Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
105/23.0GDGDM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: WILLIAM THEMUDO GILMAN
Descritores: PENA DE PRISÃO
EXECUÇÃO DA PENA
REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
REGRA
PRESSUPOSTOS
Nº do Documento: RP20250507105/23.0GDGDM.P1
Data do Acordão: 05/07/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A regra é a de que a execução das penas de prisão até dois anos tem lugar através do regime de permanência na habitação (RPHVE), constituindo o cumprimento em estabelecimento prisional a exceção.
II - O mero facto de se ter sofrido uma condenação anterior a cumprir em regime de permanência na habitação não obriga, de per si, que a seguinte tenha de ser cumprida na cadeia.
III - Só quando o tribunal chegar à conclusão de que a execução da pena privativa da liberdade na habitação se mostra desadequada, v.g. por falta de condições de exequibilidade, ou insuficiente para satisfazer as finalidades de prevenção é que pode optar pela execução dentro dos muros da cadeia.
IV - Tendo o recorrente cometido os crimes dos autos (condução sem habilitação legal e condução perigosa) no momento em que se encontrava privado da liberdade em prisão domiciliária (RPHVE), ausentando-se da mesma para, além do mais, os cometer e ainda por cima da mesma natureza daquele pelo qual se encontrava privado da liberdade, forçoso é concluir que a obrigação de permanência na habitação é insuficiente para satisfazer as finalidades de prevenção e terá de se optar pela execução dentro dos muros da cadeia.

(Sumário da responsabilidade do Relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 105/23.0GDGDM.P1

Relator: William Themudo Gilman

1º Adjunto: Elsa Paixão

2º Adjunto: José António Rodrigues da Cunha


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Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:

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1-RELATÓRIO

No Processo Comum (Tribunal Singular) nº 105/23.0GDGDM do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo Local Criminal de Gondomar - Juiz 1, após julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

«1.Condenar o arguido, AA, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artº.3º, nº.1 e 2 do DL 2/98, de 3.01 e artigo 121º, nº.1 do Código da Estrada, na pena de 18 meses de prisão.

2.Condenar o arguido, AA pela pratica de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. nos artigos 291º, n.º 1, do Código Penal, na pena 12 meses de prisão

3.Condenar o arguido AA, em cumulo jurídico das penas referidas em 1. e 2., na pena única de 21 meses de prisão.

4.Condenar o arguido no pagamento das custas criminais do processo, nomeadamente em taxa de justiça que se fixa em 2 UC´s, nos termos dos artigos 513º, nº 1 do Código de Processo Penal e artigo 8º do Regulamento das custas Processuais e respectiva tabela anexa, reduzida a metade atenta a confissão operada.


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Não se conformando com esta sentença, o arguido recorreu para este Tribunal da Relação, concluindo na sua motivação o seguinte (transcrição):

«1º. Os crimes praticados pelo Arguido – condução sem habilitação legal e condução perigosa de veículo rodoviário – revestem um carácter de menor gravidade, considerando que destes não resultaram quaisquer consequências gravosas para a sociedade.

2º. Além disso, a sentença recorrida deveria ter atendido ao facto de que não foi causado nenhum dano que este inscreveu-se em escola de condução, não ficou demonstrado qualquer perigo causado, e ainda confessou integralmente os factos o que significa que a gravidade e ilicitude do crime praticado pelo Recorrente se revelam reduzidas! Estas circunstâncias atenuantes deveriam ter sido tomadas em consideração na escolha e determinação da medida da pena, o que não sucedeu.

3º. O artigo 71º do Código Penal fornece o critério para encontrar a medida concreta da pena, decorrendo do mesmo que o limite máximo da pena, dentro da moldura abstrata, terá que se adequar à culpa, e não poderá ser ultrapassado por considerações de prevenção especial ou geral.

4º. Assim, a medida da pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa e há que ter em conta as exigências de prevenção geral e especial (artigo 71º nº1 do Código Penal), sendo a culpa concreta do arguido que determina a moldura da punição, dentro da qual se atenderá as exigências dos fins de prevenção.

5º. A delimitação daquela moldura, ou seja, a produção concreta da pena em função da culpa, far-se-á tendo em atenção todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do arguido ou contra ele.

6º. Como supra se expôs, importa voltar a salientar que o Arguido beneficia de diversas circunstâncias atenuantes da sua conduta, as quais deveriam ter sido levadas em consideração pelo Tribunal a quo .

7º. Assim não sucedendo, violou a douta decisão recorrida o disposto nos artigos 369º CPP e 70º e 71º Código Penal, uma vez que determinou a pena aplicada ao Arguido fora dos parâmetros legalmente admissíveis.

8º. Pelo que, perante tudo o exposto, deverá a pena de prisão ser suspensa na sua execução, por igual período, verificando-se preenchidos os pressupostos que fazem depender a sua aplicação, nos termos do disposto no art. 50.º e ss. Do Código Penal, dando-se por integralmente reproduzido o supradito, ainda que a requerida suspensão ficasse sujeita a deveres, regras de conduta, regime de prova e ainda obedecendo a um plano de reinserção social, conforme o disposto nos artigos 51º, 52º, 53º e 54º do Código Penal.

9º. A suspensão da pena de prisão concedida nestes termos satisfaria de um modo adequado as finalidades da punição!

10º. A prevalência no problema da escolha da pena não pode deixar de ser atribuída a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo elas que justificam, na perspetiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão.

11º. Mais, a prevenção geral sempre sob a forma de conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, surge como limite à atuação das exigências de prevenção especial de socialização.

12º. Verifica-se, assim, que as exigências de prevenção no caso concreto se revelam reduzidas, e não poderiam ter levado, salvo o devido respeito por opinião contrária, à aplicação ao Arguido de pena de prisão superior a um ano em cúmulo jurídico.

13º. Que, por sua vez, poderia e deveria ter sido comutada por uma das penas substitutivas existentes no nosso enquadramento jurídico-penal, como sejam o regime de permanência na habitação, previsto no art.º 43.º, do CP, a substituição da pena de prisão por pena de multa, prevista no art. 45.º CP, a prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos do disposto no art.º 58.º, do CP, penas que, de acordo com o analisado e tendo em vista as finalidades essenciais da aplicação da pena, se revelariam adequadas e suficientes no caso concreto.

14º. Atentas as circunstâncias do crime, o grau de ilicitude, o desvalor das consequências do ilícito, aferidas pelo diminuto valor dos bens, deveria ter-se lançado mão de outras soluções que se mostrassem mais adequadas do que a pena concretamente aplicada.

