Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
708/20.4T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: NULIDADES DA SENTENÇA
CONTRADIÇÃO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
Nº do Documento: RP20230918708/20.4T8VNG.P1
Data do Acordão: 09/18/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - As causas determinantes da nulidade da sentença enumeradas, taxativamente, no nº1, do art. 615º do CPC, correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente aquela e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, ou seja, são vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário.
II - A contradição lógica susceptível de inquinar a decisão à luz do art. 615º, nº 1, c) do CPC é a que se verifica entre a fundamentação de direito e a decisão final, não uma, eventual, contradição entre os factos julgados provados e o direito tido por aplicável.
III - A nulidade por excesso de pronúncia, prevista no art. 615º, nº 1, d) do C.P.C, reconduz-se a um vício formal, em sentido lato, traduzido em “error in procedendo” ou erro de atividade que afecta a validade da decisão. Esta nulidade está diretamente relacionada com o art. 608º, nº 2, do mesmo Código.
IV - A nulidade por excesso de pronúncia, não se reporta aos fundamentos considerados pelo julgador para a prolacção da decisão, mas, antes afere-se pelos limites da causa de pedir e do pedido.
V – Ou seja, esta nulidade, por excesso de pronúncia, apenas se verifica quando o julgador conheça de questões jurídicas de que não poderia legalmente conhecer, por não integrarem o “thema decidendum”, por não terem sido suscitadas nem pedidas, nem constituírem questões de natureza oficiosa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 708/20.4T8VNG.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Vila Nova de Gaia - Juiz 1
Recorrente: Centro Hospitalar ...
Recorridas: AA e BB

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
As AA., AA, com domicílio na Travessa ..., n.º ..., 1.º esquerdo/traseiras, ... e BB, com domicílio na Rua ..., ..., 5.º esquerdo, Porto, intentaram acção declarativa de condenação, emergente de contrato de trabalho, sob a forma de processo comum, contra o Centro Hospitalar ..., pessoa colectiva, com sede na Av. ..., ..., Lisboa, pedindo que deverá ser dado provimento à presente acção e, consequentemente, a R. condenada a:
a) reconhecer que o subsídio de apoio à função integra a retribuição das autoras;
b) ver declarada e a reconhecer a transmissão das autoras para a ré e, em consequência:
- ver declarado o direito das autoras a manterem o subsídio de apoio à função;
- a pagar a cada uma das autoras as diferenças remuneratórias correspondentes ao período entre Dezembro de 2018 e Dezembro de 2019, o que perfaz o valor individual a pagar a AA: 2644,6 € e a BB: 2.766,21€;
- a pagar a cada uma das autoras, os juros moratórios, à taxa legal, calculados desde a data de vencimento de cada uma das prestações retributivas em causa na presente acção e até efectivo e integral pagamento;
- a pagar uma indemnização por danos morais a cada uma das autoras, em montante não inferior a € 3.500,00.
Fundamentam os seus pedidos alegando em síntese, que celebraram contratos por tempo indeterminado com SCM... para o exercício das funções de Coordenação de Segurança em Projecto e em Obra e monotorização de planos de segurança nos seus estabelecimentos e de Chefe de secção, respectivamente, ambas desempenhando as suas funções no designado SPeC (serviços partilhados e corporativos), sito na Rua ..., Porto.
Mais, alegam que, em 25/11/2013, a SCM..., então entidade empregadora das autoras assinou um acordo para a instalação e exploração do A..., sito na Avenida ..., Vila Nova de Gaia, por um período inicial de 3 anos, que se renovou por dois períodos de 12 meses, o que motivou a transferência de local de trabalho das autoras dos locais onde prestavam actividade, para aquele A.... A AA passou a exercer, no A..., as funções de Responsável pelo Serviço de Higiene e Segurança no Trabalho e de Coordenação do Gabinete de Ambiente e Segurança e a BB, as funções de Responsável dos Serviços Administrativos e Financeiros do A..., sendo que a primeira auferia 1.731,47 € de retribuição base, 173,15 €, a título de subsídio de apoio à função, correspondente a 10% da sua retribuição base, o que sucedia desde Janeiro de 2016 e 4,27 €/dia €, de subsídio de alimentação e a segunda 1.811,08 € de retribuição base; 181,11 €, a título de subsídio de apoio à função, correspondente a 10% da sua retribuição base, o que sucedia desde Fevereiro de 2014 e 4,27 €/dia €, de subsídio de alimentação, montantes que recebiam 14 vezes ao ano e independentemente de prestarem ou não actividade.
Por último, alegam que, em 26/11/2018, os contratos de trabalho das autoras foram transmitidos para o réu, que assumiu a posição de empregador na relação laboral que as autoras mantinham com a SCM..., tendo deixado de lhes pagar as retribuições até então pagas pelo transmitente (a SCM...), designadamente o subsídio de apoio à função, sendo que, aquando da transmissão, foi garantido às autoras que todos os seus direitos e regalias ao serviço da SCM... iriam ser assumidos por aquele CH..., sendo que o não pagamento de tal subsídio consubstancia, uma diminuição ostensiva e ilegal da retribuição das mesmas.
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Realizada a audiência de partes, após um período de suspensão da instância para o efeito, não foi possível a sua conciliação, conforme decorre da acta datada de 02.03.2020, tendo sido ordenada a notificação da Ré para contestar o que fez, alegando, que o subsídio de ajuda a funções a AA, que em 11.10.2008, celebrou com a SCM... contrato para o exercício das funções de Coordenação de Segurança em Projecto e em Obra e monotorização de planos de segurança nos seus estabelecimentos, correspondentes à categoria profissional de Técnico Superior de 2.ª classe, enquanto trabalhadora a prestar atividade ao serviço da SCM... no A..., desempenhou, até à data da transmissão (26/11/2018), as funções de Responsável pelo Serviço de Higiene e Segurança no Trabalho e de Coordenação do Gabinete de Ambiente e Segurança, sendo que em virtude daquelas funções, a título de subsídio de apoio à função, foi-lhe atribuído 173,15€ correspondente a 10% da sua retribuição base, o que sucedia desde janeiro de 2016. Mais, esta autora foi nomeada como Coordenadora do Gabinete de Ambiente e Segurança por Contrato de trabalho em regime de Comissão de Serviço, com início a 1 de outubro 2015, competindo-lhe entre outras funções planear, coordenar, fiscalizar, dirigir e controlar o funcionamento do Gabinete de Ambiente e segurança, garantindo o cumprimento das suas competências, sendo que no dito contrato ficou ainda estabelecido que, como compensação pelas funções desempenhadas, receberia ainda o subsídio de apoio ao exercício da função fixado em 10% da remuneração base no montante de € 173,15€ que, o local de trabalho do B... era na Rua ..., no Porto e que, cessada a comissão de serviço a autora, retomaria as funções de técnica superior de 2ª Classe.
Mais, alega que não existe na orgânica do CH..., nem o A... possui gestão autónoma, (estando sujeito ao Conselho de Administração do Centro Hospitalar, a quem reporta) o GAS, pelo que a autora, passou a desempenhar no CH..., as funções de delegada de segurança, funções que estão organizativamente e funcionalmente afetas ao Serviço de Obras e Infraestruturas-SOI. Em consequência, o SAF, que foi atribuído como compensação para o desempenho das funções como Coordenadora do Gabinete de Ambiente e Segurança, deixou de ser devido, após 26.11.2018, data da integração do A... no CH..., e da sua integração nos quadros deste.
Alega, ainda, que a autora, BB, enquanto trabalhadora a prestar atividade ao serviço da SCM... no A..., desempenhou, até à data da transmissão as funções de Responsável dos Serviços Administrativos e Financeiros do A..., sendo que em virtude do desempenho daquelas funções, a título de subsídio de apoio à função, foi-lhe atribuído € 181,11 correspondente a 10% da sua retribuição base, o que sucedia desde fevereiro de 2014. Porém, no contrato de trabalho em regime de comissão de serviço que celebrou em 01.04.2013 com a SCM..., a autora BB - foi nomeada como Coordenadora do Gabinete de Planeamento Financeiro e Apoio à Gestão por Contrato de trabalho em regime de Comissão de Serviço, com início a 1 de abril de 2013, reportando direta e exclusivamente à Mesa Administrativa da SCM..., competindo-lhe entre outras funções estudar, organizar e coordenar, sob a orientação da Mesa Administrativa as atividades que lhe são próprias; exercer dentro do serviço que chefia, e nos limites da sua competência, a orientação e fiscalização do pessoal sob as suas ordens, planear as atividades do serviço, sob as orientações e fins definidos, propor a aquisição de equipamentos e materiais e a admissão de pessoal necessário ao bom funcionamento do serviço-vide cláusula 2ª do Contrato Comissão Serviço e foi neste âmbito que lhe foi atribuído o S.A.F., ficando estabelecido nesse contrato, que o local de trabalho era no Gabinete de Apoio Financeiro, sito na Rua ..., no Porto e que cessada a comissão de serviço a autora, retomaria as funções de técnica superior de 2ª Classe.
E prossegue, alegando que com a sua integração nos quadros do CH..., a autora ficou integrada nos serviços financeiros respetivos, centralizados na unidade I, reportando diretamente ao Diretor financeiro-Dr. CC, deixando de exercer as funções que fundamentaram o Contrato de Trabalho em Regime de Comissão de Serviço, passando a estar sob as ordens do Diretor financeiro e as suas funções deixaram de coincidir com as constantes no referido Contrato de Trabalho em Comissão de Serviço, tendo deixado de ser devido o SAF que lhe foi atribuído como compensação para o desempenho das funções como Coordenadora do Gabinete de Ambiente e Segurança.
Por último, defende que os alegados danos não patrimoniais por parte das autoras, a provarem-se não merecem a tutela do Direito.
Conclui que, “deve a presente ação ser considerada improcedente, e o Réu CH... absolvido dos pedidos formulados pelas AA.”.
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Nos termos que constam do despacho de 16.10.2020, o Mº Juiz “a quo” proferiu despacho que fixou o valor da acção em € 37.248,10, saneador tabelar e, após se abster de convocar audiência prévia, bem como de proceder à fixação dos temos de prova, ordenou o prosseguimento dos autos para julgamento.
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Realizado aquele, nos termos documentados nas actas datadas de 14.10.2021 e 18.01.2022, foram os autos conclusos para o efeito e proferida sentença que terminou com a seguinte Decisão:
Nos termos e com os fundamentos alegados decido julgar a acção parcialmente procedente e provada e, consequentemente, condeno o réu Centro Hospitalar ... a
a) reconhecer que o subsídio de apoio à função integram a retribuição das autoras AA, e BB;
b) ver declarada e a reconhecer a transmissão das autoras para a ré e, em consequência:
- ver declarado o direito das autoras a manterem o subsídio de apoio à função;
- a pagar a cada uma das autoras as diferenças remuneratórias correspondentes ao período entre Dezembro de 2018 e Dezembro de 2019, o que perfaz o valor individual a pagar AA: 2644,6 € e BB: 2.766,21€;
- a pagar a cada uma das autoras, os juros moratórios, à taxa legal, calculados desde a data de vencimento de cada uma das prestações retributivas em causa na presente acção e até efectivo e integral pagamento.
Absolve-se o réu do demais peticionado.
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Custas pelas autoras e réu na proporção dos decaimentos, fixando-se em 1/5 para as primeiras e 4/5 para o segundo.
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Registe e notifique.”.
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Inconformado o R. veio interpor recurso, cujas alegações terminou com as seguintes CONCLUSÕES:
“70. Os fundamentos da sentença recorrida estão em oposição com a decisão e ocorre ambiguidade e/ou obscuridade que a torna ininteligível, em violação com a alínea c), nº 1 do artigo 615º do CPC;
Porquanto,
71. O tribunal “a quo” para sustentar a matéria dada como provada e a decisão que veio a proferir, fundou a sua convicção na testemunha DD, referindo:” Note-se que esta testemunha referiu que, na sua opinião o dito SAF deveria ter sido mantido porque foi atribuído a pessoas que foram desempenhar funções diferentes das habituais. Não obstante, logo a seguir, disse algo bem diferente e que precisamente, poderá constituir o cerne da questão: que o dito subsídio foi atribuído como forma de “premiar a carreira das autoras”, não tendo sido integrado no respectivo salário porque “saiu um diploma que cristalizou funções”- sublinhado nosso.
