Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
12400/21.8T8PRT-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: CUMULAÇÃO DE EXECUÇÕES
EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA
EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO
Nº do Documento: RP2021121512400/21.8T8PRT-B.P1
Data do Acordão: 12/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5.º SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A cumulação simples de pedidos ou de execuções, só é admitida quando, além da verificação de outros pressupostos, a espécie de ação executiva de cada um dos pedidos for a mesma, ou seja, não podem cumular-se execuções que não tenham o mesmo dum dos fins previstos no artigo 10.º, nº 6 do CPCivil a saber: pagamento de quantia certa, entrega de coisa certa ou prestação de facto, quer positivo, quer negativo.
II - Não pode, pois, pedir-se na mesma acção executiva, o pagamento de quantia e a entrega de coisa ou a prestação dum facto, nem esta prestação e aquela entrega.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 12400/21.8T8PRT.B-P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo de Execução do Porto-J5
Relator: Des. Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Miguel Baldaia
2º Adjunto Des. Jorge Seabra

Sumário:
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I - RELATÓRIO
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
Condomínio do Edifício B..., com sede na Rua …., nº …, ..º ...º, Porto, instaurou a presente execução para prestação de facto e pagamento da quantia certa contra C...- Empreendimentos, S.A., com sede na Avenida …., …., ..º Matosinhos.
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Conclusos os autos foi proferido o seguinte despacho liminar:
“Para além da questão suscitada pelo Sr. Agente de Execução, relacionada com a sanção pecuniária compulsória (que, pelas razões a seguir mencionadas, julgamos não ser devida por se tratar de prestação de facto fungível), importa também tomar posição quanto à cumulação da execução para prestação de facto com a execução para pagamento de quantia certa relacionada com o pagamento termo da obra, a qual não poderá ter lugar na presente ação executiva atendendo ao estatuído no artigo 709º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil), sendo a cumulação permitida apenas nos casos expressamente previstos no artigo 868º, nº 1, do citado diploma (indemnização moratória ou a indemnização do dano).
Relativamente ao pedido de condenação da executada no pagamento do valor diário de 150,00 a título de sanção pecuniária compulsória, entendemos não ter o mesmo aplicabilidade no âmbito dos presentes autos, pelo que deverá ser desde já indeferido.
Com efeito, não poderá ignorar-se que, em conformidade com o teor do título executivo, a obrigação que a executada alegadamente ainda não cumpriu traduz-se na realização de trabalhos de construção civil, os quais, têm uma natureza fungível, já que podem ser efetuados por pessoa diferente da executada.
E assim sendo, como salientam José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, em anotação ao disposto no artigo 933º, do Código de Processo Civil Anotado, Volume 3º, p. 657, na interpretação do nº 1, há que ter em conta, em primeiro lugar, a distinção entre a obrigação de prestação de facto fungível, isto é, insubstituível por uma prestação de terceiro por lhe ser essencial a pessoa do devedor, e a obrigação de prestação de facto fungível, em que a prestação por terceiro pode igualmente satisfazer o interesse do credor.
No caso de facto fungível, prosseguem os mesmos autores no lugar e obra citados, o credor tem a opção, que literalmente se vê consagrada no nº 1, entre a execução específica (por outrem) e a indemnização compensatória.
E assim sendo, a pretendida sanção pecuniária compulsória não será devida, uma vez que, como se deixou já salientado, estamos em presença de uma obrigação de natureza fungível e a referida sanção, como claramente resulta do disposto no artigo 829º-A, do Código Civil, apenas está prevista nas obrigações de prestação de facto infungível (nº 1) ou quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente (nº 2).
Nessa conformidade e em face de todo o exposto, decide-se indeferir o requerimento executivo na parte em que o exequente requer a condenação 150,00 diários a título de sanção pecuniária compulsória.
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No que se refere à cumulação da execução para prestação de facto com a execução para pagamento de quantia certa relacionada com o pagamento, pelas razões supra referidas, deverá considerar-se a mesma ilegal por violação do disposto no artigo 709º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil, pelo que, também nesta parte, se decide indeferir o requerimento executivo.