15º. Não nos podemos esquecer dos efeitos nefastos das prisões e ao facto de que a todos os cidadãos deve ser dada uma oportunidade de se regenerar e deste modo tornar-se útil para a sociedade. Assim, sempre seria razoável, aceitável e até compreendido pela comunidade em geral, que o Estado assumisse o seu papel de educador, e ao mesmo tempo exercendo a sua função punitiva, se desse ao Arguido a possibilidade de optar em detrimento da cadeia, por trabalhar!

16º. A suspensão da pena deve ser encarada como uma oportunidade para a reintegração do Arguido na sociedade, enquanto a pena de prisão pode contribuir para um agravamento da sua situação de exclusão social.

17º. Quanto a esta matéria, é ainda importante referir que a substituição da pena de prisão pela prestação de trabalho a favor da comunidade também satisfaria de modo adequado as finalidades da punição.

18º. No caso concreto entende-se que a suspensão da execução da pena de prisão, acrescida de imposição de regras de conduta, satisfaria as necessidades de reprovação do crime, enquanto que a pena de prisão se configura, perante as circunstâncias evidenciadas, acima de tudo, nefasta para a sua ressocialização.

19º. Assim, deve a douta sentença em crise em crise ser revogada e substituída por outra que condene o Arguido em pena de prisão suspensa na sua execução.

20º. Fundamenta o Arguido esta sua pretensão na errada interpretação, aplicação e subsunção jurídica dos factos ao direito da decisão recorrida, designadamente das normas elencadas nos arts.º 1.º, 40.º, 41.º e ss., 50.º e ss., 58.º e ss. e 70.º e ss. do Código Penal.

SEM PRESCINDIR, CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA,

21º. Com respeito pela decisão do Tribunal a quo, é entendimento da defesa, suportado na doutrina e jurisprudência, que no caso em concreto, em caso de condenação do Recorrente, nunca deveria ter sido este condenado numa pena em cúmulo jurídico superior a 1 (um) ano de prisão.

22º. Nunca o Arguido deveria ser condenado em pena de prisão superior em cúmulo superior a um ano, uma vez que, atentas as circunstâncias do caso vertente, a pena concretamente aplicada mostra-se manifestamente exagerada.

23º. As exigências de prevenção especial positiva devem atuar firmemente na determinação concreta na medida da pena, ou seja, critérios atinentes com a necessidade de socialização do Arguido devem ser tomados em consideração aquando da adoção da sanção criminal, não esquecendo, como é óbvio, o limite inultrapassável de qualquer pena, ou seja, o grau de culpa do agente no caso concreto.

24º. Tendo em conta estes vetores, mal andou a Sentença recorrida quando aplicou ao ora recorrente uma pena de 21 meses de prisão efetiva em cúmulo jurídico.

25º. Os factos que deram azo à decisão ora recorrida não justificam a adoção de uma medida punitiva tão desproporcional, concebendo-se perfeitamente como restauradora da paz jurídica e do sentimento de estabilização das expectativas comunitárias a aplicação de uma pena não privativa da liberdade.

26º. Perante o exposto, deve a sentença em crise ser revogada e substituída por outra que condene o Recorrente numa pena de prisão nunca superior a 1 (um) ano de prisão em cúmulo jurídico.

27º. Fundamenta o Arguido esta sua pretensão na errada interpretação, aplicação e subsunção jurídica dos factos ao direito da sentença recorrida, designadamente das normas elencadas nos arts.º1.º, 40.º e 70.º e ss. do Código Penal.

TERMOS EM QUE,

Deve ser revogada a sentença recorrida, substituindo-a por um que SUSPENDA A EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO em que o Recorrente foi condenado nos termos acima requeridos e de acordo com a legislação vigente, farão Vossas Excelências a habitual JUSTIÇA !

CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, SEMPRE SEM PRESCINDIR,

Revogando revogada a sentença recorrida, substituindo-a por uma que CONDENE O RECORRENTE NUMA PENA ÚNICA NUNCA SUPERIOR A 1 (UM) ANO DE PRISÃO nos termos acima requeridos e de acordo com a legislação vigente, farão Vossas Excelências a habitual JUSTIÇA!»


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O Ministério Público concluiu as suas alegações de resposta nos seguintes termos:

«1. No âmbito dos presentes autos, foi o arguido AA condenado pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3º, nº.1 e 2 do DL 2/98, de 3 de Janeiro e artigo 121º, nº.1 do Código da Estrada, na pena de 18 meses de prisão, e de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelo artigo 291º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 12 meses de prisão, tendo sido condenado na pena única de 21 meses de prisão.

2. Para atingir tal desiderato o Tribunal a quo considerando, por um lado, as elevadas necessidades de prevenção geral, por outro, a moderada ilicitude da conduta do arguido, e por fim, o historial criminológico averbado no seu CRC, concluiu existir uma necessidade premente de pôr cobro a comportamentos ilícitos por parte do arguido.

3. Consequentemente, considerou o Tribunal a quo que a pena de multa não satisfazia as necessidades de prevenção que se faziam sentir, e por conseguinte, que somente uma pena detentiva seria suficiente para que fosse alcançado os efeitos que se pretendem obter com a reação criminal.

4. Perscrutando o teor da sentença condenatória, é possível verificar que a mesma analisa, refletida e corretamente, as necessidades de prevenção geral, classificando as mesmas como extremamente elevadas, considerando, por um lado, os bens jurídicos protegidos pelas incriminações, por outro, a frequência com que estes crimes têm tido lugar, e por fim, a necessidade de dissuadir os cidadãos de um relacionamento social disfuncional, razão pela qual conclui ser premente uma reafirmação da confiança da comunidade na validade das normas jurídicas violadas.

5. Por outro lado, verifica-se, de igual forma, que a decisão recorrida examinou ao pormenor as necessidades de prevenção especial existentes nos autos, nomeadamente, o historial criminológico do arguido já referido, bem como o facto de a sua integração social e familiar não ter sido suficiente para o impedir de praticar novos crimes.

6. Assim, atendendo, por um lado, ao historial criminológico do arguido, o qual evidencia uma persistência constante no cometimento dos tipos de crime ora em análise (crimes contra a segurança rodoviária), e por outro, o facto do mesmo já ter sido condenado, em gravidade crescente e diversa, com diversos regimes de cumprimento, entre os quais pena de prisão efetiva, sem que tal circunstancialismo tenha estimulado a alteração do seu comportamento criminoso, concluiu-se que o arguido tem uma personalidade particularmente avessa ao dever ser jurídico, pelo que, em nosso entendimento corretamente, julgou-se adequada a fixação da pena única de 21 meses de prisão efetiva, pela prática dos crimes pelo qual veio acusado.

7. Nestes termos e tendo em consideração o anteriormente expendido, consideramos que o Tribunal a quo, correta e ponderadamente, aplicou os critérios estabelecidos no artigo 71.º do Código Penal, razão pela qual, não merece, em nosso entendimento, qualquer reparo, a condenação do arguido na pena de 21 meses de prisão efetiva, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punível, pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98 de 3 de janeiro e de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punível pelo artigo 291º nº 1 do Código Penal.

