19m, tendo terminado a mesma às 21h43m desse mesmo dia.
31. No dia 01/06/2022, o condutor AA iniciou a sua jornada diária de trabalho às 06h49m.
32. Entre as 09h19m do dia 31/05/2022 e as 09h19m do dia 01/06/2022 (período de 24 horas), o condutor AA gozou um período de repouso diário de 9 horas e 6 minutos (período de repouso diário reduzido), entre as 21h43m do dia 31/05/2022 e as 06h49m do dia 01/06/2022.
33. No dia 01/06/2022, o condutor AA iniciou a sua jornada diária de trabalho às 6h49m, tendo terminado a mesma às 18h25m desse mesmo dia.
34. No dia 02/06/2022, o condutor AA iniciou a sua jornada diária de trabalho às 04h15m.
35. Entre as 06h49m do dia 01/06/2022 e as 06h49m do dia 02/06/2022 (período de 24 horas), o condutor AA gozou um período de repouso diário de 9 horas e 50 minutos (período de repouso diário reduzido), entre as 18h25m do dia 01/06/2022 e as 04h15m do dia 02/06/2022.
36. No dia 03/06/2022, o condutor AA iniciou a sua jornada diária de trabalho às 03h13m, tendo terminado a mesma às 17h52m desse mesmo dia.
37. No dia 04/06/2022, o condutor AA iniciou a sua jornada diária de trabalho às 04h50m.
38. Entre as 03h13m do dia 03/06/2022 e as 03h13m do dia 04/06/2022 (período de 24 horas), o condutor AA gozou um período de repouso diário de 9 horas e 21 minutos (período de repouso diário reduzido), entre as 17h52m do dia 03/06/2022 e as 03h13m do dia 04/06/2022.
39. Entre dois períodos de repouso semanal, o condutor AA realizou quatro períodos de repouso diário reduzido (de duração inferior a 11 horas): 9 horas e 6 minutos, entre as 00h13m e as 9h19m do dia 31/05/2022; 9 horas e 6 minutos, entre as 21h43m do dia 31/05/2022 e as 06h49m do dia 01/06/2022; 9 horas e 50 minutos, entre as 18h25m do dia 01/06/2022 e as 04h15m do dia 02/06/2022; 9 horas e 21 minutos, entre as 17h52m do dia 03/06/2022 e as 03h13m do dia 04/06/2022.
40. A arguida, ao não ter organizado o trabalho do condutor AA e controlado concretamente a sua atividade de modo a que este pudesse respeitar a obrigação de realizar o repouso diário, não procedeu com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigada e de que era capaz.
Processo n.º ...01
41. No dia 02/06/2022, o condutor AA efetuou 10 horas e 24 minutos de condução, entre as 04h15m e as 16h10m.
42. A arguida, ao não ter organizado o trabalho do condutor AA e controlado concretamente a sua atividade de modo a que este pudesse respeitar o tempo diário de condução previsto no Regulamento CE n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2006, não procedeu com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigada e de que era capaz.
Processo n.º ...02
43. No dia 09/05/2022, o condutor AA iniciou a sua jornada diária de trabalho às 06h03m, tendo terminado a mesma às 20h42m desse mesmo dia.
44. No dia 10/05/2022, o condutor AA iniciou a sua jornada diária de trabalho às 06h28m.
45. Entre as 06h03m do dia 09/05/2022 e as 06h03m do dia 10/05/2022 (período de 24 horas), o condutor AA gozou um período de repouso diário de 9 horas e 21 minutos (período de repouso diário reduzido), entre as 20h42m do dia 09/05/2022 e as 06h03m do dia 10/05/2022.
46. No dia 10/05/2022, o condutor AA iniciou a sua jornada diária de trabalho às 06h28m, tendo terminado a mesma às 21h21m desse mesmo dia.
47. No dia 11/05/2022, o condutor AA iniciou a sua jornada diária de trabalho às 06h32m.
48. Entre as 06h28m do dia 10/05/2022 e as 06h28m do dia 11/05/2022 (período de 24 horas), o condutor AA gozou um período de repouso diário de 9 horas e 7 minutos (período de repouso diário reduzido), entre as 21h21m do dia 10/05/2022 e as 06h28m do dia 11/05/2022.