Custas, nesta parte, pelo exequente na proporção do respetivo decaimento (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Notifique”.
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Não se conformando com o assim decidido veio o exequente interpor o presente recurso rematando com as seguintes conclusões:
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Apresentadas as contra-alegações não foram as mesmas admitidas conforme despacho exarado nos autos.
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Foram dispensados os vistos legais.
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II - FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 3, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação é apenas uma a questão que importa apreciar e decidir:
a)- saber se havia, ou não, fundamento para o indeferimento liminar no segmento que indeferiu a cumulação de execuções.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Para a decisão da questão supra enunciada importa ter em consideração o acervo factual que consta do relatório supra e que aqui se dá integralmente por reproduzido.
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III. O DIREITO
Como supra se referiu é apenas uma a questão que importa apreciar e decidir:
a)- saber se havia, ou não, fundamento para o indeferimento liminar no segmento que indeferiu a cumulação de execuções.
Na decisão recorrida propendeu-se para o entendimento de que não era possível a cumulação de execuções por se verificar a excepção da al. b) do nº 1 do artigo 709.º do CPCivil, ou seja, as execuções tinham fins diferentes.
É contra este entendimento que se insurge o recorrente, alegando que a cumulação era permitida por se estar perante a verificação da facti species do nº 1 do artigo 868.º do CPCivil, isto é, tratando-se, de prestação de factos fungível, o credor pode requerer a prestação por outrem do facto, bem como pedir uma indemnização.
Quid iruis?
Salvo o devido respeito, por diferente opinião, a razão está do lado do tribunal recorrido.
Analisando.
Decorre dos termos do artigo 709.º, do CPCivil, que é permitido ao credor, ou a vários credores litisconsortes, cumular execuções ainda que fundadas em títulos diferentes, contra o mesmo devedor ou contra vários devedores litisconsortes, salvo quando:
a)- ocorrer a incompetência absoluta do tribunal;
b)- as execuções tiverem fins diferentes;
c)- a alguma das execuções corresponder processo especial diferente do processo que deva ser empregado quanto às outras, sem prejuízo do disposto no artigo 37, n.ºs 2 e 3;
d)- a execução da decisão judicial ocorra nos próprios autos.
Ou seja, a cumulação simples de pedidos ou de execuções, só é admitida quando, além da verificação de outros pressupostos, a espécie de ação executiva de cada um dos pedidos for a mesma, ou seja, não podem cumular-se execuções que não tenham o mesmo dum dos fins previstos no artigo 10.º, nº 6 do CPCivil: pagamento de quantia certa, entrega de coisa certa ou prestação de facto, quer positivo, quer negativo.
Não pode, pois, pedir-se na mesma acção executiva, o pagamento de quantia e a entrega de coisa ou a prestação dum facto, nem esta prestação e aquela entrega.[1]
Acontece que, na presente execução o exequente pediu a prestação de facto por outrem e o pagamento da quantia certa, coisa que, sem margem para qualquer tergiversação, resulta do requerimento executivo, onde se assinala:
“IV- Prestação por outrem – artigo 868.º do C.P.C..;
V- Cláusula Penal;
VI- Do pagamento dos custos mensais de €1.500,00 até termo da obra.
(…)”
Obtempera a este respeito o recorrente que esta acumulação é permitida pelo artigo 868.º nº 1 do CPCivil, dado que o pagamento do referido custo mensal de €1.500,00 se refere a um pedido de indemnização que respeita às consequências da demora pelo atraso levado a cabo pela executada na execução da obra.
Não se acompanha, todavia, este entendimento.
O titulo dado à execução é uma escritura de Hipoteca Voluntária Unilateral com Assunção de Obrigações por banda da executada, celebrada em 23 de Julho de 2020, no Cartório Notarial do Porto.
Estatui o artigo 10.º, n.º 5, do CPCivil que “toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva”.