8. Em suma, a decisão recorrida não merece censura, devendo manter-se nos seus precisos termos.

Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas., Venerandos Desembargadores, não deixarão de doutamente suprir, deve o recurso ser julgado improcedente, por não provado, mantendo-se a sentença condenatória, nos seus precisos termos, fazendo-se, desse modo, a costumada Justiça. »


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Nesta instância o Ministério Público, no seu parecer, pronunciou-se no sentido de que se deverá julgar o presente recurso improcedente e manter-se a decisão recorrida nos seus precisos e exatos termos, com todas as legais consequências substantivas e adjetivas.

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Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, n.º 2 do CPP.

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Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.


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2-FUNDAMENTAÇÃO

2.1-QUESTÕES A DECIDIR

Conforme jurisprudência constante e assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.

Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, as questões a decidir são:

- Determinação da medida da pena: redução.

- Substituição da pena de prisão.

- Execução da pena de prisão pelo regime de permanência na habitação.


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2.2- A DECISÃO RECORRIDA:

Tendo em conta a questão objeto do recurso, da decisão recorrida importa evidenciar, nas partes relevantes para o recurso, a fundamentação da matéria de facto e de direito, que é a seguinte (transcrição):

« III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

III.1 Realizada a audiência de julgamento, dela resultaram provados os seguintes factos com interesse para a boa decisão da causa:

1.No dia 01 de Fevereiro de 2023, pelas 16:10 horas, o arguido AA, sem que fosse titular de carta de condução ou de outro documento que legalmente o habilitasse a tal, seguia ao volante do veículo ligeiro de passageiros da marca Skoda, modelo ..., de cor preto, com a matrícula ..-BL-.., registado a favor de BB, pela rua ..., em ..., Gondomar, no sentido .../....

2.Após, já na rua..., em ..., Gondomar, no sentido .../..., o veículo BL no qual seguia o arguido foi avistado por uma patrulha da G.N.R. ..., composta pelo Cabo CC e pelos Guardas DD e EE, que seguiam em veículo devidamente caracterizado daquela corporação.

3.Então, aquela patrulha, ao verificar que aquele veículo seguia a uma velocidade desadequada decidiram proceder a uma fiscalização rodoviária ao mesmo pelo que, posicionaram-se junto à rectaguarda do veículo BL em que o arguido seguia e, através dos rotativos (sinais luminosos) e sinais sonoros que equipavam aquele veículo ordenaram ao mesmo que imobilizasse o veículo em que seguia.

4.Ao se aperceber da presença da G.N.R. naquele local e da ordem de paragem que lhe foi dirigida, o arguido não só não a acatou, não imobilizando o veículo em que seguia, como imprimiu uma velocidade superior à que já vinha conferindo, e, pôs-se em fuga, percorrendo várias artérias da freguesia ..., a maior parte do percurso em velocidade superior à permitida no interior de tais localidades de 50 km/h, atingindo velocidades não concretamente apuradas mas seguramente superiores a 50 km/, desobedecendo à sinalética dos sinais verticais de trânsito, circulando por sentidos proibidos tendo obrigado outros condutores e peões com que se cruzara, dado que o tráfico rodoviário à altura fluía com alguma intensidade, a travarem de imediato as suas viaturas e a desviarem-se para evitar uma colisão ou embate, tendo realizado o seguinte itinerário:

5.O arguido na rotunda ... tomou a direcção da rua ..., em ..., no sentido .../..., artéria que percorreu a uma velocidade não concretamente apurada mas superior a 50 km/h vindo quase a colidir com um veículo que se encontrava aparcado em frente ao estabelecimento comercial denominado “A...” e com os peões que na mesma circulavam que tiveram que recuar.

6.No final de tal artéria, sem abrandar a marcha ou mesmo se imobilizar, desrespeitando o sinal vertical B2 (Stop) ali existente, virou de forma brusca à esquerda para a rua ..., sentido .../ ..., percorrendo tal artéria até ao entroncamento com a rua ....

7.Aí, novamente, sem abrandar a marcha ou mesmo se imobilizar, desrespeitando o sinal vertical B2 (Stop), mudou de direção à direita entrando na rua ... que percorreu até à rotunda ... desconhecido (sentido .../...) em cuja rotunda entrara sem abrandar a marcha e sem respeitar o sinal vertical B1 de aproximação de estrada sem prioridade, obrigando os condutores que na mesma já seguiam a travar para evitar o embate, vindo a entrar na rua ....

8.Em seguida, virou à esquerda para a rua ..., sentido .../..., circulando em sentido contrário ao regular sentido de trânsito naquela via, desrespeitado o sinal vertical C1 (sentido proibido).

9.Contornou, então, por quatro vezes seguidas, a rua ... no Bairro .... Nesse percurso, realizou manobras de ultrapassagem, que não lhe eram permitidas, obrigando pelo menos um peão como quem se cruzara a desviar-se para não ser embatido.

10.Por fim, o arguido viria a perder o controlo do seu veículo, despistando-se, vindo a embater contra uma berma pavimentada, junto à zona habitacional da ..., em ....

11.Acto contínuo, o arguido abandonou o referido veiculo e encetou fuga, a pé, em direcção à rua ... vindo, nessa sequência os militares que seguiam no seu encalço a realizar dois disparos para o ar com a sua arma de fogo, como advertência, o que determinou a suspensão da fuga por parte do arguido e, consequentemente, a concretização da sua detenção.

12.O arguido sabia que as suas descritas condutas eram proibidas e penalmente puníveis.

13.O arguido sabia, ainda, que não podia conduzir aquele veículo automóvel, na via pública, sem possuir a respectiva carta de condução ou outro documento que legalmente o habilitasse a tal condução.

14.Porém, apesar de estar consciente de tudo isto, quis actuar da forma descrita, de forma livre, deliberada e consciente, conduzindo aquele veículo da forma como o fez, na via pública, sem para tal estar legalmente habilitado.

15.O arguido com as manobras que empreendeu através do veículo de que tinha a direção efetiva quis conduzir de forma temerária, imprevidente, agressiva, não tomando as necessárias precauções a que estava obrigado e era capaz, não adequando a sua conduta às exigências de segurança e com o cuidado que no caso se impunha, violando de forma intencional e grosseira as mais elementares normas de prudência, segurança e trânsito rodoviárias, designadamente as regras estradais da circulação rodoviária atinentes ao limite de velocidade, à obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita, à proibição de trânsito em determinado sentido, à obrigatoriedade de paragem e à mudança de direcção.

16.Ao fazê-lo o arguido sabia que dessa forma poderia colocar, como colocou, efectivamente, em perigo a vida e a integridade física dos peões, dos condutores e passageiros dos veículos automóveis que circulavam nas referidas artérias com o qual se cruzou, como representara e com cujo resultado se conformou.

17.Com efeito, por força do comportamento em questão, a segurança dos outros utentes da via foi de tal modo atingida que dependeu unicamente do acaso, e do facto de aqueles terem efectuado manobras de diversão, não ter ocorrido a efectiva lesão dos bens jurídicos em causa.

18.Por Sentença, transitada em julgado em 16 de Novembro de 2022, proferido no âmbito do Processo Sumário n.º ..., do Juízo Local Criminal da Maia, J2, por factos ocorridos em 22 de Janeiro de 2022, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto – Lei n.º 2/98, de 03-01, na pena de 12 meses de prisão a cumprir em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meio de controlo à distância.

19.Tal condenação não constituíra advertência suficiente nem determinara o arguido a assumir um comportamento conforme às normas legais uma vez que praticara os factos supra no decurso do cumprimento de tal pena.

Quanto às condições pessoais do arguido,

20.O arguido é solteiro, nascido a ../../1986, vivendo em união de facto.

21.Na atualidade o grupo familiar é constituído pelo arguido, companheira e três descendentes, designadamente de 7, 6 e 3 anos.

22.Mantém residência na habitação social atribuída, na morada dos autos.

23.Subsiste no dia-a-dia do casal um quotidiano sem estruturação produtiva, dado que AA e companheira não exercem qualquer tipo de ocupação.

24.Usufruiu da atribuição do rendimento social de inserção, na quantia de 577,68€ e das prestações familiares referentes aos três descendentes o montante de 366,00€.

25.AA manteve com a Equipa da DGRSP acompanhamento com regime de prova nos termos do processo ... do juízo Local Criminal de Gondomar – Juiz 1. No decurso deste acompanhamento registou várias ausências às diligências determinadas no plano de acompanhamento.

26.Regista várias inscrições na escola de condução, designadamente a - Escola ..., e utiliza este procedimento, por regra antes de julgamento, munindo-se de uma declaração de respetiva escola de condução, todavia não chega a frequentar o programa de aulas de código.

27.Foi condenado por crime de condução sem habilitação legal a 12 meses de pena de prisão na habitação fiscalizada por meios de controlo à distancia, nos termos do processo nº ... do Juízo Local Criminal da Maia – Juiz 2 que cumpriu entre 02-01-2023 e 01-01-2024. Durante o período de execução desta pena de prisão na habitação, registou incidentes de incumprimento reportados nos autos do TEP nº 3898/10.0TXPRT – U, por fuga da área de controlo do equipamento. No período em que cumpria pena de prisão na habitação, foi intercetado a conduzir sem habilitação legal, incidente que deu lugar à sua detenção e apreensão de viatura que originou auto de notícia NUIPC 000105/23.0GDGDM.

28.No processo de desenvolvimento de AA é de salientar, a ausência de uma estrutura familiar capaz de lhe assegurar um processo educativo promotor do respeito das regras de boa convivência social.

29.Desvalorizou o seu processo académico, marcado pelo absentismo e desinteresse de aprendizagem, nem aproveitou os valores e princípios veiculados pela escola, como estrutura alternativa à família, a fim de consolidar a sua educação cívica para prosseguir um modo de vida consonante com a normatividade social.

30.Não regista qualquer exercício de atividade laboral regular; experienciou e manteve consumos de drogas e adotou condutas disruptivas.

31.O arguido tem antecedentes criminais, a saber:

- condenado por sentença de 29.05.2002, transitada em julgado em 13.06.2002, por factos praticados em 28.05.2002, proferida no processo ... – Juízo Criminal de Coimbra-, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 4€;

- condenado por sentença de 29.05.2003, transitada em julgado em 16.06.2003, por factos praticados em 16.05.2002, proferida no processo 225/02.4GBPRG – 1º Juizo Regua-, pela prática de crimes de extorsão, coacção, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por 4 anos, sujeita a regime de prova

- condenado por sentença de 18.02.2005, transitada em julgado em 29.09.2005, por factos praticados em 2.01.2004, proferida no processo ... – 1º Juizo Anadia-, pela prática de crimes de condução sem habilitação legal, na pena de 150 dias de multa, á taxa diária de 3,50€.

- condenado por sentença de 4.05.2005, transitada em julgado em 26.05.2005, por factos praticados em 15.03.2003, proferida no processo ... – 2º Juizo Regua-, pela prática de crimes de furto qualificado, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa por 3 anos.

- condenado por sentença de 5.12.2005, transitada em julgado em 19.01.2006, por factos praticados em 11.07.2005, proferida no processo ... – 2º Juizo Regua-, pela prática de crimes de condução sem habilitação legal, na pena de 200 dias de multa, á taxa diária de 40€.

- condenado por sentença de 15.07.2010, transitada em julgado em 24.09.2010, por factos praticados em 11.2004, proferida no processo ...– 2º Juizo Lamego-, pela prática de crimes de condução sem habilitação legal, condução perigosa, aproveitamento de obra contrafeita, na pena de 3 anos e 11 dias de prisão efetiva

- condenado por sentença de 11.07.2017, transitada em julgado em 26.09.2017, por factos praticados em 05.2017, proferida no processo ... – JL Criminal – Juiz 1-, pela prática de crimes de condução sem habilitação legal, na pena de 8 meses de prisão em regime de permanência na habitação.

- condenado por sentença de 3.05.2021, transitada em julgado em 20.09.2021, por factos praticados em 15.04.2021, proferida no processo ... – JL Criminal – Juiz 1-, pela prática de crimes de Injuria e Ameaça Agravada, na pena de 5 meses de prisão, suspensa com regime de prova

- condenado por sentença de 19.07.2021, transitada em julgado em 30.09.2021, por factos praticados em 19.07.2021, proferida no processo ... – JL Criminal – Juiz 2-, pela prática de crimes de condução sem habilitação legal, na pena de 240 dias de multa

- condenado por sentença de 10.03.2022, transitada em julgado em 16.11.2022, por factos praticados em 22.01.2022, proferida no processo ... – JL Criminal – Juiz 2 Maia-, pela prática de crimes de condução sem habilitação legal, na pena de 12 meses de prisão em regime de permanência na habitação.


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III.2 Factos não provados:

- não existem factos por provar.


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III. 2. Motivação

Fundou o Tribunal a sua convicção quer no conjunto da prova testemunhal e declarações produzidas em julgamento, quer nos documentos juntos aos autos, conjugados com regras de experiência comum (cfr. art.º 127º do C.P.P.).

Assim e relativamente à prova documental junta aos presentes e considerada para a formação da convicção do Tribunal, foram relevantes:

- Auto de notícia por detenção de fls. 5 a 6;

- Relatório de fotográfico de a fls. 07 e 95 a 101;

- Print e informação do I.M.T. de fls. 8 e 69 a 70;

- “Print” de registo automóvel de fls. 44;

- Certidão de fls. 51 a 59;

- Certificado de registo criminal de fls. 21 a 31.

O Tribunal fundou a sua convicção na confissão integral e sem reservas dos factos por parte do arguido, que assumiu toda a sua conduta em audiência de julgamento, confirmando que correspondem à verdade os factos constantes da acusação contra si deduzida.

Os factos provados de 20º a 30º supra, assentou, entre o mais, na valoração das próprias declarações do arguido acerca da sua situação económica, social e familiar que mereceram total credibilidade por parte do Tribunal atenta a forma espontânea e plausível conforme foram prestadas e bem assim nas informações constantes do relatório social.

Relativamente aos antecedentes criminais, o Tribunal fundou a sua convicção no C.R.C do arguido.


*

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

(…)


*

V. DA ESCOLHA E DA MEDIDA CONCRETA DA PENA

Feito pela forma supra descrito o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido importa agora determinar a natureza e a medida da sanção a aplicar.

O crime de condução perigosa previsto no art.º 291º, nº.1, do Código Penal é abstractamente punível com pena de prisão até três anos ou multa.

O crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal é, no caso, punível, em abstrato, com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.

Aqui chegados e antes de partirmos para a determinação da medida concreta da pena, caberá, prima facie, fazer uma opção entre a pena de prisão ou a pena de multa, porque são ambas aplicáveis ao crime de que ora curamos.

Por apelo aos critérios enunciados no artigo 70º do Código Penal, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Precisemos então, e antes de mais, as finalidades das penas, de molde a podermos concluir com segurança que pena aplicar, se detentiva ou não, ao arguido.

Desde logo, cumpre sublinhar que a aplicação de uma pena visa essencialmente a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (artigos 1º, 13º, nº 1, 18º, nº 2 e 25º, nº 1 da Constituição e artigo 40º do Código Penal).

São assim exigências de prevenção geral e especial positiva que comandam o julgador no momento da escolha da espécie de pena a aplicar.

Por conseguinte, no momento dessa escolha, relevam, por um lado, exigências de prevenção geral positiva, interpretadas através da necessidade de restabelecer a confiança comunitária na validade e vigência da norma infringida, e por outro lado, exigências de prevenção especial positiva, entendidas à luz da pretendida ressocialização do arguido.

O que temos, então, neste domínio?

Debruçando-nos sobre o caso sub judice, cremos ser relevante ponderar que são elevadas as exigências de prevenção geral positiva, atentos os infelizes índices de sinistralidade automóvel, potenciados quer pela condução sem habilitação legal para tal quer pelo consumo álcool dos condutores, que se verificam no nosso país e a frequência com que este tipo de crime é cometido.

Também no domínio das exigências de prevenção especial positiva, afigura-se-nos que as mesmas se situarão in casu a um nível elevado atento o facto de o arguido ter sido já objecto de inúmeras condenações anteriores, pelo mesmo crime que ora nos ocupa, o que denota uma fraquíssima sensibilidade para a manutenção de uma vida de acordo com o direito, maxime no que concerne a esta área social.

Ora, atendendo a tudo o exposto, onde ressalta a sua falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto de as anteriores condenações em nada terem contribuído para o conformar a manter uma conduta conforme ao direito, não cremos que a pena de multa seja proporcional e adequada às finalidades da punição, apresentando-se como insuficiente face à factualidade provada.

A adequada ponderação de tais aspectos, conduz-nos a pensar que se impõe o recurso à pena de prisão.


*

Feita a opção pela pena de prisão, importa, agora, determinar a pena concreta a aplicar.

Como supra referimos, da conjugação do preceito incriminador com o art. 41º, nº 1 do Código Penal, resulta que a conduta do arguido é abstractamente punida com pena de 1 mês a 2 anos de prisão.

Para a sua determinação, recorre-se ao critério global previsto no nº 1 do artigo 71º do Código Penal, que dispõe que a determinação da medida da pena se fará em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes, atendendo o tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, nomeadamente as previstas nas diversas alíneas do nº 2 do mesmo preceito legal.

No que se reporta aos factores concretos da medida da pena relativos à execução do facto importa valorar: o seu grau de ilicitude criminal, considerado normal atentos os factos que resultaram provados e a sua conduta anterior ao facto, de onde ressaltam as inúmeras condenações anteriores, três delas de igual natureza à em causa nos autos.

Em suma, deve ser aplicada ao arguido uma pena proporcional ao ilícito cometido, uma pena que não limite a possível e desejável (re)inserção plena daquele na sociedade mas que a faça sentir, por outro lado, o “desvalor” do facto praticado, levando-a a repensar a sua conduta futura.

Nesta medida, considerando o já exposto, as concretas penas que também lhe foram já aplicadas, e o disposto no art. 71º do Código Penal, entende-se adequado fixar:

- a pena de 18 meses de prisão pela pratica do crime de condução sem habilitação legal

- a pena de 12 meses de prisão pela pratica do crime de condução perigosa


*

As penas do concurso

Dispõe o artigo 77º do Código Penal, que quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única.

A pena aplicável ao concurso de crimes é, assim, uma pena única, formada sobre a base das diversas penas parcelares, que devem se concretamente fixadas pelo tribunal.

A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

No caso em concreto e uma vez que o arguido foi condenado pela pratica de dois crimes, em pena de prisão, concluiu-se que a moldura abstracta da pena única de prisão a aplicar ao arguido é de 18 meses a 30 meses de prisão.

Assim, vai o arguido condenado na pena única de 21 meses de prisão.


*

Tendo em conta a concreta medida da pena de prisão, há que aferir da possibilidade por parte do Tribunal de a substituir por uma pena não detentiva ou detentiva, prevista na lei (ex.: pena de multa, suspensão da execução, suspensão com regime de prova, prestação de trabalho a favor da comunidade, admoestação, prisão por dias livres, etc).

Com efeito as penas de substituição “podendo substituir qualquer uma das penas principais concretamente determinadas (…) se não são, em sentido estrito, penas principais (porque o legislador não as previu expressamente nos tipos de crime) são penas que são aplicadas e executadas em vez da pena principal”(Vide Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte Geral II, As Consequências jurídicas do crime, p. 91).

E de acordo, ainda, com os ensinamentos do Professor Figueiredo Dias, a pena privativa de liberdade deve ser usada apenas como ultima ratio.

Importa, assim, desde logo, atestar na estrutura do actual Código Penal, quando por via do artigo 70º impõe ao Juíz que prefira a pena não privativa da liberdade, quando ao crime forem aplicadas, em alternativa, pena de prisão e pena de multa; e bem, assim, o artigo 43º que impõe a substituição de penas inferiores a 1 ano (concretamente determinadas), excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes.

Como se constata está presente uma “obrigação de substituir” – vide Código Penal Anotado, de Simas Santos e leal Henriques, 3ª edição, pág.600.

Ora, a pena ora aplicada é inferior a cinco anos de prisão, pelo que urge ponderar se se deverá recorrer ao mecanismo da suspensão da execução da pena de prisão previsto pelo artigo 50º do Código Penal que estabelece que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Está, assim, aqui patente para o tribunal o poder-dever de suspender a execução da pena de prisão não superior a cinco anos, sempre que, reportando-se ao momento da decisão, o julgador possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido (cfr. Figueiredo Dias, “Velhas e novas questões sobre a pena de suspensão da execução da pena”, Rev. de Leg. e Jur. ano 124º, pág. 68).

Para que se possa decidir pela suspensão, tem que se demonstrar que a ameaça de cumprimento da pena será suficiente para prosseguir os fins visados com as penas (neste sentido, SIMAS SANTOS e LEAL HENRIQUES, Código Penal Anotado, Vol. I, Rei dos Livros, 2ª edição, 1996, p. 547).

Ademais, como se escreveu no Acórdão RC de 07.02.2000, in Revista Sub Judice, p. 101 a 105, sempre que o tribunal puder optar por pena de prisão ou de multa e “se optar pela pena de prisão, deve ter em conta os normativos constantes dos artigos 44º a 46º, todos do Código Penal, que mais não visam do que evitar o cumprimento de penas curtas de prisão (cfr. a este respeito, o Acórdão do STJ de 04.02.98, CJ STJ, 1, 188, onde se escreveu: “as penas curtas de prisão que não possam ser substituídas por multa devem sê-lo por pena não privativa de liberdade, como a suspensão da execução da prisão.” (...) só em situações muito excepcionais (depois de esgotadas todas as alternativas legais) pode o tribunal aplicar uma pena (curta) de prisão efectiva, devendo dissuadir-se o infractor da delinquência, através do recurso a outros meios, menos agressivos, mas altamente punitivos. (...) O arguido só deve cumprir a pena de prisão a que foi condenado, se essa for a única forma de alcançar as finalidades visadas com a punição, ou como refere Figueiredo Dias, Direito Penal Português, 115, «se a privação de liberdade for o único meio adequado de estabilização contrafáctica das expectativas da comunidade na vigência da norma violada, podendo ao mesmo tempo servir a socialização do arguido.»

O crime aqui em causa assume gravidade, na medida em que as consequências da condução de veículos automóveis sem habilitação legal pode colocar e coloca efectivamente em perigo a vida e a integridade física de terceiros e do próprio arguido.

Acresce ainda que, no caso sub iudice, conforme já se deixou dito, o arguido foi já condenado várias vezes pela prática do mesmo ilícito penal, ora em pena de multa, ora em pena de prisão suspensa na sua execução, sendo certo que, e pese embora tais condenações, o arguido voltou a delinquir.

O seu percurso de vida demonstra que as penas de que vem sendo alvo não surtiram qualquer efeito, não almejaram a pretendida ressocialização e dissuasão da prática criminosa, o que impede o tribunal de concluir por um juízo de prognose favorável em ordem a que se acredite bastarem a censura do facto e a ameaça da pena para afastar o arguido da criminalidade, mormente do crime de condução sem habilitação legal.

Efectivamente, nada permite afirmar a capacidade do arguido de sentir essa ameaça, a exercer sobre si o efeito contentor, em caso de situação parecida, e a capacidade de vencer a vontade de não voltar a conduzir sem habilitação legal.

Por isso que não deve beneficiar da suspensão da pena de prisão.

Aliás, como muito bem esclareceu o Prof. Figueiredo Dias, “o que aqui está em causa não é qualquer “certeza”, mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda, o tribunal deve encontrar-se disposto a correr um certo risco - digamos: fundado e calculado - sobre a manutenção do agente em liberdade. Havendo, porém, razões sérias para duvidar da capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada” (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, AEQUITAS, Editorial Notícias, Lisboa, 1993, § 521, págs. 344-345).

Pelo que se decide não suspender a pena de prisão que se referiu.

Por idênticas razões se decide também não substituir a pena de prisão ora aplicada pela pena de multa e por prestação de trabalho a favor da comunidade.


*(…)»

*


2.3- APRECIAÇÃO DO RECURSO.

2.3.1- De determinação da medida da pena - redução.

O recorrente não discute a operação de escolha de pena inicial de opção pela pena de prisão, mas somente a opção final pela não substituição da pena principal ou, subsidiariamente, da não determinação da execução da pena de prisão pelo regime de permanência na habitação.

Insurge-se, subsidiariamente (para o caso de não ser suspensa na sua execução a pena de prisão) contra a pena única aplicada entendendo que a pena do cúmulo jurídico não deveria ser superior a um ano de prisão.

Argumenta para tanto que os factos que deram azo à decisão ora recorrida não justificam a adoção de uma medida punitiva tão desproporcional; que a sentença recorrida deveria ter atendido ao facto de que não foi causado nenhum dano; que o recorrente se inscreveu em escola de condução; não ficou demonstrado qualquer perigo causado, e ainda confessou integralmente os factos o que significa que a gravidade e ilicitude do crime praticado pelo recorrente se revelam reduzidas.

A determinação da pena (em sentido amplo) comporta três operações distintas: a determinação da moldura da pena (pena aplicável); a determinação concreta da pena (pena aplicada); e a escolha da pena, que pode ocorrer logo na determinação da pena aplicável no caso de estar prevista no tipo legal de crime a pena de multa alternativa[1].

No caso dos autos, o recorrente passa logo para a última operação que é a da consideração da possibilidade de substituição da pena principal, o que pressupõe que esta já tenha sido determinada.

Embora tal modo de proceder seja errado, nada impede que consideremos, corretamente, em primeiro lugar a pretendida redução da pena principal aplicada, a pena única de 21 meses de prisão aplicada na primeira instância e que o recorrente pretende ver reduzida para 12 meses.

A pena única aplicada resultou do cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas pelo crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artº.3º, nº.1 e 2 do DL 2/98, de 3.01 e artigo 121º, nº.1 do Código da Estrada (18 meses de prisão) e pelo crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. nos artigos 291º, n.º 1, do Código Penal (12 meses de prisão).

A moldura penal aplicável ao crime de condução sem habilitação legal é de pena de prisão de um mês até dois anos ou pena de multa de 10 até 240 dias; a do crime de condução perigosa do artigo 291º, nº.1, do Código Penal é de pena de prisão de um mês até três anos ou multa de 10 a 360 dias.