72. Não consegue o recorrente perceber claramente qual o cerne da questão a que se refere a meritíssima juíz “a quo”, nem o seu enquadramento no caso concreto, desde logo, porque, se pretendeu considerar que o SAF foi atribuído como forma de premiar a carreira das autoras, tal facto nunca foi alegado pelas mesmas, e o tribunal não se pode substituir a essa alegação, como adiante melhor se alegará.
73. O tribunal “a quo” não obstante considerar as afirmações, daquela testemunha, contraditórias, pelo menos, quanto à razão da atribuição do SAF, como adiante melhor se pugnará, valorizou-as ao acolhe-las para fundamentar a sentença.
74. A ser assim, como entende ser, a fundamentação do tribunal “a quo” é obscura e ininteligível.
75. Por outro lado, e ainda quanto ao SAF, fundou a sua convicção na testemunha EE, que referiu: “………tendo ficado decidido que ninguém seria prejudicado com a transição deste organismo para o CH...: quem exercesse funções de chefia e as continuasse a exercer não seria prejudicado em nada. Ou seja, formulou-se, dizemos nós, uma declaração de intenções que, a avaliar pela propositura da presente acção e do acordo entretanto já alcançado precisamente reconhecendo a atribuição do SAF aos demais autores, não passou disso mesmo” -sublinhado nosso
76. A testemunha reiterou, por diversas vezes que sempre foi sua posição, deixando-a bem expressa, que o SAF só deveria continuar a ser atribuído a quem continuasse a exercer funções de chefia, o que não aconteceu com as autoras nos autos.
77. Também aqui, considera o recorrente, que a fundamentação da sentença proferida pelo tribunal “a quo” é ininteligível nas considerações que faz quando afirma que: ..”formulou-se, dizemos nós, uma declaração de intenções que, a avaliar pela propositura da presente ação e do acordo entretanto já alcançado precisamente reconhecendo a atribuição do SAF aos demais autores, não passou disso mesmo”
78. Na verdade, é contraditório ou pouco claro, como se considera que se formulou uma declaração de intenções, que a avaliar pela propositura da presente ação e do acordo entretanto já alcançado precisamente reconhecendo a atribuição do SAF aos demais autores não passou disso mesmo, e por outro lado, fundar a sua convicção na testemunha EE, que referiu: “………tendo ficado decidido que ninguém seria prejudicado com a transição deste organismo para o CH...: quem exercesse funções de chefia e as continuasse a exercer não seria prejudicado em nada” é no mínimo contraditório e ininteligível!!
79. Nem se pode retirar conclusões do acordo firmado com os restantes autores! A única conclusão credível é que, o acordo alcançado com os restantes autores, apenas pode ser interpretado, como significativo de que o recorrente reconheceu que os mesmos desempenham as funções para as quais lhe foi atribuído o SAF!! Também aqui não se consegue entender, qual o alcance e sentido de tal fundamentação.
80. Ficou provado e da fundamentação da matéria de facto consta do ponto III.13 “O recebimento do SAF (subsidio de apoio às funções)..” pelas autoras; Ficou ainda provado, à contrário, (19 e 20 factos provados) que depois de 26-18-2018, com a integração do A... no CH..., E.P.E., as autoras passaram a exercer outras funções que não de chefia ou de “responsáveis”, que alegaram desempenhar e em virtude das quais peticionaram o SAF.
81. Ficou provado e da fundamentação da matéria de facto consta do ponto III.13 “O recebimento do SAF (subsidio de apoio às funções)..” pelas autoras.
82. Ficou ainda provado, à contrário, (19 e 20 factos provados) que depois de 26-18-2018, com a integração do A... no CH..., E.P.E., as autoras passaram a exercer outras funções que não de chefia ou de “responsáveis”, que alegaram desempenhar e em virtude das quais peticionaram o SAF.
83. Conjugando os factos alegados na fundamentação do tribunal “a quo” supra transcrita, e a causa de pedir formulada pelas autoras: o pagamento do SAF decorrente do exercício de funções, pela autora, AA de Responsável pelo Serviço de Higiene e Segurança no Trabalho e de Coordenação do Gabinete de Ambiente e Segurança; e da BB, as funções de Responsável dos Serviços Administrativos e Financeiros do A.... (vide ainda 51º e 52º da p.i.);
84. Resultou NÃO provado que a autora AA manteve, como mantém actualmente, a função de Responsável pelo serviço de Instalações e Equipamentos, e que, a autora BB manteve, como mantém actualmente, a função de Responsável dos Serviços Administrativos e Financeiros;
85. Resultou como não foi provado que: A Dr.ª FF asseverou às autoras que, obtidos os referidos códigos de processamento que iriam ser solicitados à C..., os subsídios de apoio à função seriam liquidados com efeitos retroactivos.
86. Os fundamentos da sentença estão em oposição com a decisão que reconheceu às autoras o direito ao SAF, quando, na verdade, a sentença deu como não provado que as mesmas, após a integração do A... no Recorrente, “manteve e mantém actualmente” as funções que invocaram na sua petição inicial, como causa da atribuição do SAF.
87. A sentença recorrida pronuncia-se sobre questões que não podia tomar conhecimento, em violação no disposto no artigo 615º, nº 1 alínea d), ex vi” do art.77º. do Código Processo Trabalho (CPT) conduzindo à nulidade da mesma, no que naquela parte diz respeito.
88. A fundamentação da sentença recorrida, apoia-se no depoimento da testemunha DD, considerando que, o facto de a testemunha ter mencionado que “o dito subsídio foi atribuído como forma de “premiar a carreira das autoras” pode ser o cerne da questão.
89. A sentença recorrida fundamenta a decisão de reconhecimento do direito do SAF às autoras, porquanto, considerou que, “recebendo as autoras o dito SAF 14 vezes por ano, pois, de forma periódica e ininterrupta, sem directa conexão com as funções desempenhadas ou o lugar e circunstâncias da sua prestação sendo certo, também, que lhes foi dito que com a transmissão dos contratos de trabalho para o CH... “Apenas mudaria o treinador” e que o subsídio de apoio à função não iria ser pago de imediato por inexistirem códigos para o processamento do mesmo (deixando, naturalmente antever o respectivo pagamento logo que resolvida esta questão “burocrática” ou “formal”, tudo acrescendo à presunção referenciada no art. 258.º/3 do C.T., se gerou na esfera jurídica das autoras uma legítima expectativa de o continuarem a, receber, integrando o mesmo a respectiva retribuição” sobrepondo-se ao alegado pelas autoras, que, NUNCA foi alegado pelas autoras que o valor correspondente ao SAF, lhes foi atribuído por outras razões ou causas, ou que continuou a ser-lhes pago, apesar de terem deixado de desempenhar as mesmas.
90. Não pode o tribunal substituir-se às autoras, para convocar factos não alegados pelas mesmas, para concluir que o montante que até aí lhes foi pago a título de SAF, não tem qualquer conexão com as funções desempenhadas, ou lugar e circunstâncias da prestação, no entanto, entende que o SAF faz parte integrante do vencimento.
91. É nula a sentença, por se pronunciar sobre questões (que as autoras nunca invocaram) que não devia ter apreciado, em violação no disposto no artigo 615º, nº 1 alínea d) do CPC conforme supra se alega, e o que desde já se invoca e requer, e do art.º 265.º, nº1 do Código de Processo Civil (CPC) .
92. O recorrente, entende ser manifesto que a fundamentação e consequente decisão de atribuição do SAF, “sem directa conexão com as funções desempenhadas ou o lugar e circunstâncias da sua prestação”, configura uma alteração da causa de pedir vedada nos autos face à oposição ao mesmo.
93. Donde, nunca na petição se alegou que o montante que recebiam, com a designação de SAF, não tinha direta conexão com as funções desempenhadas ou o lugar e circunstâncias da sua prestação, sendo este um facto essencial à conformação da causa de pedir.
94. Consequentemente, não tendo sido invocado, em nenhum ponto da petição inicial, que a prestação (SAF), tivesse um regime/fundamento de pagamento distinto.
95. Esta ductilidade na alegação da causa de pedir foi justamente o que o artigo 265º do CPC quis evitar, impedindo-a. O que agora se veio demandar não decorre ou é sucedâneo do que antes se pediu; assume uma distinta causa de pedir, que, além de contraditório, assume vestes de novidade, implicando uma violação, vedada por lei, do princípio/regra da estabilidade da instância.
96. Pronunciando-se da forma como o fez, o tribunal “a quo” violou o disposto art.º 265.º, nº1 do Código de Processo Civil e no artigo 615º, nº 1 d), aplicável ex vi artigo 1º CPT, o que conduz à nulidade da mesma na parte a que diz respeito, por entendermos que esta apreciação e fundamentação influi na decisão da sentença recorrida.
97. -A sentença recorrida, faz uma incorreta apreciação da prova e errónea interpretação da aplicação do direito aos factos, em violação do disposto no artigo 258º, n.º 3, do Código do CT/03;
98. Deverá proceder à reapreciação de facto, quanto ao facto dado como provado, vertido no ponto 22 sobre a matéria de facto fixada, porquanto, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, tem relevância jurídica, nomeadamente, por o depoimento produzido em audiência de julgamento, pela testemunha GG, conjugado com a restante prova produzida impor uma conclusão diferente.
99. Deve ser reapreciada a prova gravada, e em consequência dado como NÃO provado o ponto 22 dos Factos Provados, passando a figurar como Facto Não Provado.
100. Atenta a documentação por gravação da audiência de discussão e julgamento, é legalmente admissível e possível ao Venerando Tribunal da Relação conhecer, não só da matéria de direito, mas também da matéria de facto, como se requereu no requerimento de interposição de recurso e se reitera, ao abrigo do disposto no Art.662º, n. 1 do NCPC.
101. Cumpre à Relação, como tribunal de instância, reapreciar a decisão da matéria de facto nos pontos impugnados. Para além de refletir na decisão os meios de prova com força probatória plena, cumpre à Relação reponderar o valor probatório que se extrai dos meios de prova sujeitos a livre apreciação.
102. Como bem entende António S. Abrantes Geraldes-Recursos no Novo Código Processo Civil, 2ª ed., anot.ao art. 662º “ Trata-se de matéria que tem sido objecto de diversas pronúncias do STJ que uniformemente vem entendendo que a Relação, como tribunal de instância, deve apreciar os meios de prova indicados pelas partes (e outros que considere oportunos para a formação da sua convicção), gozando de autonomia apreciativa que deve traduzir-se na assunção de um juízo próprio, em lugar de mera projecção de observações de ordem teórica em torno dos princípios da imediação, da oralidade ou da livre apreciação das provas”
103. Salvo o devido respeito por opinião diferente, atento o depoimento gravado supra transcrito, sempre se teria de concluir que NÂO ficou provado que a Dra GG, Diretora dos Recursos Humanos, tenha dito aos autores que o subsídio de apoio à função não iria ser pago de imediato por inexistirem códigos para o processamento do mesmo.
104. Assim o ponto 22 dos factos provados: A Sr.ª Dr.ª GG, Directora de Recursos Humanos do réu, em 12/12/2018 informou os autores que o subsídio de apoio à função não iria ser pago de imediato por inexistirem códigos para o processamento do mesmo, deve passar a figurar dos FACTOS NÃO PROVADOS.
105. Salvo o devido respeito por opinião diferente, pelo contrário, e diferentemente do que foi julgado na 1ª instância, o depoimento da Testemunha DD, deve ser desconsiderado no que a esta questão concerne, quer porque tal resulta de um exame crítico e criterioso das provas produzidas, quer da prova documental junta aos autos, quer do depoimento da testemunha EE, (que o tribunal “ a quo” valorizou) porque só assim se satisfaz as regras da experiência comum da vida e as normas do bom-senso, apontando as referidas provas, precisamente, para ser dado como provado que o SAF não integra a retribuição das autoras.
106. Na verdade, aquela testemunha, confrontada com a questão que antecede, “inverteu” a posição até aí assumida, nitidamente “colado” à versão trazida aos autos pelas autoras, afirmando que estas desempenham funções que ficou provado não desempenharam (atente-se o sublinhado nosso na transcrição do seu depoimento) e responde que, foi uma forma de premiar o mérito e a competência das autoras. Que a SC tinha por hábito atribuir o SAF como uma forma de premiar o mérito e competência das pessoas por vezes para não aumentar as divergências salariais entre os que ganham menos e os que ganham mais. “Era uma forma de ganharem mais 10%”
107. O tribunal “a quo” para sustentar a matéria dada como provada e a decisão que veio a proferir, fundou a sua convicção na testemunha DD, fazendo uma errónea apreciação da prova produzida, designadamente, desde logo quando considera que a testemunha: “disse algo bem diferente e que precisamente, poderá constituir o cerne da questão: que o dito subsídio foi atribuído como forma de “premiar a carreira das autoras”, não tendo sido integrado no respectivo salário porque “saiu um diploma que cristalizou funções.”
108. Ou seja, parece-nos que o tribunal “a quo” fundou a convicção no depoimento da referida testemunha DD (que se mostrou contraditório, e o próprio tribunal assim o reconheceu) para decidir reconhecer que o subsídio de apoio à função integra a retribuição das autoras.
109. EM CONSEQUÊNCIA, a aplicação do direito aos factos que o tribunal “ a quo” faz, no nosso entender foi errónea, desde logo porque assentou em factos que como supra se alega, o recorrente entende dever ser considerados não provados- ponto 22 factos provados e porque fez uma interpretação restritiva da expressão usada “apenas mudaria o treinador”, desacompanhada de factos que sem dúvidas levassem a concluir que se quis manter o SAF, em conjugação com o depoimento da testemunha DD que tomou duas posições antagónicas no decorrer do seu depoimento.
110. Deve ser infirmada a convicção do tribunal “a quo” de que o SAF integra a retribuição das autoras, pois a razão pela qual foram atribuídos deixar de existir, não beneficiando da tutela da irredutibilidade e do regime de tutela dos créditos retributivos, sem prejuízo, da invocada à alteração da causa de pedir, que conduz à nulidade da sentença.
111. E, não tendo ficado provado o desempenho das funções que alegavam exercer e que justificavam o nexo causal com a atribuição do SAF, outra coisa não se podia decidir que não fosse pela improcedência da ação.
112. Deve considerar-se que a presunção contida no nº 3, do artigo 258º do CT, foi ilidida, nomeadamente, pelos factos considerados provados de 10 a 14 e de 19 a 21 supra transcritos e pelo depoimento da testemunha GG, que deve ser reapreciado conforme se peticiona.
Termos em que deve o Recurso merecer provimento, e em consequência ser Revogada a
sentença do tribunal “a quo”, e substituída por outra que considere que:
a) -Os fundamentos da douta sentença recorrida, data vénia, estão em oposição com a decisão e ocorre ambiguidade e/ou obscuridade que a torna ininteligível, em violação com a alínea c), nº 1 do artigo 615º do CPC, impondo-se o seu esclarecimento e fundamentação;
b) -A sentença recorrida pronuncia-se sobre questões que não podia tomar conhecimento, em violação no disposto no artigo 615º, nº 1 alínea d), ex vi” do art. 77º. do Código Processo Trabalho (CPT) conduzindo à nulidade da mesma, que desde já se alega e peticiona, impondo-se a consideração de que existiu alteração da causa de pedir, o que conduz à nulidade da sentença, conforme melhor supra se fundamenta e desde já se peticiona.
c)-A sentença recorrida, faz uma incorreta apreciação da prova impondo-se a consideração do ponto 22 dos factos provados, como não provados e a desconsideração do depoimento da testemunha DD, para fundamentar a decisão, e em consequência a alteração da aplicação dos factos ao direito, ou seja, não tendo ficado provado o desempenho das funções que alegavam exercer e que justificavam o nexo causal com a atribuição do SAF, decidir pela improcedência da ação.
d) -Errónea interpretação da aplicação do direito aos factos, designadamente do disposto no artigo 258º, do Código do CT/03 e artigo 129º al d) do CT., impondo-se a consideração de que falta de fundamento não tendo ficado provado o desempenho das funções que alegavam exercer e que justificavam o nexo causal com a atribuição do SAF, e presunção contida no nº 3, do artigo 258º do CT, ilidida, nomeadamente, pelos factos considerados provados de 10 a 14 e de 19 a 21 decidir que não fosse pela improcedência da ação.
Termos em que deve o Recurso merecer provimento, nos termos supra peticionados, V. Exas. farão contudo JUSTIÇA!”.
*
As AA. apresentaram contra-alegações que terminaram com as seguintes “CONCLUSÕES
I-A ré recorrente não apresenta conclusões organizadas de forma adequada atento o disposto no nº3 do artigo 639º do C.P.C
2-A recorrente deve prestar caução nos termos do nº2 do artigo 649º do C.P.C
3-Não há qualquer ambiguidade ou obscuridade da sentença. A sentença é inteligível e por isso contém esse vicio.
4-A decisão não condenou a ré em nada que excedesse o pedido. O pedido está adequadamente formulado e o tribunal conheceu-o
5-A decisão de facto é irrepreensível pelo que não deve ser revogada
6-A decisão de direito também deve ser conservada porque fez a adequada aplicação do direito aos factos
Termos em que o pedido no âmbito do recurso interposto deve ser julgado improcedente.”.
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Recebido o recurso, como apelação e efeito meramente devolutivo, pronunciou-se, ainda, a Mª Juíza “a quo” quanto à invocada nulidade da sentença, dizendo: “A recorrente invoca a nulidade da sentença por sobre questões que não podia tomar conhecimento.
Analisado o requerimento de invocação de tal nulidade entendemos que a mesma não se verifica, não estando o Tribunal adstrito a uma mera e cega adesão (ou não) à redacção dada pelas partes aos seus articulados.
Assim, não se vislumbra que a sentença proferida padeça de qualquer das nulidades invocadas.
Aceita-se que a Recorrente não concorde com a sentença proferida, e, por isso mesmo, interpôs o competente recurso, mas crê-se que a mesma não padece das apontadas nulidades, pelo que nada há que cumpra suprir-se.”, e ordenou a subida dos autos a esta Relação.
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Neste Tribunal o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, nos termos do art. 87º, nº 3, do CPT, no sentido de que deverá negar-se provimento ao recurso e confirmar-se a douta sentença recorrida.
Notificadas as partes, não responderam.
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Cumpridos os vistos, há que apreciar e decidir.
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Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigo 87º do CPT e artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, 639º, nºs 1 e 2 e 640º, do CPC (aprovado pela Lei nº 41/2013 de 26 de Junho- diploma a que pertencerão todos os artigos a seguir citados, sem outra indicação de origem) e importando conhecer de questões e não de razões ou fundamentos, as questões a decidir e apreciar consistem em saber:
- se a sentença é nula, por violação do disposto nas alíneas c) e d), nº 1 do art. 615º do CPC;
- se o Tribunal “a quo” errou o julgamento, quanto ao facto vertido no pontos 22 dos factos provados;
- se o Tribunal “a quo” errou na decisão de direito, por errónea interpretação da aplicação do direito aos factos, como defende o apelante.
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II - FUNDAMENTAÇÃO:
A) – Os Factos
O Tribunal “a quo” considerou os seguintes:
Factos Provados:
1. Em 11.10.2008, a autora AA celebrou com a Santa Casa de Misericórdia ... (SCM...) contrato de trabalho por tempo indeterminado, para o exercício das funções de Coordenação de Segurança em Projecto e em Obra e monotorização de planos de segurança nos seus estabelecimentos, correspondentes à categoria profissional de Técnico Superior de 2.ª classe, mediante a remuneração bruta mensal de € 1.592,16, com período de férias remuneradas previstas na ACT de 22-12-2001, com o horário de 35 horas semanais, tendo ficado ainda acordado que todas as relações jurídicas emergentes do contrato se regerão pela dita ACT (Portaria 278/2010, de 24/05) e subsidiariamente pela legislação geral sobre os contratos de trabalho.
2. Em 01.01.2002, a autora BB celebrou com a SCM... contrato de trabalho por tempo indeterminado, para o exercício das funções de Chefe de secção, correspondentes à categoria profissional de Chefe de secção, mediante a remuneração-base mensal de € 1.089,87, com período de férias remuneradas previstas na ACT das IPSS, com o horário de 35 horas semanais, tendo ficado ainda acordado que todas as relações jurídicas emergentes do contrato se regerão pela Portaria da CTT e subsidiariamente pela legislação geral sobre os contratos de trabalho, tendo ainda ficado acordado na Cláusula 4.ª que se a mudança de local de trabalho exceder os limites da cidade do Porto (os serviços da autora seriam prestados no Centro Hospitalar 1..., aceitando, contudo, prestá-los em quaisquer estabelecimentos ou locais de actividade da SCM... sitos no âmbito da área metropolitana do Porto) a autora seria compensada pelo acréscimo efectivo de deslocação que viesse a suportar, acréscimo calculado com base na tarifa dos transportes públicos, táxis excluídos.
3. Em 25/11/2013, a SCM..., assinou um acordo de gestão para a instalação e exploração do A..., sito na Avenida ..., Vila Nova de Gaia, por um período inicial de 3 anos.
4. E que se veio a renovar por duas vezes, por períodos de 12 meses, até 25/11/2018.
5. O que motivou a transferência de local de trabalho das autoras do designado SPEC, para aquele A....
6. A AA e BB, à data das suas transferências para o A..., em 01/08/2018 encontravam-se a prestar actividade ao serviço da SCM... no designado SPeC (serviços partilhados e corporativos), sito na Rua ..., Porto.
7. Em 01-10-2015 foi celebrado entre a SCM... e a autora AA um “Contrato e Trabalho de Comissão de Serviço” de onde consta ter sido nomeada, naquela data, como Coordenadora do Gabinete de Ambiente e Segurança, até 31-01-2017, reportando directa e exclusivamente à Direcção do Departamento de Gestão Administrativa e do Património, competindo-lhe entre outras funções, planear, coordenar, fiscalizar, dirigir e controlar o dito Gabinete.
Mais se consignou nesse contrato que a remuneração mensal seria a de € 1.731,47, acrescendo subsídio de refeição e “Como compensação pelas funções que desempenha como Coordenadora do Gabinete de Ambiente e Segurança” receberia ainda o Subsídio de Apoio ao Exercício de Funções fixado em 10% da sua remuneração base, no montante mensal de € 173,15, sendo o seu local de trabalho, no tocante à comissão de serviço no Gabinete de Ambiente e Segurança, “actualmente nas instalações do Departamento de Gestão Administrativa e do Património, sito na Rua ... – ... Porto.
Consta ainda do dito contrato que cessada a comissão de serviço a autora “retomará o exercício das suas funções como Técnico Superior de 2.ª Classe”.
8. Em 01-04-2013 foi celebrado entre a SCM... e a autora BB um “Contrato e Trabalho de Comissão de Serviço”, de onde consta que a autora foi admitida ao serviço da SCM... em 01-01-2002 por contrato de trabalho sem termo como Chefe de Secção de Serviço de Contabilidade e naquela data (01-04-2013) nomeada como Coordenadora do Gabinete de Planeamento Financeiro e Apoio à Gestão, até 31-01-2014, reportando directa e exclusivamente à Mesa Administrativa, competindo-lhe entre outras funções, estudar, organizar, e coordenar, sob orientação da Mesa Administrativa as actividades que lhe são próprias; exercer dentro do Serviço que chefia e nos limites da sua competência a orientação e a fiscalização do pessoal sob as suas ordens; planear as actividades do Serviço, segundo as orientações e fins definidos; propor a aquisição de equipamentos e materiais e a admissão de pessoal necessário ao bom funcionamento do Serviço.
Mais se consignou nesse contrato que a remuneração mensal seria a de € 1.651,87, acrescendo subsídio de refeição e “Como compensação pelas funções que desempenha como “Coordenadora do Gabinete de Planeamento Financeiro e Apoio à Gestão” receberia ainda o Subsídio de Apoio ao Exercício de Funções fixado em 15% da sua remuneração base, no montante mensal de € 247,78, sendo o seu local de trabalho, no tocante à comissão de serviço no Gabinete de Planeamento Financeiro e Apoio à Gestão, integrado no Hospital ..., sito na Rua ..., no Porto.
Consta anda do dito contrato que cessada a comissão de serviço a autora “retomará o exercício das suas funções como Técnica Superior de 2.ª Classe”.
9. O A... é um centro especializado de reabilitação que presta cuidados de medicina física e de reabilitação, implementado em ... e encontra-se dotado de equipamentos e recursos próprios, quer ao nível de pessoal, quer ao nível de material.
10. Enquanto trabalhadores a prestar actividade ao serviço da SCM... no A..., as aqui autoras desempenharam até 26/11/2018 as seguintes funções:
- A AA, as funções de Responsável pelo Serviço de Higiene e Segurança no Trabalho e de Coordenação do Gabinete de Ambiente e Segurança, tendo a categoria profissional de “Técnico Superior de 2.ª Classe”
- A BB, as funções de Responsável dos Serviços Administrativos e Financeiros do A..., tendo a categoria profissional de “Técnico Superior de 2.ª Classe”.
11. Em 26/11/2018 as autoras auferiam as seguintes retribuições:
- A AA, 1.731, 47 € de retribuição base; 173,15 €, a título de subsídio de apoio à função, correspondente a 10% da sua retribuição base, o que sucedia pelo menos desde Janeiro de 2016 e 4,27 €/dia €, de subsídio de alimentação;
- A BB, 1.811, 08 € de retribuição base, 181,11 €, a título de subsídio de apoio à função, correspondente a 10% da sua retribuição base, o que sucedia pelo menos desde Fevereiro de 2014 e 4,27 €/dia €, de subsídio de alimentação.
12. As funções e retribuições que referidas em 10. e 11. mantiveram-se, desde a transmissão das autoras para o A... até 25/11/2018.
13. Em 26/11/2018, os contratos de trabalho das autoras foram transmitidos para o aqui réu, que assumiu a posição de empregador na relação laboral que as autoras mantinham com a SCM....
14. As autoras recebiam o SAF 14 vezes ao ano e independentemente de prestarem ou não actividade.
15. Em 30/10/2018 tiveram as autoras conhecimento que o A..., onde prestavam actividade, iria passar para gestão pública, mais concretamente para o CH....
16. Teve lugar uma reunião entre os autores e diversos representantes quer da SCM..., na qualidade de transmitente/entidade empregadora à data, quer do CH..., na qualidade de transmissário, quer, inclusive, da D... (D...) e mesmo do Governo, para informação sobre a transmissão da gestão do A... para o réu.
17. Nessa reunião foi dito que apenas “Apenas mudaria o treinador”.
18. O A... manteve a sua natureza de centro especializado de reabilitação que presta cuidados de medicina física e de reabilitação, mantido os equipamentos e demais bens que compunham a sua estrutura.
19. Depois de 26-11-2018 a autora AA passou a exercer as funções de Delegada de Segurança no CH..., a partir do A..., tendo deixado de desempenhar as funções de planear, coordenar, fiscalizar, dirigir e controlar o funcionamento do gabinete de ambiente e segurança, funções que estão organizativamente e funcionalmente afetas ao Serviço de Obras e Infraestruturas-SOI, e mais concretamente ao diretor, Engenheiro HH.
20. Depois de 26-11-2018 a autora BB passou a exercer as funções de Técnica Financeira, tendo ficado integrada nos serviços financeiros respetivos, centralizados na unidade I, reportando diretamente ao Diretor Financeiro (primeiro ao Dr. CC e depois à Dr.ª II).
21. Depois de 26-11-2018 não mais foi pago às autoras, pelo réu, o S.A.F., apesar de as primeiras o terem reclamado, por diversas vezes, junto do segundo
22. A Sr.ª Dr.ª GG, Directora de Recursos Humanos do réu, em 12/12/2018 informou os autores que o subsídio de apoio à função não iria ser pago de imediato por inexistirem códigos para o processamento do mesmo.
23. Na orgânica do CH... não existe Gabinete de Ambiente e Segurança, nem o A... possui gestão autónoma, (estando sujeito ao Conselho de Administração do Centro Hospitalar, a quem reporta).
24. Toda a situação descrita tem causado ansiedade nas autoras.
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Factos não provados (aqui não se incluem as alegações conclusivas e os conceitos de direito), para além daqueles que se encontrem naturalmente em oposição com os que estão indiciados:
1. O A... tem orçamento próprio, e, aquando da exploração pela SCM..., era definido por contrato programa celebrado com a D....
2. Aquando da transmissão foi garantido aos autores que todos os seus direitos e regalias ao serviço da SCM... iriam ser assumidos por aquele CH....
3. Estiveram presentes na reunião referida em 16. o Senhor Provedor da SCM..., Dr. JJ, o Senhor Vice-Presidente do Conselho de Gestão do A..., Dr. KK, o Sr. Presidente do Conselho de Administração do CH..., Dr. EE, o Sr. Presidente da D..., o Dr. LL e a Srª Secretária de Estado da Saúde, Drª MM.
4. Na referida reunião foi garantido pelo Senhor Provedor da SCM..., Dr. JJ, aos diversos trabalhadores do réu, nos quais se incluem as aqui autoras, que nenhuma alteração se iria registar nos vínculos e condições retributivas que vigoravam à data da transmissão prevista.
5. Garantia que foi secundada, por diversas vezes, quer pela Srª Secretária de Estado da Saúde, Drª MM, quer pelo o Sr. Presidente da D..., o Dr. LL.
6. O A... tenha mantido todos os trabalhadores que ali prestavam actividade.
7. A autora AA manteve, como mantém actualmente, a função de Responsável pelo serviço de Instalações e Equipamentos.
8. A autora BB manteve, como mantém actualmente, a função de Responsável dos Serviços Administrativos e Financeiros.
9. As autoras, como consequência do silêncio do réu e não antevendo a reposição das suas condições laborais, têm sofrido de insónias e irritabilidade permanente.
10. A Dr.ª FF asseverou às autoras que, obtidos os referidos códigos de processamento que iriam ser solicitados à C..., os subsídios de apoio à função seriam liquidados com efeitos retroactivos.
11. No âmbito a nomeação da autora AA como Delegada de Segurança esta fez, sob supervisão do Diretor do SOI, a adaptação do projeto de segurança da fase B do CH... e aprovação do plano de segurança e saúde (PSS) da empreitada dos arruamentos da unidade.”.
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B) – O Direito
- Da nulidade da sentença
A primeira questão a apreciar, consiste em apurar se a sentença padece das arguidas nulidades, o que o apelante faz, invocando o art. 615º, nº 1, al.s c) e d), CPC (Código de Processo Civil, diploma a que pertencerão os demais artigos a seguir referidos, sem outra indicação de origem), respectivamente, por entender que, os fundamentos da sentença recorrida estão em oposição com a decisão e ocorrer ambiguidade e/ou obscuridade que a torna ininteligível e por, o Tribunal “a quo” se pronunciar sobre questões que não podia tomar conhecimento.
Vejamos.
As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão são as que vêm taxativamente enumeradas no nº 1 do art. 615º.
Nele se dispõe que, é nula a sentença quando: “a) não contenha a assinatura do juiz; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.”.
Em anotação ao art. 668º do CPC de 1961, que corresponde ao actual art. 615º, refere (Abílio Neto, in “Código de Processo Civil Anotado”, 23ª ed., pág. 948), que “os vícios determinantes da nulidade da sentença correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia). São, sempre, vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afectada.”.
Como concluem (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, 2ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pág. 686) entre as causas de nulidades da sentença enumeradas, taxativamente, no nº1, do art. 615º, não se incluem o “chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário”
Analisando, o caso.
Começa o recorrente por dizer que os fundamentos da sentença recorrida estão em oposição com a decisão e ocorre ambiguidade e/ou obscuridade que a torna ininteligível, invocando, a violação da alínea c), nº1 daquele art. 615º.
Fá-lo sob a alegação de que, «6. O tribunal “a quo” para sustentar a matéria dada como provada e a decisão que veio a proferir, fundou a sua convicção na testemunha DD, referindo:” Note-se que esta testemunha referiu que, na sua opinião o dito SAF deveria ter sido mantido porque foi atribuído a pessoas que foram desempenhar funções diferentes das habituais. Não obstante, logo a seguir, disse algo bem diferente e que precisamente, poderá constituir o cerne da questão: que o dito subsídio foi atribuído como forma de “premiar a carreira das autoras”, não tendo sido integrado no respectivo salário porque “saiu um diploma que cristalizou funções” - sublinhado nosso 7. Ora, não consegue o recorrente perceber claramente qual o cerne da questão a que se refere a meritíssima juíz “ a quo”, nem o seu enquadramento no caso concreto, desde logo, porque, se pretendeu considerar que o SAF foi atribuído como forma de premiar a carreira das autoras, tal facto nunca foi alegado pelas mesmas, e o tribunal não se pode substituir a essa alegação, como adiante melhor se alegará. 8. Acresce, que o tribunal “a quo” não obstante considerar as afirmações, daquela testemunha, contraditórias, pelo menos, quanto à razão da atribuição do SAF, como adiante melhor se pugnará, valorizou-as ao acolhe-las para fundamentar a sentença. 9. A ser assim, como entende ser, a fundamentação do tribunal “a quo” é obscura e ininteligível. 10. Por outro lado, e ainda quanto ao SAF, fundou a sua convicção na testemunha EE, que referiu: “………tendo ficado decidido que ninguém seria prejudicado com a transição deste organismo para o CH...: quem exercesse funções de chefia e as continuasse a exercer não seria prejudicado em nada. Ou seja, formulou-se, dizemos nós, uma declaração de intenções que, a avaliar pela propositura da presente acção e do acordo entretanto já alcançado precisamente reconhecendo a atribuição do SAF aos demais autores, não passou disso mesmo” - sublinhado nosso 11. “A testemunha reiterou, por diversas vezes que sempre foi sua posição, deixando-a bem expressa, que o SAF só deveria continuar a ser atribuído a quem continuasse a exercer funções de chefia, o que não aconteceu com as autoras nos autos.” 12. Também aqui, considera o recorrente, que a fundamentação da sentença proferida pelo tribunal “a quo” é ininteligível nas considerações que faz quando afirma que: ..”formulou-se, dizemos nós, uma declaração de intenções que, a avaliar pela propositura da presente ação e do acordo entretanto já alcançado precisamente reconhecendo a atribuição do SAF aos demais autores, não passou disso mesmo” 13. Na verdade, é contraditório ou pouco claro, como se considera que se formulou uma declaração de intenções, que a avaliar pela propositura da presente ação e do acordo entretanto já alcançado precisamente reconhecendo a atribuição do SAF aos demais autores não passou disso mesmo, e por outro lado, fundar a sua convicção na testemunha EE, que referiu: “………tendo ficado decidido que ninguém seria prejudicado com a transição deste organismo para o CH...: quem exercesse funções de chefia e as continuasse a exercer não seria prejudicado em nada” é no mínimo contraditório e ininteligível!! 14. Nem se pode retirar conclusões do acordo firmado com os restantes autores! A única conclusão credível é que, o acordo alcançado com os restantes autores, apenas pode ser interpretado, como significativo de que o recorrente reconheceu que os mesmos desempenham as funções para as quais lhe foi atribuído o SAF!! Também aqui não se consegue entender, qual o alcance e sentido de tal fundamentação.15. Ficou provado e da fundamentação da matéria de facto consta do ponto III.13 “O recebimento do SAF (subsidio de apoio às funções)..” pelas autoras. 16. Ficou ainda provado, à contrário, (19 e 20 factos provados) que depois de 26-18-2018, com a integração do A... no CH..., E.P.E., as autoras passaram a exercer outras funções que não de chefia ou de “responsáveis”, que alegaram desempenhar e em virtude das quais peticionaram o SAF. 17. Conjugando os factos alegados na fundamentação do tribunal “a quo” supra transcrita, e a causa de pedir formulada pelas autoras: o pagamento do SAF decorrente do exercício de funções, pela autora, AA de Responsável pelo Serviço de Higiene e Segurança no Trabalho e de Coordenação do Gabinete de Ambiente e Segurança; e da BB, as funções de Responsável dos Serviços Administrativos e Financeiros do A.... (vide ainda 51º e 52º da p.i.); 18. O facto NÃO provado (7 factos não provados): que a autora AA manteve, como mantém actualmente, a função de Responsável pelo serviço de Instalações e Equipamentos. 19. Desde logo, uma ressalva quanto ao facto mencionado no número anterior, sobre o qual, entendemos existir uma ambiguidade/obscuridade que só se entende por algum lapso de escrita, já que, a autora AA nunca alegou que” manteve, como mantém actualmente, a função de Responsável pelo serviço de Instalações e Equipamentos.”, mas sim de Responsável pelo Serviço de Higiene e Segurança no Trabalho e de Coordenação do Gabinete de Ambiente e Segurança. E ainda que, 20. Foi dado como NÃO provado: que a autora BB manteve, como mantém actualmente, a função de Responsável dos Serviços Administrativos e Financeiros; 21. Também não foi provado (10 factos não provados) que: A Dr.ª FF asseverou às autoras que, obtidos os referidos códigos de processamento que iriam ser solicitados à C..., os subsídios de apoio à função seriam liquidados com efeitos retroactivos. Entende o recorrente, que: 22. Os fundamentos da sentença estão em oposição com a decisão que reconheceu às autoras o direito ao SAF, quando, na verdade, a sentença deu como não provado que as mesmas, após a integração do A... no Recorrente, “manteve e mantém actualmente” as funções que invocaram na sua petição inicial, como causa da atribuição do SAF.».
As recorridas discordam que se verifique a invocada nulidade, pugnando que deve considerar-se improcedente, com fundamento de que, “a ré tenta fragilizar a fundamentação da decisão de facto em relação a algumas testemunhas, mas sem razão. Nessa parte da decisão a Meritíssima Juiz explicou o que valorizou nos depoimentos de cada testemunha, indicando até contradições aqui e ali, construindo assim a sua convicção em relação aos factos em crise. Foi com essas convicções que a Meritíssima proferiu a decisão de facto. (…). Se há algum erro na apreciação da prova (erro que será patente na fundamentação/ motivação), a sua impugnação deve ser feita no recurso da decisão da matéria de facto e não por via de qualquer nulidade. Na verdade, o que a Meritíssima afirma não é ambíguo, não é obscuro e não é ininteligível. Com efeito, é notório que, sob a capa de uma pretensa nulidade, a ré procura dar por assentes novos factos e daí extrair novas conclusões jurídicas, que permitam sustentar a tese que propugna. O que se põe em causa, insista-se, não através da invocação de nulidade, mas sim pela interposição de recurso, de direito e de facto, da decisão do Tribunal a quo. É que uma coisa é haver uma errónea identificação da matéria dada como provada ou uma errada interpretação e aplicação da lei, sendo que daí não decorre a nulidade da sentença, E outra coisa totalmente distinta é haver obscuridade ou ambiguidade na decisão proferida pelo Tribunal recorrido. Ora, certo é que uma tal situação não se verifica quanto à sentença sob escrutínio, cujo conteúdo e alcance foi claramente compreendido pela ré.”.
Que dizer?
Desde logo, sempre com o devido respeito, por diferente entendimento, que concordamos com as recorridas.
O recorrente não tem razão.
Sem dúvida, os argumentos invocados pelo mesmo relativos a, alegados, vícios que imputa à apreciação e valorização das provas efectuada pela Mª Juíza “a quo” e à motivação da decisão sobre a matéria de facto, na sequência da apreciação que efectuou das provas produzidas nos autos, (todas, como se verifica - sujeitas à sua livre apreciação), decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, a existirem, não são causa da nulidade invocada, tão só configurarão patologias ou vícios da decisão da matéria de facto que correspondendo, eventualmente, a erro de julgamento, não deixará de ser devidamente impugnada pelo recorrente, com vista à sanação daquele. Não configuram, eles, nenhum daqueles vícios que a lei tipifica como causa de nulidade da sentença, nomeadamente, nos termos da invocada al. c), do referido art. 615º, na parte em que dispõe que: “é nula a sentença quando: (…) “ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.”.
Como vem sendo entendido na jurisprudência, nomeadamente, do Supremo Tribunal, veja-se, entre outros o (Acórdão de 31.03.2022, Proc. nº 812/06.1TBAMT.P1.S1, in www.dgsi.pt – lugar da internet onde se encontrarão todos aos acórdãos a seguir citados, sem outra indicação), “não é qualquer ambiguidade ou obscuridade que provoca a nulidade da sentença, mas apenas aquela que torna a decisão ininteligível.”, sendo que “a ininteligibilidade relevante para efeito do art. 615.º do CPC é a da decisão da causa e não a mera ininteligibilidade de um argumento utilizado no percurso decisório.”.
Por outro lado, «a ambiguidade ou a obscuridade prevista na al. c) do n.º 1 do art. 615.º só releva quando torne a parte decisória ininteligível e só torna a parte decisória ininteligível “quando um declaratário normal, nos termos dos arts. 236.º, n.º 1, e 238.º, n.º 1, do CC, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar”», conforme (Acórdão do STJ de 20.05.2021, Proc. n.º 69/11.2TBPPS.C1.S1).
Ora, no caso, não se verifica qualquer ambiguidade, obscuridade da decisão. Como já dissemos, o que se verifica é que o recorrente, confunde a nulidade invocada com um eventual erro de julgamento. Alegadamente, discorda da apreciação das provas e dos factos realizada pelo Tribunal “a quo” e das considerações tecidas a esse propósito que, apelida de contraditórias, ambíguas e ininteligíveis.
Mas, tal vício, a verificar-se, como já dissemos, seria um erro de julgamento e não a nulidade arguida. Acresce que, analisando a sentença recorrida, não se identifica no seu teor qualquer ambiguidade ou ininteligibilidade da decisão mas, sim, verifica-se que a Mª Juíza “a quo” aplicou o direito aos factos que considerou provados e não a quaisquer outros.
E, o mesmo se diga quanto à alegada oposição entre os fundamentos e a decisão a que se refere a primeira parte do mesmo dispositivo e alínea.
Com efeito, é notório que, sob a veste da invocada nulidade, o recorrente invoca factualidade que não ficou assente pretendendo que sejam extraídas novas conclusões jurídicas, de modo a sustentar a tese que propugna e defende nos autos.
No entanto, fá-lo mais uma vez, através da invocação de nulidade, quando o deveria fazer através da interposição de recurso, de direito e de facto, da decisão do Tribunal “a quo”. Pois, havendo uma errónea identificação da matéria dada como provada ou uma errada interpretação e aplicação da lei, daí não decorre a nulidade da sentença, como o recorrente bem sabe.
E, lendo a sentença não se vislumbra que os fundamentos constantes da mesma estejam em oposição com a decisão proferida, tal como não se verificou qualquer ambiguidade ou obscuridade susceptível de a tornar ininteligível, sendo estas que, a ocorrerem, geram a nulidade daquela, nos termos invocados.
Sendo, de tal modo, assim, no que à alegada oposição se refere que o recorrente, se limita a invocar aquela, nos termos que o faz nas alegações e conclusões supra transcritas, nada alegando para fundamentar a invocada oposição, a não ser considerar factualidade que o Tribunal “a quo” julgou e deu como não provada.
Ora, sendo desse modo, é manifesto que, tal não configura qualquer nulidade da decisão. A ocorrer o alegado, na fundamentação de facto da sentença, configuraria, apenas, erro de julgamento e não qualquer vício gerador de nulidade da mesma.
Assim, além da falta de argumentos invocados pelo recorrente para sustentar a arguida nulidade da sentença, é notório que tal não se verifica, verificando-se que existe, por parte daquele, nítida confusão quanto ao alegado vício que imputa à decisão recorrida defendendo, por isso, que deve ser declarada nula e, eventual, existência de erro de julgamento de que, a mesma possa padecer que, não é gerador da nulidade daquela, nos termos expressamente previstos nas diversas al.s do nº 1, do referido art. 615º, em concreto, na al. c), já que esta, como se refere no (Ac. do STJ, de 26.01.2006, Proc. 05B2742), “só se verifica quando, no processo lógico, há um vício real no raciocínio do julgador, na medida em que a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente; não ocorre, por isso, mesmo nos casos de erro de julgamento, quando a decisão assenta num discurso lógico irrepreensível, limitando-se a decidir no exacto sentido preconizado pela respectiva fundamentação sem qualquer quebra ou desvio de raciocínio que permita detectar a existência de visível contradição entre as premissas e a conclusão.”.
No mesmo sentido, lê-se no (Acórdão do STJ de 08.09.2021, Proc. nº 1592/19.6T8FAR.E1.S1) “A oposição relevante para efeitos de nulidade da decisão judicial é a oposição entre a fundamentação de direito e a decisão final e não, como pretende o reclamante, a alegada contradição entre os factos e o direito. Invocar tal contradição mais não é do que manifestar a não conformidade do reclamante com o sentido da decisão”.
Com efeito, a ocorrência de eventual, erro de julgamento na decisão de facto, ou entre esta e a decisão de direito, é uma situação diversa, das causas apontadas como geradoras de nulidade da sentença.
Como é unanimemente referido, a nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão ocorre nas situações de construção viciosa da sentença, “uma vez que os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente”, (Fernando Amâncio Ferreira, in Manuel dos Recursos em Processo Civil, 9ª edição, pág. 56). Trata-se de patologia que se consubstancia numa “contradição lógica: se na fundamentação da sentença o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença”, (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 4ª edição, pág. 736).
Segundo (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral de Processo de Declaração, 2018, pág.s 737/738), é vício que se verifica quando a fundamentação exposta é contrariada pelo resultado final, ocorrendo violação do “chamado silogismo judiciário, em que as premissas devem condizer com a conclusão”. Vício distinto do erro de julgamento, que ocorre quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que impõe solução jurídica diferente.
Encontramo-nos perante erro de julgamento e não perante vício subsumível à alínea c) do no nº 1 do art. 615º nas situações de erro na subsunção dos factos à norma ou de erro na interpretação desta: “quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante erro de julgamento”; já quando “o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se.”, (José Lebre de Freitas e mesmos autores, na obra citada, pág.s 736/737).
Deste modo, atento o que se deixou exposto, sempre com o devido respeito, o invocado pelo recorrente, não configura qualquer nulidade da sentença, nem em concreto a prevista na al. c), do nº 1, do art. 615º, eventualmente, como dissemos, o referido pelo próprio, poderá configurar erro de julgamento que, não se inclui naquela.
Passemos, agora, à análise da segunda nulidade invocada.
Seja, nulidade da sentença decorrente da violação da al. d), do nº 1, do referido art. 615º.
Diz o recorrente que a sentença recorrida se pronuncia acerca de questões que não podia tomar conhecimento, alegando que, «24. Como supra se referiu, na fundamentação da sentença recorrida, a propósito do depoimento da testemunha DD, a meritíssima juíz “a quo” logo a seguir, disse algo bem diferente e que precisamente, poderá constituir o cerne da questão: que o dito subsídio foi atribuído como forma de “premiar a carreira das autoras”, não tendo sido integrado no respectivo salário porque “saiu um diploma que cristalizou funções” 25. Ou seja, considera que, o facto de a testemunha ter mencionado que “o dito subsídio foi atribuído como forma de “premiar a carreira das autoras” pode ser o cerne da questão. 26. Mais adiante na Decisão (pág. 25) -Consta da sentença recorrida- com interesse para a parte da matéria relativa à decisão a que se restringe o presente recurso que: “recebendo as autoras o dito SAF 14 vezes por ano, pois, de forma periódica e ininterrupta, sem directa conexão com as funções desempenhadas ou o lugar e circunstâncias da sua prestação, sendo certo, também, que lhes foi dito que com a transmissão dos contratos de trabalho para o CH... “Apenas mudaria o treinador” e que o subsídio de apoio à função não iria ser pago de imediato por inexistirem códigos para o processamento do mesmo (deixando, naturalmente antever o respectivo pagamento logo que resolvida esta questão “burocrática” ou “formal”, tudo acrescendo à presunção referenciada no art. 258.º/3 do C.T., se gerou na esfera jurídica das autoras uma legítima expectativa de o continuarem a receber, integrando o mesmo a respectiva retribuição.” 27. Ficou provado (10 e 11 factos provados), que, as autoras, enquanto trabalhadoras a prestar actividade ao serviço da SCM... no A..., desempenharam até 26/11/2018 as seguintes funções: - A AA, as funções de Responsável pelo Serviço de Higiene e Segurança no Trabalho e de Coordenação do Gabinete de Ambiente e Segurança, tendo a categoria profissional de “Técnico Superior de 2.ª Classe” - A BB, as funções de Responsável dos Serviços Administrativos e Financeiros do A..., tendo a categoria profissional de “Técnico Superior de 2.ª Classe”. 28. NUNCA foi alegado pelas autoras que o valor correspondente ao SAF, lhes foi atribuído por outras razões ou causas, ou que continuou a ser-lhes pago, apesar de terem deixado de desempenhar as mesmas. 29. As mesmas alegam que recebiam o SAF pelo desempenho daquelas funções, supra enunciadas, que alegaram desempenhar antes e após a integração no CH.... 30. Ou seja, as autoras SEMPRE alegaram que o subsídio estava estritamente ligado às funções que até aí alegaram desempenhar, e lhes foi atribuído por via do desempenho das mesmas. 31. Não pode o tribunal substituir-se às autoras, para convocar factos não alegados pelas mesmas, para concluir que o montante que até aí lhes foi pago a título de SAF, não tem qualquer conexão com as funções desempenhadas, ou lugar e circunstâncias da prestação, no entanto, entende que o SAF faz parte integrante do vencimento. 32. É nula a sentença, por se pronunciar sobre questões (que as autoras nunca invocaram) que não devia ter apreciado, em violação no disposto no artigo 615º, nº 1 alínea d) do CPC conforme supra se alega, e o que desde já se invoca e requer. 33. Estatui o art.º 265.º, nº1 do Código de Processo Civil (CPC) que, na ausência de acordo das partes, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor e, por outro lado, quanto ao pedido, pode ser ampliado “até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, mas apenas se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.” 34. O recorrente, entende ser manifesto que a fundamentação e consequente decisão de atribuição do SAF, “sem directa conexão com as funções desempenhadas ou o lugar e circunstâncias da sua prestação”, configura uma alteração da causa de pedir vedada nos autos face à oposição ao mesmo. 35. Donde, nunca na petição se alegou que o montante que recebiam, com a designação de SAF, não tinha direta conexão com as funções desempenhadas ou o lugar e circunstâncias da sua prestação, sendo este um facto essencial à conformação da causa de pedir. 36. Consequentemente, não tendo sido invocado, em nenhum ponto da petição inicial, que a prestação (SAF), tivesse um regime/fundamento de pagamento distinto. 37. Esta ductilidade na alegação da causa de pedir foi justamente o que o artigo 265º do CPC quis evitar, impedindo-a. 38. O que agora se veio demandar não decorre ou é sucedâneo do que antes se pediu; assume uma distinta causa de pedir, que, além de contraditório, assume vestes de novidade. 39. Pretender o contrário, implica uma violação, vedada por lei, do princípio/regra da estabilidade da instância. 40. Pronunciando-se da forma como o fez, o tribunal “ a quo” violou o disposto art.º 265.º, nº1 do Código de Processo Civil e no artigo 615º, nº 1 d), aplicável ex vi artigo 1º CPT, o que conduz à nulidade da mesma na parte a que diz respeito, por entendermos que esta apreciação e fundamentação influi na decisão da sentença recorrida.».
Sobre esta, pronunciam-se as recorridas, no sentido anteriormente defendido, ou seja, que também esta não se verifica.
Alegam que, “A dimensão do erro percebe-se quando se lê a petição inicial. Lendo-se, desde logo, o primeiro pedido formulado e os artigos …a….da p.i percebe-se que é reclamado o reconhecimento de que esse valor integrava a remuneração dos trabalhadores no A... e que essa remuneração (SAF incluído) é devida aos trabalhadores envolvidos na transmissão do estabelecimento, porque a transmissão de estabelecimento implica o respeito por todos os direitos dos trabalhadores abrangidos (artigo 285º do CT) direito que também foi previsto no artigo 3º..do D.L 95/2018. Diga-se, ainda, que se é verdade que a transmissão assegura o respeito do direito dos trabalhadores, também é verdade que aos trabalhadores do A... foi assegurado que “só mudava o treinador”, o que reforça todas aquelas garantias. Ora esse pedido formulado não fica aquém do que foi decidido. Na petição pede-se que se reconheça que o SAF integra a remuneração, porque foi pago 14 meses por ano, de forma continuada (artigos 23.º a 28.º e 60.º a 62.º, todos da PI) e até após a cessação das comissões de serviço. E esse pedido, da forma como está apresentado, não dependia necessariamente do exercício de quaisquer funções em concreto, mas sim da regularidade do pagamento e da intenção da entidade empregadora sempre que o fez. Ou seja,
As autoras auferiam o subsídio à data da transmissão, com regularidade, catorze vezes por ano (facto maldosamente impugnado pela ré na sua contestação), fora do âmbito da comissão de serviços invocada pela ré, pelo que com a transmissão tinha que se manter o pagamento do subsídio, mesmo que o CH... resolvesse alterar funções às autoras.
Foi assim que o tribunal decidiu, e nada disto excede o pedido pelo que inexiste a nulidade invocada.”.
Novamente, não podemos deixar de concordar com as recorridas.
Analisada a petição inicial e o apreciado e decidido na sentença recorrida, o que se verifica é que, a Mª Juíza “a quo” nada conheceu além do que lhe foi pedido naquela e não se substituiu-o de modo algum à alegação das Autoras. E, assim, a nulidade, agora, em análise, não se verifica.
Senão, vejamos.
Segundo o disposto no art. 615º, n.º 1, al. d) (2ª parte) é nula a sentença “…quando o juiz … conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
O prescrito nesta al. d) está em consonância com o nº 2 do art. 608º, que dispõe: “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Como se lê, no (Acórdão do STJ de 28.03.2023, Proc. nº 13336/19.8T8LSB.L1.S1) “A nulidade por excesso de pronúncia reconduz-se a um vício formal, em sentido lato, traduzido em “error in procedendo” ou erro de atividade que afeta a validade da decisão. Esta nulidade está diretamente relacionada com o artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.”.
A nulidade em causa radica, no conhecimento de questões que não podiam ser julgadas por não terem sido suscitadas pelas partes, nem serem de conhecimento oficioso.
A questão que se coloca é, pois, a de saber se a decisão aqui posta em crise se pronunciou sobre questão que não havia sido colocada pelas Autoras no pedido que formularam na petição inicial.
Ou dito de outra maneira, a questão que se coloca é a de saber se o Tribunal “a quo” ao julgar a acção parcialmente procedente e provada e condenou o réu, nos termos que constam da sentença ultrapassou o objecto do processo (do litigio) proposto pelas partes.
E a resposta só pode ser que não. Tal não ocorre no presente caso.
Ao contrário do que alega o recorrente, não se verifica que tenha havido por parte do Tribunal “a quo” qualquer convocação de factos não alegados, em substituição das Autoras. Resulta que a causa de pedir da presente acção se estriba, desde logo e no essencial, na circunstância, imputada ao Réu, de este ter deixado de lhes pagar o SAF, de forma unilateral, quando este integra a retribuição das mesmas. Donde, analisando esta e o que veio a ser apreciado e acabou por ser decidido, só podemos concluir que a sentença não ultrapassou o objecto do litígio.
A apreciação da matéria, em causa, não só respeitou os limites factuais alegados pelas partes, como se impunha ao Tribunal “a quo” dela conhecer (art. 608º, nº2), face às questões que foram colocadas à sua apreciação, que as partes suscitaram e discutiram nos autos, não existindo qualquer excesso de pronúncia nos termos e para os efeitos do disposto na invocada al. d), do nº1 do art. 615º.
Acresce que, como se lê no sumário do (Acórdão do STJ de 23.03.2017 Proc. nº 7095/10.7TBMTS.P1.S1): “I. O não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC. II. Tais situações reconduzem-se antes a erros de julgamento (…).”.
Face ao exposto, não se consegue perceber porque é que o recorrente entende que a decisão sob recurso se pronunciou sobre questão que o Tribunal não podia ter conhecido.
Assim, resta referir que a decisão proferida, e ora sob censura, não padece, manifestamente, do aludido vício, na estrita medida em que conheceu de questão que se mostrava colocada pelas Autoras no pedido que formularam na petição inicial.
E, consequentemente, sem necessidade de outras considerações, porque não existe, este, nem qualquer outro dos vícios de nulidade que o Recorrente aponta à decisão proferida, improcede esta questão da apelação.
***
Passemos, então, à análise da questão:
- Da impugnação da decisão da matéria de facto:
A este propósito pretende o recorrente que esta Relação dê como não provada a matéria do ponto 22, dos factos dados como provados, alegadamente, na consideração de que, “A sentença recorrida, faz uma incorreta apreciação da prova” e que, “face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, tem relevância jurídica, nomeadamente, por o depoimento produzido em audiência de julgamento, pela testemunha GG, conjugado com a restante prova produzida impor uma conclusão diferente.”.
Alega que vem “requerer a reapreciação da prova gravada, a decisão da matéria de facto e que seja dado como NÃO provado o ponto 22 dos factos provados”. Começa descrevendo o ponto 22 e a seguir diz entender que, “…, sempre se teria de concluir que NÂO ficou provado que a Dra GG, Diretora dos Recursos Humanos, tenha dito aos autores que o subsídio de apoio à função não iria ser pago de imediato por inexistirem códigos para o processamento do mesmo.”.
Prossegue com a transcrição (págs. 19 a 22) “DO DEPOIMENTO DA REFERIDA TESTEMUNHA, GG (indica-se os minutos/segundos por referência ao respetivo depoimento gravado e início da pergunta/resposta):” e após, com a alegação de que, “55. Ou seja, não se pode concluir outra coisa que não seja, que, a Dra GG apenas falou na falta de códigos relativamente a prémios de produtividade e subsídios de turno, e não o SAF, que estava em apreciação no conselho de administração, aliás, tal facto é corroborado com os emails com que a testemunha foi confrontada (vide transcrição supra) e que se encontram nos autos. 56. Assim o ponto 22 dos factos provados: …, deve passar a figurar dos FACTOS NÃO PROVADOS.”.
Na resposta, as recorridas defendem que por falta de fundamento deve indeferir-se o recurso deste ponto da matéria de facto.
Vejamos.
Antes de entrarmos, propriamente, na análise da impugnação cumpre relembrar, de forma breve, os ónus exigíveis e os critérios que devem presidir à reapreciação factual por parte deste Tribunal da Relação.
A apreciação desta questão, da impugnação da decisão proferida, pelo Tribunal “a quo” relativa à matéria de facto, por este Tribunal “ad quem” pressupõe que o recorrente cumpra determinados ónus, conforme decorre do art. 640º do CPC “ex vi” do art. 1º, nº 2, al. a) do C.P.Trabalho, que a este respeito dispõe que:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. (…)”.
Resulta da análise deste dispositivo que, o legislador concretizou a forma como se processa a impugnação da decisão, sobre a matéria de facto, tendo reforçado, neste novo regime, os ónus de alegação a cargo do recorrente, impondo-lhe que deixe expressa a solução que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação após a reapreciação dos concretos meios de prova que, considera, impõem decisão diversa da recorrida.
Nas palavras de (Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, pág.s 132 e 133), “quando o recurso verse a impugnação da decisão da matéria de facto deve o recorrente observar as seguintes regras:
-em quaisquer circunstâncias, o recorrente tem de indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
-quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles meios de prova que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos impugnados;
-relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
- O recorrente deve ainda deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço dos ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto;”.
Recai, assim, sobre o recorrente, face ao regime concebido, um ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar – delimitar o objecto do recurso -, motivar o seu recurso através da indicação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, neste caso, procedendo à transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto - fundamentação - e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
Sendo, ainda, de dizer que a impugnação da matéria de facto não se basta com a simples transcrição dos depoimentos das testemunhas e com a indicação do início e o fim das passagens constantes da gravação. E exige, por parte do impugnante, uma análise crítica da prova de maneira a justificar as alterações ou o porquê da pretendida alteração, pese embora, como se lê, no (Acórdão do STJ de 22.02.2018, proferido no processo 8948/15.1T8CBR.C1.S1), “A omissão, a insuficiência ou a suficiência da análise crítica, pelo recorrente, das provas a reapreciar é questão que tem a ver com o mérito da impugnação, com a procedência ou improcedência do recurso, mas não com a sua liminar rejeição ou aceitação.”.
Cumpridos que se mostrem esses ónus por parte do recorrente, nada obsta a que o Tribunal da Relação proceda à peticionada reapreciação e, eventual modificabilidade da decisão de facto, nos termos do disposto no art. 662º.
Com efeito, tendo por referência a comparação entre a primitiva redacção do art. 712º do anterior CPC e o actual art. 662º, a possibilidade de alteração da matéria de facto, que era antes excepcional, acabou por ser assumida, como função normal da Relação, verificados os requisitos que a lei consagra.
Todavia, ao impor ao recorrente o cumprimento dos aludidos ónus, nesta sede, visou o legislador afastar soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição do julgamento, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por abrir apenas a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente.
Pois importa, também, dizer que a reapreciação da matéria de facto por parte do Tribunal da Relação não pode nem deve constituir um segundo julgamento do objecto do processo, como se a decisão da 1ª instância não existisse mas, apenas, remédio jurídico destinado a corrigir erros in judicando ou in procedendo, expressamente indicados pelo recorrente.
E referir que, em sede de impugnação da decisão da matéria de facto pelo Tribunal superior, não está (nem pode estar) em causa a repetição do julgamento e a reapreciação de todos os pontos de facto (e a respectiva motivação), mas, apenas e só a reapreciação pelo Tribunal superior (e a formação da sua própria convicção - à luz das mesmas regras de direito probatório a que está sujeito o Tribunal recorrido) dos concretos pontos de facto julgados provados e/ou não provados pelo Tribunal recorrido.
De facto, a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida, impondo-se, por isso, ao impugnante, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, a observância dos citados ónus.
Donde, pese embora e sem prejuízo, da possibilidade da modificação da decisão da matéria de facto poder ocorrer se a Relação acabar, como diz, (Abrantes Geraldes “in” Cód. Proc. Civil, antes citado, pág. 247), por “formar uma diversa convicção sobre os pontos de facto impugnados deve reflectir em nova decisão esse resultado”, ou seja, quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre a apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras da experiência, em princípio, só quando os elementos dos autos conduzam inequivocamente a uma resposta diversa da dada em 1ª instância é que deve este Tribunal “ad quem” alterar as respostas que ali foram dadas, situação em que estaremos perante erro de julgamento.
Importa referir, ainda, que deve, o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, sendo que, esta última exigência (plasmada na transcrita alínea c) do nº 1 do art. 640º) “… vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente”, devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor enquanto decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo, como refere (Abrantes Geraldes “in” Cód. Proc. Civil, antes citado, pág. 135).
Mais, ainda, é também relevante salientar que quanto ao recurso da decisão da matéria de facto não existe a possibilidade de despacho de convite ao seu esclarecimento ou aperfeiçoamento, sendo este tipo de despacho reservado apenas e só para os recursos em matéria de direito.
Transpondo o exposto para o caso, verifica-se que houve gravação dos depoimentos prestados em audiência e o apelante impugna a decisão da matéria de facto, com indicação do ponto de facto provado, que considera incorrectamente julgado, prova a reapreciar e decisão que sugere e pretende seja dada àquele.
No entanto, importa desde já dizer que, apenas, em relação ao depoimento da testemunha GG, não o fazendo em relação a nenhuma outra prova, o recorrente cumpre aqueles ónus, não o fazendo quanto ao que apelida de “restante prova produzida”, nem quanto aos documentos, “emails”. Sendo que quanto a estes, nada mais diz, que não seja que defende a alteração daquele ponto que impugna por, alegadamente, entender que, não se pode concluir outra coisa do depoimento da Dra GG, “aliás, tal facto é corroborado com os emails com que a testemunha foi confrontada (vide transcrição supra) e que se encontram nos autos.”. Incumpre, assim, quanto a estes o ónus de indicar quais os concretos documentos “emails” que impunham quanto àquele ponto impugnado, alegadamente, decisão diversa da recorrida. Falta de especificação concreta dos documentos que, sem dúvida, atento o que decorre daquele art. 640º, nº 1, al. b), imporia que, desde já, se procedesse à rejeição da deduzida impugnação da decisão relativamente à matéria de facto que, conforme se verifica da alegação, o recorrente fundamenta nos trechos do depoimento da referida testemunha, Dra GG, que transcreve e no teor dos documentos “emails” que se encontram nos autos e que, alegadamente, corroboram aquele. Sendo que, mesmo que assim, não se entenda, partindo-se do princípio que o documento que o recorrente considera é o que se encontra junto com a p.i., como doc.60, relativamente ao facto impugnado, só podemos dizer que o mesmo nada esclarece, nem de modo algum corrobora o que foi dito pela testemunha, ao referir “que só conseguiram aceder aos dados de todos os trabalhadores em Dezembro de 2018, e confirmado que logo a seguir à transição as autoras reclamaram o SAF mas não era possível processá-lo por “faltarem os códigos”…;”, como bem se refere na fundamentação da decisão de facto e confirmámos. Donde a nossa convicção e apreciação, não ser de modo nenhum diversa da que fez a Mª Juíza “a quo”.
E, assim sendo, importará, averiguar se assiste razão ao recorrente, quando defende a alteração da decisão de facto, apenas, com fundamento no depoimento da referida testemunha que indica, relativamente à qual, cumpre os ónus que se lhe impõem.
Ou seja, em nosso entender, resulta das alegações e das respectivas conclusões que, a considerar-se, apenas, a prova testemunhal, o recorrente, de modo satisfatório, impugna a decisão da matéria de facto dando cumprimento aos ónus impostos pelo art. 640º, nº 1 al.s. a), b) e c), não havendo motivo para a sua rejeição, nem total nem parcial. Faz referência ao concreto ponto, da matéria de facto provada, que considera incorrectamente julgado, a decisão que no seu entender deveria sobre ele ter sido proferida, indicando os elementos probatórios, cujo registo gravado consta do processo e considera devem conduzir à alteração daquele ponto impugnado e, ainda, transcreve as passagens da gravação, em que se funda o recurso, cfr. nº 2 al. a) daquele mesmo art. 640º, razão porque não ocorreriam, por esta via, motivos para a rejeição da apreciação desta questão.
Vejamos, então.
Comecemos, por transcrever o facto dado como provado no ponto 22, que o recorrente considera deve passar a figurar nos factos não provados:
“- 22. A Sr.ª Dr.ª GG, Directora de Recursos Humanos do réu, em 12/12/2018 informou os autores que o subsídio de apoio à função não iria ser pago de imediato por inexistirem códigos para o processamento do mesmo.”
E, porque não se podem olvidar as razões que estiveram na base da formação da convicção do Tribunal, para uma melhor compreensão do “iter” lógico-dedutivo que levou a Mª Juíza “a quo” a responder a toda a factualidade e, em concreto, as respostas dadas de provados e de não provados aos factos, (onde obviamente, se integra o, agora, impugnado) transcrevemos, já que, após a audição da prova gravada, referida pelo recorrente, subscrevemos integralmente a apreciação e as considerações, aqui expostas, o seguinte:
«Na determinação da matéria de facto atrás descrita teve o Tribunal por base a análise crítica e conjunta de todos os meios de prova carreados para os autos pelas partes, a saber, os depoimentos das testemunhas, os documentos juntos autos e ainda as declarações de parte das autoras, seguindo de perto o por si articulado na P.I.
(…)
GG, que de forma verosímil e coerente esclareceu que na data da transição do A... para o CH... trabalhava para o réu na área dos recursos humanos, tendo referido que só conseguiram aceder aos dados de todos os trabalhadores em Dezembro de 2018, e confirmado que logo a seguir à transição as autoras reclamaram o SAF mas não era possível processá-lo por “faltarem os códigos”; confirmou a existência de uma reunião com os reclamantes em 12-12-2018 e, na sequência da mesma, expôs ao Conselho de Administração a pretensão de obtenção do dito SAF (no valor de 10% sobre o vencimento base) mas não obteve qualquer resposta, tendo sido isso que informou aos primeiros; referiu que a autora AA permaneceu no A..., como técnica superior, desconhecendo quais as suas exatas funções, acrescentando que não existe no CH... Gabinete de Ambiente e Segurança) e a autora BB passou desempenhar funções, também como técnica superior, nos serviços financeiros sob as ordens do Dr. CC;
(…).
*
No tocante à matéria dada como não provada a mesma não encontrou qualquer sustentação nos documentos aportados aos autos, nem foi objecto de qualquer prova em audiência de julgamento.
(…).» (sublinhados nossos).
Como já referimos supra e decorre das suas alegações, o apelante discorda desta fundamentação, no essencial, por considerar que das provas produzidas, com particular destaque para as que indica e transcreve, deveria ter-se dado, como não provada aquela factualidade que impugna. Pugnando, assim, pela alteração da decisão recorrida e da factualidade, dada como provada e não provada.
Assistir-lhe-á razão?
E, sempre com o devido respeito adiantamos, desde já, que não.
Desde logo e, sem necessidade de qualquer referência, ao que foi a nossa convicção, após a análise conjunta que fizemos de todos os meios de prova, (todos sujeitos ao princípio da livre apreciação), testemunhais e documentais, os considerados pela Mª Juíza “a quo” e os indicados pelo recorrente, importa que se diga que, sufragamos inteiramente aquela circunstanciada, pormenorizada, exaustiva e acertada fundamentação que, parcialmente, deixámos transcrita.
Na verdade, depois de apreciarmos os elementos probatórios em que o recorrente se baseia para fundamentar o seu desacordo quanto à decisão da matéria facto, de modo algum e em parte alguma, resulta infirmado o decidido pelo Tribunal “a quo”.
Como se constata, o recorrente está a pôr em causa a convicção do Tribunal “a quo”, mas, fazendo apelo, apenas, a parte dos mesmos meios de prova que são referidos na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto quanto àquele ponto, quando, como nela se refere “Na determinação da matéria de facto atrás descrita teve o Tribunal por base a análise crítica e conjunta de todos os meios de prova carreados para os autos pelas partes, a saber, os depoimentos das testemunhas, os documentos juntos autos e ainda as declarações de parte das autoras, seguindo de perto o por si articulado na P.I.”. Fá-lo, descurando que o Tribunal “a quo”, refere expressamente outra prova para além da testemunha que o apelante indica, mas, ainda assim, este deixa claro que, apenas, face ao depoimento cuja transcrição junta, daquela testemunha, impunha-se que o facto que impugna fosse considerado como não provado, querendo significar, com isso, que a prova não foi bastante para o dar como provado.
Mas, como dizem, (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, pág. 436), para que um facto se considere provado é necessário que, à luz de critérios de razoabilidade, se crie no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto. A prova “assenta na certeza subjectiva da realidade do facto, ou seja, no (alto) grau de probabilidade de verificação do facto, suficiente para as necessidades práticas da vida”.
Essa certeza subjectiva, com alto grau de probabilidade, há-de resultar da conjugação de todos os meios de prova produzidos sobre um mesmo facto, ponderando-se a coerência que exista num determinado sentido e aferindo-se esse resultado convergente em termos de razoabilidade e lógica.
Já, (Manuel de Andrade in Noções Elementares de Processo Civil Coimbra Editora, Coimbra, 1979, pág. 191), dava como definição de “Meio de Prova (instrumento ou fonte de prova”. É todo o elemento (quid) sensível, através do qual, mediante actividade perceptiva ou simplesmente indutiva, o juiz pode, segundo a lei, formar a sua convicção acerca dos factos (afirmações de facto) da causa.”.
Ora, como resulta claramente da fundamentação, o Tribunal “a quo” entendeu que a prova produzida, em concreto, aquela que refere, permitiu dar como provado aquele ponto impugnado, ou seja, aquela foi suficiente para criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto.
Logo, sendo desse modo e atento o que se deixou dito, só nos resta dizer que não é, pois, apenas, a invocação de parte e, em parte, dos mesmos meios de prova que constituem fundamento bastante para sustentar a pretendida alteração. Ou seja, a eliminação do elenco dos factos provados do ponto 22.
Pelo que, também, por esta razão, a pretensão do apelante não pode proceder.
Acrescendo e fundamentalmente que, ainda, que não fosse desse modo, não aponta o R. qualquer erro na apreciação das provas que foram produzidas nos autos (todas elas, provas sujeitas à livre apreciação do julgador), limita-se a dizer que a sentença “faz uma incorreta apreciação da prova”, o que desde logo revela que, do que o recorrente discorda, é, como já dissemos, da convicção que a Mª Juíza “a quo” firmou, fundamentada na globalidade e apreciação conjunta de todas as provas produzidas nos autos, considerando aquela que não é a correcta, indicando como fundamento da sua alegada convicção, como já se disse, apenas, uma das mesmas provas que fundamentaram a convicção expressa na decisão recorrida, especificamente parte do depoimento daquela referida testemunha que identifica e transcreve, com consequências a nível da matéria de facto, com relevância para a decisão da causa que, considera, deverá ser diversa da que foi proferida pelo Tribunal “a quo”.
Mas, da análise que fizemos de todas as provas produzidas nos autos, consideradas pela Mª Juíza “a quo” quanto ao facto impugnado que, conjugadamente analisámos, só podemos dizer que a prova produzida não sustenta a alegada convicção do R., o que é, claramente, evidente da simples leitura dos trechos dos depoimentos que transcreve. Não convencendo de modo diverso, a globalidade do que foi dito pela referida testemunha.
Ao contrário do que defende o apelante, em nosso entender, só podemos adiantar que o Tribunal “a quo” fundamentou e bem a decisão de facto quanto ao facto que se mostra impugnado, no sentido em que foi decidido e nenhuma prova em contrário foi produzida nos autos, susceptível de impor a sua alteração nos termos sugeridos, ou seja, dando-o como não provado, nem o demonstra a transcrita por aquele. Não bastando para infirmar o que se mostra provado.
Ou seja, em nossa convicção, ao contrário do que o R. sustenta, da interpretação integrada e conjugada das provas produzidas, nomeadamente, do depoimento da testemunha referida, não resulta que esteja incorrecta a decisão proferida, quanto àquele facto 22. Aquele depoimento, não tem a virtualidade, por si só, de convencer do modo que o R. pretende.
Sem dúvida, o que este Tribunal ouviu e leu, em particular, nos trechos dos depoimentos transcritos, também, pelas recorridas não se revelou credível de modo a firmar em nós a alegada convicção do recorrente ou firmar convicção diversa da que consta da decisão recorrida. Coincidindo, a nossa convicção, como já dissemos, com o que a Mª Juíza “a quo” transcreveu na motivação da decisão de facto (que, diga-se, revela a análise crítica e apreciação das provas, que se lhe impunha, nos termos prescritos, no art. 607º, nº 4, do CPC, não se verificando qualquer aplicação errada deste), e não com a apreciação que consta do recurso, razão porque não ocorrem motivos para que se altere aquele facto impugnado, mantendo-se a decisão recorrida quanto ao mesmo, já que se mostra conforme com a convicção que formámos.
A pretensão do recorrente não tem acolhimento, já que é nossa convicção que não tinha aquela outro fundamento que não fosse a sua própria convicção, evidentemente, diversa da que foi a livre convicção da Mª Juíza julgadora e é a nossa.
Aliás, é óbvio das alegações do recorrente e tivemos a oportunidade de o verificar, aquando da apreciação que fizemos, conjugadamente, de todas as provas, que a discordância do mesmo não assenta em qualquer erro de julgamento das provas produzidas nos autos, mas, tão só, de uma diversa convicção da que firmou o Tribunal “a quo”, como bem o notaram as recorridas, pugnando pela manutenção daquela decisão.
Diga-se, ainda, que com particular relevo na conclusão 105, o recorrente, nitidamente, confunde questões de facto com a questão de direito e, como decorre das suas conclusões (sabido que são estas que definem o objecto do recurso), além do ponto 22, da decisão de facto, o mesmo não impugna qualquer outra factualidade, não se compreendendo, assim, a alusão que faz aos depoimentos que refere nas conclusões 105 a 109.
Em suma, a análise conjunta de toda a demais prova produzida nos autos, não nos suscita dúvidas sobre o acerto da decisão recorrida e a falta de razão do recorrente.
Improcede, assim, também, esta questão da apelação.
*
E, fixada que está, definitivamente, a matéria de facto provada, precisamente nos termos considerados na decisão recorrida e supra transcritos, improcedem, também, as conclusões 110 a 112, já que como delas decorre a pretensão do recorrente, no que toca à decisão de direito, decisão claramente diversa da proferida pelo Tribunal “a quo”, tinha como premissas a confirmação, por este Tribunal, da conclusão expressa pelo mesmo de “incorreta apreciação da prova”, com a consequente alteração da factualidade dada como provada pelo Tribunal “a quo”, o que não aconteceu e, também, a consideração de factos que não se provaram.
Pese embora isso, diga-se, apenas, que face à factualidade que se apurou nos presentes autos e que ficou, definitivamente, assente, nesta sede, a conclusão a retirar, feita a subsunção jurídica daquela factualidade, é que a decisão recorrida, não merece qualquer censura, sendo de elogiar, o modo ponderado e fundamentado como a Mª Juíza “a quo”, abordou a questão colocada, além do acerto com que o fez, por isso, só podemos subscrever aquela, não tendo as conclusões reiteradas pelo recorrente, em sede de recurso, qualquer virtualidade para que seja revogada a decisão recorrida, como pretende, sob a conclusão, da “errónea interpretação da aplicação do direito aos factos”, que manifestamente não se verifica, como decorre do que, em síntese, se transcreve: «(…).
No caso dos autos temos como assente que
- em 11.10.2008, a autora AA celebrou com a Santa Casa de Misericórdia ... (SCM...) contrato de trabalho por tempo indeterminado, para o exercício das funções de Coordenação de Segurança em Projecto e em Obra e monotorização de planos de segurança nos seus estabelecimentos, correspondentes à categoria profissional de Técnico Superior de 2.ª classe, mediante a remuneração bruta mensal de € 1.592,16;
- em 01.01.2002, a autora BB celebrou com a mesma entidade contrato de trabalho por tempo indeterminado, para o exercício das funções de Chefe de secção, correspondentes à categoria profissional de Chefe de secção, mediante a remuneração-base mensal de € 1.089,87;
- em 25/11/2013, a SCM..., assinou um acordo de gestão para a instalação e exploração do A..., sito na Avenida ..., Vila Nova de Gaia, por um período inicial de 3 anos e que se veio a renovar por duas vezes, por períodos de 12 meses, até 25/11/2018;
- o que motivou a transferência de local de trabalho das autoras do designado SPEC, para aquele A..., ambas em 01/08/2018;
- em 01-10-2015 foi celebrado entre a SCM... e a autora AA um “Contrato e Trabalho de Comissão de Serviço” de onde consta ter sido nomeada, naquela data, como Coordenadora do Gabinete de Ambiente e Segurança, até 31-01-2017, reportando directa e exclusivamente à Direcção do Departamento de Gestão Administrativa e do Património, competindo-lhe entre outras funções, planear, coordenar, fiscalizar, dirigir e controlar o dito Gabinete, consignando-se que a remuneração mensal seria a de € 1.731,47, acrescendo subsídio de refeição e “Como compensação pelas funções que desempenha como Coordenadora do Gabinete de Ambiente e Segurança” receberia ainda o Subsídio de Apoio ao Exercício de Funções fixado em 10% da sua remuneração base, no montante mensal de € 173,15;
- em 01-04-2013 foi celebrado entre a SCM... e a autora BB um “Contrato e Trabalho de Comissão de Serviço”, de onde consta que a autora foi admitida ao serviço da SCM... em 01-01-2002 por contrato de trabalho sem termo como Chefe de Secção de Serviço de Contabilidade e naquela data (01-04-2013) nomeada como Coordenadora do Gabinete de Planeamento Financeiro e Apoio àGestão, até 31-01-2014, reportando directa e exclusivamente à Mesa Administrativa, competindo-lhe entre outras funções, estudar, organizar, e coordenar, sob orientação da Mesa Administrativa as actividades que lhe são próprias; exercer dentro do Serviço que chefia e nos limites da sua competência a orientação e a fiscalização do pessoal sob as suas ordens; planear as actividades do Serviço, segundo as orientações e fins definidos; propor a aquisição de equipamentos e materiais e a admissão de pessoal necessário ao bom funcionamento do Serviço, consignando-se ainda que a remuneração mensal seria a de € 1.651,87, acrescendo subsídio de refeição e “Como compensação pelas funções que desempenha como “Coordenadora do Gabinete de Planeamento Financeiro e Apoio à Gestão” receberia ainda o Subsídio de Apoio ao Exercício de Funções fixado em 15% da sua remuneração base, no montante mensal de € 247,78;
- enquanto trabalhadores a prestar actividade ao serviço da SCM... no A..., as aqui autoras desempenharam até 26/11/2018 as seguintes funções:
- a AA, as funções de Responsável pelo Serviço de Higiene e Segurança no Trabalho e de Coordenação do Gabinete de Ambiente e Segurança, tendo a categoria profissional de “Técnico Superior de 2.ª Classe”
- A BB, as funções de Responsável dos Serviços Administrativos e Financeiros do A..., tendo a categoria profissional de “Técnico Superior de 2.ª Classe”.
- em 26/11/2018 as autoras auferiam as seguintes retribuições:
- a AA, 1.731, 47 € de retribuição base; 173, 15 €, a título de subsídio de apoio à função, correspondente a 10% da sua retribuição base, o que sucedia desde Janeiro de 2016 e 4,27 €/dia €, de subsídio de alimentação;
- A BB, 1.811, 08 € de retribuição base, 181,11 €, a título de subsídio de apoio à função, correspondente a 10% da sua retribuição base, o que sucedia desde Fevereiro de 2014 e 4,27 €/dia €, de subsídio de alimentação
- estas funções e retribuições mantiveram-se, desde a transmissão das autoras para o A... até 25/11/2018;
- as autoras recebiam o SAF 14 vezes ao ano e independentemente de prestarem ou não actividade.
- depois de 26-18-2018 a autora AA passou a exercer as funções de Delegada de Segurança no CH..., a partir do A..., tendo deixado de desempenhar as funções de planear, coordenar, fiscalizar, dirigir e controlar o funcionamento do gabinete de ambiente e segurança, funções que estão organizativamente e funcionalmente afetas ao Serviço de Obras e Infraestruturas-SOI, e mais concretamente ao diretor, Engenheiro HH;
- depois de 26-11-2018 a autora BB passou a exercer as funções de Técnica Financeira, tendo ficado integrada nos serviços financeiros respetivos, centralizados na unidade I, reportando diretamente ao Diretor Financeiro (primeiro ao Dr. CC e depois à Dr.ª II).
- depois de 26-11-2018 não mais foi pago às autoras, pelo réu, o S.A.F., apesar de as primeiras o terem reclamado, por diversas vezes, junto do segundo.
- na orgânica do CH... não existe Gabinete de Ambiente e Segurança, nem o A... possui gestão autónoma, (estando sujeito ao Conselho de Administração do Centro Hospitalar, a quem reporta).
Numa primeira e perfunctória abordagem dos factos cremos que quase necessariamente só se poderia retirar uma conclusão, aliás, aquela retirada pelo réu, respaldado nos contratos trabalho em comissão de serviço referidos: a atribuição às autoras do dito SAF estaria justificada pelas funções que desempenhavam de “Coordenação” e de “Responsáveis” por serviços (sendo que a categoria profissional sempre se manteve a de técnica superior. Nesta lógica linear, tendo deixado de exercer este tipo de funções, a partir do momento em que a entidade empregadora passou a ser o CH..., nada justificava que continuassem a receber o dito SAF.
Acontece, porém, que tal SAF foi concedido às autoras sem qualquer correspondência com os ditos contratos trabalho em comissão de serviço. No que toca à autora AA o contrato em causa vigorou entre 01-10-2015 e 01-10-2017 sendo que a mesma o recebeu, pelo menos, desde a primeira data e até 26-11-2018, quando tinha já caducado tal contrato, tendo-o recebido, pois, independentemente das funções desempenhadas e do seu exercício efectivo durante cerca de 3 anos. A autora BB, por outro lado, viu vigorar o contrato de trabalho em comissão de serviço entre 01-04-2013 e 01-04-2014 (sendo que o SAF aí previsto até era de 15%) mas continuou a receber o dito subsídio, no valor de 10%, para além da vigência do contrato e até 26-11-2018, independentemente das funções desempenhadas e do seu exercício efectivo durante cerca de 5 anos.
Ora cremos que perante tal factualidade, recebendo as autoras o dito SAF 14 vezes por ano, pois, de forma periódica e ininterrupta, sem directa conexão com as funções desempenhadas ou o lugar e circunstâncias da sua prestação, sendo certo, também, que lhes foi dito que com a transmissão dos contratos de trabalho para o CH... “Apenas mudaria o treinador” e que o subsídio de apoio à função não iria ser pago de imediato por inexistirem códigos para o processamento do mesmo (deixando, naturalmente antever o respectivo pagamento logo que resolvida esta questão “burocrática” ou “formal”, tudo acrescendo à presunção referenciada no art. 258.º/3 do C.T., se gerou na esfera jurídica das autoras uma legítima expectativa de o continuarem a receber, integrando o mesmo a respectiva retribuição.» (sublinhados nossos).
Dado subscrevermos o que antecede, sem necessidade de outras considerações, temos justificado porque consideramos e julgamos improcedente o recurso.
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III - DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se nesta secção em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
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Custas pelo R./apelante.
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Porto, 18 de Setembro de 2023
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O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos,
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão