Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1104/24.0T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISABEL FERREIRA
Descritores: CASO JULGADO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
LIDE TEMERÁRIA
Nº do Documento: RP202511131104/24.0T8PRT.P1
Data do Acordão: 11/13/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Estando em causa o conhecimento da questão da litigância de má fé, que influi no resultado da acção e na qual a recorrente é parte vencida, a nulidade por omissão de pronúncia tem de ser arguida em sede de recurso e pode sê-lo em sede de recurso subordinado.
II – Uma eventual situação de omissão de pronúncia relativamente a um dos pedidos formulados numa acção não legitima a parte a instaurar nova acção com o mesmo objecto da primeira, para conhecer deste pedido, atento o efeito preclusivo da circunstância de aquela não ter invocado tal omissão de pronúncia na primeira acção.
III – Se a autora entendia que havia omissão de pronúncia do Supremo Tribunal de Justiça quanto ao segundo pedido por si formulado na petição inicial, teria que ter invocado a nulidade do acórdão, sob pena de preclusão do direito de fazer valer a sua pretensão naquele processo, bem como em novo processo.
IV – Não há lugar a condenação como litigante de má fé se houve uma lide imprudente da parte da autora, mas não uma lide dolosa ou mesmo temerária.
V – Resultando apenas, objectivamente, da tramitação processual, designadamente dos articulados apresentados pela autora, que o seu mandatário interpretou a decisão do Supremo Tribunal de Justiça no primeiro processo como não conhecendo do segundo pedido aí formulado e defendeu de forma veemente nos autos que essa situação impedia a verificação da excepção de caso julgado e possibilitava a dedução do mesmo pedido na presente acção, tal configura uma situação de lide imprudente, e não dolosa ou temerária.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 1104/24.0T8PRT.P1
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I “A..., Lda.” intentou, no Juízo Central Cível do Porto do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, acção declarativa, com processo comum, contra “B..., S.A.”, actualmente denominada “C..., S.A.”, pedindo a condenação desta a pagar-lhe:
a) a quantia de € 399.133,45 “a título de comissões devidas e não pagas em violação da cláusula de exclusividade”;
b) a quantia de € 547.216,28 “referente a juros moratórios pelo não pagamento tempestivo das comissões, à taxa comercial, contabilizado até à data da interposição da presente ação (10-01-2024)”;
c) “tudo isto- alínea a) do pedido- acrescido de juros de mora vencidos sobre o capital referido em a) (10-01-2024) até efetivo e integral pagamento”;
d) a quantia de € 37.417,59 “a título de indemnização de clientela relativo ao valor de comissões não recebidas, considerando apenas a média dos últimos cinco anos, acrescido dos juros que se vençam da condenação até efetivo e integral pagamento”.
Alegou para tal que:
- Intentou acção declarativa de condenação contra a R., então com outra denominação social, com quem havia celebrado um acordo, com início em 1994 e que se manteve até 2014, para que a A. distribuísse em Portugal os produtos fabricados por aquela, como concessionária da mesma, adquirindo-os e revendendo directamente aos clientes, com aplicação de uma margem de lucro ao preço de revenda, pretendendo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 45.375,20, a título de indemnização por clientela, e a quantia devida por comissões não pagas, relativas a vendas directas da R. não comunicadas à Autora a liquidar ulteriormente, tudo acrescido de juros de mora, pelo facto de aquela ter cessado o contrato invocando fundamentos falsos e sem se dispor a pagar qualquer quantia a título de indemnização, sendo que durante a vigência do contrato efectuou vendas directas a clientes sem informar a A. e que continuará a gozar os frutos do trabalho desta, quer pela manutenção da maioria dos clientes angariados, quer pelo aumento da notoriedade da marca no mercado português.
- A R. contestou a referida acção, na qual veio a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a R. do pedido, tendo a A. interposto recurso de apelação para o Tribunal da Relação, onde foi decidido “Em face do exposto, não obstante a procedência parcial da impugnação da matéria de facto dada como provada, julga-se improcedente o recurso interposto pela A., mantendo-se a sentença recorrida”.
- Interposto recurso de revista excepcional para o Supremo Tribunal de Justiça, foi decidido “Em face do exposto, concede-se em parte a revista, revogando-se o acórdão recorrido e, em consequência, condena-se a ré a pagar à autora uma indemnização de clientela, no montante que vier a ser fixado em liquidação ulterior, nos termos e com os limites acima referidos, e, bem assim, nos juros de mora, à taxa comercial, vencidos a partir dessa fixação. As custas serão suportadas, provisoriamente, por autora e ré, em partes iguais, a corrigir oportunamente em função do resultado da liquidação.”.
- A A. deduziu incidente de liquidação, peticionando € 273.439,09 a título de indemnização de clientela e € 399.133,45 a título de comissões devidas e não pagas em violação da cláusula de exclusividade, tendo sido proferida sentença que decidiu: “Pelo exposto, I –Julgo parcialmente procedente o presente incidente de liquidação e, em consequência, fixo no valor global de € 25.000,00, a quantia pela requerida “B..., SA”, devida à requerente “A..., Lda.”, acrescida de juros moratórios contados, à taxa supletiva dos juros comerciais, desde esta data e até integral reembolso. II – Julgo o presente incidente improcedente na parte restante.”.
- Interposto recurso, o Tribunal da Relação decidiu: “I – Julgo parcialmente procedente o presente incidente de liquidação e, em consequência, fixo no valor global de € 42.371,70 (quarenta e dois mil trezentos e setenta e um euros e setenta cêntimos), a quantia pela requerida “B..., SA”, devida à requerente “A..., Lda.”, acrescida de juros moratórios contados, à taxa supletiva dos juros comerciais, desde esta data e até integral reembolso. II – Julgo o presente incidente improcedente na parte restante.”.
- A A. sempre reclamou comissões recebidas relativas a vendas efectuadas directamente pela R. à revelia da A., inclusivamente em sede de liquidação de sentença, tendo o tribunal referido que “obviamente existe fundamento para o pedido de liquidação em si mesmo considerado. Pelo que a pretensão à liquidação é totalmente fundada, só não o sendo nos termos em que a requerente a trouxe ao processo”, assistindo-lhe, pois, o direito de receber tais comissões, cujo valor percentual deve ser calculado aplicando a média geral das comissões cobradas pela A. à R. aos clientes de vendas directas nos últimos 5 anos, a qual foi de 2,512%, bem como o direito à indemnização de clientela sobre este valor.
A R. contestou, invocando a excepção de caso julgado, impugnando os factos alegados pela A. para fundamentar a sua pretensão, aduzindo que esta não tem fundamento, e de todo o modo sempre o montante peticionado a título de indemnização de clientela deverá ser substancialmente reduzido por aplicação da equidade, que não são devidos juros e, caso sejam, estão prescritos os vencidos há mais de 5 anos.
Pediu ainda a condenação da A. como litigante de má-fé, por conscientemente deduzir pretensão para a qual sabe não ter fundamento, em multa e indemnização não inferior a € 5.000,00.
A A. respondeu, defendendo não se verificar a excepção de caso julgado, pois quanto ao pedido da alínea b) da anterior acção “não houve decisão, muito menos decisão transitada em julgado”, nem a excepção de prescrição dos juros pois esta esteve “interrompida” (sic) desde a entrada da anterior acção em 2015 até 04/05/2023, data em que transitou em julgado o incidente de liquidação de sentença, e não existir litigância de má fé da sua parte, por ser legítima a sua pretensão de obter uma decisão, transitada em julgado, quanto ao aludido pedido.
Foi dispensada a realização da audiência prévia e elaborado despacho saneador, onde se julgou procedente a excepção de caso julgado e, em consequência, se absolveu a R. da instância.
De tal decisão veio a A. interpor recurso, tendo, na sequência da respectiva motivação, apresentado as seguintes conclusões, que se transcrevem, na parte relevante:
«(…)
f) Ora, apesar da fundamentação do Supremo Tribunal de Justiça, conforme documento junto aos autos e que aqui se deverá dar como integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais, este somente se pronunciou- decidiu quanto ao pedido a) “a quantia de € 245 375,20, a título de indemnização por clientela, acrescida de juros de mora contados desde a citação e até integral cumprimento;”, não no montante peticionado, mas em montante que viesse a ser fixado.
g) Nem o tribunal da Relação (atenta a alteração substancial da matéria de facto), nem o Supremo Tribunal de Justiça (atentas as suas claras e expressas considerações e conclusões, decidiram quanto ao ponto b) do pedido no processo ..., “Conclui pedindo a condenação da ré a pagar à autora: (…) b) a quantia devida por comissões não pagas, relativas a vendas diretas da ré não comunicadas à autora, acrescida de juros de mora, contados à taxa comercial.
h) Dúvidas não podem restar, que quanto ao pedido b) “Conclui pedindo a condenação da ré a pagar à autora: (…) b) a quantia devida por comissões não pagas, relativas a vendas diretas da ré não comunicadas à autora, acrescida de juros de mora, contados à taxa comercial.” – não houve decisão, muito menos decisão transitada em julgado.
i) Quanto ao pedido b), nada foi decidido, seja quanto à sua condenação, seja quanto à sua absolvição. – Quanto ao pedido b) há um vazio. Assim, verificando-se um verdadeiro vazio de decisão, a decisão que será proferida nos presentes autos jamais colidirá com as decisões supramencionadas, uma vez que a decisão proferida nos presentes autos não se consolidou na esfera da ora Recorrente e Recorrida, inexistindo qualquer perigo de violação dos princípios de segurança e certeza jurídicas.
j) Pelo contrário, aceitar a decisão proferida pelo Tribunal ora Recorrido, é aceitar que uma determinada questão, sem decisão ou tratamento, e como tal, que materialmente e substancialmente não seja caso julgado formal ou material não possa ter o devido tratamento, caindo na inércia dos meandros da lei, constituindo assim um verdadeiro ataque à segurança e certeza jurídica.
k) Nos termos do disposto no artigo 619.º n.º 1 do Código de Processo Civil, e 621.º do CPC, quanto ao alcance do caso julgado, resulta que uma vez transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida o mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força dentro do processo nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º do Código de Processo Civil.
l) Não vislumbramos, salvo o devido respeito por opinião contrária, onde é que a decisão a proferir nesta ação pode colidir com a decisão proferida naquela 1ª. ação (ou então que possa haver duplicação/repetição de decisões) se a questão que nela foi submetida a apreciação e decisão, no que concerne ao pedido aqui em causa, nunca foi objeto de pronunciamento (expresso ou mesmo implícito) na sentença proferida naquela 1ª. Ação.
m) É patente e claro, para nós, que essa questão nunca foi objeto de pronunciamento/decisão transitada em julgado. - E daí que se impõe julgar improcedente a exceção (dilatória) de caso julgado arguida.
(…)
p) Pelo contrário, se havia exclusividade, e esta foi reconhecida, há lugar ao pagamento de comissões por vendas realizadas diretamente. Direito que não tendo sido conhecido, julgado dá à Recorrente legitimidade para vir peticionar judicialmente o seu pagamento.
q) É apodítico que em momento algum do mencionado processo tenha sido conhecida a matéria referente ao pagamento de comissões por vendas diretas feitas pela ré em território nacional, com violação do pacto de exclusividade.
r) O Tribunal de Primeira instância considerou de todo em todo irrelevante para a decisão a proferir decisão sobre a matéria de facto alegada sobre o pagamento de comissões por vendas diretas feitas pela ré em território nacional, com violação do pacto de exclusividade; considerou-se de todo em todo irrelevante para a decisão a proferir toda a matéria que, na visão da autora, se relacionará com o comportamento da ré prévio à comunicação da denúncia (concretamente a matéria vertida nos artigos 51º a 77º da petição inicial).
s) O Tribunal de primeira instância assim como as demais instâncias, apesar de reconhecerem a existência de um pacto de exclusividade não conheceram da matéria referente ao pagamento de comissões por vendas diretas feitas pela Ré e ora Recorrida em território nacional, com violação do pacto de exclusividade.
t) Nos termos do disposto no artigo 619.º n.º 1 do Código de Processo Civil, não existe transitada em julgado sentença ou o despacho saneador que decida sobre a matéria de facto alegada quanto à violação do pacto de exclusividade e ao pagamento de comissões por vendas diretas feitas pela ré e ora Recorrida em território nacional, com violação desse pacto de exclusividade, bem como decisão sobre o direito da Recorrente a receber comissões por tais vendas.
u) A primeira instância decidiu pela irrelevância de conhecer da matéria de facto referente ao pagamento de comissões por vendas diretas feitas pela ré em território nacional, com violação do pacto de exclusividade por entender que este não existe. Não conhecendo a mesma.... Não há pacto de exclusividade não há que perder tempo a saber se houve ou não vendas com violação desse pacto.
v) As demais instâncias reconheceram e reconhecem a existência do pacto de exclusividade, mas não conhecem da matéria de facto que se tornaria relevante para decidir sobre o direito ao pagamento de comissões por vendas diretas feitas pela Ré e ora Recorrida em território nacional, com violação desse pacto de exclusividade. - Não decidindo assim, consequentemente, sobre essa matéria.
w) A Autora e ora Recorrente não pretende repetir a factualidade já alegada, alegadamente já discutida e alegadamente já fixada entre as partes, a ora Recorrente pretende sim, a análise da factualidade alegada em sede de petição inicial, que se dê a mesma como assente, e que contrariamente às instâncias anteriores se discuta e decida em conformidade, na medida em que até ao momento não se alcançou qualquer decisão quanto ao aspeto.
x) Salvo o devido respeito por opinião contrária não se verificará qualquer nova apreciação dos “factos com base nos quais se considerou que a Autora não tinha direito ao valor das comissões”, porquanto em momento algum foram tais factos objeto de apreciação nas instancias mencionadas na decisão ora recorrida.
y) Não obstante efetivamente as partes serem as mesmas, o objeto, causa de pedir e pedido é distinto daqueles que já transitaram efetivamente em julgado, e tal resulta claro nos presentes autos, pelo que consequentemente, se impõe a revogação da sentença ora recorrida.
III. Normas violadas:
A decisão ora recorrida, nos precisos termos em que foi proferida, viola as seguintes normas:
- Artigo 33.º n.º1 al.a) b) e c) do DL 118/93 de 13 abril;
- 621.º e 613.º do CPC
-581.º n.º1 e 2 do CPC
-619.º do CPC
A decisão ora recorrida, nos precisos termos em que foi proferida, viola para além dos princípios de segurança e certeza jurídica, o principio do acesso à justiça, precludindo e limitando o acesso aos tribunais, caindo assim na inércia e no vazio de uma decisão que muito prejuízo causa á Recorrente.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser admitido e julgado procedente por provado, revogando-se a sentença proferida, substituindo-a por outra que julgue a excepção invocada improcedente, ordenando a submissão dos presentes autos para audiência de julgamento.».
A R. apresentou contra-alegações, alegando que a A. não cumpriu com o disposto no nº 1 e no nº 2 do art. 639º do C.P.C. e defendendo que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
A R. interpôs ainda recurso subordinado da decisão, invocando a nulidade por omissão de pronúncia relativamente ao pedido de condenação da A. como litigante de má fé e pugnando pela procedência deste pedido, tendo, na sequência da respectiva motivação, apresentado as seguintes conclusões, que se transcrevem:
«1. A sentença ora em crise é totalmente omissa quanto ao pedido de condenação da Autora como litigante de má-fé, constante do pedido final da contestação e sustentado nos artigos 223.º a 227.º do referido articulado.
2. Nessa conformidade, a sentença proferida é nula, por força do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
3. A Autora não tem como o desconhecer a existência de caso julgado, não só porque tem mandatário judicial que a informou desta realidade, mas também porque qualquer “bom pai de família”, colocado nessa situação, facilmente apreende que o seu pedido já foi julgado (vide acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa acima citado).
4. Acresce que a Autora tem comportamento igualmente reprovável ao citar parcialmente decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância no incidente de liquidação, amputando-lhe o sentido original, de forma a justificar a sua “legitimidade” para a presente ação.
5. Com a dedução da presente ação e a interposição do recurso independente, a Autora/Recorrida obriga a Ré a despender recursos financeiros injustificados, assim como lhe causa outros incómodos supra descritos, o que justifica a atribuição de uma indemnização, nos termos do artigo 543.º do Código de Processo Civil.
Termos em que, declarando-se a nulidade da sentença por força do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, por omissão de pronúncia, e ordenando-se a descida dos autos ao Tribunal de 1.ª Instância para prolação de nova sentença com decisão sobre o pedido em questão, ou, se se entender mais adequado, revogando-se a decisão do Tribunal de 1.ª Instância e proferindo-se nova em conformidade com o supra alegado, condenando a Autora como litigante de má-fé, em multa e na indemnização peticionada, se fará, como habitualmente é timbre deste Tribunal da Relação, inteira e sã
JUSTIÇA!».
A A. apresentou contra-alegações, alegando não ser admissível o recurso subordinado e defendendo que deve ser negado provimento ao mesmo, por não ter litigado de má fé.
Em 18/02/2025 foi proferido despacho que admitiu o recurso principal e o recurso subordinado e apreciou a nulidade invocada nos seguintes termos:
«Sendo admissível o recurso subordinado, cumpre-nos pronunciar sobre a nulidade invocada, nos termos do já citado artigo 617º.
E o que temos a dizer é que assiste razão à ré, porque na sentença final nada dissemos sobre o incidente de litigância de má-fé alegado, omissão que passamos a suprir.

Litigância de má-fé:
Alegou a ré, em sede de contestação, que a autora deveria ser condenada como litigante de má-fé, em multa e indemnização que peticiona.
O fundamento para o pedido de litigância de má fé resulta da excepção de caso julgado que alegou, defendendo a ré que a autora sabia que está a deduzir uma pretensão para a qual sabe que não tem qualquer razão e que já foi apreciada e julgada.
A autora respondeu referindo que tem entendimento diverso, não se verifica a excepção de caso julgado, assistindo-lhe o direito de legitimamente intentar a presente acção.
Cumpre decidir:
Litigante de má fé é aquele que, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cujo fundamento não devia ignorar ou tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão – artigo 542º do Código de Processo Civil.
Dito de uma forma esquemática, para que ocorra a litigância de má-fé, não basta que a pretensão ou a defesa não tenham acolhimento, devendo, antes, o caso subsumir-se a alguma das situações previstas pelo n.º 2 do artigo 542º do CPC, em concreto, diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos, omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir um objectivo ilegítimo, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado.
A litigância de má-fé constitui um corolário dos deveres processuais de verdade, lealdade e cooperação com o objectivo de ser efectuada uma breve, eficaz e justa composição do litígio – artigos 7º e 8º do CPC.
Assim se a parte com dolo ou negligência grave deduz pretensão cuja falta de fundamento não ignora ou não devia ignorar, com o propósito ilegítimo de obter decisão que não merece tutela do direito ou que, com má-fé, altera ou omite a verdade dos factos relevantes por si conhecidos, viola gravemente o dever de cooperação ou faça um uso reprovável do processo, deverá ser condenado em litigante de má-fé.
Terá a autora litigado de má-fé, com dolo ou negligência grave?
A litigância em apreço resultará do facto de se considerar que a autora deduziu uma pretensão sem falta de fundamento, sabendo dessa falta de fundamento.
Na sentença proferida consideramos procedente a excepção de caso julgado e absolvemos a ré da instância, decisão em relação à qual a autora interpôs recurso.
Da procedência da excepção, no entanto, não resulta que a autora esteja a litigar com dolo ou negligência grave. É a própria autora que na petição inicial identifica a acção que correu termos entre as partes, defendendo que a decisão aí proferida não a impede de formulação a pretensão objecto desta nova acção.
A ré apresenta na contestação uma interpretação diferente, nomeadamente os efeitos do caso julgado.
Autora e ré defendem perspectivas diferentes obre os efeitos da primeira decisão.
O facto de termos julgado procedente o caso julgado não se traduz, até por inexistência de factualidade nesse sentido, numa actuação dolosa ou gravemente negligente da autora.
Inexiste, pelo exposto, fundamentos para a procedência do incidente deduzido pela ré.
Decisão:
Por todo o exposto, julgo o incidente de litigância de má-fé deduzido pela ré improcedente.
Notifique.
Custas pela ré, no que ao incidente diz respeito, fixando-se o seu valor em € 5.000,00.
Notifique.
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Notifique ainda a ré/recorrente para os termos previstos pelo artigo 617º, n.º 3 do C.P.C.».
Nada mais tendo sido requerido pelas partes, foi proferido, em 11/03/2025, o seguinte despacho:
«Recurso subordinado:
A ré interpôs recurso subordinado que admitimos.
O recurso tinha por objecto a nulidade da sentença por omissão de pronúncia em relação ao pedido de litigância de má-fé, contendo igualmente as alegações sobre o entendimento da decisão que deveria ser proferida. A parte contrária apresentou as suas contra-alegações.
No despacho proferido no dia 18-02-2025, pronunciamo-nos sobre a nulidade, admitindo-a e conhecendo do pedido de litigância de má-fé, no sentido da sua improcedência, decisão contrária à defendida pela ré nas suas alegações.
As partes foram notificadas e a ré/recorrente para os termos previstos pelo artigo 617º, n.º 3 do C.P.C.
A ré foi notificada e nada disse.
Nessa conformidade e por aplicação do n.º 2 do citado normativo, o recurso subordinado passa a ter como objecto a nova decisão.
Notifique.
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Estando admitidos os dois recursos – principal e subordinado – subam os autos ao Venerando Tribunal da Relação do Porto.».
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - Considerando que o objecto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (cfr. arts. 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do C.P.C.), atendendo ao disposto no art. 617º, nº 2, do C.P.C., e tendo ainda em conta que “as questões que integram o objeto do recurso e que devem ser objeto de apreciação por parte do tribunal ad quem não se confundem com meras considerações, argumentos, motivos ou juízos de valor”, cabendo ao tribunal de recurso “apreciar as questões solicitadas, sob pena de omissão de pronúncia”, mas não “responder, ponto por ponto, a cada argumento que seja apresentado para a sua sustentação” (cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 7ª ed. actualizada, 2022, págs. 135 e 136), são as seguintes as questões a tratar:
a) admissibilidade do recurso principal;
b) admissibilidade do recurso subordinado;
c) excepção de caso julgado;
d) existência de litigância de má fé por parte da A. recorrente (atento o suprimento da nulidade por omissão de pronúncia quanto a esta questão e o disposto no art. 617º, nº 2, do C.P.C.).
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Vejamos a primeira questão.
Invoca a recorrida que a recorrente não cumpriu com o disposto no nº 1 e no nº 2 do art. 639º do C.P.C..
Nos termos do disposto no art. 639º, nº 1, do C.P.C., o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
E de acordo com o nº 2 da mesma norma, versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar as normas jurídicas violadas, o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, e, invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
“Cumpre ao recorrente enunciar os fundamentos da sua pretensão no sentido da alteração, anulação ou revogação da decisão, rematando com as conclusões que representarão a síntese das questões que integram o objecto do recurso”, incluindo as especificações das alíneas do nº 2 do normativo em apreço.
“Rigorosamente, as conclusões devem (deveriam) corresponder a fundamentos que, com o objetivo de obter a revogação, alteração ou anulação da decisão recorrida, se traduzam na enunciação de verdadeiras “questões” de direito (ou de facto) cujas respostas interfiram com o teor da decisão recorrida e com o resultado pretendido, sem que jamais se possam confundir com os “argumentos” de ordem jurisprudencial ou doutrinário que não devem ultrapassar o sector da motivação.
As conclusões (…) devem respeitar, na sua essência, cada alínea do n.º 2, integrando-se as respostas a tais premissas essenciais no encadeamento lógico da decisão pretendida. Se para atingir o resultado declarado o tribunal a quo assentou em determinada motivação, dando respostas às diversas questões, as conclusões devem elencar os passos fundamentais que, na perspectiva do recorrente, deveriam ter sido dados para atingir um resultado diverso.
Todavia, com inusitada frequência se verificam situações irregulares: alegações deficientes, obscuras, complexas ou sem as especificações referidas no n.º 2”, prevendo-se no nº 3 do art. 639º do C.P.C. a possibilidade de o relator convidar ao aperfeiçoamento das conclusões.
“A prolação do despacho de aperfeiçoamento fica dependente do juízo que for feito acerca da maior ou menor gravidade das irregularidades ou incorreções, em conjugação com a efetiva necessidade de uma nova peça processual que respeite os requisitos legais. Para isso pode ser conveniente tomar em consideração os efeitos que a intervenção do juiz e as subsequentes intervenções das partes determinem na celeridade. Parece adequado ainda que o juiz atente na reação do recorrido manifestada nas contra-alegações, de forma a ponderar se alguma irregularidade verificada perturbou o exercício do contraditório, designadamente quando se esteja perante conclusões obscuras” (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 2022, 7ª edição actualizada, págs. 182, 186, 187 e 188).
No caso, compulsado o teor do requerimento de recurso verifica-se que as conclusões não foram formuladas de forma escorreita, reproduzindo fundamentos da acção e matéria alegada nos articulados, designadamente a descrição da tramitação da anterior acção em causa, e transcrevendo partes de decisões proferidas nos autos, e que coincidem em parte com o que consta da alegação. Tal situação não é equiparável a uma situação de falta de conclusões, mas de conclusões deficientes.
Ademais, quanto às normas alegadamente violadas, embora não haja uma enumeração conjunta das normas e da concretização acerca da forma como terão sido violadas, da leitura das conclusões verifica-se que a recorrente invoca aquilo que defende em termos de aplicação do direito ao caso concreto, concretamente o motivo pelo qual defende que não ocorre a excepção de caso julgado.
Donde, afigura-se que, apesar da referida deficiência das conclusões, estas cumprem, ainda assim, a sua função de delimitação do objecto do recurso, pois enunciam de forma individualizada as questões suscitadas pela recorrente (a sua discordância em relação à solução de direito encontrada na decisão recorrida) e, como se vê das contra-alegações da recorrida, foram correctamente percepcionadas por esta, que exerceu o seu contraditório de forma cabal, pronunciando-se nos termos que entendeu sobre aquelas – não se mostrando, assim, necessário existir despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões, cuja respectiva compreensão não estava afectada de tal ordem que pusesse em causa a resposta da parte contrária.
É, portanto, admissível o recurso, não colhendo as objecções nesse sentido levantadas pela recorrida.
*
Passemos à segunda questão.
No que concerne ao recurso subordinado, invoca a aqui recorrida que o mesmo não deve ser admitido porque o recurso é extemporâneo, porque a nulidade por omissão de pronúncia deveria ter sido invocada no prazo de 30 dias a contar da sentença e não através de recurso subordinado. E que, caso a decisão recorrida seja modificada a favor da A., a litigância de má fé carecerá de fundamento.
Desde logo, esta segunda situação não constitui fundamento de não admissibilidade do recurso subordinado, apenas motivo de não conhecimento da questão que constitui o seu objecto, por ficar prejudicada com o eventual provimento do recurso principal, posto que, neste caso, o processo regressa à fase do saneamento, para prosseguir os ulteriores tramites processuais e a questão da litigância de má fé ficará pendente para ser conhecida na sentença final.
Quanto à primeira situação, afigura-se não ter razão a aqui recorrida.
Com efeito, dispõe o art. 615º, nº 4, do C.P.C., que as nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.
Quer dizer, quando a sentença admitir recurso ordinário, a arguição de eventuais nulidades da mesma deve ser efectuada em sede de recurso, sendo que a lei não distingue, no caso, entre recurso principal e recurso subordinado.
Aliás, prevendo a lei a possibilidade de o recorrido, na sua alegação, arguir nulidades a título subsidiário em sede de ampliação do âmbito do recurso (art. 636º, nº 2, do C.P.C.), “do âmbito deste preceito devem excluir-se as nulidades da sentença que tenham influído no resultado da ação”, em que “a impugnação da sentença deverá ser feita através da interposição de recurso, ainda que subordinado, nos termos do art. 633.°, e não através da ampliação do seu objeto que, em tais circunstâncias, jamais poderia afetar o caso julgado formado relativamente ao resultado” (cfr. António Santos Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 148).
Portanto, no caso, estando em causa o conhecimento da questão da litigância de má fé, que influi no resultado da acção e na qual a R. é parte vencida, a nulidade por omissão de pronúncia tinha de ser arguida em sede de recurso e podia sê-lo, como foi, em sede de recurso subordinado.
É, portanto, admissível o recurso subordinado, não colhendo as objecções nesse sentido levantadas pela aqui recorrida.
*
Apreciemos a terceira questão.
São os seguintes os factos dados como assentes na decisão recorrida (transcrição – corrigindo-se apenas o lapso existente na numeração, existindo dois factos com o nº 3, passando o segundo facto com esse número a ser o 3º-A):
«1.º Correu seus termos entre a autora e a ré uma acção judicial declarativa de condenação sob a forma de processo comum, sob o n.º n.º ..., actual Juízo Central Cível do Porto, Juiz 6, em que a autora peticionou a condenação da ré pagar-lhe a quantia de € 245.375,20, a título de indemnização por clientela, acrescida de juros de mora contados desde a citação e até integral cumprimento; bem como no pagamento de uma quantia devida por comissões não pagas, relativas a vendas diretas da Ré não comunicadas à Autora a liquidar ulteriormente, acrescida de juros de mora, contados à taxa comercial.
2.º Nesse processo, foi proferida sentença final no dia 15 de Junho de 2015, em que foram considerados como provados os seguintes factos:
Provaram-se os seguintes factos com relevo para a decisão a proferir [breves palavras para referir apenas que, não tendo a autora questionado a validade e eficácia da denúncia comunicada pela Ré em Setembro de 2014, e exigindo a autora da ré, apenas, primeiro, indemnização pelo benefício que alega continuará a ré a retirar do prévio trabalho de promoção do nome e produtos da autora; segundo, pagamento de comissões por vendas diretas feitas pela ré em território nacional, com violação do pacto de exclusividade; considerou-se de todo em todo irrelevante para a decisão a proferir toda a matéria que, na visão da autora, se relacionará com o comportamento da ré prévio à comunicação da denúncia (concretamente a matéria vertida nos artigos 51º a 77º da petição inicial), bem como toda a matéria que, na visão da ré, terá justificado a denúncia (concretamente a matéria vertida nos artigos 77º a 89º da contestação)]:
1- A autora é uma empresa portuguesa que se dedica à representação, comércio e distribuição de produtos de embalagens e afins desde 1988 [artigo 7º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 7º da contestação].
2- A ré é uma empresa espanhola que se dedica ao fabrico e venda de produtos de embalagens e afins [artigo 8º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 7º da contestação].
3- Em 1992 os produtos comercializados pela ré não possuíam qualquer tipo de implantação em Portugal [artigo 9º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 7º da contestação].
4- Por força do referido em 3-, em 1994 autora e ré verbalmente acordaram em que a primeira desenvolveria contactos com vista à implantação do nome da marca da ré em Portugal, enquanto representante desta [artigos 10º, 11º e 16º da petição inicial; matéria expressamente aceite nos artigos 7º e 11º da contestação].
5- Segundo o acordo referido em 4-, a autora distribuiria em Portugal os produtos fabricados pela ré, adquirindo à autora as mercadorias e revendendo-os aos clientes em seu próprio nome, aplicando uma margem de lucro ao preço de venda [artigos 12º e 13º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 7º da contestação].
6- Em determinadas alturas da relação comercial estabelecida entre autora e ré, a autora promoveu vendas diretas da ré aos adquirentes dos produtos desta, pelo facto recebendo uma comissão [artigos 14º e 15º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 7º da contestação].
7- Este acordo não escrito de distribuição manteve-se até 2014, permitindo a implantação em Portugal dos produtos fabricados pela ré [artigo 19º da petição inicial; matéria não impugnada na contestação] …
8- … Implantação decorrente dos clientes angariados pela autora e da promoção do nome e produtos da ré [artigos 21º, 81º e 82º da petição inicial; matéria expressamente impugnada no artigo 92º da contestação].
9- Antes de 1992 a ré possuía um volume de negócios em Portugal de praticamente zero [artigo 25º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
10- No ano de 1993 a ré passou a ter em Portugal um volume de negócios de € 12.393,93 [artigo 26º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
11- No ano de 1994 a autora adquiriu à ré mercadoria de valor superior a € 111.198,89 [artigo 27º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
12- No ano de 1995 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 865.799,00 [artigo 28º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
13- No ano de 1996 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 1.048 177,00 [artigo 29º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
14- No ano de 1997 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 875.323,00 [artigo 30º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
15- No ano de 1998 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 1.124.658,00 [artigo 31º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
16- No ano de 1999 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 1.109.963,00 [artigo 32º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
17- No ano de 2000 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 1.564.758,00 [artigo 33º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
18- No ano de 2001 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 2 443 182,00 [artigo 34º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
19- No ano de 2002 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 2.522.967,00 [artigo 35º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
20- No ano de 2003 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 2.584.566,00 [artigo 36º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
21- No ano de 2004 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 2.753.202,00 [artigo 37º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
22- No ano de 2005 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 2.663.261,00 [artigo 38º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
23- No ano de 2006 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 2.606.647,00 [artigo 39º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
24- No ano de 2007 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 3.048.670,00 [artigo 40º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
25- No ano de 2008 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 2.382.166,00 [artigo 41º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
26- No ano de 2009 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 2.644.408,00 [artigo 42º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
27- No ano de 2010 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 3.417.745,00 [artigo 43º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
28- No ano de 2011 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 4.603.724,00 [artigo 44º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
29- No ano de 2012 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 4.591.212,00 [artigo 45º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
30- No ano de 2013 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 2.088.464,00 [artigo 46º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
31- No ano de 2014 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 1.109.141,00 [artigo 47º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
32- Por carta datada de 16 de Setembro de 2014, a ré comunicou à autora a denúncia do contrato referido em 4- a 6-, com efeitos a partir de 31 de Janeiro de 2015 [artigo 78º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74º da contestação].
33- Entre 2009 e 2014, a autora auferiu as seguintes quantias, a título de comissões pagas pela ré:
a. 2009 – 0;
b. 2010 – € 684,00;
c. 2011 - € 457,00;
d. 2012 - € 18.145,00;
e. 2013 - € 15.852,00;
f. 2014 - € 26.787,00 [artigos 90º a 95º da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 106º da contestação].
34- À data da denúncia referida em 32-, apenas um cliente (o grupo «D...») representava a maioria da faturação da ré em Portugal através da autora [artigo 17º da contestação; matéria antecipadamente impugnada nos artigos 21º e 81º da petição inicial].
35- A autora, ao longo de todo o relacionamento comercial que manteve com a ré, sempre atuou como distribuidora de outros produtos, de outras empresas além da ré [artigos 44º e 45º da contestação; matéria não impugnada pela autora].
36- A ré, a pedido da autora, normalmente apunha nas embalagens dos produtos que entregava em Portugal as menções “A...” e “A...”, como se tratasse de um produto da autora [artigo 47º da contestação; matéria não impugnada pela autora].
37- A ré, ao longo de todo o relacionamento comercial que manteve com a autora, não impunha quotas de produtos a adquirir autora, antes juntamente com a autora fixava objetivos de vendas no início de cada ano [artigos 48º e 49º da contestação; matéria não impugnada pela autora].
38- A ré, ao longo de todo o relacionamento comercial que manteve com a autora, não concedeu bónus à autora, nem aplicou penalidades a esta [artigos 50º e 51º da contestação; matéria não impugnada pela autora].
39- A ré, ao longo de todo o relacionamento comercial que manteve com a autora, não deu instruções à autora sobre o desenvolvimento do negócio, limitando-se a recomendações e indicações genéricas [artigo 52º da contestação; matéria não impugnada pela autora].
40- A autora, ao longo de todo o relacionamento comercial que manteve com a ré, jamais remeteu à ré informação com a listagem completa de clientes, tendo a ré conhecimento da identificação dos clientes porque na maioria dos casos efetuava a entrega dos produtos nas instalações daqueles, embora não conhecia os vendedores dos clientes nem os decisores na estrutura dos referidos clientes [artigos 53º a 55º da contestação; matéria não impugnada pela autora].
41- A autora, ao longo de todo o relacionamento comercial que manteve com a ré, jamais teve de organizar as suas instalações em conformidade com uma qualquer determinação ou orientação da ré [artigo 56º da contestação; matéria não impugnada pela autora].
42- Na atividade económica da autora, a comercialização dos produtos fornecidos pela ré representava cerca de 10% dos proventos auferidos autora [artigo 60º da contestação; matéria não impugnada pela autora].
43- A autora, na sua estrutura, não dispunha de um departamento especificamente destinado à comercialização dos fabricados pela ré [artigo 61º da contestação; matéria não impugnada pela autora].
3.º E foram considerados como não provados, os seguintes factos:
a- em 1994 autora e ré tenham acordado que a autora seria a revendedora exclusiva no território nacional dos produtos fabricados pela ré [artigo 16º da petição inicial; matéria expressamente impugnada nos artigos 11º, 12º e 16º da contestação da contestação];
b- em 1995 autora e ré tenham acordado que a autora seria a revendedora exclusiva a norte de Coimbra e ilhas dos produtos fabricados pela ré [artigos 17º a 19º da petição inicial; matéria expressamente impugnada nos artigos 11º, 12º e 16º da contestação];
c- Após a denúncia referida em 32-, a ré tenha mantido a grande maioria dos clientes angariados pela autora entre 1994 e 2014 [artigo 81º da petição inicial; matéria expressamente impugnada nos artigos 70º a 72º da contestação];
d- entre 2009 e 2014, a autora tenha auferido as seguintes quantias a título de lucro pela revenda dos produtos fornecidos pela ré:
a. 2009 – € 210 529,00;
b. 2010 – € 278 755,00;
c. 2011 - € 251 831,00;
d. 2012 - € 285 679,00;
e. 2013 - € 217 604,00;
f. 2014 - € 131 648,00 [artigos 90º a 95º da petição inicial; matéria expressamente impugnada no artigo 107º da contestação];
e- entre 1994 e 2014 a ré tenha vendido diretamente a clientes angariados pela autora mercadoria em quantidade superior à que comunicou à autora [artigos 101º a 103º da petição inicial; matéria expressamente impugnada no artigo 137º da contestação];
f- a ré, ao longo do relacionamento comercial com a autora, tenha sempre reservado a possibilidade de efetuar vendas diretas em território português sem o pagamento de qualquer comissão [artigos 12º a 14º da contestação; matéria antecipadamente impugnada nos artigos 17º a 19º da petição inicial];
g- a ré tenha, nos seus quadros, recursos humanos próprios que trabalham o mercado português em simultâneo com a autora e a distribuidora da zona sul [artigo 15º da contestação; matéria antecipadamente impugnada nos artigos 17º a 19º da petição inicial].
3.º-A Da fundamentação de direito e no que à questão do valor das comissões por vendas alegadamente efectuadas pela ré directamente aos clientes em Portugal, à revelia da ré, em violação da exclusividade defendida pela autora, o tribunal da primeira instância pronunciou-se referindo o seguinte:
Finalmente, relativamente ao valor das comissões que a autora exige da ré, dir-se-á que a condenação genérica pressupõe a demonstração dos fundamentos do direito.
É que a quantificação dos danos constitui realidade totalmente diversa da caracterização e definição dos próprios danos, e esta, indiscutivelmente, deve o autor realizá-la no decurso da acção - «Não se pode relegar a demonstração do dano para liquidação em execução de sentença. Essa demonstração tem de ser feita na acção declarativa (…)», destinando-se a liquidação ulterior somente a fixar o objecto de uma obrigação anteriormente reconhecida (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07 de Dezembro de 2005, disponível em www.dgsi.jstj.pt/).
E facto é que, por um lado, de todo não resultou apurada a existência de convenção pela qual a ré conferiu à autora a faculdade de em exclusivo distribuir os produtos fabricados pela ré no norte de Portugal (pontos a- e b- da matéria de facto não provada); por outro, verdadeiramente desconhecemos se a ré em seu nome levou a cabo vendas no norte de Portugal que não comunicou à autora (ponto e- da matéria de facto não provada).
Seja pela não demonstração da celebração de convenção de exclusividade, seja pela não demonstração da violação desta, esta parte do pedido igualmente não pode deixar de ser julgada improcedente.
4.º A autora interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto que foi admitido e apreciado.
5.º A ré impugnou a matéria de facto e também a matéria de direito;
6.º Sobre a questão das comissões a autora, nas suas alegações de recurso, alínea e), impugnou a decisão da seguinte forma:
E.
Existe igualmente omissão de pronúncia relativamente às comissões recebidas pela autora relativas à promoção de vendas diretas em nome e por conta da R. a A. alegou os valores de comissões recebidas nos arts 90º a 95º da Petição Inicial, e tais factos integram-se no âmbito do tema de prova c), al. d).
No entanto, os valores pela A. alegados não foram dados como provados, nem como não provados, tendo o tribunal a quo omitido uma apreciação dessa questão. De todos os modos deverá ser dado como provado pelo tribunal ad quem que a recorrente recebeu o valor das comissões contante na conclusão I.
O tribunal a quo viola assim o disposto na al. d) do nº1 da artigo 615º do CPC.
F
Face aos factos dados como provados que a R. não tinha qualquer implantação em Portugal que o volume de negócios era praticamente zero e que a recorrente com o seu labor alcançou clientes que compraram à recorrida 46.171.625,82 euros forçoso é concluir que a A. contribuiu para o aumento da notoriedade dos produtos da R. de um modo bem significativo, o que devia ser dado como provado.
G.
Devia ser dado como provado que a A. era representante exclusiva da R., o que foi dado como não provado pelo tribunal a quo.
7.º Sobre a impugnação da matéria de facto, na parte em que analisou a factualidade alegada o Acórdão do T. R. Porto pronunciou-se da seguinte forma:
“Dos elementos probatórios juntos aos autos e designadamente dos mencionados, resultando embora que os mesmos são insuficientes para que se possa dar como provada a existência de um acordo expresso entre as partes, escrito ou verbal, no sentido da exclusividade da venda de produtos da R. pertencer à A., já se pode dizer com segurança que a A. era a única representante dos produtos da R. no território nacional a Norte de Coimbra e ilhas, aí actuando como sua representante exclusiva.
Em conclusão, devem ser eliminadas as al. a) e b) dos factos não provados por não retractarem fielmente factos alegados pela A. na petição inicial nos art. 16.° a 19. da p.i. aos quais pretendeu responder e em substituição devem ser aditados dois factos aos factos provados, com os n.º 6A e 6B e com a seguinte redacção:
6A- a empresa E..., Ld foi nomeada pela R. como sua distribuidora para o território nacional a sul de Coimbra; (acordo das partes).
6B- a A. era a única distribuidora da R. no território a norte de Coimbra e ilhas e aí actuava como sua representante exclusiva.”
8.º Mais se fez constar:
“Importa em primeiro lugar referir que, neste âmbito da decisão de facto não está em causa saber se houve acordo escrito de exclusividade, que nem sequer foi invocado. Tal questão poderá colocar-se apenas na apreciação da validade ou invalidade de um eventual acordo de exclusividade, em razão da forma que observou, não tendo a sua sede própria de apreciação na decisão de facto, mas antes em sede de direito. A resposta à matéria de facto tem por referência os factos que são alegados pelas partes, sendo que o que a A. alega na sua petição inicial que foi celebrado um acordo de distribuição entre as partes e que ela actuava, primeiro em todo o território nacional e depois no território a norte de Coimbra, como distribuidora exclusiva da R., conforme decorre dos art. 16. a 19. da pi
A respeito desta matéria, parece-nos que o tribunal a quo não fez uma correcta avaliação dos elementos probatórios constantes dos actos, afigurando-se que os mesmos permitem concluir que a A actuava como distribuidora exclusiva dos produtos da R., primeiro em Portugal e depois de a Norte de Coimbra e ilhas.
Tal como se reconhece na fundamentação apresentada, diversas testemunhas referem que a A era a representante exclusiva da R. em Portugal. Essa referência é feita não só por testemunhas que trabalham ou trabalharam para a A, como é o caso das testemunhas AA, BB, CC e DD que detalhadamente explicaram a forma como decorria o relacionamento comercial entre as partes afirmando que a A. era representante exclusiva da R. até Coimbra e ilhas, o que apresentam como dado adquirido pelas partes no seu relacionamento comercial e a testemunha BB refere ter confirmado em várias reuniões em que participou e relembrado a si pelo Sr. EE, anterior gerente da R.
(...)
Dos elementos probatórios juntos aos autos e designadamente dos mencionados, resultando embora que os mesmos são insuficientes para que se possa dar como provada a existência de um acordo expresso entre as partes, escrito ou verbal, no sentido da exclusividade da venda de produtos da R. pertencer à A., já se pode dizer com segurança que a A. era a única representante dos produtos da R. no território nacional a Norte de Coimbra e ilhas, aí actuando como sua representante exclusiva.
Em conclusão, devem ser eliminadas as al. a) e b) dos factos não provados por não retractarem fielmente factos alegados pela A. na petição inicial nos art. 16.º a 19.º da p.i. aos quais pretendeu responder e em substituição devem ser aditados dois factos aos factos provados, com os n.º 6A e 6B e com a seguinte redacção:”
9.º Na sequência da parcial procedência do recurso sobre a factualidade provada e não provada, considerou o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto como assente a seguinte factualidade:
“1 - A autora é uma empresa portuguesa que se dedica à representação, comércio e distribuição de produtos de embalagens e afins desde 1988 [artigo 7° da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 7° da contestação].
2 - A ré é uma empresa espanhola que se dedica ao fabrico e venda de produtos de embalagens e afins [artigo 8° da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 7° da contestação].
3 - Em 1992 os produtos comercializados pela ré não possuíam qualquer tipo de implantação em Portugal [artigo 9° da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 7° da contestação].
4 - Por força do referido em 3-, em 1994 autora e ré verbalmente acordaram em que a primeira desenvolveria contactos com vista à implantação do nome da marca da ré em Portugal, enquanto representante desta [artigos 10°, 1° e 16° da petição inicial; matéria expressamente aceite nos artigos 7° e 11° da contestação].
5- Segundo o acordo referido em,4 a autora distribuiria em Portugal os produtos fabricados pela ré, adquirindo à autora as mercadorias e revendendo-os aos clientes em seu próprio nome, aplicando uma margem de lucro ao preço de venda [artigos 12° e 13° da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 7° da contestação].
6- Em determinadas alturas da relação comercial estabelecida entre autora e ré, a autora promoveu vendas diretas da ré aos adquirentes dos produtos desta, pelo facto recebendo uma comissão [artigos 14° e 15° da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 7° da contestação].
6. A - a empresa E..., Lda. foi nomeada pela R. como sua distribuidora para o território nacional a sul de Coimbra; (aditado)
6 B - A A. era a única distribuidora da R. no Território a norte de Coimbra e ilhas e aí atuava como sua representante exclusiva. (aditado)
7- Este acordo não escrito de distribuição manteve-se até 2014, permitindo a implantação em Portugal dos produtos fabricados pela ré [artigo 19° da petição inicial; matéria não impugnada na contestação] ...
8 – (. . .) Implantação decorrente dos clientes angariados pela autora e da promoção do nome e produtos da ré [artigos 21°, 81° e 82° da petição inicial; matéria expressamente impugnada no artigo 92° da contestação].
9 - Antes de 1992 a ré possuía um volume de negócios em Portugal de praticamente zero [artigo 25° da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74° da contestação].
10- No ano de 1993 a ré passou a ter em Portugal um volume de negócios de €213939,3 [artigo 26° da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74° da contestação].
11- No ano de 1994 a autora adquiriu à ré mercadoria de valor superior a € 1.198,89 [artigo 27° da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74° da contestação].
12- No ano de 1995 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 865.799,00 [artigo 28° da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74° da contestação].
13 - No ano de 1996 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 1.048.177,00 [artigo 29° da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74° da contestação].
14- No ano de 1997 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de €875.323,00 [artigo 30° da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74° da contestação].
15- No ano de 1998 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 1.124.658,00 [artigo 31° da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74° da contestação].
16- No ano de 1999 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 1.109.963,00 [artigo 32° da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74° da contestação].
17- No ano de 2000 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de €1.564.758,00 [artigo 3° da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74° da contestação].
18 - No ano de 2001 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de €2.443.182,00 [artigo 34° da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74° da contestação].
19 - No ano de 2002 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de €2.522.967,00 [artigo 35° da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74° da contestação].
20 - No ano de 2003 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de €2.584.566,00 [artigo 36° da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74° da contestação].
21- No ano de 2004 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 2.753.202,00 [artigo 37° da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74° da contestação]
22- No ano de 2005 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 2.663.261,00 [artigo 38° da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74° da contestação].
23- No ano de 2006 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de €2.606.647,00 [artigo 39° da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74° da contestação].
24- No ano de 2007 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de €3.048.670,00 [artigo 40° da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74° da contestação].
25- No ano de 2008 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de €2.382.166,00 [artigo 41° da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74° da contestação].
26- No ano de 2009 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de €2.644.408,00 [artigo 42° da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74° da contestação].
27- No ano de 2010 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 3.417.745,00 [artigo 43° da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74° da contestação]
28- No ano de 2011 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de €4.603.724,00 [artigo 44° da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74° da contestação].
29- No ano de 2012 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de €4.591.212,00 [artigo 45° da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74° da contestação].
30- No ano de 2013 autora adquiriu à ré mercadoria no valor de €208.464,00 [artigo 46° da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74° da contestação].
31- No ano de 2014 a autora adquiriu à ré mercadoria no valor de € 1.109.141,00 [artigo 47° da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74° da contestação].
32- Por carta datada de 16 de setembro de 2014, a ré comunicou à autora a denúncia do contrato referido em -4 a 6,- com efeitos a partir de 13 de Janeiro de 2015 [artigo 78° da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 74° da contestação].
33- Entre 2009 e 2014, a autora auferiu as seguintes quantias, a título de comissões pagas pela ré:
a. 2009 - 0;
b. 2010 - €684,00;
ñ. 2011 -€457,00;
d. 2012 - €18.145,00;
e. 2013 - €15.852,00;
f. 2014 - € 26.787,00 [artigos 90° a 95° da petição inicial; matéria expressamente aceite no artigo 106° da contestação].
34- (eliminado)
35- A autora, ao longo de todo o relacionamento comercial que manteve com a ré, sempre atuou como distribuidora de outros produtos, de outras empresas além da ré [artigos 44° e 45° da contestação; matéria não impugnada pela autora].
36- A R. apunha nalgumas embalagens que entregava em Portugal as menções A... e A.... (alterado)
37- A ré, ao longo de todo o relacionamento comercial que manteve com a autora, não impunha quotas de produtos a adquirir pela autora, antes juntamente com a autora fixava objetivos de vendas no início de cada ano [artigos 48° e 49° da contestação; matéria não impugnada pela autora].
38- A ré, ao longo de todo o relacionamento comercial que manteve com a autora, não concedeu bónus à autora, nem aplicou penalidades a esta [artigos 50° e 51° da contestação; matéria não impugnada pela autora].
39- (eliminado)
40 - (eliminado)
41- A autora, ao longo de todo o relacionamento comercial que manteve com a ré, jamais teve de organizar as suas instalações em conformidade com uma qualquer determinação ou orientação da ré [artigo 56° da contestação; matéria não impugnada pela autora].
42 - (eliminado).
43 - A autora, na sua estrutura, não dispunha de um departamento especificamente destinado à comercialização dos produtos fabricados pela ré [artigo 61° da contestação; matéria não impugnada pela autora].”
10.º Contudo e apesar da parcial procedência da impugnação da matéria de facto, o Tribunal da Relação do Porto, por Acórdão proferido no dia 24 de Janeiro de 2018 manteve a improcedência da acção, decidido o seguinte: “Em face do exposto, não obstante a procedência parcial da impugnação da matéria de facto dada como provada, julga-se improcedente o recurso interposto pela A., mantendo-se a sentença recorrida”.
11.º A autora interpôs recurso de revista excepcional para o Supremo Tribunal de Justiça e por Acórdão proferido no dia 4 de Outubro de 2018 foi decidido o seguinte:
Em face do exposto, concede-se em parte a revista, revogando-se o acórdão recorrido e, em consequência, condena-se a ré a pagar à autora uma indemnização de clientela, no montante que vier a ser fixado em liquidação ulterior, nos termos e com os limites acima referidos, e, bem assim, nos juros de mora, à taxa comercial, vencidos a partir dessa fixação.
As custas serão suportadas, provisoriamente, por autora e ré, em partes iguais, a corrigir oportunamente em função do resultado da liquidação.
12.º Sobre a alteração introduzida, nomeadamente o reconhecimento do direito da autora de uma indemnização de clientela pela cessação do contrato, considerou o Supremo Tribunal de Justiça (e em síntese) o seguinte:
(...)
Crê-se que não se decidiu bem.
Não está em causa, evidentemente, o requisito da al. a), tendo em conta a abundante factualidade provada sobre a importância da actuação da autora na distribuição e venda dos produtos da ré; é indiscutível que a implantação da ré e o posterior incremento das vendas no território português, a norte de Coimbra, se ficaram a dever, em grande medida, à autora.
Esta realidade, assim demonstrada, confirma o que acima se disse sobre a desnecessidade de anulação e reenvio do processo por deficiência da decisão de facto (enumeração dos clientes angariados pela autora - art. 22º da p.i.).
No que toca ao requisito da al. b), será de referir que o que importa é que, no momento da cessação do contrato, seja provável e previsível que o principal/concedente venha a beneficiar da actividade do agente/concessionário.
(…)
Ora, a este respeito, importa destacar da factualidade provada o seguinte:
Antes de se estabelecer o contrato entre a autora e a ré, os produtos desta não tinham qualquer implantação em Portugal (3º); o volume de negócios da ré era, aqui, praticamente zero (9º); o referido contrato manteve-se durante 20 anos (1994-2014), sendo a autora a única distribuidora no território nacional a norte de Coimbra e ilhas, aí actuando como representante exclusiva (6°B); a autora angariou clientes e promoveu o nome e produtos da ré, o que permitiu a implantação em Portugal dos produtos facturados pela ré (7° ñ 8º).
Ao longo dos anos, a autora adquiriu à ré para revender mercadorias com os valores indicados em 10° a 31º e recebeu da ré os montantes das comissões indicados a 33° (produtos vendidos directamente pela ré a clientes angariados pela autora).
(...)
De notar, por outro lado, que, apesar de não se ter provado que a autora se comprometeu a transferir a clientela para a ré e que tenha enviado para esta a listagem completa de clientes, o certo é que se apurou que a ré tinha conhecimento da identificação desses clientes, uma vez que, na maioria dos casos, procedia à entrega dos produtos nas instalações daqueles.
Nestas circunstâncias, não parece decisivo que, como se refere no acórdão recorrido, os factos provados não permitam quantificar, nem caracterizar a clientela de que a ré continuou efectivamente a beneficiar.
(...)
No caso, tendo em conta o que acima se destacou da factualidade provada, não parece que ofereça dúvidas que, após a cessação do contrato celebrado entre a autora e a ré, esta poderia continuar a usufruir da clientela angariada pela autora (que não teria de ser a maioria de clientes - facto não provado), dado o efectivo acesso que lhe foi proporcionado a tal clientela no período de execução do contrato, sendo certo que nada se provou que infirme essa possibilidade.
Entende-se, por conseguinte, que se deve ter por verificado o requisito da al. b) do nº 1 do art. 33°.
Quanto ao requisito da al. c), a sua formulação, ao aludir a retribuição, apenas se ajusta aparentemente à agência. O distribuidor, por regra, não perde uma remuneração específica em relação aos seus clientes, às plúrimas vendas que realize, mas antes a margem de lucro obtida nesta actividade. Lucro que deixa de ser auferido pelo distribuidor se a clientela se transferir para o produtor.
Assim, será de atribuir ao termo retribuição o sentido de compensação, sendo, pois, pressuposto que o distribuidor deixe de receber qualquer compensação pelos contratos concluídos após a cessação do contrato.
(...)
Como se assumiu, sem contestação, no acórdão recorrido, a actividade da autora, no âmbito do contrato que celebrou com a ré, desdobrou-se em duas vertentes: por um lado, aproxima-se da que é própria do contrato de agência ao angariar clientes aos quais a ré vendia directamente os seus produtos, retribuindo a autora com uma comissão (factos 6º e 33°); por outro lado, com traços da concessão, a autora adquiria à ré os produtos desta e revendia-os em seu próprio nome aos clientes que ia angariando, beneficiando de uma margem de lucro nas vendas (5º å 10° a 31°).
Ficaram provados os montantes que a ré pagou à autora, a titulo de comissões, ao longo da vigência do contrato. Todavia, não se provou o lucro líquido obtido pela autora com a revenda dos produtos da ré.
O critério da fixação do montante da indemnização por beneficio da clientela é o da equidade, tendo como limite a média anual das remunerações auferidas nos últimos cinco anos.
Esse montante não depende, assim, de um critério matemático, devendo ponderar-se a globalidade das circunstâncias atendíveis, por forma a encontrar-se um valor razoável e equilibrado; mas sempre com o aludido limite máximo, a servir de baliza a tal ponderação.
Ora, no caso, esse limite máximo só o temos em relação às comissões pagas, no que respeita às revendas efectuadas pela autora de produtos da ré, apenas se provaram os valores facturados por esta; não o lucro líquido obtido pela autora.
Este lucro líquido obtido nos últimos cinco anos constitui, a par do montante de comissões pagas no mesmo período, elemento imprescindível para a determinação do valor da indemnização e como elemento a ter em conta como limite desta
Neste condicionalismo e considerando o que acima ficou referido, deve ser reconhecido o direito do autora à indemnização de clientela; porém, a fixação do respectivo montante deve ser relegada para liquidação ulterior nos termos do art. 609º, nº 2, do CPC.
13.º A autora deduziu o incidente de liquidação de sentença por requerimento de 20-02-2019 e peticionou a quantificação dos seguintes valores:
“(…)€ 235.966,46 mais € 37.417,59, o que totaliza €273.384,05 a título de indemnização de clientela.
E ainda o valor de 399.133,45 a título de comissões devidas e não pagas em violação da cláusula de exclusividade.”
14.º No apenso de liquidação foi proferido o despacho previsto pelo artigo 596º do C.P.C. com o seguinte teor:
“A) Quantificação da compensação devida, pela requerida à requerente, por força da cessação do relacionamento negocial entre ambas estabelecido entre 1994 e 31 de Janeiro de 2015 [a legalmente denominada «indemnização de clientela» - artigo 33º do Decreto-lei nº 178/86, de 03 de Julho], nos termos fixados pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão proferido a fls 1404 e ss dos autos;
B) Litigância de má-fé da requerida, por deduzir pretensão cuja falta de fundamento não deve ignorar [concretamente a pretensão identificada no ponto II- do requerimento inicial, sob a epígrafe «comissões não recebidas relativas a vendas efectuadas directamente por FF a clientes em Portugal à revelia do seu exclusivo representante “A..., Ldª”»].
15.º Foi proferida sentença no apenso de liquidação de sentença, com data de 17 de Fevereiro de 2021, com o seguinte teor:
“Pelo exposto:
I –Julgo parcialmente procedente o presente incidente de liquidação e, em consequência, fixo no valor global de € 25 000,00, a quantia pela requerida “B..., SA”, devida à requerente “A..., Lda.”, acrescida de juros moratórios contados, à taxa supletiva dos juros comerciais, desde esta data e até integral reembolso.
II – Julgo o presente incidente improcedente na parte restante.”
16.º Da fundamentação da matéria de facto e sobre o segundo pedido de liquidação formulado pela autora – valor das comissões – fez-se constar o seguinte:
(…)
Provaram-se os seguintes factos com relevo para a decisão a proferir:
[sendo certo que, face aos concretos termos da condenação na acção declarativa proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, manifestamente excede o objecto do presente incidente de liquidação a pretensão da requerente a obter da requerida o pagamento do valor de comissões relativas a vendas alegadamente por esta de forma directa concretizadas numa área geográfica que a requerente afirma ter sido a si em exclusivo atribuída, do que resulta a total irrelevância do alegado nos artigos 21º a 23º do requerimento inicial; acresce que, na apreciação do recurso pela aqui requerente interposto da sentença proferida em 1ª instância, o Tribunal da Relação do Porto determinou a eliminação dos pontos 34-, 39-, 40- e 42- da matéria de facto em 1ª instância considerados provados (pelo que, por um lado, simplesmente não corresponde à verdade o pela requerida afirmado no artigo 36º da sua oposição; por outro, a mera invocação de ter sido mantida a relação com o cliente que antes de 2015 representava a maioria da facturação da requerida em Portugal (parte final do artigo 32º da oposição), conforme declarado pelo Tribunal da Relação do Porto, constitui alegação conclusiva e por isso irrelevante; e, na apreciação do recurso pela aqui requerente interposto do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, o Supremo Tribunal de Justiça determinou a repristinação do ponto 40- da matéria de facto provada em 1ª instância, embora com redacção diversa]. (…).
17.º E na parte da fundamentação de direito, sobre o objecto do litígio identificado na alínea b), a sentença da primeira instância considerou:
“É certo ter a requerente incluído no pedido de liquidação questão que manifestamente extravasa o objecto da condenação genérica proferida nos autos – o valor de comissões, alegadamente não recebidas pela requerente, relativas a vendas pela requerida directamente efectuadas em Portugal à revelia da requerente.
E a falta de fundamento para a consideração dessa questão surge de tal modo manifesta que a requerente seguramente não o ignoraria – mas, exactamente pelo mesmo motivo, seguramente não poderia ter a requerente mínima expectativa, ou a requerida mínimo receio, de a decisão a proferir em qualquer caso (isto é, fosse ou não deduzida oposição) vir a debruçar-se sobre tal matéria.
Sendo certo que, independentemente disso, obviamente existe fundamento para o pedido de liquidação em si mesmo considerado.
Pelo que a pretensão à liquidação é totalmente fundada, só não o sendo nos termos em que a requerente a trouxe ao processo.
Mas, repete-se, a concreta configuração processual que a requerente fez da sua legítima pretensão não transforma esta em ilegítima, não se vislumbrando na actuação da requerente mínima aptidão para causar (como não causou) qualquer prejuízo à requerida ou à boa administração da justiça.
Improcede o pedido de condenação da requerente como litigante de má fé.”;
18.º A autora interpôs recurso dessa decisão, que foi admitido e por Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, de 15-12-2021, foi julgado parcialmente procedente o recurso e alterou-se a decisão recorrida nos seguintes termos:
“I – Julgo parcialmente procedente o presente incidente de liquidação e, em consequência, fixo no valor global de € 42.371,70 (quarenta e dois mil trezentos e setenta e um euros e setenta cêntimos), a quantia pela requerida “B..., SA”, devida à requerente “A..., Lda.”, acrescida de juros moratórios contados, à taxa supletiva dos juros comerciais, desde esta data e até integral reembolso.
II – Julgo o presente incidente improcedente na parte restante.”
19.º Verifica-se que no primeiro processo a autora, como a própria afirma, sempre reclamou em todos os momentos o pagamento das comissões, inclusivamente em sede de liquidação de sentença, onde requereu a quantificação das comissões e indemnização de clientela sobre essas concretas comissões.
20.º A autora instaurou a actual acção, em 12-01-2024, fazendo menção ao primeiro processo, aos factos que no mesmo foram dados como provados e não provados, aos recursos interpostos e Acórdão final proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, assim como da decisão final, transitada em julgado, proferida no incidente de liquidação, o que faz nos artigos 1º a 27º da PI (onde menciona também a questão da competência internacional):
21.º Alega neste processo que pretende agora que seja conhecimento o direito que considera que lhe assiste e que é o direito de receber todas as comissões relativas a vendas efetuadas diretamente pela ré a clientes em Portugal à revelia do seu acordo de exclusividade com a autora, comissões cujo pagamento peticiona, assim como uma indemnização de clientela sobre essas comissões.
22.º No artigo 29º alega matéria já alegada no primeiro processo e nos artigos seguintes, até o 40º, reproduz factos já dados como provados no primeiro processo (o que a própria admite no artigo 41º da PI)
23.º Nos artigos seguintes da PI repete factos alegados no primeiro processo e apenso de liquidação, assim como mencionada documentos que igualmente foram juntos nesse processo, quantificando os montantes que consideram que lhe são devidos, quer pelas comissões, quer pela indemnização de clientela, direito que, mais uma vez sustenta e suporta, na violação da cláusula de exclusividade que defende ter existido durante a vigência da relação contratual entre autora e ré, à semelhança do que já tinha alegado e peticionado no primeiro processo;».
Vejamos.
A excepção de caso julgado pressupõe a repetição de uma causa quando causa idêntica já foi decidida por sentença que transitou em julgado (Alberto dos Reis, C.P.C. anotado, vol. III, 4ª ed., págs. 91 e 92).
São duas as finalidades da existência de tal excepção.
Antes de mais e por um lado, a necessidade da certeza do direito e da segurança nas relações jurídicas, de forma que, uma vez transitada em julgado a decisão, esta defina “de modo irrefragável a relação jurídica sobre que recaiu”.
Por outro lado, a de evitar que o tribunal seja colocado na “triste e desairosa” situação de ter de contradizer ou repetir uma decisão anterior - neste caso a segunda decisão seria inútil, naquele “as partes ficariam perante duas sentenças contraditórias”, sempre com “desprestígio manifesto dos tribunais” (ob. e aut. cits, págs. 94 e 95).
Na verdade, o prestígio dos tribunais ficaria comprometido “se a mesma situação concreta uma vez definida pelo tribunal num determinado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente” (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pág. 306).
Segundo o art. 581º do C.P.C. a repetição da causa pressupõe três identidades fundamentais: a identidade dos sujeitos, a identidade do pedido e a identidade da causa de pedir:
- Identidade dos sujeitos:
Ocorre quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.
O que importa não é a identidade física, mas que as pessoas tenham a mesma posição ou a mesma qualidade jurídica.
E “as partes são as mesmas sob o aspecto jurídico, desde que são portadoras do mesmo interesse substancial”, interessando a sua posição quanto à relação jurídica substancial e não quanto à relação jurídica processual (Alberto dos Reis, ob. cit., págs. 97 e 101).
- Identidade do pedido:
Verifica-se quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico concreto.
“Pedido é a enunciação da forma de tutela jurisdicional pretendida pelo autor e do conteúdo e objecto do direito a tutelar”, não se confundindo com o “objecto material da acção” (Manuel de Andrade, cit. por Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 106).
A identidade do pedido traduz-se, pois, na identidade da providência jurisdicional solicitada, sendo a segunda acção proposta para se exercer o mesmo direito que se exerceu na primeira.
- Identidade da causa de pedir:
Ocorre quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico.
A acção identifica-se e individualiza-se através de factos jurídicos, isto é, “factos que podem ter influência na formação da vontade concreta da lei”.
De forma que a causa de pedir “é o facto jurídico que constitui o fundamento legal do benefício ou do direito, objecto do pedido”.
Assim, “quando se muda o simples facto material ou motivo, mas para se deduzir dele o mesmo facto jurídico, não há diversidade de acção: a excepção de caso julgado subsiste (Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 121).
No caso, como se entendeu na decisão recorrida, não se oferecem dúvidas de que esta segunda acção proposta pela A., ora recorrente, é idêntica à primeira acção, considerando o segundo pedido nesta formulado, de condenação da R. a pagar a quantia devida por comissões não pagas, relativas a vendas directas da R. não comunicadas à A., verificando-se a tríplice identidade, de sujeitos, causa de pedir e pedido:
- os sujeitos são, em ambas as acções, as partes no acordo de distribuição celebrado entre A. e R.;
- a causa de pedir é, em ambas as acções, integrada pela factualidade atinente às obrigações decorrentes desse acordo, à violação de uma alegada cláusula de exclusividade por parte da R. e à obrigação de pagamento à A. de comissões respeitantes às vendas directas feitas pela R. ao arrepio dessa cláusula; e
- o pedido, ou seja, o efeito jurídico que a A. pretende é, em ambas as acções, a condenação da R. a pagar-lhe o valor correspondente às comissões devidas e não pagas pelas vendas directas da R. à revelia da Autora, em violação da cláusula de exclusividade.
Aliás, tal não é sequer posto em causa pela recorrente, pois o que a mesma invoca para afastar a verificação da excepção de caso julgado é que o segundo pedido formulado na primeira acção não foi objecto de pronúncia, não tendo havido decisão quanto ao mesmo, pelo que este pode, sem violação do caso julgado, ser conhecido na presente acção.
Labora, porém, em erro a recorrente, pois o pedido foi efectivamente conhecido na decisão anterior, como se analisou na decisão recorrida.
Com efeito, como consta do ponto 3º-A dos factos provados, a decisão da primeira instância pronunciou-se expressamente sobre o segundo pedido formulado, tendo concluído pela sua improcedência, por não ficar demonstrada quer a celebração da convenção de exclusividade, quer a violação desta (por não estar provado que a R. em seu nome levou a cabo vendas no norte de Portugal que não comunicou à A. – al. e) dos factos não provados).
A aí A., ora recorrente, apelou daquela decisão, tendo invocado nas conclusões do recurso (que fixam o objecto do recurso), no que a esta questão respeita, que o tribunal não se pronunciou sobre a prova ou não prova dos valores de comissões recebidas (qualificando tal situação como omissão de pronúncia), que deveria ser dado como provado que a A. era representante exclusiva da R., bem como o facto da al. d) dos factos não provados (mas não impugnou a resposta dada ao facto da al. e) dos factos não provados), e que errou na qualificação jurídica do contrato (aludiu apenas genericamente na conclusão V) a que o tribunal errou ao “não atribuir à A. o pagamento das respectivas comissões”, mas sem invocar qualquer fundamento para esse erro, que não a impugnação dos factos referidos).
O Tribunal da Relação decidiu todos os pontos da impugnação da matéria de facto, concluindo que, não obstante a procedência parcial desta, não havia lugar à alteração do decidido na primeira instância - o que inclui, naturalmente, a decisão sobre o segundo pedido formulado, independentemente de na fundamentação de direito não ter havido referência específica a esta questão, posto que tal não seria necessário, visto que o fundamento do recurso nessa parte foi unicamente a impugnação da matéria de facto, sendo que esta não obteve provimento quanto à al d) dos factos não provados e a al. e) não fazia parte da impugnação (ora, a alteração do decidido na primeira instância quanto a este segundo pedido sempre implicaria a alteração destes dois factos).
A aí A. interpôs ainda recurso de revista do acórdão da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça, sendo que nas suas conclusões (que fixaram o respectivo objecto) apenas coloca em causa a forma como foi decidida a impugnação da matéria de facto quanto a alguns pontos, neles não incluindo a decisão da al. d) dos factos não provados, pretendendo que seja retirada a conclusão de que “a recorrida retirou um benefício considerável pela atividade desenvolvida pela recorrente”. Quer dizer, as questões a resolver neste recurso contendiam apenas com os vícios invocados quanto à decisão da impugnação da matéria de facto (mas não na parte respeitante aos factos subjacentes às comissões atinentes ao segundo pedido formulado na acção) e com a indemnização de clientela, como foi fixado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (e sem que tivesse sido invocada qualquer nulidade deste aresto por omissão de pronúncia), que não se pronunciou sobre este pedido porque não tinha que se pronunciar, já que não integrava o objecto do recurso de revista, ficando esta questão definitivamente decidida no acórdão do Tribunal da Relação, que confirmou a improcedência deste pedido decidida na primeira instância.
Conclui-se, portanto, que o pedido em questão foi efectivamente conhecido na primeira acção.
Mas, ainda que assim não fosse, tal não legitimaria a recorrente a instaurar nova acção com o mesmo objecto da primeira, para conhecer deste pedido, atento o efeito preclusivo da circunstância de a A. não ter invocado a eventual omissão de pronúncia na primeira acção (note-se que as omissões de pronúncia que a A. invocou nos seus recursos nunca respeitaram à omissão de conhecimento do segundo pedido por si formulado na petição inicial …).
“A preclusão realiza duas funções primordiais. Uma destas é a função ordenatória, dado que a preclusão garante que os actos só podem ser praticados no prazo fixado pela lei ou pelo juiz. Uma outra função da preclusão é a função de estabilização: uma vez inobservado o ónus de praticar o acto, estabiliza-se a situação processual decorrente da omissão do acto, não mais podendo esta situação ser alterada ou só podendo ser alterada com um fundamento específico” - “a preclusão é correlativa de um ónus da parte: é porque a parte tem o ónus de praticar um acto que a omissão do acto é cominada com a preclusão da sua realização” (Miguel Teixeira de Sousa, Preclusão e caso julgado, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. LVIII, 2017/1, págs. 149 a 175, concretamente pág. 150).
Esta preclusão, que começa por ser intraprocessual, “torna-se uma preclusão extraprocessual quando o que não foi praticado num processo não pode ser realizado num outro processo. Importa salientar um aspecto essencial: a preclusão intraprocessual e a preclusão extraprocessual não são duas modalidades alternativas da preclusão (no sentido de que a preclusão é intraprocessual ou extraprocessual), mas duas manifestações sucessivas de uma mesma preclusão: primeiro, verifica-se a preclusão da prática do acto num processo pendente; depois, exactamente porque a prática do acto está precludida nesse processo, torna-se inadmissível a prática do acto num outro processo. Portanto, a preclusão começa por ser intraprocessual e transforma-se em extraprocessual quando se pretende realizar o acto num outro processo” (idem, pág. 153).
Concretizando, se a A. entendia que havia omissão de pronúncia do Supremo Tribunal de Justiça quanto ao segundo pedido por si formulado na petição inicial, teria que ter invocado a nulidade do acórdão, nos termos previstos nos arts. 615º, nº 4, 617º, 666º e 685º do C.P.C.. Não o tendo feito, precludiu o direito de fazer valer a sua pretensão naquele processo, bem como em novo processo, como o presente – sendo que a pretensão de conhecimento do pedido nos presentes autos mais não é do que pretender agora “sanar” uma alegada nulidade por omissão de pronúncia do tribunal no primeiro processo (anote-se, ainda, que a nulidade por omissão de pronúncia nem sequer é fundamento de recurso extraordinário de revisão – cfr. art. 696º do C.P.C.).
Aqui chegados, não resta senão a conclusão de que se verifica, efectivamente, no caso a excepção de caso julgado, tal como decidiu o tribunal recorrido, não merecendo acolhimento a pretensão da recorrente.
*
Resta apreciar a quarta questão, que se prende com a eventual litigância de má fé da A.
A R. recorrente (recurso subordinado) imputa um tal comportamento à A. por, ao instaurar a presente acção, conscientemente deduzir pretensão para a qual sabe não ter fundamento.
Nos termos do art. 542º, nº 2, do C.P.C., a litigância de má fé ocorre quando a parte tiver agido por alguma das formas aí tipificadas, com dolo ou negligência grave.
Pretende-se que as partes, no âmbito da resolução dos seus conflitos em tribunal, se pautem “pelas regras da cooperação intersubjectiva, pela lealdade e pela boa fé processual”, destacando-se “a necessidade de as partes e os seus mandatários colaborarem na resolução do litígio com a maior brevidade” (António Geraldes, Temas Judiciários, vol. I, 1998, pág. 304).
E isto porque o processo não pode ser visto como um campo de batalha, “onde os intervenientes se pudessem «degladiar» sem regras, ou que os comportamentos processuais seguissem os manuais de guerrilha, com o único objectivo de vencer o adversário a todo o custo e sem olhar às consequências” (idem).
Evidentemente que as partes podem lutar para fazer vencer as suas posições, mas “desde que não sejam excedidos certos limites para além dos quais se considera ilegítimo o exercício dos direitos processuais” (ob. e aut. cits., pág. 305).
Daí que há que ter em conta que não é qualquer alteração da verdade que justifica a cominação legal, mas sim uma alteração importante “no contexto da acção ou da defesa”, e ainda que só a negligência grave é punida e já não aquelas “acções ou omissões que, embora censuráveis, não atinjam uma tal gravidade que mereça especial reprovação” (ob. e aut. cits., págs. 316 e 317, 321 e 322).
No caso concreto, afigura-se-nos não ser possível concluir pela existência de uma situação subsumível a qualquer das alíneas do art. 542º, nº 2, do C.P.C..
Na verdade, o que apenas resulta objectivamente da tramitação processual, designadamente dos articulados apresentados pela A., é que o seu mandatário interpretou a decisão do Supremo Tribunal de Justiça no primeiro processo como não conhecendo do segundo pedido aí formulado e que defendeu de forma veemente nos autos que essa situação impedia a verificação da excepção de caso julgado e possibilitava a dedução do mesmo pedido na presente acção. Mas não decorre que o tenha feito propositadamente com a clara consciência da falta de razão da sua pretensão, não resultando também que esta situação se deva a negligência grosseira.
Ou seja, não deixando de existir alguma negligência da parte do mandatário da A. na análise das decisões das três instâncias no anterior processo, nomeadamente do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, e no estudo da questão jurídica da preclusão e da excepção de caso julgado, esta negligência não se afigura resultar de uma conduta levianamente descuidada, mas “apenas” de uma situação de compreensão incompleta desta específica questão.
Não resulta, assim, que o comportamento processual da A., designadamente por intermédio do seu mandatário, se devesse a dolo ou negligência grave por parte da mesma.
Pelo que, embora nos pareça poder considerar-se ter ocorrido negligência por parte da A., que deveria assegurar-se da bondade das suas pretensões, podendo dizer-se que aquela poderia ter sido mais diligente, afigura-se-nos tratar-se aqui de mera imprudência e já não de erro grosseiro ou culpa grave.
Ou dito de outra forma, que terá havido uma lide imprudente da parte da A., mas já não uma lide temerária e muito menos dolosa.
Não resulta, assim, que tenha existido dolo ou negligência grave, nos termos definidos, na forma como a A. actuou processualmente.
Pelo que, não há que a condenar como litigante de má-fé, não merecendo acolhimento a pretensão da R. recorrente no recurso subordinado que apresentou.
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Em face do resultado do tratamento das questões analisadas, é de concluir pela não obtenção de provimento do recurso interposto pela A. e do recurso subordinado interposto pela R., e pela consequente confirmação da decisão recorrida.
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III - Por tudo o exposto, acorda-se em negar provimento a ambos os recursos, confirmando-se a decisão recorrida.
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Custas do recurso interposto pela A. por esta e do recurso subordinado interposto pela R. por esta (art. 527º, nºs 1 e 2, do C.P.C.).
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Notifique.
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Sumário (da exclusiva responsabilidade da relatora - art. 663º, nº 7, do C.P.C.):
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datado e assinado electronicamente
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Porto, 13/11/2025
Isabel Ferreira
Judite Pires
Isabel Peixoto Pereira