Vista a moldura penal, com previsão em alternativa de prisão ou multa, cabe assinalar que, de acordo com o disposto nos artigos 40º e 70º do Código Penal, a escolha da pena a aplicar é determinada pelas necessidades de prevenção – geral positiva e especial de socialização. São estas necessidades que justificam a opção pela pena privativa ou pena não privativa da liberdade – pena alternativa ou pena de substituição.

Entendeu o Tribunal recorrido que face às exigências de prevenção do caso dos autos, nomeadamente tendo em conta o passado criminal do arguido, com várias condenações anteriores, três das quais pelo cometimento do mesmo tipo de ilícito, se impunha, ao abrigo do artigo 70º do CP, a aplicação de pena privativa da liberdade.

Nem o recorrente pôs em causa esta opção nem merece censura a opção tomada pelo afastamento da pena de multa, como ficou explicitado na sentença recorrida, para onde remetemos, não havendo aqui que gastar mais tempo ou argumentação com tal opção.

O recorrente também não pôs diretamente em causa as penas parcelares aplicadas, mas sendo a pena única dependente destas sempre caberá dizer que as penas parcelares se mostram fixadas dentro das molduras aplicáveis e fundamentadas considerando o disposto no artigo 71º do Código Penal, ou seja:

“... em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, atendendo “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele”.

Vejamos então quanto à pena única, em que cabe considerar como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (artigo 77º, n.º 2 do Código Penal).

A moldura penal do concurso é no caso dos autos de 18 meses a 30 meses de prisão.

Apurada a moldura penal do concurso, cabe ao tribunal proceder à determinação da medida concreta da pena conjunta do concurso, o que fará em função das exigências gerais de culpa e de prevenção (artigo 71º do Código Penal), bem como, nos termos do artigo 77º, n.º 1, segunda parte do Código Penal, tendo em consideração, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. Assim, na fixação da pena única importa considerar o conjunto dos factos cometidos enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, como se de um ilícito global se tratasse, averiguando da ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza, a gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente demonstrada nos factos, com vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo sempre presentes as exigências de prevenção geral e especial, designadamente o reforço da confiança da comunidade na validade das normas violadas bem como o efeito ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele .

O conjunto dos factos que integram o concurso constitui numa visão global um ilícito com gravidade já importante, atento o modo de execução, condução perigosa durante uma perseguição policial violando insistentemente regras rodoviárias e com acidente de viação. Dada esta gravidade do conjunto dos factos, a sinistralidade rodoviária e a sua ligação a crimes da natureza dos praticados, as necessidades de prevenção geral positiva, no sentido do reforço do sentimento da comunidade na validade das normas violadas, fazem-se sentir com relevo elevado.

A personalidade revelada pelo arguido, vistas as anteriores condenações, a insistência no cometimento de crimes rodoviários e o modo de execução eleva fortemente as exigências de prevenção especial, não obstante a confissão integral dos factos, pois que se mostra indiferente aos valores sociais tutelados pelas normas violadas e à ameaça das respetivas sanções, insistindo em comportamentos criminosos da mesma natureza.

Tudo visto, afigura-se que a fixação da pena única em 21 meses de prisão, tal como feito na primeira instância, se mostra adequada e proporcionada ao caso dos autos e à culpa do arguido.

2.3.2-Da substituição da pena de prisão.

Entendeu o tribunal recorrido não haver lugar à substituição da pena de prisão, considerando as necessidades preventivas reveladas, além do mais, pelas condenações anteriores, sendo que os factos dos presentes autos foram cometidos no período de suspensão de execução de pena de prisão anteriormente aplicada.

Mas entende o recorrente que a suspensão da execução da pena ou a sua substituição por multa é adequada e suficiente para satisfazer as exigências de prevenção do caso.

Vejamos.

Resulta dos artigos 70º, 50º, n.º 1, 58º, n.º1, 60º, n.º 2 e, também, do artigo 45º, todos do Código Penal, que o legislador estabeleceu um critério geral de escolha da pena: o tribunal dá preferência à pena não privativa da liberdade, sempre que, verificados os respetivos pressupostos formais de aplicação, ela realize de forma adequada e suficientes as finalidades da punição – finalidades de prevenção geral positiva e especial de socialização[2].

Entremos no campo das penas de substituição da pena de prisão.

Em geral, para efeito de aplicação de uma pena de substituição da pena de prisão, é necessário que o julgador, reportando-se ao momento da decisão e não ao momento da prática do crime, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a pena de substituição seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição.

Considerando, em suma, que face às condenações anteriores, incluindo pelo crime de condução sem habilitação legal, encontrando-se na data da prática dos factos o recorrente em pleno cumprimento de uma pena de prisão pelo regime de permanência na habitação, o que não constituiu motivo bastante para que se abstivesse de cometer novo e igual crime, nenhuma medida substitutiva da pena de prisão que passe pela manutenção pura e simples do arguido em liberdade assegura de forma cabal e suficiente as finalidades da punição que no caso se fazem sentir, não sendo possível, em face do passado criminal do arguido, agora reforçado com mais uma condenação pela prática de novo crime, efetuar qualquer juízo de prognose favorável.

Não obstante o facto de o recorrente ter confessado integralmente e sem reservas a prática do crime pelo qual vinha acusado, não vemos, se tomarmos em conta os antecedentes criminais do arguido, como afastar a conclusão do Tribunal recorrido no sentido da impossibilidade de fazer um juízo de prognose favorável à ressocialização do arguido em liberdade, ou seja, de que cumprindo a pena em liberdade é de crer que não volte a delinquir.

São as exigências de prevenção especial e, também, as de prevenção geral positiva que exigem que a pena de prisão aplicada ao recorrente não seja substituída pela suspensão da execução da pena ou por outra das penas de substituição, sob consequência de frustração das finalidades da punição, não só em relação ao comportamento do arguido – que se quer leve uma vida no futuro sem cometer crimes – como também em relação à manutenção e reforço da confiança da comunidade na normas colocadas em crise pelo comportamento criminoso do arguido.

Por isso, por força das exigências preventivas do caso, a decisão recorrida, no que não merece censura, determinou a aplicação de prisão efetiva.

Face ao exposto, não há excesso ou desproporção quando no caso dos autos se decidiu não substituir a pena de prisão aplicada.

Assim, não merece provimento nesta parte o recurso.

2.3.3-Execução da pena de prisão pelo regime de permanência na habitação.

Pretende o recorrente que caso a pena principal não seja substituída se execute pelo regime de permanência na habitação, nos termos do artigo 43º do Código Penal.

Nos termos do artigo 43º, n.º 1, al b) do Código Penal, sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, é executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância a pena de prisão efetiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º.

O regime de permanência na habitação é um meio de execução da pena de prisão (efetiva) não superior 2 anos[3], trata-se enfim de uma prisão domiciliária.

Uma vez que se trata de um mero meio ou forma de execução da pena de prisão, o pressuposto material da sua aplicação é o de que por meio deste regime se realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão (artigo 43º, n.º 1 do CP)[4]

As finalidades da execução da pena de prisão são, como resulta dos artigos 42º, nº1 do CP e do artigo 2º do CEPMPL, em primeiro lugar e essencialmente, a reintegração social do recluso na sociedade, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, o que implica como objetivo primeiro da execução a não-dessocialização do recluso, e, em segundo lugar e acessoriamente, a satisfação das exigências de prevenção geral positiva, de defesa da sociedade[5].

Para prossecução desse objetivo primeiro de socialização do condenado deve a execução da pena de prisão seguir um sistema progressivo de preparação para a liberdade e ser o menos restritivo possível do direito à liberdade, estando previstas na lei de execução de penas medidas de flexibilização, a liberdade condicional, as licenças de saída e o regime de permanência na habitação.

Assim, o critério material fundamental para a opção entre a execução da pena de prisão no estabelecimento prisional ou na habitação é o de qual o melhor modo de proporcionar ao condenado as condições necessárias para conduzir no futuro a sua vida de modo socialmente responsável sem cometer crimes.

Caso nenhum dos modos de execução da pena de prisão se apresente como decisivamente melhor posicionado para a socialização do condenado, assumirá o papel primordial o regime de permanência na habitação, de acordo com os princípios vigentes no nosso sistema penal.

Com efeito, no sistema penal português, por imposição constitucional decorrente dos princípios da necessidade/subsidiariedade da intervenção penal e da proporcionalidade das sanções penais (artigo 18º, n.º 2 da CRP e, entre outros, artigos 70º e 98º do CP), a pena de prisão é a ultima ratio da política criminal[6].

Mas mesmo quando a pena de prisão tiver de ser aplicada, por insuficiência das penas alternativas ou de substituição, o regime de execução da privação da liberdade deve ser, também em obediência ao princípio constitucional da proporcionalidade da restrição dos direitos, o menos restritivo possível do direito à liberdade[7].

Como se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28-02-2024[8]

«I - Lendo o artigo 43º do Código Penal, podemos afirmar que o cumprimento da pena de prisão em estabelecimento prisional é a opção derradeira para a execução de penas de prisão (efetivas) até dois anos.

II - O advérbio sempre com que se inicia a norma legal, confirma perentoriamente como opção derradeira a execução da prisão intra muros.

III - Assim, a regra é a de que a execução das penas de prisão até dois anos tem lugar através do regime de permanência na habitação, constituindo o cumprimento em estabelecimento prisional a exceção.

IV - Só quando o tribunal chegar à conclusão de que a execução da pena privativa da liberdade na habitação se mostra desadequada, v.g. por falta de condições de exequibilidade, ou insuficiente para satisfazer as finalidades de prevenção é que pode optar pela execução dentro dos muros da cadeia.»

No caso dos autos, o arguido cometeu os crimes em causa quando se encontrava em cumprimento de pena de uma pena de 12 meses de prisão a ser executada na habitação fiscalizada por meios de controlo à distancia, tendo fugido da área de controlo do equipamento, sendo intercetado a conduzir sem habilitação legal, incidente que deu lugar à sua detenção e aos factos descritos nos autos.

Ora, se é certo que, como se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28-02-2024[9], «o facto de se ter sofrido uma condenação anterior a cumprir em regime de permanência na habitação não obriga, de per si, que a seguinte tenha de ser cumprida na cadeia, pois que, verificando-se os seus pressupostos, o Tribunal tem o poder-dever de ordenar a execução da pena de prisão (efetiva) segundo aquele regime.», a verdade é que tendo o recorrente cometido os crimes dos autos (condução sem habilitação legal e condução perigosa) no momento em que se encontrava privado da liberdade em prisão domiciliária (RPHVE), ausentando-se da mesma para, além do mais, os cometer e ainda por cima da mesma natureza daquele pelo qual se encontrava privado da liberdade, forçoso é concluir que a obrigação de permanência na habitação é insuficiente para satisfazer as finalidades de prevenção e terá de se optar pela execução dentro dos muros da cadeia.

Assim, no caso dos autos não será aplicado o regime de permanência na habitação.

Resumindo:

A regra é a de que a execução das penas de prisão até dois anos tem lugar através do regime de permanência na habitação, constituindo o cumprimento em estabelecimento prisional a exceção.

O mero facto de se ter sofrido uma condenação anterior a cumprir em regime de permanência na habitação não obriga, de per si, que a seguinte tenha de ser cumprida na cadeia.

Só quando o tribunal chegar à conclusão de que a execução da pena privativa da liberdade na habitação se mostra desadequada, v.g. por falta de condições de exequibilidade, ou insuficiente para satisfazer as finalidades de prevenção é que pode optar pela execução dentro dos muros da cadeia.

Tendo o recorrente cometido os crimes dos autos (condução sem habilitação legal e condução perigosa) no momento em que se encontrava privado da liberdade em prisão domiciliária (RPHVE), ausentando-se da mesma para, além do mais, os cometer e ainda por cima da mesma natureza daquele pelo qual se encontrava privado da liberdade, forçoso é concluir que a obrigação de permanência na habitação é insuficiente para satisfazer as finalidades de prevenção e terá de se optar pela execução dentro dos muros da cadeia.

Concluindo, improcede o recurso na sua totalidade.


*

3- DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, com 4 UC de taxa de justiça (artigo 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal, artigo 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este último diploma).


*

Notifique.


Porto, 7 de maio de 2025
William Themudo Gilman
Elsa Paixão
José António Rodrigues da Cunha
_______________
[1] Cfr. Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2022, 2ª edição, p.49.
[2] Cfr. neste sentido: Jorge de Figueiredo Dias, As consequências jurídicas do crime, 1993, p. 331; Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, Coimbra, 2022, p.18, 20-21, 92.
[3] Cfr. Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2ª ed., 2022, p.106 e 114
[4] Cfr. Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2ª ed., 2022, p. 112.
[5] Cfr. Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2ª ed., 2022, p. 104-106; Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, p. 110.
[6] Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, p. 52-53; Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2ª ed., 2022, p. 18, 20-21.
[7] Cfr. Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2ª ed., 2022, p. 106.
[8] Proferido no processo 2161/21.6T9VFR.P1 (William Themudo Gilman), in https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/18db1a6aa6421bc380258afb003a36a2?OpenDocument; Cfr. ainda o Ac TRP de 16.10.2024, proc. 30/23.4PEAVR.P1 (William Themudo Gilman), in https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/c0ab24580920459880258bc60053ac85?OpenDocument .
[9] Cfr. o Ac. TRP de 15.02.2023, proc. 394/22.7GBOBR.P1 (William Themudo Gilman), in https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/2b2510386ba880fe80258965003786ec?OpenDocument .