49. No dia 11/05/2022, o condutor AA iniciou a sua jornada diária de trabalho às 06h32m, tendo terminado a mesma às 19h12m desse mesmo dia.
50. No dia 12/05/2022, o condutor AA iniciou a sua jornada diária de trabalho às 05h07m.
51. Entre as 06h32m do dia 11/05/2022 e as 06h32m do dia 12/05/2022 (período de 24 horas), o condutor AA gozou um período de repouso diário de 9 horas e 55 minutos (período de repouso diário reduzido), entre as 19h12m do dia 11/05/2022 e as 05h07m do dia 12/05/2022.
52. No dia 12/05/2022, o condutor AA iniciou a sua jornada diária de trabalho às 05h07m, tendo terminado a mesma às 15h32m desse mesmo dia.
53. No dia 13/05/2022, o condutor AA iniciou a sua jornada diária de trabalho às 02h11m.
54. Entre as 05h07m do dia 12/05/2022 e as 05h07m do dia 13/05/2022 (período de 24 horas), o condutor AA gozou um período de repouso diário de 10 horas e 39 minutos (período de repouso diário reduzido), entre as 15h32m do dia 12/05/2022 e as 02h11m do dia 13/05/2022.
55. Entre dois períodos de repouso semanal, o condutor AA realizou quatro períodos de repouso diário reduzido (de duração inferior a 11 horas): 9 horas e 21 minutos, entre as 20h42m do dia 09/05/2022 e as 06h03m do dia 10/05/2022; 9 horas e 7 minutos, entre as 21h21m do dia 10/05/2022 e as 06h28m do dia 11/05/2022; 9 horas e 55 minutos, entre as 19h12m do dia 11/05/2022 e as 05h07m do dia 12/05/2022; e 10 horas e 39 minutos, entre as 15h32m do dia 12/05/2022 e as 02h11m do dia 13/05/2022.
56. A arguida, ao não ter organizado o trabalho do condutor AA e controlado concretamente a sua atividade de modo a que este pudesse respeitar a obrigação de realizar o repouso diário, não procedeu com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigada e de que era capaz.
Processo n.º ...03
57. No dia 09/05/2022, o condutor AA iniciou a sua jornada diária de trabalho às 06h03m, tendo terminado a mesma às 20h42m desse mesmo dia.
58. No dia 10/05/2022, o condutor AA iniciou a sua jornada diária de trabalho às 06h28m.
59. Entre as 06h03m do dia 09/05/2022 e as 06h03m do dia 10/05/2022 (período de 24 horas), o condutor AA gozou um período de repouso diário de 9 horas e 21 minutos (período de repouso diário reduzido), entre as 20h42m do dia 09/05/2022 e as 06h03m do dia 10/05/2022.
60. No dia 10/05/2022, o condutor AA iniciou a sua jornada diária de trabalho às 06h28m, tendo terminado a mesma às 21h21m desse mesmo dia.
61. No dia 11/05/2022, o condutor AA iniciou a sua jornada diária de trabalho às 06h32m.
62. Entre as 06h28m do dia 10/05/2022 e as 06h28m do dia 11/05/2022 (período de 24 horas), o condutor AA gozou um período de repouso diário de 9 horas e 7 minutos (período de repouso diário reduzido), entre as 21h21m do dia 10/05/2022 e as 06h28m do dia 11/05/2022.
63. No dia 11/05/2022, o condutor AA iniciou a sua jornada diária de trabalho às 06h32m, tendo terminado a mesma às 19h12m desse mesmo dia.
64. No dia 12/05/2022, o condutor AA iniciou a sua jornada diária de trabalho às 05h07m.
65. Entre as 06h32m do dia 11/05/2022 e as 06h32m do dia 12/05/2022 (período de 24 horas), o condutor AA gozou um período de repouso diário de 9 horas e 55 minutos (período de repouso diário reduzido), entre as 19h12m do dia 11/05/2022 e as 05h07m do dia 12/05/2022.
