Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1167/20.7T8VCD-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA ALMEIDA
Descritores: PROCESSO DE INVENTÁRIO
PARTILHA SUBSEQUENTE A DIVÓRCIO
INCIDENTE
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP202104261167/20.7T8VCD-A.P1
Data do Acordão: 04/26/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: O crédito indemnizatório que decorre do disposto no n.º 2 do art. 1676.º CPC deve exercer-se através de incidente ao processo de inventário, quando a partilha não seja atingida por acordo entre os ex-cônjuges.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1167/20.7T8VCD-A.P1

Sumário do acórdão elaborado pela sua relatora nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
Por apenso aos autos de inventário subsequente a processo de divórcio entre B… e C…, veio esta apresentar o que denominou por incidente para FIXAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO COMPENSATÓRIA entre cônjuges, nos termos do disposto nos artigos art.º 1676.º, nºs 2 e 3 do CC.
Por via deste, pretende obter do requerido uma indemnização de € 45.000,00, por entender que, enquanto casada, dedicou todo o seu tempo à família que constituiu com o Requerido, tendo perdido oportunidade de estudar e de alcançar habilitações suficientes para se candidatar no mercado de trabalho a empregos técnicos, o que agora a impede de seguir uma das várias profissões para a qual angariaria habilitações.
A 16.11.2020, foi proferido o seguinte despacho:
Os presentes autos foram instaurados por apenso aos autos de inventário.
De acordo com o disposto no art. 206º, nº 2 do Código de Processo Civil as causas que por lei ou por despacho devam considerar-se dependentes de outras são apensadas àquelas de que dependam.
Ora, a Lei nº 117/2019, de 13/09 não prevê qualquer tipo de apensação dos autos de inventário, nomeadamente acção de fixação de indemnização.
Pelo exposto, e de acordo com o disposto no art. 210º, al. a), do Código de Processo Civil, notifique e, após trânsito, proceda-se à desapensação dos presentes autos e remeta os mesmos à secção central a fim de serem distribuídos na espécie correcta, dando-se baixa da actual.

Deste despacho recorre a requerente, visando a sua revogação e que o incidente prossiga os seus termos por apenso ao processo de inventário em que foi deduzido.
Para tanto, argumentou da forma que sintetizou na seguinte conclusão:
A existência e montante do crédito compensatório a que alude o artigo 1676º nº 2 do CC, deverão ser pedidos no processo de inventário para partilha de meações, quando a ele haja lugar, através de incidente autónomo, a processar por apenso, nos termos do disposto no artigo 1676º nº 3 do CC, que a decisão recorrida violou.
Não foram apresentadas contra-alegações.

Os autos correram vistos legais.

Questões a decidir:
Do exercício processual do crédito compensatório previsto no n.º 2 do art. 1676.º CC.

Fundamentação
Fundamentos de facto:
Os factos que interessam à decisão ficaram plasmados supra aquando da exposição do iter processual.