Além de outras, o título executivo (documento certificativo da obrigação exequenda) tem uma função delimitadora, pois é por ele que se determina o fim e os limites, objectivos e subjectivos, da execução.
O título executivo, em regra, deve ser “autossuficiente no que concerne à determinação do objecto e finalidade da execução, tal como deve revelar, por si, os sujeitos activo e passivo da relação obrigacional, correspondendo à necessidade de se encontrar assegurada, com apreciável grau de probabilidade, a existência e o conteúdo da obrigação. A análise do título deve permitir apurar, sem necessidade de mais indagações, tanto o fim como os limites da ação executiva (…), para além da identidade do credor e do devedor”.[2]
Como diz Lebre de Freitas[3] o acertamento é o ponto de partida da acção executiva, pois a realização coactiva da prestação pressupõe a anterior definição dos elementos (subjectivos e objectivos) da relação jurídica de que ela é objecto. O título executivo contém esse acertamento.[4]
O objecto da execução tem de corresponder, por conseguinte, ao objecto da situação jurídica acertada no título.
O título executivo é o documento do qual consta a exequibilidade de uma pretensão e, consequentemente, a possibilidade de realização coactiva da correspondente prestação através de uma acção executiva.
Ele cumpre uma função constitutiva, atribuindo exequibilidade a uma pretensão e possibilitando que a correspondente prestação seja realizada através de medidas coactivas impostas ao executado pelo tribunal.
A exequibilidade extrínseca da pretensão é conferida pela incorporação da pretensão num título executivo, ou seja, num documento que formaliza por via legal, a faculdade da realização coactiva da prestação não cumprida.
Ora, do ponto 8. da referida “Assunção de Obrigações” o que se verifica é que os referidos € 1.500,00 mensais representam os custos acrescidos de fiscalização que o recorrente terá de suportar no prolongamento das obras de reparação, contados desde 1 de Maio de 2020 até ao termo da obra.[5]
Portanto, ao contrário do que alega o recorrente, a referida quantia de €1.500,00 mensais não representa qualquer indemnização pelo atraso levado a cabo pela executada na execução da obra, razão pela qual não se insere na facti species do nº 1 do artigo 868.º do CPCivil.
Significa, pois, que se trata, neste segmento, de uma verdadeira execução para pagamento de quantia certa, fixada no título e não de qualquer indemnização pelo dano sofrido com a não realização da prestação, isto é, das obras que e que se encontram ainda por executar ou que foram executadas deficientemente.
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Destarte, improcedem, assim, todas as conclusões formuladas pelo recorrente e, com elas, o respectivo recurso.
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IV - DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação interposta improcedente por não provada e, consequentemente confirmar a decisão recorrida.
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Custas pelo apelante (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 15 de Dezembro de 2021
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais (dispensei o visto)
Jorge Seabra (dispensei o visto)
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[1] Cfr. Lebre de Freitas, A Ação Executiva, pag. 121 e Eurico Lopes Cardoso in Manual da Acção Executiva, pág. 107.
[2] Cfr. A.S. Abrantes Geraldes, L.F. Pires de Sousa e P. Pimenta, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Almedina, 2020, pág. 70.
[3] In A Acção Executiva, Coimbra Editora, pág. 29 e ss.
[4] A pretensão material está acertada, sobre ela não devendo ter lugar mais nenhuma controvérsia no processo de execução.
[5] O referido ponto tem a seguinte redacção: “Como contrapartida pelos custos acrescidos de fiscalização que o Condomínio do Edifício B… terá que suportar, na decorrência do prolongar das obras de reparação, a C… EMPREENDIMENTOS, S.A. obriga-se a pagar ao Condomínio do Edifício B… a quantia de €1.500,00 mensais, contados desde 01 de maio de 2020 até ao termo da obra, sendo que a quantia já vencida será liquidada no prazo máximo de 10 dias a contar da data da assinatura do presente acordo e as quantias vincendas serão liquidadas ao dia 10 de cada mês, com inicio em agosto de 2020”.