66. No dia 12/05/2022, o condutor AA iniciou a sua jornada diária de trabalho às 05h07m, tendo terminado a mesma às 15h32m desse mesmo dia.
67. No dia 13/05/2022, o condutor AA iniciou a sua jornada diária de trabalho às 02h11m.
68. Entre as 05h07m do dia 12/05/2022 e as 05h07m do dia 13/05/2022 (período de 24 horas), o condutor AA gozou um período de repouso diário de 10 horas e 39 minutos (período de repouso diário reduzido), entre as 15h32m do dia 12/05/2022 e as 02h11m do dia 13/05/2022.
69. No dia 14/05/2022, o condutor AA iniciou a sua jornada diária de trabalho às 02h15m, tendo terminado a mesma às 24h00m desse mesmo dia.
70. Entre as 02h15m do dia 14/05/2022 e as 02h15m do dia 15/05/2022 (período de 24 horas), o condutor AA gozou um período de repouso diário de 9 horas e 1 minuto (período de repouso diário reduzido), entre as 13h21m e as 22h22 do dia 14/05/2022.
71. O condutor AA realizou cinco períodos de repouso diário reduzido (de duração inferior a 11 horas): 9 horas e 21 minutos, entre as 20h42m do dia 09/05/2022 e as 06h03m do dia 10/05/2022; 9 horas e 7 minutos, entre as 21h21m do dia 10/05/2022 e as 06h28m do dia 11/05/2022; 9 horas e 55 minutos, entre as 19h12m do dia 11/05/2022 e as 05h07m do dia 12/05/2022; 10 horas e 39 minutos, entre as 15h32m do dia 12/05/2022 e as 02h11m do dia 13/05/2022; e 9 horas e 1 minuto, entre as 13h21m e as 22h22 do dia 14/05/2022.
72. A arguida, ao não ter organizado o trabalho do condutor AA e controlado concretamente a sua atividade de modo a que este pudesse respeitar a obrigação de realizar o repouso diário, não procedeu com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigada e de que era capaz.
Processo n.º ...05
73. No período compreendido entre as 13h55m e as 20h13m do dia 27/05/2022, AA conduziu:
- 00h01m, entre as 13h55m e as 13h56m;
- 02h39m, entre as 13h58m e as 16h37m;
- 00h01m, entre as 16h52m e as 16h53m;
- 00h03m, entre as 17h11m e as 17h14m;
- 00h03m, entre as 17h19m e as 17h22m;
- 00h59m, entre as 17h33m e as 18h32m;
- 00h02m, entre as 18h35m e as 18h37m;
- 00h01m, entre as 18h40m e as 18h41m;
- 00h01m, entre as 18h49m e as 18h50m;
- 00h01m, entre as 18h54m e as 18h55m;
- 00h01m, entre as 19h11m e as 19h12m;
- 00h02m, entre as 19h18m e as 19h20m;
- 00h51m, entre as 19h22m e as 20h13m;
tendo efetuado um período de condução efetiva de 4 horas e 45 minutos.
74. No decurso da jornada de condução referida no ponto anterior (entre as 13h55m e as 20h13m do dia 27/05/2022), o condutor AA realizou os seguintes períodos de pausa ou repouso (períodos registados com o símbolo cama):
5 minutos, entre as 16h47m e as 16h52m;
6 minutos, entre as 18h41m e as 18h47m;
4 minutos, entre as 18h50m e as 18h54m;
15 minutos, entre as 18h55m e as 19h10m;
5 minutos, entre as 19h12m e as 19h18m.
75. No decurso da jornada de condução referida no ponto 74. (entre as 13h55m e as 20h13m do dia 27/05/2022), AA não cumpriu com a pausa de 45 minutos ou 15 minutos + 30 minutos a que estava obrigado.