Fundamentos de direito:
Segundo o disposto no artigo 1676.º, n.º 2, do Código Civil, se a contribuição de um dos cônjuges para os encargos da vida familiar for consideravelmente superior ao do outro, por ter renunciado de forma excessiva à satisfação dos seus interesses em favor da vida em comum, designadamente à sua vida profissional, com prejuízos patrimoniais importantes, esse cônjuge tem direito de exigir do outro a correspondente compensação.
O n.º 3 do artigo 1676.º do CC refere que a compensação será exigível no momento da partilha, a não ser que vigore o regime da separação. Trata-se de um regime semelhante ao estabelecido para as compensações devidas pelo pagamento de dívidas do casal, cujos créditos só são exigíveis no momento da partilha, nos termos do art. 1697.º, n.º 1, do CC.
A recorrente entende que a forma de exercitar este direito é na partilha, constituindo aí um incidente e, mais ainda, um incidente a correr por apenso.
O juiz de primeira instância entendeu que o apenso não é admissível e ordenou a remessa do incidente à distribuição sem mencionar a espécie de processamento a decorrer posteriormente.
A questão tem sido debatida e parece não restar dúvida de que a forma processualmente válida de exigir este crédito é na partilha e, por isso, constituirá aí um incidente.
A este respeito, escreve Sandra Passinhas: “a compensação é, pois, feita após a extinção do casamento e terá, normalmente, lugar na partilha do património conjugal. Será um incidente no processo de inventário com alguma complexidade, é certo, e em alguns casos a discutir nos meios comuns”[1].
Também a jurisprudência se pronuncia sobre a exigibilidade do crédito na partilha.
No ac. RL, de 14.4.2011, Proc. 2604/08.4TMLSB-A.L1-2, em cujo sumário se lê: 1-O “crédito de compensação” do nº 2 do art 1676º CC (na redacção da L 61/2008 de 31/10), corresponde, apesar da sua designação de “compensação”, a um crédito entre os cônjuges, que tem de particular, por ser directamente um efeito do divórcio, só poder ser exigido no fim do casamento.
2-A exigência do crédito em referência terá lugar no processo de inventário, quando a partilha não seja atingida por acordo entre os ex-cônjuges.
3- Terá lugar por incidente, mas não propriamente pelo incidente a que se referem os arts 1349º e 1350º CPC, antes por um incidente autónomo.
4-Se (a não) complexidade da matéria desse incidente o permitir, será a existência e montante do crédito em causa decidido no inventário, pelo que se aplicará à subsequente partilha a regra do nº 3 do art 1689º CC.
5-Se, pelo contrário, a excessiva complexidade da matéria desse incidente não permitir uma decisão incidental segura, haverá que remeter os interessados para os meios comuns.
No ac. RG, de 18.10.2011, Proc. 1681/09.5TBBCL.G1: Julgamos decisiva, no sentido da bondade da interpretação de que o legislador pretendeu que o próprio reconhecimento do direito à compensação deva ser efectuado em sede de partilhas. No mesmo sentido, embora não aprofundando as razões da opção, o acórdão da Relação de Lisboa de 14.04.2011 (Teresa Albuquerque), in dgsi.pt – “o crédito de compensação do nº 2 do art 1676º CC (na redacção da L 61/2008 de 31/10), corresponde, apesar da sua designação de “compensação”, a um crédito entre os cônjuges, que tem de particular, por ser directamente um efeito do divórcio, só poder ser exigido no fim do casamento; a exigência do crédito em referência terá lugar no processo de inventário, quando a partilha não seja atingida por acordo entre os ex-cônjuges”. Tomé de Almeida Ramião, in O Divórcio e Questões Conexas, Quid Juris, 2009, pág. 112, sustenta que deverá ser processado como um incidente do processo de inventário, uma consideração de ordem funcional. Terá sido a afinidade das matérias a serem abordadas que ditou essa opção. Por se entender que é no processo onde se discutem e avaliam os bens comuns do casal que, com mais propriedade, se poderá apurar a situação patrimonial dos cônjuges durante o casamento, ajuizando dos encargos da vida familiar e da contribuição de cada um dos cônjuges para a satisfação dos mesmos, que são os elementos a ponderar para efeito da atribuição do referido direito a compensação.
Aliás, é significativa, apontando nesse sentido, a passagem da exposição de motivos do projecto daquele diploma Projecto de Lei nº 509/X. em que se diz que “este é apenas um caso em que se aplica o princípio geral de que os movimentos de enriquecimento ou de empobrecimento que ocorrem, por razões diversas, durante o casamento, não devem deixar de ser compensados no momento em que se acertam as contas finais do património”.
Ainda na mesma linha, refere Cristina Dias O Crédito pela Compensação do Trabalho Doméstico na Constância do Matrimónio, na colectânea Uma Análise Crítica do Novo Regime Jurídico do Divórcio, Wolters Kluwer/Coimbra Editora, 2010, pág. 206, que “a compensação aparecerá, no momento da liquidação e partilha, ou como um crédito da comunhão face ao património próprio de um dos cônjuges ou como uma dívida da comunhão face a tal património, permitindo que, no fim, uma massa de bens não enriqueça injustamente em detrimento e à custa de outra”.
Tratando-se de incidente da partilha, veja-se que a partilha de bens comuns do casal se processa através de inventário (art. 1082.º d) CPC).
Aos incidentes no processo de inventário dedica-se o disposto no art. 1091.º que estipula que:
1 - Aos incidentes do processo aplica-se, salvo indicação em contrário, o disposto nos artigos 292.º a 295.º
2 - A dedução de um incidente implica a suspensão da instância sempre que o juiz assim o determinar, por considerá-la conveniente, e fixar o momento a partir do qual a mesma opera.
Ora, nem as normas relativas ao processo de inventário, nem as relativas aos incidentes se referem ao processamento destes por apenso, mas sim à sua tramitação no próprio processo em que se inserem.
Assim, pode concluir-se que o crédito indemnizatório que decorre do disposto no n.º 2 do art. 1676.º CPC deve exercer-se através de incidente ao processo de inventário, não assistindo razão ao tribunal de primeira instância quando pretende tratar-se de ação autónoma a distribuir fora dos autos de inventário.
O incidente em causa, sendo autónomo do inventário, não se processa por apenso, mas integrado naqueles autos, razão porque se não determina, como pretendido pela recorrente, que o incidente continue processado por apenso.

Dispositivo
Pelo exposto, decidem os Juízes deste Tribunal da Relação revogar o despacho recorrido, substituindo-o por outro que considera a pretensão da recorrente um incidente do processo de inventário.
Sem custas.

Porto, 26.4.2021
Fernanda Almeida
António Eleutério
Maria José Simões
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[1] O CRÉDITO COMPENSATÓRIO PREVISTO NO ARTIGO 1676, n.º 2, DO CÓDIGO CIVIL PORTUGUÊS: O QUE O LEGISLADOR DISSE E O QUE REALMENTE QUIS DIZER, Actualidad Jurídica Iberoamericana, ISSN 2386-4567, IDIBE, núm. 6, feb. 2017, p. 78, disponível em https://www.fd.uc.pt/~sandrap/pdfs/Sandra_Passinhas_pp_70-89.pdf