76. Por decisão transitada em julgado, no âmbito do processo de contraordenação laboral n.º ..., que correu termos na Unidade Local de Vila Franca de Xira da ACT, a arguida foi condenada numa coima de 2.163,64 € (dois mil cento e sessenta e três euros e sessenta e quatro cêntimos), pela prática, em 17/12/2019, de uma contraordenação muito grave (artigo 20.º, n.º 6, alínea c) da Lei n.º 27/2010).
77. Por decisão transitada em julgado, no âmbito do processo de contraordenação laboral n.º ..., que correu termos no Centro Local da Lezíria e Médio Tejo da ACT, a arguida foi condenada numa coima de 3.461,33 € (três mil quatrocentos e sessenta e um euros e trinta e três cêntimos), pela prática, em 14/02/2021, de uma contraordenação muito grave (artigo 20.º, n.º 2, alínea c) da Lei n.º 27/2010).
78. Por decisão transitada em julgado, no âmbito do processo de contraordenação laboral n.º ..., que correu termos no Centro Local do Mondego da ACT, a arguida foi condenada numa coima de 1.153,74 € (mil cento e cinquenta e três euros e setenta e quatro cêntimos), pela prática, em 21/06/2020, de uma contraordenação muito grave (artigo 19.º, n.º 2, alínea c) da Lei n.º 27/2010).
79. Por decisão transitada em julgado, no âmbito do processo de contraordenação laboral n.º ..., que correu termos no Centro Local do Mondego da ACT, a arguida foi condenada numa coima de 1.500,00 € (mil e quinhentos euros), pela prática, em 21/06/2020, de uma contraordenação muito grave (artigo 20.º, n.º 1, alínea c) da Lei n.º 27/2010).
80. Por decisão transitada em julgado, no âmbito do processo de contraordenação laboral n.º ..., que correu termos no Centro Local do Mondego da ACT, a arguida foi condenada numa coima de 1.184,77 € (mil cento e oitenta e quatro euros e setenta e sete cêntimos), pela prática, em 21/06/2020, de uma contraordenação muito grave (artigo 19.º, n.º 2, alínea c) da Lei n.º 27/2010).
81. A arguida, ao não ter organizado o trabalho do condutor AA e controlado concretamente a sua atividade de modo a que este pudesse respeitar o período de pausa previsto no Regulamento CE n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2006, não procedeu com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigada e de que era capaz.
Processo n.º ...11
82. No período de duas semanas consecutivas, compreendido entre as 00h00 do dia 09/05/2022 (segunda-feira) e as 24h00 do dia 22/06/2022 (domingo), o condutor AA efetuou 98 horas e 52 minutos de condução, entre as 06h03m do dia 09/05/2022 e as 14h37m do dia 22/05/2022.
83. A arguida, ao não ter organizado o trabalho do condutor AA e controlado concretamente a sua atividade de modo a que este pudesse respeitar o tempo total de condução acumulado, não procedeu com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigada e de que era capaz.
Processo n.º ...12
84. Na semana compreendida entre as 00h00 do dia 09/05/2022 (segunda-feira) e as 24h00 do dia 15/05/2022 (domingo), o condutor AA conduziu 57 horas e 55 minutos, entre as 06h03m do dia 09/05/2022 e as 08h29m do dia 15/05/2022.
85. A arguida, ao não ter organizado o trabalho do condutor AA e controlado concretamente a sua atividade de modo a que este pudesse respeitar o tempo de condução semanal, não procedeu com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigada e de que era capaz.
86. Em virtude dos factos acima descritos a arguida instaurou um inquérito à atuação do condutor AA.
87. A arguida planifica o trajeto a realizar pelos motoristas nas suas viagens.
*
2.2. Factos não provados:
1. A arguida dá formação a todos os seus motoristas no que respeita a regras relativas a tempos de condução, tempos de repouso e correta utilização dos aparelhos tacógrafos que equipam as suas viaturas, quer analógicos quer digitais.
2. Quando um motorista é admitido ao serviço da arguida é realizada uma reunião com o mesmo onde, para além dos vários aspetos relacionados especificamente com a atividade da empresa, são aferidos os conhecimentos do motorista no que diz respeito a tempos de condução, tempos de repouso e aos elementos que deve possuir.
3. Na eventualidade de o motorista não estar familiarizado com os mesmos, é lhe explicado, durante tanto tempo quanto o necessário, os tempos de condução, os respetivos limites e os períodos de repouso, bem como a documentação a levar consigo no veículo.
4. A arguida não permite que um motorista preste trabalho caso o mesmo não apresente os conhecimentos necessários quanto às obrigações que regulam a sua atividade.
5. A arguida promove, com frequência, a formação dos seus motoristas.
6. A arguida organiza as jornadas de trabalho, programa os tempos de saída e os tempos de repouso, consoante a viagem a realizar pelo motorista.
7. Os colaboradores da arguida estão plenamente habilitados e capacitados para realizar os registos dos tempos de condução e de descanso.
8. A arguida nunca deu aos seus colaboradores qualquer instrução, indicação ou ordem, de forma direta ou indireta, para que não fossem respeitados os períodos de descanso, que são do conhecimento dos seus colaboradores.
9. A arguida alerta os seus motoristas, sem exceção, de que no decorrer da viagem, seja por razões de congestionamento de tráfego ou de imobilização do veículo.
10. Os motoristas são ainda instruídos para iniciar o período de repouso mais cedo, preventivamente, se lhes for expectável que não o consigam fazer de acordo com a programação da arguida.
11. Em caso de incidentes rodoviários fica ao critério do motorista, devidamente habilitado e competente para o desempenho da função, avaliar se perante uma situação em concreto que anteveja a impossibilidade de cumprir com o período limite legal de condução imobilizar o veículo de forma segura e iniciar o seu período de repouso.
12. O motorista AA não cumpriu com as indicações/instruções da arguida nem com as leis e regulamentação, de que tem conhecimento, por negligência própria, alheia e contrária a qualquer conduta da arguida.
13. A arguida planeia as viagens com uma “margem de erro” para acautelar eventuais atrasos sem que haja necessidade de recorrer a este tipo de comportamentos.
14. A arguida já solicitou junto dos seus clientes uma dilação dos prazos de entrega das mercadorias para que os seus motoristas não tenham, em circunstância alguma, que incumprir com os limites dos tempos de condução e com os tempos de repouso.
15. A arguida tenha organizado o trabalho do condutor AA, por forma a evitar o excesso de períodos de repouso diário reduzidos, o excesso de tempo de condução total acumulado semanal e bissemanal, a inexistência de pausa.
16. A arguida ministrou formação ao condutor AA em matéria de utilização/manuseamento do aparelho tacógrafo e das regras relativas aos tempos de condução e de repouso nos transportes rodoviários.”.
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B) O DIREITO
Aplica-se, ao caso, o regime processual das contra-ordenações laborais e de segurança social aprovado pela Lei nº 107/2009 de 14 de Setembro (designado de ora em diante RPCOL e diploma a que pertencerão os demais artigos a seguir referidos sem outra indicação de origem) e, por determinação do seu art. 60º, subsidiariamente, desde que o contrário dela não resulte, “…,são aplicáveis, com as devidas adaptações, os preceitos reguladores do processo de contra-ordenação previstos no regime geral das contra-ordenações.”, ou seja, no Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, (RGCO, forma como será designado de ora em diante) com as alterações introduzidas pelos Decretos-Lei nº 356/89, de 17 de Outubro e nº 244/95, de 14 de Setembro, e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro.
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Vejamos.
Comecemos, pela questão de saber se, a sentença recorrida é nula nos termos da al. c) do nº 1 do art. 379º do CPP.
Refira-se, desde logo, que a verificar-se, que a sentença recorrida está ferida da invocada nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos daquele art. 379º nº l al. c), impõe-se devolver o processo ao Tribunal “a quo” a fim de suprir a nulidade.
Avançando, dispõe o art.379º, nº1, al. c), do Código de Processo Penal, que é nula a sentença, “Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”.
Importa realçar que a nulidade de sentença por omissão de pronúncia refere-se a questões e não a razões ou argumentos invocados pela parte ou pelo sujeito processual em defesa do seu ponto de vista.
Já, a este propósito da nulidade de sentença por omissão de pronúncia, o Prof. Alberto dos Reis in Código de Processo Civil anotado”, vol. V, pág. 143, ensinava que, “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.”.
Conforme resulta, entre outros, dos acórdãos do STJ, de 09.03.2006, Proc. nº 06P461, e de 27.04.2011, Proc. nº 20/10.7S5LSB.S1, ambos in www.stj.pt e de 11.01.2000 in BMJ nº 493, pág. 385), é pacífico, também na jurisprudência, que esta nulidade não resulta da omissão de conhecimento de razões, mas sim de questões.
No caso em apreciação, defende a recorrente que a sentença enferma de tal vício porque o Tribunal “a quo” não teve em conta todos os elementos de prova apresentados pela recorrente com vista a ilidir a sua presunção de culpa, concretamente o testemunho por Videoconferência do Gestor de Tráfego e os Certificados de Formação do Trabalhador, juntos a folhas 201 a 204.
A Mª Juíza “a quo” pronunciou-se e, conforme consta do supra transcrito, não entendeu que tal ocorresse e, em nosso entender, com razão.
Pois, como é evidente, a questão colocada pela recorrente nada tem a ver com a arguida nulidade mas, antes, com a decisão sobre a matéria de facto, ou melhor dizendo, com o erro notório na apreciação da prova – art. 410º, nº1, al. c) do CPP – o que de seguida iremos tratar.
Improcede, deste modo, a arguida nulidade da sentença.
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Passemos, à análise da situação prevista na al. c) do nº1 do art. 410º do CPP
A este propósito alega a recorrente que, “o Tribunal a quo não apreciou criticamente duas provas fundamentais que, aliadas às demais, demonstram inequivocamente que a Recorrente tudo fez para cumprir com o seu dever de organizar o trabalho de modo a que o condutor pudesse cumprir com o disposto na Lei por força da Regulamentação Comunitária vigente.”.
No entanto, desde já, podemos adiantar, que em nosso entender, tal como o considerou o Ministério Público, a sentença recorrida não padece do vício invocado, nem de qualquer outro, nomeadamente, interpretação incorrecta ou indevida, quer dos factos ou da lei, susceptíveis de nulidade ou de determinar a sua revogação.
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Previamente, a prosseguirmos, apesar da ligação, “por vezes umbilical”, (como refere, António Beça Pereira in “Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas”, 2017 – 12ª ed., pág.237) com a (re)apreciação da matéria de facto, aquela regra (de conhecimento, apenas, da matéria de facto) cede nos casos em que se verifique a existência de vícios no julgamento da matéria de facto previstos no art. 410º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Nestes casos, ainda que, oficiosamente, a Relação deverá deles conhecer, podendo e devendo alterar a matéria de facto, se dispuser de todos os elementos probatórios necessários para o efeito, ou se não dispuser desses elementos, reenviando os autos à 1ª instância, para sanação do vício de acordo com o art. 426º daquele CPP.
Vejamos, então.
Os argumentos invocados pela recorrente, leva-nos a atender ao disposto no referido art. 410º, nº2, o qual prevê que: (…)
2 - Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
(…)
c) Erro notório na apreciação da prova.
(…)”.
É este o vício que a recorrente aponta à sentença, o qual pode ser conhecido pela Relação, no âmbito do recurso contra-ordenacional, como já dissemos.
O (Acórdão do STJ de 19.10.1995, in DR, I Série, de 28.12.1995), fixou jurisprudência no sentido de que o conhecimento dos vícios referidos no nº 2 do citado art. 410º do CPP é oficioso, mesmo nos casos em que o recurso se encontra limitado à matéria de direito.
Para análise, desta questão, importa desde logo ter presente, como se refere no (Acórdão do STJ de 17.03.2016), por apelo ao que foi dito no (Acórdão do mesmo Tribunal de 08.11.2006, Proc. nº 3102/06, da 3ª secção), que os vícios elencados naquele nº 2 do art. 410º “pertinem à matéria de facto; são anomalias decisórias ao nível da confecção da sentença, circunscritos à matéria de facto, apreensíveis pelo seu simples texto, sem recurso a quaisquer outros elementos a ela estranhos, impeditivos de bem se decidir tanto ao nível da matéria de facto como de direito.
(...).”
Ou seja, como decorre daquele citado artigo, o vício invocado – erro notório na apreciação da prova - tem que resultar do próprio texto da decisão recorrida.
Defende a recorrente, como já referido, que o Tribunal “a quo” não teve em conta todos os elementos de prova apresentados pela recorrente com vista a ilidir a sua presunção de culpa, concretamente o testemunho por Videoconferência do Gestor de Tráfego e os Certificados de Formação do Trabalhador.
Vejamos o teor da fundamentação à matéria de facto constante da decisão recorrida, a saber: “O Tribunal formou a sua convicção com base na análise e valoração da prova produzida nos autos, mais concretamente no depoimento das testemunhas CC e DD, militares da GNR, que participaram na fiscalização que deu origem às contraordenações em análise dos autos, tendo lavrado os respectivos autos, os quais, reportando-se a factos directamente constatados pelos agentes da autoridade que os redigiram, fazem fé em juízo. As testemunhas, de forma serena, ponderada e minuciosa confirmaram na íntegra a factualidade vertida nos mesmos autos, explicando, de forma perfeitamente coerente e consistente a metodologia adoptada e os resultados obtidos. Ambas as testemunhas referiram ainda que o condutor do veículo não deu qualquer explicação para comportamento que veio a resultar da leitura do tacógrafo, tendo ainda salientado que sendo o mesmo cidadão brasileiro nem sequer se encontrava devidamente habilitado, em termos de documentação nacional, a conduzir o veículo em causa, o qual já não foi conduzido por aquele condutor após a acção de fiscalização. Este ponto, se bem que não fazendo parte do objecto dos autos, revela, como demonstram as mais elementares regras de experiência que a arguida não teve, pelo menos no caso concreto, a preocupação, diligência e cuidados que lhe eram exigíveis e necessários na admissão e credenciação do condutor, para as funções que ia realizar. O legal representante da arguida, EE, disse que a arguida tem um programa informático, semelhante ao das autoridades policiais, para leitura dos tacógrafos, assim detectando as infracções cometidas pelos condutores, mais tendo referido que quando condutor do veículo sujeito a fiscalização compareceu nas instalações da autora com as “notificações” das infracções, foi “aberto um inquérito”. Tendo referido que o dito motorista tinha já duas formações na altura dos factos não precisou que tipo de formação lhe foi ministrada, âmbito, duração ou por quem. Como se refere na decisão administrativa impugnada, a ter existido a alegada formação, necessariamente existem registos das mesmas, não se compreendendo que não tenham sido juntas aos autos. E, note-se, que não integra o conceito de “formação”, para os efeitos pretendidos, qualquer alegada reunião e “conversa” (dure o tempo que durar, sobre a “condução” ou a “vida dentro da empresa”, como explanou o dito declarante. Mais referiu que é sempre passado um plano de viagem aos motoristas (e nesse sentido aponta a documentação junta aos autos pela arguida), com a hora e data de origem e hora e local de entrega e é-lhes entregue um manual e um roteiro. Efectivamente tal documentação consta dos autos. Não obstante, nada demonstra, de forma inequívoca que todo esse material tenha sido entregue, explicado e devidamente entendido e compreendido pelo condutor, como se impunha. Também referiu e não há qualquer razão para o Tribunal colocar em causa tal afirmação, que a arguida não tem qualquer interesse (económico ou outro) em que os motoristas não cumpram os tempos de descanso. No entanto, este factor é completamente irrelevante para a integração dos tipos contraordenacionais em causa aos quais estão subjacentes o descanso e a saúde dos trabalhadores, mas também, como nos parece evidente, a própria segurança estradal. Cumpre referir que o declarante nunca colocou em causa a prática das infracções em causa, atribuindo-as, contudo, a “meras distrações” e “lapsos” do condutor mas sem qualquer intenção de o mesmo não realizar os descansos obrigatórios, o que não deixa de expressar alguma displicência ou, pelo menos ligeireza relativamente às questões sub judice. Relevou ainda a consulta ao Registo Nacional de Infratores constante da base de dados do sistema informático da ACT (SI), que se encontra junto aos autos, bem como os Anexos A e O do Relatório Único, Ano de 2021 da arguida, também juntos aos autos. Relativamente à factualidade dada como não provada, não se produziu qualquer prova consistente, sólida, credível e isenta de dúvida sobre a mesma, sendo que, no caso concreto, por força das disposições legais em vigor, abaixo referenciadas e referentes à responsabilização do empregador, a não prova dos factos alegados pela arguida, permite a conclusão certa e segura de que a mesma não actuou com o cuidado necessário, a que estava obrigada, e que poderia e deveria cumprir. Diga-se ainda que a declaração junta pelo condutor do veículo tem um valor probatório nulo para afastamento da presunção de responsabilidade da entidade patronal: declarar que recebeu da empresa, a informação relativa aos Cursos de Formação Elearning 2021, apenas permite concluir isso mesmo – que a arguida o informou da existências dos ditos cursos e não que o condutor os tenha efectivamente frequentado; ter acesso a uma plataforma de informação não significa que a ela tenha efectivamente acedido e, mais importante, que tal acesso tenha sido útil e eficaz para apreensão das regras atinentes à imperativa necessidade de respeitar os tempos de descanso; comprometer-se “a aceder à plataforma e efetuar os cursos de formação disponibilizados na mesma.” não passa de um compromisso ou mera declaração de intenções sem qualquer relevância ou conteúdo, antes podendo levar a intuir que a formação dos condutores era deixada ao seu critério e vontade e não realmente assegurada pela arguida” (FIM DE CITAÇÃO)
Resulta do acabado de transcrever que a Mª Juíza “a quo” formou a sua convicção com base nas provas produzidas nos autos, verificando que a recorrente não juntou aos autos qualquer prova documental no sentido de permitir concluir quais as formações que o motorista teve, em que tempo e em que lugar, e respetiva duração, não tendo a documentação junta essa virtualidade como bem se explica e fez constar na citação que antecede. Pois, contrariamente ao que defende a recorrente, as cópias juntas a fls. 201-204, apelidadas de “acção de formação” não demonstram outra coisa que não seja, uma alegada convocatória efectuada ao motorista para assistir a acções de formação que o mesmo assina, sem qualquer certificação de que tenham ocorrido.
Por isso, não poderia o Tribunal “a quo” atender a esses elementos de prova que nunca chegaram a ser juntos pela arguida.
Relativamente ao depoimento do Gestor de Tráfego da arguida a fundamentação da matéria de facto não alude ao mesmo, mas refere, expressamente, que “relativamente à factualidade dada como não provada, não se produziu qualquer prova consistente, sólida, credível e isenta de dúvida sobre a mesma”, a significar que no que toca a ter ilidido a presunção de culpa a recorrente não produziu qualquer prova nesse sentido (como decorre da matéria de facto dada como não provada).
Aliás, da acta de julgamento, de dia 11.05.2023, resulta que o Gestor de Tráfego não prestou depoimento perante o Tribunal “a quo”, (a testemunha foi prescindida pelo ilustre defensor da recorrente) pelo que, nunca o seu depoimento poderia ser valorado pelo Tribunal “a quo”, tendo em conta o princípio de que todas as provas, para relevarem, são produzidas em audiência.
Assim sendo, não se verifica o alegado vício (erro notório da apreciação da prova).
E, deste modo, improcede o recurso.
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III - DECISÃO
Em face do exposto, julga-se o recurso improcedente e confirma-se a decisão recorrida.
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Custas a cargo da recorrente.
Após trânsito em julgado deste Acórdão, comunique à ACT, com cópia certificada do mesmo.
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Porto, 19 de Dezembro de 2023
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O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos,
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão